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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
ALICE RIBEIRO MELO CRISÓSTOMO
REFLEXOS DA PROGRESSÃO DE REGIME NOS
CRIMES HEDIONDOS
ALICE RIBEIRO MELO CRISÓSTOMO
REFLEXOS DA PROGRESSÃO DE REGIME NOS
CRIMES HEDIONDOS
Monografia apresentada como exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob a orientação do
Professor e Desembargador
Ademar Mendes Bezerra.
ALICE RIBEIRO MELO CRISÓSTOMO
REFLEXOS DA PROGRESSÃO DE REGIME NOS
CRIMES HEDIONDOS
Monografia apresentada como exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob a orientação do
Professor e Desembargador
Ademar Mendes Bezerra.
Aprovada em: ___/___/____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Professor Ademar Mendes Bezerra – Orientador da Faculdade de Direito (UFC)
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará
___________________________________________
Professora Carla Brizzi – Mestre em Ordem Jurídica Constitucional
Professora da Faculdade Christus
___________________________________________
Sacha Pessoa Avelino Santos – Advogada
A Deus, pai de todas as horas, fonte de ânimo e perseverança
AGRADECIMENTOS
Ao Professor e Desembargador Ademar Mendes, pela atenção dispensada e quesitos esclarecidos no desenvolvimento desta monografia;
Ao Professor Dr. Nestor Santiago, pelas considerações iniciais durante a primeira fase de execução deste estudo;
À Professora Carla Brizzi, pelos esforços em participar da banca examinadora; À Advogada Sacha Pessoa, pela gentileza em compor a banca;
Ao professor Flávio Gonçalves, pela compreensão em oportunizar a apresentação deste estudo;
À Samuel Colares, pela distinta atenção em secretariar os trabalhos desta monografia; À pastora Aldenora Silva e aos amigos das salas da OAB no Fórum Clóvis Beviláqua, Fernandes, Júnior e Livramento, sempre gentis em ceder os meios para a realização das pesquisas;
Aos amigos de caminhada cristã, André Maia, Lílian Santos, Matheus Júnior, Paulo Augusto, Raoni de Oliveira, Rebeca Farias, e pastores, pelo incentivo e apoio;
i realmente, mas, a quem deseja conquistá-la, ela indica o caminho dos perigos; é prometida a quem por ela arrisca a vida, nunca é prêmio de um desejo indolente. Giovanni Berchet
RESUMO
Investiga a progressão de regime nos crimes hediondos com o objetivo de
identificar os argumentos que justificam a inconstitucionalidade, reconhecida pela
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no HC 82.959-SP, do artigo 2º, parágrafo
1º, da Lei de Crimes Hediondos (LCH), bem como esclarecer acerca dos efeitos e
conseqüências jurídicas da referida decisão ante a nova redação trazida pela Lei
11.464, publicada em 29 de março do corrente ano, focando nas questões acerca do
efeito da referida decisão, abordando a Reclamação 4335, e as referentes à coisa
julgada material, frente aos novos pedidos de progressão.
Palavras Chave: Progressão de Regime. Crime Hediondo. Habeas Corpus
ABSTRACT
It investigates the progression of regime in heinous crimes with the objective of
identifying the arguments that justify the unconstitutional, recognized by the decision of
the Federal Supreme Court (STF) in the HC 82959-SP, Article 2 thereof, paragraph 1 st,
the Law of Crimes Hediondos (LCH ), and explain about the effects and legal
consequences of that decision before the new writing brought by Law 11464, published
on March 29 this year, focusing on issues about the effect of that decision, addressing
the Complaint 4335, and the related the thing judged material, facing the new demands
of progression.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO... 11
1 CRIMES HEDIONDOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS E PRINCIPAIS CRÍTICAS... 16
1.1 Definição... 17
1.2 Vedações da LCH: Excessos do legislador ordinário?... 18
2 RELEVÂNCIA DOS VALORES CONSTITUCIONAIS... 21
2.1 Princípio da Individualização da Pena... 22
2.2 Princípio da Humanidade e Princípio da Dignidade Humana... 27
2.3 Princípio da Culpabilidade... 31
3 PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL E CRIMES HEDIONDOS... 33
3.1 Conceito e Requisitos... 35
3.2 Noção acerca dos Regimes Prisionais... 39
3.3 Embates da Doutrina e da Jurisprudência acerca da Progressão... 41
3.4 Artigo da Lei de Tortura que possibilita a progressão e a súmula do STF... 46
4 LEI 11.464/2007: NOVA LEI DE CRIME HEDIONDO... 49
4.1. Propostas de Alteração da LCH... 50
4.2. Diploma legal mais benéfico?... 54
5 INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA DECISÃO DO STF E A LEI 11.464/07: REFLEXOS E CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS... 57
5.1 A decisão frente aos demais pedidos de progressividade: ocorre vinculação?.. 61
5.2 A Coisa Julgada e o papel dos Juízes da Execução... 69
5.3 Efeitos práticos: Combinação de duas leis penais?... 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS... 79
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF – Constituição Federal do Brasil de 1988
CP – Código Penal Brasileiro de 1940
CPP – Código de Processo Penal
HC – Recurso de Habeas Corpus
HC - AgR – Agravo Regimental no Habeas Corpus
inc. – inciso
LCH – Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)
LEP – Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84)
PL – Projeto de Lei
RCL – Reclamação 4335
RHC - Recurso em Habeas Corpus
11
INTRODUÇÃO
Vigorando desde 25 de julho de 1990, ou seja, há 17 anos, a Lei de Crimes
Hediondos (LCH), Lei nº 8.072/90, volta a ter um dos seus artigos objeto de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), não significando um mero
embate formal, mas uma apreciação social diante dos objetivos por ela não alcançados,
aproveitando-se da nova composição da Corte.
O ponto discutível foi levantado no Habeas Corpus nº 82.959-SP impetrado por
condenado a atentado violento ao pudor, conduta típica enunciada no rol dos crimes
hediondos, e que, no dia 23 de fevereiro de 2006, por seis votos a cinco1, abriu
entendimento para se reconhecer inconstitucional o dispositivo da Lei que veda a
progressão de regimes para os crimes hediondos e assemelhados, em seu artigo 2º,
parágrafo 1º, onde se lê: „a pena por crime previsto neste artigo será cumprida em
regime integralmente fechado‟.
Os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e
Sepúlveda Pertence votaram com o relator Marco Aurélio pela permissão do regime
progressivo, enquanto os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie,
Celso de Mello e Nelson Jobim, presidente da sessão plenária, votaram pela
permanência da proibição.
1
Debates acerca da Política Criminal no Brasil já consideravam de repercussão
assustadora, a idéia de permissão da progressividade, principalmente porque não se
teria feito nenhuma distinção de periculosidade ou gravidade da infração, não estando a
sociedade também nenhum pouco preparada para receber os transgressores da lei.
