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Capítulo 2: A Auto-organização de Henri Atlan e Edgar Morin

2.4. Conclusão Parcial

Vamos agora retomar questões fundamentais levantadas pelos três autores analisados nestes capítulo.

W. Ross Ashby exibe, em seu artigo de 1962 Principies of the Self-

Organizing System, uma argumentação dupla. Por um lado, ele procura demonstrar a

impossibilidade lógica da existência de auto-organização real, no sentido de um sistema que modifique sua organização usando apenas seus próprios recursos: há sempre a necessidade de um sistema-ambiente, que possa prover ao sistema original os meios de sua modificação. Neste caso, falaríamos de auto-organização do sistema composto (sistema original + sistema ambiente).

Por outro lado, Ashby também argumenta a favor da existência de outro tipo de auto-organização: a consolidação de formas, de estados finais estacionários, em sistemas dinâmicos determinados isolados. Este resultado seria inevitável, necessário, em sistemas dotados destas características.

A aparente contradição entre necessidade da relação com um sistema- ambiente, num caso, e a necessidade de isolamento do sistema, no outro, é brevemente contornada por Ashby quando descreve a evolução dos sistemas dinâmicos isolados em direção ao equilíbrio:

Então examine o equilíbrio em detalhe. Você descobrirá que os estados ou formas agora existentes são peculiarmente hábeis em sobreviver às mudanças induzidas pelas leis. Divida o equilíbrio em dois, chame uma parte de “organismo” e a outra parte de “ambiente”. O grau de adaptação e de complexidade que este organismo pode desenvolver é limitado apenas pelo tamanho do sistema dinâmico como um todo e pelo tempo sobre o qual lhe é permitido progredir em direção ao equilíbrio. (tradução nossa)81 82,

“Then examine the equilibrium in detail. You will find that the states or forms now in being are

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peculiarly able to survive against the changes induced by the laws. Split the equilibrium in two, call one part ‘organism’ and the other part ‘environment’. The degree of adaptation and complexity that this organism can develop is bounded only by the size of the whole dynamic system and by the time over which it is allowed to progress towards equilibrium” (Ashby, 1962, p. 272).

Esta operação de “divisão” do sistema é possível pois, na concepção de Ashby, parte das características

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da organização é relacional, diz respeito ao conjunto observador+objeto. A importância dada ao observador é encontrada também em Atlan (quando afirma que o observador “insere” significado no sistema) e em Morin (com seu conceito de “observador-conceptor” que simultaneamente concebe o sistema e o observa).

A formulação de Ashby, desta forma, alerta para a necessidade lógica da existência de um sistema-ambiente para o surgimento de fenômenos de auto- organização, em qualquer das modalidades apresentadas. Esta restrição não aparece apenas na forma de sistemas auto-organizados marginalmente descritos pelo autor, chamados por ele de sistemas “auto-conectados”. Neste caso, teríamos a passagem de um sistema de um estado desorganizado para outro estado organizado. Ainda que tratado apenas brevemente por Ashby, este tipo de fenômeno será analisado por nós em maior detalhe no Capítulo 3, quando da análise da auto-organização primária de Michel Debrun.

Henri Atlan também afirma a necessidade da existência de um sistema- ambiente para o surgimento de fenômenos de auto-organização. Esta necessidade, entretanto, tem natureza física, não lógica:

Como a diminuição da entropia só pode produzir-se num sistema aberto, isto é, pela articulação das interações entre o sistema e o meio, é impossível uma auto-organização no sentido estrito. Se a origem da diminuição da entropia tem que vir de fora, não pode haver, estritamente falando, uma verdadeira auto-organização. (Atlan, 1993, p. 138) 83

Desta forma, Atlan subscreve a advertência de Ashby a respeito da impossibilidade lógica da existência de auto-organização, pois a origem da ordem em um sistema deve vir de fora, do sistema-ambiente. Para o autor francês, entretanto, há a possibilidade de a série de acontecimentos que atuam sobre o sistema não ser organizada; trata-se de perturbações aleatórias, sem nenhuma relação causal com o tipo de organização que aparecerá no sistema. Quando, sob o efeito dessas perturbações aleatórias, o sistema em vez de ser destruído ou desorganizado, reage por um aumento de complexidade e continua a funcionar, dizemos que ele se auto-organiza. Em outras palavras, a propriedade de auto-organização parece estar ligada à possibilidade de ele se servir de perturbações aleatórias, do “ruído”, para produzir organização.

Entretanto, com Debrun, diríamos que a fonte de complexidade e organização pode ser interna, nas interações entre elementos do sistema e seu ajuste no

“D’autre part, une diminution d’entropie ne pouvant se produire que dans un système ouvert, c’est-à-

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dire par le jeu des interactions entre système et environnement, une auto-organisation au sens strict est impossible. L’origine de la diminution d’entropie devant venir de l’extérieur, il ne saurait y avoir, à strictement parler, de véritable auto-organisation” (Atlan, 1979, p. 166).

aqui e agora. Talvez esta seja a grande diferença entre as Teorias da Auto-organização 84

dos dois autores: a ênfase colocada no aleatório, por Atlan, em oposição ao papel central das interações colocado por Debrun. Vimos que Edgar Morin coloca ênfase semelhante a Debrun na interações entre elementos, chegando mesmo ambos a chamarem-nas de “motor” da auto-organização.

Mas há um trecho de Entre o Cristal e a Fumaça que aproxima um pouco mais as noções de Atlan aos outros autores descritos aqui. Por trás de sua argumentação a respeito da importância do ruído como elemento de organização, uma ênfase deve ser dada aos encontros aleatórios (mais do que à própria aleatoriedade):

A constituição do aparelho imunológico numa rede que aprende progressivamente a distinguir o si do não-si no nível celular e molecular evidenciou a utilização de encontros de diversas moléculas ou células ao acaso; são esses encontros que modificam a estrutura da rede e determinam sua orientação posterior mais por uma via do que por outra, e é essa orientação que acaba levando a formar a individualidade celular do sujeito. (Atlan, 1993, p. 237) 85

Procuramos argumentar até aqui que a teoria de sistemas auto-organizados encontra aplicação nas mais diversas áreas do conhecimento, atravessando as fronteiras entre ciências naturais e humanas; além disso, existem várias matrizes teóricas que tentam dar conta de explicar o funcionamento de tais sistemas e fornecer metodologias de aplicação e estudo de fenômenos auto-organizados.

Também apresentamos a perspectiva de Edgar Morin nesse espaço conceitual, com as matrizes principais de seu Método, baseado no estudo de sistemas complexos e chegando aos sistemas auto-organizados. Este autor parte do pressuposto de uma ontologia complexa (ordem + desordem); na verdade, este é um pressuposto

construído nos capítulos iniciais de seu Método e Morin acredita conseguir mostrar que

a realidade não pode deixar de ser complexa. Mas não precisamos partir deste ponto de partida, assumir uma complexidade e um componente desordenado no tecido mais

Ainda que na auto-organização primária o acaso tenha seu papel. Desenvolveremos este tema no

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