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Proletários na paz : a parte XIII do Tratado de Versalhes e as leis do trabalho no Brasil (1919-1926)

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

VINICIUS GHIZINI

PROLETÁRIOS NA PAZ:

A PARTE XIII DO TRATADO DE VERSALHES E AS LEIS DO

TRABALHO NO BRASIL

(1919-1926)

CAMPINAS 2015

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa da Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 15 de dezembro de 2015, considerou o candidato Vinicius Ghizini aprovado.

Prof. Dr. Michael McDonald Hall (IFCH-UNICAMP)

Prof. Dr. Samuel Fernando de Souza (DIEESE)

Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva (IFCH-UNICAMP)

A Ata da Defesa, assinada pelos Membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Aos meus pais, Sonia e Ismar, por acreditarem em toda esta história

Ao Dainis e à Gláucia, por transformá-la.

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Esta dissertação só foi possível graças ao carinho e cuidado de muitas pessoas que estiveram ao meu lado nesta trajetória.

De Dainis Karepovs vieram o tema e presentes imprescindíveis: livros e mais livros. Vieram, também, desde os tempos do Centro Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Perseu Abramo, os maiores ensinamentos sobre o ofício do historiador.

Tive em Gláucia Fraccaro o maior apoio, do início ao fim. Agradeço pelas longas conversas, sugestões, apontamentos, debates e, sobretudo, por despertar em mim o entusiasmo pela História Social. Posso afirmar com segurança que sem ela não haveria a presente Dissertação.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Michael McDonald Hall, pelos ensinamentos, presteza, paciência e pelas saudações bibliográficas.

É verdade que, neste processo, muitas vezes, eu não estive onde e quando deveria estar. Michael McDonald Hall, por sua vez, sempre esteve no lugar e na hora certa, pronto para oferecer os melhores caminhos.

Aos membros da Banca Examinadora, tanto de qualificação quanto de defesa, Professores Doutores Fernando Teixeira da Silva, Samuel Fernando de Souza, Claudio Henrique de Moraes Batalha pelos firmes apontamentos, por diminuírem meu ímpeto conclusivo, corrigirem as rotas deste trabalho e pelas valiosas contribuições ofertadas. Essa interlocução foi decisiva para os resultados aqui apresentados.

Aos funcionários da Biblioteca do Senado Federal, na pessoa da Subsecretária de Pesquisa e Recuperação de Informações Bibliográficas, Maria Neves de Oliveira e Silva, assim como a todos os funcionários do AEL e do Arquivo do Estado de São Paulo.

Ao CNPq, por ter possibilitado esta pesquisa.

Aos professores e colegas de Graduação do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), fundamentais para a formação de minha experiência e consciência. Faço questão, também, de mencionar meus amigos Gilnei, José Mauro, Guilherme e Wesley, pelo abrigo e companhia na metrópole paulistana. Ao Mateus Bianchim e Lucas Berga, pela amizade de todas as horas. Aos meus alunos, pela renovação semanal da esperança.

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Agradeço, especialmente, aos meus companheiros de luta e caminhada, Moacir Romero, Marcelo Moro, Matheus, Marcel, Felix, Grasiele e Cíntia, pela compreensão nas horas em que mais precisei, e por construírem, cotidianamente, na prática, uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

À Kennya, pelos sonhos que partilhamos.

À minha família, Sonia, Ismar e Mariana Ghizini, pelo incondicional apoio e amor. Aos proletários de todo o mundo por, na guerra e na paz, fazerem a História.

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− Como resumiria você a situação dos

operários na paz?

Essa pergunta, feita por um jornalista a um político, obteve a seguinte resposta:

− Os operários são a pedra em que se

assenta a paz.

João do Rio (1919)

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O Tratado resultante da Conferência de Paz de Paris, em 1919, incluiu em seu texto final artigos concernentes ao direito social e às questões do trabalho. Esta pesquisa tem como objetivo identificar os desdobramentos da Parte XIII do Tratado de Versalhes nas discussões que orientaram parlamentares e o movimento operário brasileiro na Primeira República. Para tanto fez-se uso de fontes como a imprensa operária e grande imprensa de São Paulo e Rio de Janeiro, atas e compilações de debates parlamentares, decretos e mensagens do Poder Executivo, correspondências diplomáticas e documentos publicados por organismos internacionais, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Palavras-Chave: Tratado de Versalhes - 1919; Movimento Operário; Organização

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Articles concerning social law and labor issues were included in the final version of the treaty resulting from the Peace Conference assembled in Paris, 1919. With this research I aim at identifying the repercussions of Part XIII from the Versailles Treaty regarding the discussions that influenced members of the parliament as well as the Brazilian labor movement during the First Republic. For this purpose I analyzed sources such as the labor press and the mainstream press from São Paulo and Rio de Janeiro; parliament minutes and debate compilations; messages and decrees from the executive; diplomatic correspondence and documents released by international agencies - mainly the International Labor Organization (ILO).