O que de fato se constata, em meio às discussões geradas a partir dessa
recente posição do STF, é uma grande celeuma muito mais envolvida por questões
sociais do que simplesmente pragmatismos formais.
Nesse contexto, vale lembrar a lição de Eduardo Araújo da Silva2:
“(...) é em razão dos alarmantes índices de criminalidade e da inércia do Estado, em gerar políticas públicas eficazes para contornar a crise social sem precedentes que assola o país, que o Direito Penal aparece como o grande vilão, em razão da falsa expectativa criada quanto ao seu papel de sanear todos os problemas que afligem a sociedade. Daí ocorrerem abusos na edição de leis
penais, levando à banalização do Direito Penal”.
A utilização das normas penais, como meio de controle social, para responder
aos clamores de uma sociedade que busca, a qualquer custo, diminuir os índices de
violência e criminalidade, pode significar a existência de tipos penais iníquos e instituir
penas vexatórias à dignidade da pessoa humana, desatendendo ao critério de
razoabilidade.
O que se acompanha é que com a influência da mídia os novos anseios sociais
são diuturnamente tipificados como delitos, gerando, como conseqüência, “produções
legislativas sumárias e pouco discutidas por parte dos parlamentares”3, comprometendo
diretamente bens jurídicos relevantes do ser humano. Essa é a realidade atribuída à
edição da LCH e de seu dispositivo vedando a progressividade de regimes.
2Mencionado no estudo de Cláudio José Palma Sanchez, Perspectivas dos Princípios Constitucionais
no Campo Penal. Disponível em: <http://www.unitoledo.br>. Acesso em: 23 de agosto de 2006.
3
FIGUEIREDO, Isabel. KNIPPEL, Edson. Pacote Precoce. Disponível em:
No mesmo sentido foi o pronunciamento do ministro-relator Marco Aurélio4, em
seu voto, ao se referir sobre a Lei de Crimes Hediondos:
“(...) a Lei nº. 8.072/90 contém preceitos que fazem pressupor não a observância de uma coerente política criminal, mas que foi editada sob o clima da emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade (...)”.
Assim, em resposta ao posicionamento do STF, nova redação da LCH foi votada
pelo Congresso Nacional e publicada em 29 de março de 2007. Entrou em vigor a Lei
11.464/07 definindo o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena, e
estabelecendo o critério temporal para a concessão do benefício da progressão.
Entretanto, novas questões e dúvidas surgiram com o novo posicionamento
proferido pelo STF, das quais se destaca: Que argumentos justificam a progressividade
para tais crimes? A decisão do STF tem efeito vinculante? Representa o fim da coisa
julgada? Essas questões são importantes para se estabelecer qual o procedimento ante
as sentenças proferidas após a nova lei, 11.464/07, e as sentenças pronunciadas antes
do advento da referida nova lei, mas após a decisão do STF no HC 82.959.
Em meio às divergências que ainda existem, este trabalho se propõe a investigar
a posição da jurisprudência e da doutrina acerca do assunto, bem como esclarecer as
questões que envolvem os efeitos e as conseqüências da referida decisão e da Lei
11.464/07 para a prática jurídica.
Inicia-se trazendo noções gerais acerca da Lei de Crimes Hediondos e de seus
pontos conflitivos com a Constituição Federal, segundo a crítica, seguido de tópicos que
4
permitem a compreensão dos motivos que ocasionam tantas polêmicas em torno das
vedações autorizadas pelo legislador ordinário.
O segundo capítulo abordará os princípios constitucionais norteadores que
funcionam como limites ao legislador e ao aplicador dos postulados penais, bem como
a relevância da observação destes, dando-se ênfase àqueles que são tidos como
desrespeitados com a vedação do regime progressivo, quais sejam: individualização da
pena, humanidade, dignidade da pessoa humana e culpabilidade.
O terceiro capítulo tratará das noções gerais acerca da progressão de regimes, e
dos regimes prisionais pátrios, apresentando os argumentos que já justificavam a sua
aplicação junto aos casos de crimes hediondos, antes mesmo do pronunciamento
favorável do STF.
O quarto capítulo apresenta o novo diploma legal que disciplina a progressão
para os crimes hediondos, qual seja a Lei 11.464/07, explicitando também a
repercussão da temática nos diferentes setores da sociedade e membros do Poder
Legislativo, frente às iniciativas de propostas que requeriam alterações na LCH e que
culminaram na criação daquela lei.
Busca-se, após esses esclarecimentos, necessários para melhor entendimento
da temática, permitir a compreensão, no quinto capítulo, das conseqüências
processuais e dos efeitos gerados a partir da decisão do STF e da vigência da Lei
11.464/07, focando nas questões acerca do efeito vinculante da decisão, da existência
da coisa julgada, salientando controvérsias existentes entre doutrinadores, incluindo
A metodologia utilizada caracteriza-se por ser um estudo investigativo
desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e artigos publicados na internet. E
quanto aos objetivos da pesquisa, buscar-se-á ser descritiva e explanatória, agregando
a interdisciplinaridade da ciência jurídica em conceitos próprios do direito constitucional.
Assim, o presente estudo não tem a intenção de ser um tratado ou esgotar tão
amplo e recente assunto, mas indicar linhas mestras indispensáveis para que o leitor
possa traçar entendimento próprio com relação à aplicação da progressividade nos
crimes hediondos e assemelhados, e ter mecanismos de atuação ante os casos
1 CRIMES HEDIONDOS: CONSIDERAÇÕES GERAIS E PRINCIPAIS
CRÍTICAS
Em 1990, como inovação do Direito Penal e Processual Penal, o legislador
brasileiro aprovou a Lei nº 8.072, que introduziu no ordenamento jurídico a figura dos
crimes hediondos e equiparados. Cuida-se de texto legal que constitui um marco na
legislação pela rigidez que conferiu à execução da pena.
A promessa de que leis penais duras5 acabam ou diminuem as taxas da
criminalidade constitui a base da política punitivista. Observe-se que antes dessa lei
ordinária não existia outra que restringisse direitos considerados absolutos, inatacáveis.
A finalidade foi de impor um regime mais rigoroso em matéria de pena e procedimento
penal para pessoas que incorressem nos crimes enumerados em seu artigo 1º.
Vale descrever um excerto do voto do ministro Marco Aurélio acerca desse rigor
imposto pela lei:
“(...) teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade ímpar, a merecer, ele, o afastamento da humanização da pena que o regime de progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e à vida continuada em ambiente criado para atender a situação das mais anormais e que, por isso mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada ressocialização (...) Por ela, os enquadráveis nos tipos aludidos são merecedores de tratamento diferenciado daquele disciplinado
5O advogado Gustavo Vaz Salgado define esse contexto afirmando que “A influência do movimento
no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, ficando sujeitos não às regras relativas aos cidadãos em geral, mas a especiais (...)”.
O fundamento constitucional da Lei nº 8.072/90 está no artigo 5º da Constituição
Federal, capítulo que trata dos Deveres e Direitos Individuais e Coletivos, inciso XLIII,
ao asseverar que: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”; (grifo nosso).
