O DIREITO ÀS MEMÓRIAS NEGRAS E A OUTRAS HISTÓRIAS : AS COLEÇÕES DO
JORNAL O EXEMPLO
• Sabemos que, no âmbito das ciências
humanas, a memória está relacionada aos processos da lembrança e do esquecimento, tanto em nível individual como coletivo, em que interagem questões subjetivas e afetivas imbricadas nas reelaborações do passado
que se fazem do presente.
• No entanto, como lembra Ulpiano Meneses, “o museu tanto quanto casa da memória,
poderia ser apontado também como casa do esquecimento.” (MENESES, 2000, p. 50).
• Dito de outra forma, é sabido que não existe uma “causalidade” ou uma “naturalidade” na seleção e exibição das coleções museais e que a construção das narrativas
museológicas não é inocente.
• Ao contrário, como sublinha Mário Chagas, “toda a instituição museal apresenta um
determinado discurso sobre a realidade”, discurso que “compõe-se de som e de
silêncio, de cheio e de vazio, de presença e de ausência, de lembrança e de
• Nesse trabalho, trata-se de salientar que as coleções museais possuem um significado mais profundo, uma função social, que
supera as funções meramente evocativas ou celebrativas e que permitem narrar outras memórias e contar outras histórias.
• Na verdade, trata-se de perguntar qual é o discurso que os museus constroem no teatro da memória? Por que certas coisas foram
“esquecidas” e outras “consagradas” nos acervos museológicos?
• Trata-se também de perguntar o que se
pretende quando investigamos as memórias negras no Brasil?
• O artista Emanoel Araújo sugere que o estudo das memórias negras pretende
recuperar para os negros a sua auto-estima, construir referências positivas para a
comunidade afrodescendente e contribuir para o reconhecimento da vitalidade e da riqueza da cultura negra. (ARAÚJO, 2004)
• Uma nova leitura dos acervos museais
aponta para a pluralidade de representações sociais e incentiva a divulgação das
memórias constitutivas da diversidade
social, étnica e cultural das comunidades. • Mais do que simples registros de um
passado congelado no tempo, os acervos dos museus devem, cada vez mais,
representar os valores coletivos das
• Nesta direção, o objetivo desse trabalho é contribuir para a discussão sobre o acesso e a preservação das memórias negras como uma dimensão fundamental da cidadania. • Por outro lado, como afirma Ulpiano
Meneses, não se pode pensar em resgatar memórias “como se resgata um menino que caiu no poço...” (MENESES, 2001, p. 49) Não há uma memória essencial e imutável, que possa ser recuperada na sua totalidade no passado, as memórias são sempre
O Jornal O Exemplo (1892-1930)
• Os jornais negros no final do século XIX e início do século XX foram organizados por negros e mulatos livres da pequena elite
negra das áreas urbanas e representaram uma tentativa dessas lideranças
confrontarem sua relativa invisibilidade e ausência social, política e cultural no pós-abolição.
• Atualmente, as coleções do jornal O Exemplo estão sob a guarda de várias instituições, em diferentes suportes:
• 1)O período de 1892 à 1895 (impresso, coleção particular)
• 2)O período de 1902 à 1905 (impresso e em micro-filme, Museu Hipólito José da Costa)
• 3)O período de 1908-1911 e ano de1917, (em
micro-filme, Núcleo de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
• 4) A década de 1920-1930, (impresso, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul).
• Em 1972, Oliveira Silveira, poeta e militante negro declarou-se preocupado com a preservação das coleções do jornal O Exemplo: “O Exemplo merece que se escreva em letras grandes nas encadernações de suas coleções: Cuidado, delicado, precioso, patrimônio cultural da comunidade negra em Porto Alegre” (SILVEIRA, 1972, p.22)
• Hoje, venho novamente chamar atenção para a necessidade de se preservar as coleções do jornal O Exemplo, através da digitalização completa das suas coleções.
• Trata-de de presevar esse jornal que é
o primeiro impresso da comunidade
negra porto-alegrense, espaço onde as
lideranças negras reafirmaram sua
memória coletiva e suas práticas
culturais sem o constrangimento da
perseguição policial e onde tiveram o
privilégio da sua própria
• Um das formas dessas lideranças negras reconstruírem suas memórias no jornal O
Exemplo foi através do combate aos
preconceitos étnico-raciais que humilhavam os negros no pós-abolição.
• O articulista afro-brasileiro Espiridião
Calisto reivindicava os direitos dos negros como cidadãos e identificava o jornalismo como “uma arena de lutas para os
descendentes da raça que se agremiavam para guerrear o preconceito de raça” .
• Na primeira década do século XX, as lideranças do Exemplo denunciaram os abusos contra as
mulheres negras nos transportes públicos, a
violência da polícia administrativa espancando negros arbitrariamente, o desrespeito público
aos negros que eram xingados quando andavam à noite pelas ruas, a invasão dos lares negros
por falta de licença da polícia para dançar, a recusa de matrícula para crianças em escolas por serem muito morenas e os insultos da
• Em segundo lugar, saliento o papel do jornal O Exemplo na construção de um panteão de ilustres afro-brasileiros,
produzindo modelos de negros com os quais a comunidade negra porto-alegrense poderia se identificar e construir sua auto-estima e apresentando-os como inspiração na luta pela reivindicação dos direitos dos negros no pós-abolição.
No 13 de maio de 1904, O Exemplo homenageou algumas
lideranças da
comunidade negra, entre eles, o
tenente-coronel Aurélio de Bittencourt,
estampando seu retrato na primeira
• Outro aspecto constitutivo das memórias negras revelados no jornal O Exemplo foi a vitalidade das sociedades e clubes negros, entre eles, a Sociedade Beneficiente
Cultural Floresta Aurora, fundada em
1872 e até hoje em funcionamento em Porto Alegre, onde costumavam reunir-se para
assistir peças de teatro do dramaturgo negro Arthur Rocha, reprentadas pelo Centro
Dramático dessa sociedade e para ouvir sua banda de música tocar.