Keywords: Versailles of Treaty - 1919; Labor Movement; International Labor

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AFL American Federation of Labour

BIT Bureau Internacional do Trabalho

CIB Centro Industrial do Brasil

CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo

CIT Conferência Internacional do Trabalho

CLS Comissão de Legislação Social

CNT Conselho Nacional do Trabalho

DET Departamento Estadual do Trabalho

DNT Departamento Nacional do Trabalho

DOU Diário Oficial da União

IFTU International Federation of Trade Unions

ILO International Labour Office

OIT Organização Internacional do Trabalho

PCB Partido Comunista do Brasil

SDN Sociedade das Nações

SFIO Section Française de l'Internationale Ouvrière

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INTRODUÇÃO... 13

CAPÍTULO I DIREITO DO TRABALHO, A ÚLTIMA MODA EM PARIS.... 28

1.1. Paris, 1919... 28

1.2. Paz e Justiça: do direito social às leis do trabalho... 39

1.3. A Parte XIII... 44

1.4. A delegação brasileira na Conferência de Paz em Paris... 52

1.5. Notícias da Conferência de Paz: as leis do trabalho na imprensa brasileira... 58

CAPÍTULO II A CÂMARA DOS DEPUTADOS E A COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO SOCIAL (1918-1926)... 61 2.1. A constituição das Bancadas... 61

2.2. O Pecado Original e a Católica Pacificação... 67

2.3. As exceções tropicais: o Brasil na Conferência de Washington... 76

CAPÍTULO III ALBERT THOMAS E A POLÍTICA DA PRESENÇA... 93

3.1. A OIT e a Política da Presença... 93

3.2. O Socialismo de Albert Thomas... 96

3.3. A política da presença chega ao Brasil... 103

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 115

ARQUIVOS... 121

FONTES... 122

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação começa na galeria de espelhos do Palácio de Versalhes, em 1919, e termina com as manifestações operárias no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1926. Não sem antes passar por Washington, Genebra e pelo Congresso Nacional Brasileiro. Nesse trajeto, a impetuosa ponte que liga o salão nobiliárquico à classe trabalhadora é a luta por direitos.

No cômputo final da Primeira Grande Guerra (1914-1918) não restou apenas mortos e feridos  embora eles houvessem como nunca dantes  mas, também, conflitos nacionais, geopolíticos e sociais de difícil solução. Assim, a Conferência de Paz, além de cuidar de espólios e fronteiras, incluiu um capítulo específico sobre “trabalho” no acordo que viria a ser assinado pelas partes beligerantes. Eis uma peculiaridade do Tratado de Versalhes.

De que forma um tópico sobre legislação internacional do trabalho foi parar ali? Como esse debate chegou ao Brasil? Quais foram os segmentos do mundo jurídico, parlamento e movimento operário que o rejeitaram decididamente ou fizeram uso dos termos do Tratado de Paz como base para suas demandas?

Tais questionamentos sugerem um itinerário que passa pelo grau de organização dos trabalhadores nos anos 1920 e a gênese de sua identidade. Claudio Batalha discutiu como certas interpretações sobre a formação da classe trabalhadora no Brasil foram marcadas pela percepção de uma “atipicidade”, ou seja, que os trabalhadores no Brasil guardavam significativas diferenças em relação ao operário modelar, descritos em textos clássicos europeus. Isso se devia, em parte, a “busca de modelos justificadores e legitimadores de suas opções ideológicas e [...] estratégia sindical”, por parte das correntes que atuavam no movimento operário1. Ao buscarem

referência no “típico” trabalhador industrial de sociedades europeias “avançadas”, esses militantes e aqueles que adotaram seus discursos subestimaram o estágio de desenvolvimento da classe trabalhadora no Brasil e, consequentemente, sua capacidade de intervenção organizada. Ocorre que, como demonstra o autor, sequer os

1 BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920):

atipicidade ou legitimidade. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH-Marco Zero, v. 12, n.23/24, set.1991/ago,1992, p. 117.

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trabalhadores europeus se encontraram nesse estado “típico”, modelar, com uma forma pronta e acabada.