Logo, as conseqüências penais e processuais da referida lei se aplicam às
figuras típicas nela contida e às enunciadas na Constituição, estas, portanto, cláusulas
pétreas, quais sejam o terrorismo, a tortura (Lei nº 9.455/97), e o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins (Lei nº 6.368/76), chamados de crimes equiparados a
hediondos.
1.1 DEFINIÇÃO
A definição de crime hediondo não é da doutrina ou da jurisprudência, nem é o
que se mostra repugnante ou cruel, no dizer de Alberto Silva Franco6, “por sua
gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execuções, ou pela finalidade do
agente”, mas advém da própria Lei nº 8.072/90, que elencou um rol taxativo previsto em
seu artigo 1º, exercendo a autorização constitucional para defini-los, fazendo-o, porém,
sem conceituar o significado da expressão “crime hediondo”.
O legislador infraconstitucional optou, para Franco, por “rotular como hediondo
alguns tipos já descritos no Código Penal ou em legislação penal especial” (como é o
caso do crime de genocídio). Para os críticos, isso dá margem a distorções e extrema
6
abrangência das figuras típicas elencadas (beijo lascivo ou leves toques corporais
estariam inseridos na figura do atentado violento ao pudor, porque no conceito da figura
delitiva não há nenhuma limitação, por exemplo), levando à afirmação de haver atecnia
do legislador ao elaborar o texto legal.
1.2 VEDAÇÕES DA LCH: EXCESSOS DO LEGISLADOR ORDINÁRIO?
Além da falha na definição, a LCH apresenta outros pontos de fracasso.
Observe-se que como concreção da norma constitucional objetivou restringir, ao
máximo, e de forma rigorosa, “benefícios processuais (como fiança, liberdade
provisória, recurso em liberdade, livramento condicional, etc) e substanciais (como
anistia, graça, indulto etc) aos crimes denominados hediondos e assemelhados”7,
erigidos à posição de direitos fundamentais da sociedade, indispensáveis à
manutenção do bem comum. É legislação marcada pelo caráter retributivo e pela
prevenção especial, na opinião de seus críticos.
Entretanto, o texto constitucional em seu artigo 5º, LIII, centra-se em excluir a
fiança e em proibir o reconhecimento do benefício da anistia. Apenas e tão-somente,
repisa-se, não se referindo à liberdade provisória8. Logo, lei infraconstitucional, continua
a crítica, não poderia ir além, arvorando-se ao constituinte, proibindo também a
possibilidade da liberdade provisória9, a concessão de indulto10 e tornando obrigação o
7
ALMEIDA, Herivelto de. Trecho do Parecer do 2º Promotor de Justiça em 27/03/2006. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br>. Acesso em: 22 de agosto de 2006.
8“É aquela concedida em caráter temporário ao acusado a fim de se defender em liberdade”. Prevista no
art. 5º, XLVII, CF/88. Dicionário Jurídico. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br>. Acesso em: 25 de agosto de 2006.
9 LCH: Art. 2º. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e
o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
cumprimento da pena no regime integralmente fechado, não traduzindo o espírito
democrático ínsito à Constituição Federal. Confronta, a vedação à liberdade provisória,
o Princípio da Presunção de Inocência11, e a concessão de indulto é prevista no artigo
constitucional 84, XII, como de competência discricionária do Chefe do Poder
Executivo.
Torna mais rigorosa também a alternativa do livramento condicional (artigo 83, V,
CP), relembrando a figura do reincidente específico, consagrando hipóteses de delação
premiada (artigo 8º, parágrafo único, LCH; artigo 159, parágrafo 4º, CP) e aumento de
pena (artigo 6º, LCH).
A Lei Maior traz o entendimento de que qualquer que seja o comprometimento
assumido pela pessoa no fato criminoso, seja como mandante, executor ou omitente
que pudesse evitar o fato delituoso, responderá penalmente pela conduta praticada.
Conforme se previu, a lei, criada como resposta de uma postura político-criminal
dos governantes, “fracassou na sua intenção de reduzir os índices de criminalidade no
país”, afirma Almir Teixeira12. Acrescenta ainda que apenas “serviu, sim, para
incrementar a violência. A reclusão de homens e mulheres, jovens em sua grande
maioria, por períodos exageradamente longos nos precários cárceres brasileiros, em
situação vergonhosamente violadora de direitos humanos fundamentais, contribuiu em
10 “Perdão que libera o condenado do cumprimento parcial ou total da pena que lhe foi imposta. É uma
medida de caráter coletivo, embora, na sua concessão possam vir nomeados os beneficiários. Só o Presidente da República pode conceder o indulto, sempre após parecer do Conselho Penitenciário,
embora não fique vinculado a esse parecer”. Dicionário Jurídico. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br>. Acesso em: 25 de agosto de 2006.
11 CF/88: Art.5º, LVII.
12TEIXEIRA, Almir. Lei dos Crimes Hediondos abarrotou presídios e não diminuiu criminalidade.
muito para o aparecimento de uma criminalidade mais violenta”. Os presídios brasileiros
formam ou requalificam “novos profissionais do crime a cada dia”. E os índices de
reincidência bem ilustram essa realidade, segundo o estudo desenvolvido pelo Instituto
Latino Americano das Nações Unidas (Ilanud), citado por Teixeira.
Vale lembrar que, dentre as vedações estabelecidas pela LCH, o objeto deste
estudo tem enfoque e se desenvolve no que se refere à progressão de regimes.
Ocorre que há princípios constitucionais básicos dos quais o juiz deve seguir ao
aplicar a pena, ressaltando, além dos aspectos retributivos, os aspectos preventivos da
mesma. No capítulo seguinte, deter-se-á especial atenção aos princípios afrontados
com a vigência da Lei de Crimes Hediondos, ao inserir em seu texto a obrigatoriedade
ao regime integralmente fechado, quais sejam: individualização da pena, humanidade,
21
2 RELEVÂNCIA DOS VALORES CONSTITUCIONAIS
A sanção penal deve respeitar os ditames da Constituição Federal, que já no seu
artigo 1º, III, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil enquanto Estado Democrático de Direito.
Primeiramente, reporte-se à noção de princípio. Este significa “norma elementar,
base, alicerce que se fixa para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, nesta
acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente
instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal”.13
Importante ressaltar que há na doutrina destaque aos princípios constitucionais
na aplicação dos institutos do Direito Penal, que podem, inclusive, serem divididos em:
explícitos, que são os elencados de forma expressa e inequívoca no texto
constitucional; e implícitos, que estão contidos em normas constitucionais e delas são
deduzidos.
Por isso, os princípios podem ou não estar nas normas, mas serão sempre
bases do Direito. Os valores constitucionais terão como principal função no Direito
Penal limitar a atividade do legislador, que necessariamente deverá respeitar
especialmente o princípio da intervenção mínima. Este assevera que a criminalização
13
de um fato só é autorizada quando não houver outro modo para se proteger o bem
jurídico.
Dessa forma, pode-se concluir que os princípios constitucionais penais são
suportes básicos para o legislador buscar cada vez mais o aprimoramento da
criminalização das condutas, de tal forma que o Direito Penal alcance a finalidade
precípua de atuação eficaz na realização da paz social, não se afastando, contudo, das
garantias e direitos fundamentais assegurados a todos os cidadãos.
É bem verdade que a pena criminal é essencialmente retributiva, ou seja, um
castigo proporcional à conduta ilícita e culpável do agente. Expressa uma exigência
inarredável de sua legitimidade e da própria idéia de Justiça.
O legislador estabelece as sanções passíveis de serem aplicadas aos acusados
de infração penal e estabelece parâmetros para a fixação judicial da pena, em concreto.
Dentro desses parâmetros, goza o juiz de relativa liberdade. Além das regras legais
preestabelecidas, reforce-se que este não pode deixar de observar certos princípios
fundamentais, expressos ou implícitos no ordenamento jurídico, conforme dito
anteriormente.
2.1 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
Por esse princípio, a pena deve ser “individualizada nos planos legislativo,
judiciário e executório, evitando-se a padronização da sanção penal. Para cada crime
tem-se uma pena que varia de acordo com a personalidade do agente, o meio de
execução etc”14.
14Comentários ao art. 5º, inc. XLVI, 1ª parte, da Constituição Federal. Dicionário Jurídico. Disponível em:
A legislação constitucional pátria consagrou o dito princípio no artigo 5º, inciso
XLVI, dispondo que: "a lei regulará a individualização da pena".
Anote-se que a individualização da pena passa necessariamente por aquelas
três fases distintas, quais sejam, a legislativa, a judicial e a executória ou administrativa.
Seguindo o didático ensino tratado por Cláudio Sanchez15 em seu artigo acerca dos
princípios, aborde-se cada uma delas e seu momento de atuação:
“1ª. fase: Legislativa. No primeiro momento, a lei delimita as penas para cada tipo de delito, guardando proporcionalidade com a importância do bem jurídico defendido e com o grau de lesividade da conduta. Estabelecem-se as espécies de penas que podem ser aplicadas, de forma cumulativa, alternativa ou exclusiva, além das regras que possibilitam ulteriores individualizações;
2ª. fase: Judicial. Ocorre a individualização realizada pelos magistrados. Diante das diretrizes fixadas pela legislação, o juiz vai decidir quais das penas existentes deve ser aplicada e qual a sua quantidade, dentro dos limites trazidos no preceito penal secundário, determinando, inclusive, o meio de sua execução. As regras básicas da individualização da pena, em nosso Código Penal, estão previstas no artigo 59 e não podem deixar de ser observadas pelo juiz;
3ª. fase: Última etapa da individualização da pena ocorre com sua execução e é denominada de individualização administrativa ou individualização executória. (...) Assevera Aníbal Bruno "aí é que a sanção penal começa verdadeiramente a atuar sobre o delinqüente, que se mostrou insensível à ameaça contida na cominação". (...) Alguns preceitos constitucionais devem ser respeitados nessa etapa. No artigo 5º, inciso XLIX, diz ser "assegurado aos presos o respeito a integridade física e moral". Já no inciso XLVIII, do mesmo artigo, está posto que o cumprimento da pena se dará em estabelecimentos que
atendam "a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado"”. (grifos nossos).
As finalidades almejadas com a individualização da pena, segundo a doutrina,
devem sempre “transcender o caráter retributivo, alcançando o ressocializador, por sua
própria definição”. Faz-se presente, juntamente com o princípio da individualização, o
princípio da legalidade (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a
devida cominação legal). O primeiro visa a legalizar a finalidade da pena definida no
Código Penal Brasileiro, na parte final de seu artigo 59, "conforme seja necessário e
15
suficiente para reprovação e prevenção do crime", consagrando o princípio da pena
necessária. O segundo busca garantir o direito de liberdade.
Este princípio fornece critérios para a quantificação da pena, ao recomendar ao
juiz que examine o artigo 59 do Código Penal, atentando para a culpabilidade, a
conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e
conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima. Desse exame
resultará a fixação da pena base, sobre a qual incidirão as circunstâncias agravantes e
atenuantes e, depois, na terceira e última fase, as causas de aumento e de diminuição,
eventualmente existentes.
Fica notório que a reforma penal de 1984, incidindo sobre o artigo 59, ampliou
consideravelmente os poderes do juiz criminal, permitindo-lhe, certa autonomia para, no
curso da execução da pena, escolher uma dentre as penas cominadas, bem como fixar
o regime inicial de cumprimento, se fechado, semi-aberto ou aberto.
Sanchez encerra este princípio em dois institutos, como se pode observar: a
fixação do quantum e a definição da espécie de pena. Menciona ainda que “o juiz
desenvolve o raciocínio no âmbito da Teoria do Delito (tantas vezes com profundidade),
sem por vezes levar em consideração o sentido e a repercussão que a sanção trará ao
caso concreto (Teoria Geral da Pena)”. Cumpre, salientar, a finalidade da pena no caso
concreto, não ficando o juiz como “mero aplicador da lei, como se fosse mero carimbo
do legislador”. “Deve raciocinar com lei, sim, todavia, em função do Direito. O juiz como
entendimento, Luis Vicente Cernichiaro16, repisa: “o juiz (insista-se, agente político)
precisa eleger a solução, que, além de legal, tenha também legitimidade”.
Mesmo o ministro do STF Marco Aurélio17 entendeu, quando se pronunciando
acerca do tema, que a garantia de individualização da pena, inserida no rol dos direitos
assegurados pelo artigo 5º da Constituição Federal, inclui a fase de execução da pena
aplicada, tornando-se “inviável afastar a possibilidade de progressão do respectivo
regime de cumprimento da pena”, orientação seguida também por outros ministros da
Suprema Corte, senão, vejam-se as jurisprudências:
Ementa
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e semi-aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA
LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO
JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (original sem grifo)
STF, HC 88159 / RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 28/11/2006, DJ 19-12-2006.
Ementa
EMENTA: 1. Júri: quesitos: evidenciando-se da leitura da sentença e do acórdão da apelação a existência de mero erro material na transcrição das respostas dos jurados, não há como, no procedimento sumário e documental do habeas corpus, afastar a conclusão das instâncias de mérito. 2. Habeas corpus: pedidos de revogação da prisão preventiva e desaforamento prejudicados, dada a manutenção da condenação, que constitui novo título da prisão. 3. Crime hediondo: regime de cumprimento de pena: progressão. Ao julgar o HC 82.959, Pl., 23.2.06, Marco Aurélio, Inf. 418, o plenário do Supremo Tribunal declarou, incidentemente, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da L.
16CERNICHIARO, Luis Vicente. Aplicação da pena. Disponível em: <http://www.redebrasil.inf.br>.
Acesso em: 29 de agosto de 2006.