A contribuição de Claudio Batalha, nesse sentido, é fundamental para a superação da busca pelo modelo ideal da classe trabalhadora sob a ótica estrangeira, bem como, ajuda a compreender o movimento operário nos anos 1920 para além de seus determinantes estruturais. Um dos principais desafios para os estudos sobre os primeiros anos dessa década se encontra exatamente na série de limitações (sociedade majoritariamente rural, economia cafeeira, incipiência das organizações sindicais, trabalhadores estrangeiros) apontadas por análises como a de Boris Fausto:

É certo que as reivindicações ganharam ressonância ao se produzirem em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Santos que, em grau variável, desempenhavam um relevante papel político, comercial e administrativo. Mas, como o peso da urbanização era relativo e não só o eixo básico da economia como a fonte de poder das oligarquias se concentrava fundamentalmente no campo, a massa urbana ficava ilhada nos muros ideais da cidade, com escassas condições capazes de alterar a correlação de forças entre as classes. Duas outras dimensões estruturais devem ser levadas em conta no primeiro período da formação da classe operária. Uma diz respeito às condições de oferta do mercado de trabalho. Outra, à composição étnica da classe, com predominância de estrangeiros2.

A leitura de que determinantes estruturais limitavam a atuação dos trabalhadores e impediam sua efetiva organização pode sugerir que no período não havia condições objetivas para a consolidação dos trabalhadores enquanto “classe capaz de alterar a correlação de forças”, condições essas, vale reiterar, baseadas em um ideal europeu. Batalha, por sua vez, demonstra que antes mesmo da década de 1920 já havia, em diversas categorias, uma identidade comum que conferia legitimidade de classe a esses trabalhadores e, acima de tudo, a própria consciência de classe se consolidava na medida em que ampliavam as experiências de associações operárias. Desse modo:

A associação operária é a materialização da experiência comum no decorrer da qual se constrói a identidade coletiva; mas é, ela própria, um fator de reprodução dessa identidade. Isso não significa que o surgimento de uma identidade de classe e da consciência em determinada categoria ou grupo de trabalhadores só possam ser

2 FAUSTO, Boris. A Formação da Classe Operária: determinações estruturais. In: Trabalho urbano e

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constatadas a partir de sua organização: elas se fazem presentes em toda e qualquer manifestação de ação coletiva. Ocorre, porém, que no ato de criação da organização se evidencia a vontade de estabelecer uma identidade coletiva3.

Do mesmo modo que a consciência e a identidade se fazem presentes em todas as manifestações de ações coletivas de trabalhadores, a luta por direitos empreendida por esses grupos, ainda que limitada pelas condições estruturais da sociedade brasileira do início do século XX, cumpria sua função de “arena para a luta de classes”4, se não capaz de alterar a correlação de forças, suficiente para colocar em cena

a questão do trabalho.

Em certo sentido, a promulgação do Tratado de Versalhes e as demandas por ele desencadeadas nos sindicatos e no parlamento têm sintonia com o que Dorothy Thompson expressou a respeito de lutas paliativas:

A ideia de que o progresso da história estava definido pela necessidade de derrubar o capitalismo e instalar uma sociedade sem classes levou à percepção de que as únicas ações válidas da classe trabalhadora eram aquelas que contribuíam para tal resultado5.

As conclusões da Parte XIII do Tratado de Versalhes, assim como, em um momento posterior, as orientações e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foram diversas vezes interpretadas como frágeis por aqueles que já acompanhavam os debates sobre legislação do trabalho. A percepção de grupos mais radicalizados do movimento operário era de que essas instituições surgiam fadadas a serem tolhidas pelos próprios limites que se impunham, pois estavam calcadas em valores abstratos como “conciliação”, “pacificação” e “harmonia nas relações de trabalho”. Assim, a desconfiança com a qual parte do mundo do trabalho recebeu as notícias do Tratado de Versalhes se amparava na acusação de que o mesmo era produto dos mesmos grupos nacionais e internacionais responsáveis pela incessante exploração dos operários.

A partir desse momento, no entanto, o argumento de que o Estado deveria intervir na questão social para evitar maiores convulsões e mesmo revoluções sociais, passa a ser abertamente defendido por juristas como Evaristo de Moraes, e por

3 BATALHA, 1992, p. 123.

4 THOMPSON, Edward Palmer. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao

pensamento de Althusser. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 110.

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parlamentares que simpatizavam com a causa operária, contrastando com a clássica leitura de que os conflitos entre capital e trabalho seriam ajustados naturalmente. Kazumi Munakata discutiu a força de iniciativa que o poder Legislativo teve diante das questões trabalhistas ao longo dos anos 1910, ao passo que o Executivo adotava posição de extrema cautela sobre o tema.

A partir de 1919 e da publicação do Decreto Nº. 3724, de 15 de janeiro de 1919, conhecida como a lei de acidentes de trabalho, a atividade parlamentar nesse campo se intensificou6 e, apesar da desconfiança em relação aos pressupostos do Tratado de Versalhes, houve reconhecimento de que o tema entrava na ordem do dia. De acordo com Munakata:

Estas duas questões – o perigo da revolução e a ameaça da guerra – constituem, portanto, os dois eixos sobre os quais o liberalismo ortodoxo vai se deslocando. Tanto a relação entre as classes, quanto entre os países não podem mais ser abandonadas na sua liberdade; pelo contrário, em nome da harmonia social e da paz entre os povos, elas devem ser reguladas, coordenadas e fiscalizadas, seja pelo próprio Estado, seja por algum organismo internacional, como a Liga das Nações7.