17
8.072/90 - que determina o regime integralmente fechado para o cumprimento de pena imposta ao condenado pela prática de crime hediondo - por violação da garantia constitucional da individualização da pena (CF., art. 5º, LXVI). 4. Habeas-corpus: deferimento da ordem, de ofício, para fixar o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena imposta ao paciente. (original sem grifo)
STF, HC 88249 / BA – BAHIA, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 02/05/2006, DJ 23-06-2006.
Ementa
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE
PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. PEDIDO ALTERNATIVO DE
DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CAUSA DE AUMENTO DO INCISO III DO ART. 18 DA LEI Nº 6.368/76. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DO ÓBICE INCONSTITUCIONAL À PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. Não existe ilegalidade na decisão que condenou os acusados, fundamentada nas provas produzidas durante a instrução criminal. O Supremo Tribunal Federal não pode, em sede de habeas corpus, reapreciar o conjunto probatório dos autos para identificar eventual injustiça na condenação. A desclassificação para a causa de aumento de pena prescrita no inciso III do art. 18 da Lei nº 6.368/76 exige aprofundado exame de prova e outros dados empíricos. Exame incabível em habeas corpus, que é via processual de verdadeiro atalho. O Plenário deste Supremo Tribunal Federal já declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 (HC 8.959), por entender que proibir a progressão de regime penitenciário é contrariar a garantia constitucional da individualização da pena. Ordem deferida parcialmente para afastar o óbice à progressão, determinar ao juízo de execução que prossiga na avaliação dos demais requisitos objetivos e subjetivos para a obtenção do benefício (arts. 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, C/C o art. 112 da LEP) e colher a manifestação formal do diretor do presídio quanto ao 'bom comportamento' carcerário do apenado (palavras da lei), mas sem se limitar a tal manifestação. (original sem grifo)
STF, HC 86205 / MG - MINAS GERAIS, Relator (a): Min. CARLOS BRITTO, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 19/09/2006, DJ 17-11-2006.
Assim é que a boa doutrina entende a individualização da pena englobando não
somente a aplicação da pena propriamente dita, mas também a sua posterior
execução, com os benefícios previstos na Lei de Execução Penal, entre eles a
progressão de regime. O já referido artigo 59 do Código Penal indica induvidosamente
que o regime de cumprimento da pena é parte integrante do conceito “individualização
da pena”, caso contrário, ferem-se as “finalidades de prevenção (intimidação),
2.2 Princípio da Humanidade e Princípio da Dignidade Humana
O outro princípio enfatizado é o da humanidade ou humanidade das penas.
Representa postulado tipicamente iluminista que surge em oposição aos abusos e
arbitrariedades tão próprios da Idade Média.
Em seu corpo, a Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da
humanidade em vários de seus artigos. Cláudio Sanchez reuniu alguns, reforçando a
importância deste princípio, conforme abaixo:
“(...) no artigo 5o, inciso XLIX, que:” é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral “. O próximo inciso do mesmo artigo assevera que: "às presidiárias são asseguradas as condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação". Ainda mais enfatizante é o inciso XLVII, do citado artigo, que dispõe: "não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis" (...) ”.
Além da garantia constitucional de que a pena deve ser executada
humanitariamente, o princípio vem previsto na Lei de Execuções Penais (Lei nº
7.210/84), a qual, em seu artigo 3º, caput e parágrafo único, determina que: “Ao
condenado e ao internado são assegurados todos os direitos não atingidos pela
sentença ou pela Lei. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa
ou política”. O Código Penal resguarda a humanidade das penas em seu artigo 38: "O
preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a
todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral". Logo, qualquer
pessoa custodiada pelo Estado deve ser tratada como ser humano, e não como objeto
Mencionando o professor Damásio de Jesus, o jurista Leonardo Marcondes
Machado18 lembra que “esse princípio deverá ser observado antes do processo (artigo
5º, LXI, LXII, LXIII e LXIV, da CF), durante o processo (artigo 5º, LIII, LIV, LV, LVI e
LVII, da CF) e na execução da pena (artigo 5º, XLVII, XLVIII, XLIX e L, da CF)”.
Menciona ainda a função desse princípio:
“A humanização das penas apresenta-se como uma diretriz de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relacionando-se de forma estreita com princípios da culpabilidade e da
igualdade”.
Na legislação internacional, pode-se exemplificar o respaldo desse princípio na
Declaração dos Direitos do Homem19, que disciplina em seu artigo 5o que: "ninguém
será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante",
estando no mesmo pensamento a Convenção Internacional sobre Direitos Políticos e
Civis20, de 1966, que dispõe em seu artigo 10, inciso I: "o preso deve ser tratado
humanamente, e com o respeito que lhe corresponde por sua dignidade humana".
Comprova-se a repercussão deste princípio na jurisprudência:
“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE.
Tendo sido recepcionado pela Constituição da República o sistema progressivo de cumprimento de pena, constante do Código Penal e da Lei de Execução Penal, negá-lo ao condenado por crime hediondo gera descabida afronta aos princípios da humanidade das penas e da sua individualização. Agravo
regimental a que se nega provimento” (original sem grifo).
STJ, Sexta Turma, AGRESP 617054/RS, Relator Ministro Paulo Medina, j. em 31.05.2005, DJ de 01.08.2005, p. 586.
“PENA - Tóxico - Tráfico - Regime integral fechado - Artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - Dispositivo que fere o princípio constitucional da individualização da
18MACHADO, Leonardo Marcondes. O princípio da humanidade das penas e os Tribunais Pátrios.
Revista Juristas. Número 85. Disponível em: <http://www.juristas.com.br>. Acesso em: 20 de agosto de 2006.
19SANCHEZ, Cláudio José Palma. Ob. Cit. 20
pena e colide com o princípio da humanização das sanções criminais - Tratamento mais benigno dado pela Lei n. 9.455/97 - Incidência sobre os demais delitos hediondos - Fixação do regime inicial fechado - Recurso
parcialmente provido” (original sem grifo).
TJSP, Terceira Câmara Criminal, Relator Desembargador Gonçalves Nogueira, Apelação Criminal n. 312.157-3, Santa Bárbara D'Oeste, 07.11.00.
Registre-se que parte da doutrina faz questão de separar o princípio da
humanidade do princípio da dignidade ou dignidade humana. Entretanto, para melhor
compreensão, neste estudo, serão tratados conjuntamente, posto “que a dignidade da
pessoa humana, nada mais é, que um elemento integrante do conceito maior de
humanidade” 21.
Inclusive, em seu editorial, a Associação Juízes para a Democracia22 (AJD) frisa
entendimento neste sentido, ao proferir:
“um dos fundamentos da nossa República, que se constitui em Estado Democrático de Direito, é a dignidade da pessoa humana, atributo que o condenado não perde e que é suporte de todos os direitos humanos consagrados, notadamente na Constituição Federal. Daí decorre o princípio da humanidade da pena, estabelecido pelo artigo 5º da Constituição Federal,
incisos III, XLVII, XLVIII, XLIX e L”. (grifo nosso)
Assim Rogério de Vidal Cunha23, em seu artigo, ressalta:
“A humanidade das penas decorre do corolário da dignidade da pessoa humana, pois não basta para as pena que não sejam cruéis fisicamente, como a aflição de ferimentos, ou a pena de morte, a pena não pode revestir-se de crueldade ao ser humano como ente vivo cuja dignidade da existência encontra amparo constitucional, o que exige que, na lição de Jescheck, citado por Luiz Flávio Gomes: "todas as relações humanas que o Direito Penal faz surgir no mais amplo sentido se regulem sobre a base de uma vinculação recíproca, de uma responsabilidade social frente ao delinqüente, de uma livre disposição à ajuda e assistência sociais e de uma decidida vontade de recuperação do condenado (...) dentro dessas fronteiras, impostas pela natureza de sua missão, todas as relações humanas reguladas pelo Direito Penal devem estar presididas pelo princípio da humanidade”.
Segundo Michel Foucault, a própria pena restritiva de liberdade já seria uma desumanidade no sentido de que, em seu entender, não produz os efeitos
21MACHADO, Leonardo Marcondes. Ob.cit.
22Editorial AJD. Não à desjurisdicionalização. Disponível em: <http://www.ajd.org.br>. Acesso em: 25
de agosto de 2006.
23
práticos desejados de prevenção especial (em relação ao infrator) tendo pouco efeito no campo da prevenção geral (em relação à comunidade), assim argumentando: "A idéia de reclusão penal é explicitamente criticada por muitos reformadores. Porque é incapaz de responder à especificidade dos crimes. Porque é desprovida de efeito sobre o público. Porque é inútil à sociedade, até nociva: é cara, mantém os condenados na ociosidade, multiplica-lhe os vícios. Porque é difícil controlar o cumprimento de uma pena dessas e corre-se o risco de expor os detentos à arbitrariedade de seus guardiões. Porque o trabalho de privar um homem de sua liberdade e vigiá-lo na prisão é um exercício de
tirania”. (grifos nossos)
Vidal Cunha lembra ainda Cesare Beccaria que afirmava a razão de se aplicar a
humanidade: “entre as penas, e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos
delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a
impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do
culpado”.
A mestra em Direito, Cristiane Rozicki24, explica que “o princípio da dignidade é
entendido como a exigência imperativa, um valor que não é relativo por ser
simplesmente intrínseco ao ser humano. O ser objeto da dignidade é o homem”.
Conceitua o princípio como sendo “um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os
direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”. Cita ainda Fernando Ferreira
dos Santos que defende:
“a dignidade é um princípio absoluto; e que o mesmo impõe "[...] a afirmação da
integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável [...]", tratando da função constitucional estrutural dos direitos fundamentais, que são a "conditio sine qua non" do Estado Democrático. Avisa, Edilson Pereira Nobre Júnior, que a adoção da dignidade como valor básico do Estado Democrático de Direito veda as possibilidades de coisificação da pessoa humana.” (grifo nosso).
José Canotilho25 explicita ser a dignidade da pessoa humana uma referência
constitucional que unifica os direitos que resguardam o homem, pois:
24ROZICKI, Cristiane. Qual é o valor da vida? Disponível em:
<http://www.mail-archive.com/direitos_humanos@yahoogrupos.com.br/msg01448.html>. Acesso em: 28 de agosto de 2006.
25
“fundamenta e confere unidade não apenas aos direitos fundamentais – desde os pessoais (direito à vida, à integridade física e moral, etc.) até aos direitos sociais (direito ao trabalho, à saúde, à habitação), passando pelos direitos dos trabalhadores (direito à segurança no emprego, liberdade sindical, etc.) – mas também à organização econômica (princípio da igualdade da riqueza econômica e dos rendimentos, etc.). Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido de dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a no caso dos direitos sociais ou invocá-la para construir uma “teoria do núcleo da personalidade” individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana".
Daí, por sua importância e complementaridade, serem esses dois princípios
tratados em mesmo tópico.
2.3 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE
A atual doutrina acerca da culpabilidade, apresentada por Romeu Falconi26, em
sua dissertação, insere o princípio num dos pontos culminantes do moderno Direito
Penal, por dela derivar a proporcionalidade da pena nos casos concretos, de modo que
o preceito “nullum crimen sine culpa”, inserido na Carta Magna em seu artigo 5º, LVII,
exige o respeito à presunção de inocência até a prova cabal da culpa (lato senso).
Na definição de Aurélio Buarque27, culpabilidade é “a qualidade daquele que é
digno de censura; condenável, repreensível”. Assim é que se entende indispensável a
perfeita adequação da culpabilidade e da pena, que é a conseqüência natural de
qualquer conduta comprometida com a culpa. Havendo uma punição, por menor que
seja, ela deve corresponder à culpa do agente, sob resultado de gerar mal-estar e
insatisfação generalizada contra a ação do julgador.
26
FALCONI, Romeu. Reabilitação Criminal. São Paulo, Cone Editora, 1995, p.21.
27BRASIL. Dicionário Aurélio Buarque de Holanda. Disponível em:
Nesse ponto, cabe emitir o conceito de crime, desenvolvido por Magalhães
Noronha28: “crime é a conduta humana que lesa ou põe a perigo um bem jurídico
protegido pela lei penal”, sendo sua essência a ofensa a bem jurídico, posto que a
norma penal tem por finalidade sua tutela.
Considera-se, então, o crime como ação típica (descrita na lei e correspondente
a uma figura delitiva), antijurídica (contrária ao direito) e culpável. Restando a este
último elemento o aspecto subjetivo do crime, entendido em sentido amplo, ou seja,
dolo ou culpa. A culpabilidade é o elemento anímico do delito, surgindo quando o
agente realiza, dolosamente ou culposamente, o evento cujo resultado planejou, ou
sobre o que não teve o cuidado da análise da previsibilidade exigível, sendo irrelevante
se obteve ou não sucesso.
Daí, o princípio da culpabilidade exercer a função de limitador dos máximos
punitivos, tendo em vista o prejuízo social causado pela conduta típica, compondo
elemento a ser observado pelo juiz no artigo 59 do Código Penal com o fim de
estabelecer a pena necessária e suficiente.
Mesmo em linhas gerais, fez-se necessário traçar noções acerca dos princípios
constitucionais para que se mensure com mais precisão os efeitos da declarada
inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos, ao vedar expressamente a
progressão de regimes.
33
3 PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL E CRIMES HEDIONDOS
Passados dezessete anos desde a edição da Lei de Crimes Hediondos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal fora instado a declarar-se em matéria contida no
HC 82.959-SP, que requeria a progressão de regimes alegando a inconstitucionalidade
do dispositivo contido no artigo 2º, parágrafo 1º.