Em que pese o debate sobre “liberalismo ortodoxo” exigir mais atenção e problematização, Munakata consegue captar que o poder legislativo encaminhou as questões sociais, antes mesmo do poder executivo assumir esse debate:

Se o poder executivo ainda é cauteloso em operar tais rearranjos (por exemplo, não há nenhum registro de repercussão direta do Congresso Operário de 1912 na esfera governamental), no poder legislativo começam a ecoar vozes que destoam [...] estes deputados apontam a ausência de uma legislação protetora como causa das agitações operárias [...] o estado deve intervir ‘positivamente’, buscando conciliar, como árbitro, os interesses conflitantes8.

A iniciativa legislativa também guardava relação com a conjuntura política que a república atravessava, visto que o processo de sucessão presidencial havia sido marcado por uma queda de braços entre as oligarquias regionais e isso causara reflexos no governo de Epitácio Pessoa (1919-1922) e em sua relação com o parlamento. De acordo com Cláudia Viscardi, “o fato de Epitácio derivar de um estado politicamente

6 MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 32. 7 Ibid., p. 34.

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frágil e ter tido sua eleição garantida pelos médios e grandes Estados da Federação, interpunha limites claros ao exercício de seu poder”9. O alinhamento entre as

oligarquias de Minas Gerais e São Paulo, de um lado e Rio Grande do Sul e Bahia de outro, segundo a autora, ocasionou momentos de instabilidade e recuos logo no início de seu governo. Por fim, “dando-se por vencido em duas batalhas políticas no parlamento10”, Epitácio rendeu-se a Minas Gerais e garantiu forte participação política de representantes do estado em seu governo. Nesse período da república, portanto, o papel do parlamento era de bastante peso nas decisões políticas e a prevalência do executivo, ainda existente, não era tão esmagadora como em outras ocasiões. Embora a legislação trabalhista não fosse o objeto da disputa entre os grupos políticos da elite, o fato de ter havido, por algum período, um executivo fraco e um “parlamento em luta”, mostra que ter ficado circunscrito aos debates parlamentares não diminui a importância que a legislação de proteção ao trabalho assumia naquele cenário.

Esse ambiente econômico e político, assim como a nova relação entre as classes que começa a emergir, interferem profundamente nos debates parlamentares e nas lutas do movimento operário objetos desta pesquisa. A mobilização operária, a pressão social causada pelos movimentos grevistas e a agitação política tinham grande capacidade de pautar os parlamentares mais ligados às questões sociais e, ao mesmo tempo, de forma reativa, provocar o governo a tomar atitudes para evitar o acirramento de conflitos e não causar prejuízos financeiros. Pairava, além disso, o temor de que a convulsão social levasse a uma situação revolucionária. De tal modo, os capitalistas internacionais e os poderes locais estariam mais propensos a ceder dentro de certo limite e, ainda, mantendo controle da situação.

Antes disso, a criação do Departamento Estadual do Trabalho (DET) em São Paulo no ano de 1911 e, em 1918, o surgimento do Departamento Nacional do Trabalho (DNT) eram indícios de que a questão do trabalho não se restringia a questões migratórias ou de ordenamento econômico. O historiador Marcelo Chaves considerou o surgimento do DET uma mostra do “impulso legislativo” voltado para a “proteção” do trabalhador, o que indica interesse do governo em atenuar o conflito de classes já naquele período pré-guerra. Chaves afirma que:

9 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma revisão da “política do café com

leite”. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, p. 259.

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A história da República Velha é marcada pela tênue interferência do Estado nas relações de trabalho, contrariamente ao intenso intervencionismo estatal desde a chamada Revolução de 1930, fato que não se pretende contrariar. No entanto, esse contraste faz com que os instrumentos estatais do pré-30 tenham a sua existência nublada, enfraquecida, desmatizada, e as suas expressões, sob a forma de instituições, apareçam como estágios ‘embrionários’ ou formadores de algo que se ‘amadurece’ até ganhar forma definitiva11.

A pouca eficácia do DET/SP nos primeiros anos, não obstante, “serviu para consolidar a concepção intervencionista naqueles dirigentes de segundo escalão do aparelho de estado”12, o que evidencia que, mesmo considerados como “embrionários”,

as décadas de 1910 e 1920 tiveram influência na formação das instituições que ganhariam fôlego a partir dos anos 1930, inclusive nos métodos de trabalho de seus servidores.

Nesse sentido, é fundamental compreender o crescente processo de “judicialização” de questões do trabalho ocorrido na década de 1920, principalmente após o Decreto Nº. 16.027, de 30 de abril de 1923, que criou o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), ligado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Embora limitado pelo próprio decreto que o criara, atribuindo-lhe o papel de meramente estudar a questão do trabalho no Brasil, o tema da regulamentação aparecia e abria um campo de disputa para a classe trabalhadora. A esse respeito, Samuel Souza afirma que:

Era lícito mencionar no decreto temas caros aos legisladores que pretendiam um processo mais radical de regulamentação como, por exemplo, a remuneração e horário de trabalho, conciliação e arbitragem, etc. Mas o limite entre a legislação pretendida por Maurício de Lacerda e aquela que finalmente entrou em vigor pode ser apreendido nas palavras do titular da pasta que instalava o Conselho, o Ministro Miguel Calmon Du Pin e Almeida. Para o ministro, a questão social ainda não era um problema carente de medidas muito drásticas13.

O choque entre essas posições, dos defensores da imediata adoção de leis do trabalho, como Maurício de Lacerda, e os interesses dos industriais, se dará também nas

11CHAVES, Marcelo Antonio. A Trajetória do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo e a

mediação das relações do trabalho (1911 - 1937). Tese de Doutorado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFICH. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2009, p. 18.

12 Ibid., p. 99.

13SOUZA, Samuel Fernando de. Coagidos ou subornados: trabalhadores, sindicato, Estado e as leis do

trabalho nos anos 1930. Tese de Doutorado em História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2007, p.30.

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tentativas de influência sobre decisões do CNT. Ainda de acordo com Samuel Souza, a lei de férias, “reforçou o papel do CNT na intervenção do Estado no âmbito das relações do trabalho”14. Na medida em que o CNT era acionado com mais frequência, maiores as

suas atribuições, não apenas no tocante à fiscalização como, também, na garantia de execução de leis do trabalho. Pode-se afirmar que as discussões em torno da regulamentação ganharam mais destaque a partir de 1923, quando os trabalhadores passaram a recorrer ao CNT para afiançar a aplicação da “Lei Elói Chaves”15, que estipulara a criação de fundos para aposentadorias e pensões nas companhias ferroviárias, garantindo benefícios básicos aos trabalhadores e, sobretudo, estabelecera que após dez anos de serviço na mesma empresa o empregado só poderia ser demitido se cometesse falta grave. Assim, “quando o debate sobre a adoção de uma legislação trabalhista se intensificou no Brasil, os ferroviários foram os primeiros a serem lembrados pelo poder público”16.

O processo de “judicialização” apontado por Samuel de Souza, portanto, crescia de acordo com o número de leis do trabalho que entravam em vigor e também com o aumento da demanda aos órgãos incumbidos de tratar dessas questões, ainda que tivessem o raio de atuação limitado pela abrangência geográfica de cada órgão. No entanto, há que se ressalvar que esse processo ocorreu ao longo dos anos 1920 e tomou fôlego durante o Governo Arthur Bernardes, mas era ainda embrionário no momento da recepção dos termos do tratado de paz de Versalhes, anos do governo de Epitácio Pessoa (1919-1922). Esse primeiro período, dos últimos meses de 1919 até 1923  até então mais explorado pelos estudiosos do ponto de vista da organização do que das leis  se apresentou como um desafio para esta dissertação.

Para a apresentação da documentação analisada propõe-se a separação em quatro grupos, de acordo com o corpus documental utilizado nesta pesquisa. São eles: a) documentos produzidos pelo poder público; b) grande imprensa; c) imprensa e documentos produzidos pelo movimento operário; d) documentos produzidos por instituições internacionais.

14 Ibid., p. 40.

15 Ibid., p. 29.

16 FRACCARO, Glaucia. Verbete “Lei Elói Chaves” - Caixa de Aposentadoria e Pensões de Estradas de

Ferro. Dicionário Online. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Fundação Getúlio Vargas, 2015.

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a) Os Decretos, mensagens presidenciais, Diário Oficial e atos do Poder Executivo estão em grande parte publicados, acessíveis e digitalizados. A leitura desses documentos contribuiu para mapear a repercussão do Tratado de Versalhes e da inserção da questão social no discurso oficial. O Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, dá acesso ao “Fundo Institucional Gabinete da República”. Ali foram encontradas pistas sobre a participação brasileira na Conferência de Paz e em Washington, principalmente no tocante à chefia de delegação e posterior governo de Epitácio Pessoa17.