Sem dúvida, esse é o assunto central e tema de maior repercussão gerada pela
decisão proferida no referido recurso: a possibilidade de progressão prisional, para os
condenados por crimes hediondos ou assemelhados. Confiram-se alguns julgados:
Ementa
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. I - O indeferimento de diligência probatória tida por desnecessária pelo juízo ao quo não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. II - Não se admite na via estreita do habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas. III - Após o julgamento do HC 82.929/SP pelo Plenário do STF, não mais é vedada a progressão de regime prisional aos condenados pela prática de crimes hediondos. IV - Ordem indeferida, concedida, porém, a ordem de ofício, para conceder o benefício da progressão de regime, observados os requisitos legais. (original sem grifo)
STF, HC 88904 / SP, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 01-09-2006.
Ementa
paciente foi condenada ao cumprimento de pena no regime integralmente fechado, por força do art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990. Embora o direito à progressão de regime não tenha sido pleiteado, reconhece-se a ilegalidade da vedação baseada tão-somente em dispositivo declarado inconstitucional pelo STF, em controle incidental (HC 82.959). Agravo regimental a que se nega provimento. Ordem concedida de ofício, para determinar que o juízo das execuções analise se a paciente preenche os requisitos objetivos e subjetivos indispensáveis à obtenção do benefício e ordene, se entender necessária, a realização de exame criminológico. (original sem grifo)
STF, HC-AgR 87539 / ES - ESPÍRITO SANTO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento: 25/04/2006, DJ 26-05-2006.
Ementa
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. ESTUPRO SIMPLES COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. I - Não há falar em falta de fundamentação do acórdão impugnado quanto ao regime de cumprimento da pena, se há referência expressa à Lei 8.072/90. II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que "os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, tanto nas suas formas simples Código Penal, arts. 213 e 214 como nas qualificadas (Código Penal, art. 223, caput e parágrafo único), são crimes hediondos. Leis 8.072/90, redação da Lei 8.930/94, art. 1º, V e VI." HC 81.288/SC, Plenário, Rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, DJU 25.4.2003. III - Após o julgamento do HC 82.929/SP pelo Plenário do STF, não mais é vedada a progressão de regime prisional aos condenados pela prática de crimes hediondos. IV - Ordem parcialmente concedida. (original sem grifo)
STF, HC 87281 / MG - MINAS GERAIS, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 25/04/2006, DJ 04-08-2006.
Ementa
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e semi-aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA
LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO
JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (original sem grifo)
Ante a desarmonia da LCH com os valores constitucionais, a doutrina e a
jurisprudência tenderam a propor um sistema mais reconhecidamente humano,
embasado nos princípios da Carta Magna, e que atente também para a finalidade
precípua da pena de restabelecer ao convívio social aquele que delinqüiu, constando
esta como a razão de ser do regime progressivo.
Para a melhor compreensão dos aspectos relevantes envolvidos a partir da
permissão proferida pelo STF, cumpre tecer algumas, mesmo que breves,
considerações acerca dos requisitos legais para a concessão da progressividade, dos
regimes prisionais reconhecidos no Código Penal pátrio, bem como conhecer e analisar
os fundamentos da jurisprudência e de doutrinadores que defenderam argumentos
favoráveis e contrários à possibilidade desse benefício durante a execução da pena.
3.1 Conceito e Requisitos
Mirabete29, em seu livro “Execução Penal”, enuncia: “a progressão consiste na
transferência do condenado de regime mais rigoroso para o menos rigoroso, quando
demonstra condições de adaptação ao mais suave”, logo, seria a possibilidade de, em
iniciando o cumprimento da pena em regime fechado, pleitear, posteriormente,
observadas as exigências legais, sua execução em regime semi-aberto e até mesmo no
aberto.
Com a progressão da pena tem-se o início da comprovação de boa conduta do
infrator perante o futuro retorno à sociedade, pois, partindo desta, será observada a
aptidão de reinserção social daquele que, por motivo qualquer, cometera determinado
delito.
A reforma penal de 1984 adotou o sistema progressivo de cumprimento da pena
privativa de liberdade, conforme se constata da disposição do artigo 33, parágrafo 2º do
Código Penal: “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva (...)”.
Doutrina, jurisprudência, e mesmo a legislação (vê-se o artigo 112 da LEP)
apontam dois requisitos básicos para os pedidos de progressão, quais sejam: objetivos
ou temporais (cumprimento mínimo de um sexto da pena), e subjetivos (certidão do
comportamento carcerário). Registre-se que a obrigatoriedade do exame criminológico,
antes inserido como requisito subjetivo, foi abolida pela Lei 10.972/2003, tornando-se
facultativa:
Ementa
E M E N T A: CRIME HEDIONDO OU DELITO A ESTE EQUIPARADO -
IMPOSIÇÃO DE REGIME INTEGRALMENTE FECHADO -
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 - PROGRESSÃO DE REGIME - ADMISSIBILIDADE - EXIGÊNCIA, CONTUDO, DE PRÉVIO CONTROLE DOS DEMAIS REQUISITOS, OBJETIVOS E SUBJETIVOS, A SER EXERCIDO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO (LEP, ART. 66, III, "B"), EXCLUÍDA, DESSE MODO, EM REGRA, NA LINHA DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE (RTJ 119/668 - RTJ 125/578 - RTJ 158/866 - RT 721/550), A POSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EXAMINANDO PRESSUPOSTOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA NA VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS", DETERMINAR O INGRESSO IMEDIATO DO SENTENCIADO EM REGIME PENAL MENOS GRAVOSO - RECONHECIMENTO, AINDA, DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ DA EXECUÇÃO ORDENAR, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO - IMPORTÂNCIA DO MENCIONADO EXAME NA AFERIÇÃO DA PERSONALIDADE E DO GRAU DE PERICULOSIDADE DO SENTENCIADO (RT 613/278) - EDIÇÃO DA LEI Nº 10.792/2003, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 112 DA LEP - DIPLOMA LEGISLATIVO QUE, EMBORA OMITINDO QUALQUER REFERÊNCIA AO EXAME CRIMINOLÓGICO, NÃO LHE VEDA A REALIZAÇÃO, SEMPRE QUE
JULGADA NECESSÁRIA PELO MAGISTRADO COMPETENTE -
CONSEQÜENTE LEGITIMIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, DO EXAME CRIMINOLÓGICO (RT 832/676 - RT 836/535 - RT 837/568) - PRECEDENTES - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO, EM PARTE. (original sem grifo)
Ementa
EMENTA: PENAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 112 DA LEI Nº 7.210/84, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.792/03. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITOS. EXAME CRIMINOLÓGICO. ARTIGO 33, § 2º DO CP. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. I - A obrigatoriedade do exame criminológico e do parecer multidisciplinar da Comissão Técnica de Classificação, para fins de progressão de regime de cumprimento de pena, foi abolido pela Lei 10.972/03. II - Nada impede, no entanto, que, facultativamente, seja requisitado o exame pelo Juízo das Execuções, de modo fundamentado, dadas as características de cada caso concreto. III - Ordem denegada. (original sem grifo)
STF, HC 86631 / PR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 20-10-2006.