Embora alguns estudos, em sua maioria com viés diplomático, abordem a Conferência de Paz e a presença da delegação brasileira em Paris, não havia nenhuma sistematização completa sobre o tema. Foi tarefa desta pesquisa confirmar o número de delegados, a participação nas comissões, bem como, o interesse que os mesmos tinham pela questão do trabalho. Os primeiros subcapítulos da dissertação em tela dão conta de apresentar o quadro geral da participação brasileira, tarefa que pode servir de ponto de partida para pesquisas futuras.

São, no entanto, as Atas da Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados as fontes centrais desta pesquisa. As Atas compreendem 3 volumes e estão disponíveis para consulta no Centro de Documentação da Câmara dos Deputados em Brasília. Tal fonte exigiu uma leitura exaustiva e pormenorizada, a fim de compreender cada discurso, debate e interesse em jogo por parte dos deputados.

A partir dos discursos, principalmente da bancada trabalhista, foi possível projetar o debate jurídico no instante mesmo da chegada do texto de Versalhes e acompanhar seus desdobramentos. Além disso, essas discussões refletem  ainda que nem sempre em pleno acordo  argumentos apresentados e debatidos em outras esferas. Os Boletins do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, por exemplo, revelam a proximidade entre os discursos do deputado Maurício de Lacerda e os textos publicados por este órgão. O boletim afirma, textualmente, que era momento de lutar

17 O Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro, guarda despachos emitidos pela Chancelaria para as

Missões diplomáticas no exterior e telegramas expedidos e recebidos junto a Organismos Internacionais. A série que contém instruções a respeito do período aqui abordado, principalmente 1919, não traz nenhuma novidade em relação ao que se encontra disponível em plataformas digitais e mesmo as trocas de correspondências com o Ministro das Relações Exteriores foram publicadas em livro. Cf. PESSOA, Epitácio. Conferencia da paz, diplomacia e direito internacional. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro. Ministério da Educação e Cultura, 1961.

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pela “transformação em leis das recomendações sobre as questões sociais aprovadas pelo Congresso de Paz”18.

b) O passo seguinte foi a leitura dos principais órgãos de imprensa do Rio de Janeiro (capital da República) e São Paulo (cidade na qual se concentrava grande número de operários). Sem dúvida, o movimento operário no Brasil não estava restrito a São Paulo e Rio de Janeiro e, por isso, fez-se uma leitura complementar de periódicos regionais. Ao Rio Grande do Sul foram dedicados estudos relevantes sobre o mundo do trabalho, que convergem com o recorte temporal proposto para esta pesquisa19. Em alguns casos, como nos artigos de Lindolfo Collor, há referências à imprensa fora do eixo Rio-São Paulo. Com exceção desses casos, foram selecionadas notícias acerca do tema desta pesquisa nos seguintes órgãos de imprensa: O Paiz, Correio da Manhã,

Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio (Rio de Janeiro) e O Estado de São Paulo

(São Paulo).

c) Por meio da leitura e cruzamento das informações obtidas nos periódicos

A Plebe, Spartacus e Voz do Povo, inicialmente com especial atenção aos dias de 1919

em que repercutiu a Conferência de Paz de Paris e depois, com o acompanhamento do debate a partir de O Combate, esta pesquisa identificou semelhanças e diferenças na abordagem desses periódicos frente aos temas desta pesquisa. Igualmente, pelos registros dos periódicos A Manhã, A Batalha, A Classe Operária e Voz Cosmopolita, analisou-se a repercussão da visita ao Brasil do Diretor Geral da OIT, Albert Thomas.

Assim pôde ser debatida a polêmica dentro da esquerda e do movimento operário, a respeito das "conquistas paliativas” representadas pelas decisões internacionais.

d) O “Projeto do Centenário da OIT”, conduzido pela Organização Internacional do Trabalho, pretende concluir a divulgação de seu acervo, por meio da internet, até 2019. De acordo com as diretrizes desse projeto, já em andamento e a

18 BOLETIM DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DO TRABALHO, ano VIII, n. 31 e 32, 2º e 3º

trimestres de 1919.

19 Alexandre Fortes discute, em capítulo sobre o período pré-Vargas, o posicionamento da bancada

gaúcha e do presidente do Estado frente às questões sociais, a partir de 1919. Problematiza o borgismo e sua relação com o getulismo. Cf. FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito. A classe trabalhadora porto-alegrense e a Era Vargas. Caxias do Sul/Rio de Janeiro: EDUCS/Garamond, 2004. Sobre greves de 1919 no Rio Grande do Sul - Cf. PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. As greves no Rio Grande do Sul (1890-1919). In: DACANAL, José H.; GONZAGA, Sergius (orgs.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979.

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permitir acessos aos documentos, a história produzida sobre a OIT deve, gradativamente, abandonar o enfoque, quase exclusivo, na Europa e Estados Unidos.