Ementa
EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90, QUE VEDA A PROGRESSÃO DE REGIME NA EXECUÇÃO DAS PENAS DOS CONDENADOS POR CRIMES
HEDIONDOS. PRECEDENTE PLENÁRIO. RECONHECIMENTO DA
INCONSTITUCIONALIDADE. Reconhecida a inconstitucionalidade do impedimento da progressão de regime na execução das penas pelo cometimento de crime hediondo, impõe-se a concessão da ordem para afastar o óbice legal. Ressalve-se que pretendida progressão dependerá do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos que a lei prevê; tudo a ser aferido pelo juízo da execução. Writ deferido. (original sem grifo)
STF, HC 86224 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator (a): Min. CARLOS BRITTO, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento: 07/03/2006, DJ 23-06-2006.
Assim, dentro de um rol de penas previstas no Código, se uma certa pena
apresentar-se como apta aos fins da prevenção e da preparação do infrator para o
retorno ao convívio pacífico na comunidade em que está inserido, não estará justificada
a aplicação de outra pena mais grave, que resulte em maiores ônus para o condenado
e para a sociedade. O mesmo se diga em relação à execução da pena. Francisco de
Assis Toledo30 assim ressalta:
“Se o cumprimento da pena em regime de semiliberdade for suficiente para
aqueles fins de prevenção e de reintegração social, o regime fechado será um exagero e um ônus injustificado. Se, entretanto, o delinqüente se apresenta como ameaça à paz social e à tranqüilidade dos homens livres, o regime
fechado em estabelecimento de segurança máxima estará a sua espera”.
30
Sobre a forma pela qual se desenvolve a progressividade da execução da pena
privativa de liberdade, reforça o artigo 112 da Lei de Execução Penal:
“A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”.
Desse modo, dada a forma progressiva, constata-se a abertura de um novo rumo
para o cumprimento da pena, em que estará o detento demonstrando sua nova
personalidade à sociedade, que está, outrossim, apta a recebê-lo, entretanto não de
uma forma integral, mas pela conquista da mudança de regimes. Dependerá sempre
das condutas, do preenchimento dos requisitos (a serem verificados pelo juízo
competente), pois estando em regime mais maleável e comete algum ato inverso
daqueles considerados de boa conduta, retornará à estaca zero novamente. Leia-se
pronunciamento do ministro do STF Joaquim Barbosa:
Ementa
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO CONTIDA NA LEI DE CRIMES HEDIONDOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime, contida no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990. A inconstitucionalidade da vedação não significa que o preso tenha direito subjetivo à progressão, mas apenas que o juízo competente deve verificar se estão presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão do benefício (HC 82.959, rel. min. Marco Aurélio). Ordem parcialmente concedida, para determinar-se que o juízo de execuções criminais competente analise a situação do paciente, verificando se ele preenche os requisitos objetivos e subjetivos indispensáveis à obtenção do benefício da progressão de regime, e ordene, se entender necessária, a realização de exame criminológico (RHC 88.134-MC, rel. min. Celso de Mello). (original sem grifo)
STF, HC 87890 / SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento: 14/03/2006, DJ 02-06-2006.
A concessão do benefício é uma forma de ir dosando a punição e diminuindo-a
Contudo, há de se enfatizar, e nem poderia ser diferente, o entender de José
Benedito Antunes31, no qual a progressividade da execução da pena privativa de
liberdade “revela um caminho de mão dupla: a progressão e a regressão de regime.
Enquanto na progressão evolui-se de um regime mais rigoroso para outro menos
rigoroso, na regressão dá-se o inverso”.
3.2 Noção acerca dos Regimes Prisionais
Com a reforma penal, o artigo 33 do Código Penal estabelece diferenças quanto
ao regime inicial para os condenados à pena privativa de liberdade (reclusão e
detenção). É durante a elaboração da sentença penal condenatória, que deve o
magistrado, trilhando as fases da dosimetria da pena, fixar o regime inicial de
cumprimento da pena, que deve ser considerado unicamente a privativa de liberdade,
pois as demais formas de coerção penal não são executadas sob as regras do sistema
progressivo.
São três os regimes reconhecidamente enunciados na lei adjetiva: fechado,
semi-aberto e aberto. Cada um deles corresponde a uma quantificação da pena e a um
local de cumprimento da mesma, explícitos nos parágrafos 1º e 2º do supra citado
artigo. Então, em resumo, se a pena for superior a oito anos, o estabelecimento será de
segurança máxima ou média, e o regime diz-se fechado; se superior a 04 (quatro) e
inferior a 08 (oito) anos, será cumprida em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar, e chamar-se-á regime semi-aberto; por fim, se pena igual ou
inferior a 04 (quatro) anos, o local será casa de albergado ou estabelecimento
adequado, caracterizando o regime aberto.
31
Cada regime aponta, relembre-se José Antunes, “para a maior ou menor
intensidade de restrição da liberdade do condenado e, uma vez iniciado o cumprimento
da coima privativa do status libertatis, permite-se, em razão da adoção, pelo nosso
ordenamento, de um sistema progressivo, a transferência do condenado para um
regime menos ou mais rigoroso”. Decorrem daí a progressão ou a regressão prisional.
Reza também, o artigo 33, em seu parágrafo segundo, que haverá a forma
progressiva das penas privativas de liberdade, sendo que para o condenado à pena de
reclusão e reincidente o regime inicial será sempre fechado. Assim também estabelece
a Lei de Execução Penal, em seu artigo 110:
“O Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33
e seus parágrafos do Código Penal” (grifo nosso).
O regime inicial não depende, de modo exclusivo, da quantidade de pena fixada,
nem da gravidade do crime, mas “das circunstâncias judiciais da fixação da pena-base,
estabelecidas no artigo 59 do CP”32.
Assim, em artigo à Revista Consultor Jurídico, o promotor de justiça, Renato
Marcão33, esclarece o que ocorre na prática:
“(...) permitida a progressão e por meio dela, o executado sairá do regime fechado para o semi-aberto, e deste para o aberto, por etapas, de forma escalonada, quando satisfeitos os requisitos legais. Estando a cumprir pena no regime aberto, em casa de albergado ou estabelecimento adequado, a exemplo, poderá beneficiar-se com livramento condicional após o cumprimento de mais de dois terços da pena aplicada, salvo na hipótese em que vedado o benefício (nos casos de reincidência específica34) (...)”
32
MIRABETE, Júlio Fabrinni. Ob. Cit. p.307.
33 MARCÃO, Renato. Pressa Querida: Legislador deve rever regras para a progressão de regime.
Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br>. Acesso em: 23 de agosto de 2006.
34
Na lição de Damásio de Jesus, “há reincidência específica, para efeito da disposição, quando o sujeito, já tendo sido irrecorrivelmente condenado por qualquer um dos delitos relacionados, vem novamente a