Os recursos básicos dessa ferramenta já permitem acesso integral aos textos das convenções e recomendações da OIT a partir de 1919, nos quais constam relatórios de reunião, textos subsidiários às conferências internacionais, relatórios enviados pelos estados-parte, comentários, lista países signatários e assim por diante. Na base de dados da ILOLEX (sobre as normas internacionais do trabalho) encontrei resoluções de conferências internacionais, memórias dos diretores. Em prévio levantamento feito para essa pesquisa encontrei centenas de documentos, inclusive o relatório de viagem de Albert Thomas ao Brasil e material para sistematizar as convenções da OIT referendadas nos países signatários do Tratado de Versalhes.

O recorte temporal para questões tão amplas também é um desafio. O início em 1919 parece óbvio por ser o ano da assinatura do Tratado de Versalhes, mas, além dessa obviedade, esse ano foi marcado por eventos importantes para esta pesquisa: a morte de Rodrigues Alves, candidato eleito à Presidência da República do Brasil; realização de um processo eleitoral onde a questão social esteve em pauta; agitações operárias em diversas cidades brasileiras; avanço da Rússia “bolchevique” sobre a Ucrânia e, por fim, a realização de uma Conferência de Paz em Paris. Nas palavras de Claudio Batalha, ainda, foi “um momento de extraordinária mobilização coletiva e de forte organização de classe”20 no Brasil.

A partir dos anos 1930, os organismos de mediação e conciliação que se firmaram adentraram à esfera da institucionalidade. A alusão ao Tratado de Versalhes, com efeito, consta em muitos dos discursos e documentos deste período. Dois documentos merecem destaque: a “Plataforma da Aliança Liberal”21, publicada no ano

de 1930, que criticou o não cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil na década passada e o “Decreto Nº 1.398, de 19 de janeiro de 1937”, relativo ao exame médico obrigatório das crianças e menores empregados a bordo dos vapores, assinado por Getúlio Vargas meses antes do golpe do

20 BATALHA, Claudio H. de M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed, 2000, p. 14.

21 A “Plataforma da Aliança Liberal” lida na Esplanada do Castelo, em 2 de janeiro de 1930, encontra-se

transcrita integralmente em: BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal/Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, vol. 4.

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Estado Novo e que reproduzia na sua justificativa o texto integral, e em língua francesa, de artigos da Convenção da Organização Internacional do Trabalho de 1921.

No entanto, fez-se aqui opção por estabelecer o recorte final da pesquisa no ano de 1926. Em primeiro lugar, porque o Estado brasileiro, por meio de Emenda Constitucional, de 03 de setembro de 1926, modificou seu Artigo 31 e o parlamento assumiu a responsabilidade de “legislar sobre o trabalho”, alterando, portanto, a linha de interpretação aqui proposta22. Também nesse ano o governo brasileiro discutiu o desligamento da Sociedade das Nações (SDN). Em segundo lugar, porque a partir daí gestaram-se significativas mudanças tanto das formas de organização da classe trabalhadora, quanto do Estado e da burguesia.

A dissertação está dividida em três blocos temáticos e três capítulos que constroem uma narrativa histórica e, ao mesmo tempo, procuram suscitar questões relativas ao mundo do trabalho e à luta de classes. O primeiro capítulo, Direito do

Trabalho, a Última Moda em Paris, remonta o cenário no qual a legislação do trabalho

foi parar nas mentes dos diplomatas e chefes de estado das grandes e pequenas nações. Há a preocupação, sem esgotar o tema, de explicar a importância que aquele evento teve para o concerto das nações, assim como as críticas que ele sofreu da Rússia revolucionária.

Os objetivos das negociações, a participação da delegação brasileira e os resultados parciais dos debates foram temas de pouca repercussão na historiografia brasileira, de modo que a maior parte da bibliografia se deve a relatos de jornalistas e estudos diplomáticos, muitos deles cuja natureza não permite cruzamentos diretos. No capítulo em questão há um esforço de sistematização dessas informações.

Recentemente, no âmbito internacional, há maior profusão de livros e até documentários para a TV sobre a Conferência de Paz. A participação do Brasil na Conferência de Paz foi discutida em livros e artigos pelo diplomata Eugênio Vargas Garcia23. Chama a atenção, no entanto, que mesmo para historiadores voltados à questão social, o tema “trabalho” não foi a principal abordagem da Conferência de Paz,

22 A Emenda Constitucional, de 03 de setembro de 1926, substituiu, entre outros, o texto do artigo 31 da

Constituição Federal de 1891, e definiu como competência privativa do Congresso Nacional legislar sobre o trabalho. Embora já houvesse leis nacionais, a partir desse momento as mesmas passaram a ser prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional.

23 GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926). Porto Alegre/Brasília: Editora

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ainda que já ocorresse, em diversos países, mobilização pelo estabelecimento de padrões internacionais de trabalho.

Igualmente, há uma prospecção do assunto na grande imprensa. Nas análises anteriores  dedicadas à imprensa operária e aos primeiros anos do Partido Comunista do Brasil (PCB), dos sindicatos e das greves tanto a visão do PCB, quanto as visões anarquistas foram absorvidas pelos estudos posteriores, sem terem passado por uma problematização. Tiago Bernardon24, por exemplo, indica a rejeição ao Tratado de Versalhes e seus desdobramentos, por conta das opiniões expressas nos periódicos e debates nas etapas que precederam o 3º Congresso Operário Brasileiro, em 1920.

Não se deve esquecer que a declaração de princípios deste congresso estadual foi feita em um contexto em que, nos planos internacional, nacional e estadual preparavam-se ingerências do Estado para atenuar o conflito de classes em vista de desviar o operariado da influência soviética. No plano internacional, ocorreu a Conferência de Washington, que contou com a participação de representantes enviados pelo governo brasileiro, para assinar um acordo da recém-formada Organização Mundial do Trabalho. No plano nacional crescia a influência de deputados trabalhistas que, na Câmara dos Deputados, discutiam a pertinência de se elaborar um Código do Trabalho, o que implicaria numa ingerência direta do Estado na relação Capital/Trabalho, algo absolutamente abominada pelos anarquistas e sindicalistas revolucionários, de modo geral25.

No entanto, é preciso explicar como direitos trabalhistas e internacionais entraram para a ordem do dia a despeito da opinião desses grupos. A negação das deliberações internacionais conduzidas pelos governos e a permanente denúncia de que essas leis eram simples atenuantes para desviar a mira das organizações operárias da revolução social são recorrentes nas páginas de A Plebe, como demonstrado mais à frente, mas rigorosamente não encerravam a opinião da classe trabalhadora sobre leis e direitos.

João Tristan Vargas reuniu documentação sobre o período e tangenciou a questão, porém, à procura de uma ordem liberal, não deu maior atenção à condição operária26. Com as mesmas poucas fontes que ele utiliza, este estudo procurou situar o

debate do ponto de vista dos trabalhadores. Como sua mira estava direcionada à

24 OLIVEIRA, Thiago Bernardon de. Anarquismo, sindicato e revolução no Brasil (1906-1936). Tese de

Doutorado em História. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro: UFF, 2009.

25 Ibid., p.141.

26 VARGAS, João Tristan. O trabalho na Ordem Liberal: O movimento operário e construção do Estado

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compreensão da ordem liberal, o autor manteve a impressão de que a Comissão de Legislação Social (CLS), principalmente a partir da homologação do Tratado de Versalhes, foi mais uma oportunidade perdida pelos trabalhadores.

O segundo capítulo, A Câmara dos Deputados e a Comissão de Legislação

Social (1918-1926), concentra seu esforço nos debates em torno da legislação

internacional do trabalho e nos trabalhos da CLS. Essa riquíssima documentação como, por exemplo, um relatório de cerca de 300 páginas produzido pelo deputado Andrade Bezerra, ainda foi pouco utilizada. Ângela de Castro Gomes identificou os interesses da burguesia e do trabalho naquela comissão protagonizada por Maurício de Lacerda. Nesse sentido, buscou-se trazer à tona aspectos ainda não explorados dessa documentação, não apenas referentes ao Tratado de Versalhes, mas que ajudam a compreender melhor quais eram as posições que estavam em jogo e com qual aliado cada “jogador” poderia contar.

Para um bom entendimento do debate jurídico no período pré-1930, no Brasil, são indispensáveis os escritos e discursos de Evaristo de Moraes. Sobre o autor, o exame de Joseli Mendonça foi essencial27. O mesmo vale para os trabalhos de

Arnaldo Süssekind28, para entender a trajetória das leis sociais no Brasil. O estudo sobre o Direito Social de Antonio Ferreira Cesarino Junior.29, por sua vez, ainda que não considere relevante o período pré-1930, traz úteis definições das formas jurídicas no direito social brasileiro. Entre outros, defende o uso da nomenclatura Direito Social por ser um pleonasmo enfático, ou seja, que reitera a peculiaridade do assunto. Por fim, há que se consultar Sampaio Dória30 que, em 1922, escreveu um dos primeiros tratados jurídicos sobre a questão trabalhista no Brasil.

Autores como Paulo Sérgio Pinheiro, Michael M. Hall e Kazumi Munakata, no que tange às práticas do Estado liberal oligárquico, atacam o juízo prévio de autores que consideraram que a única estratégia da burguesia era o Estado violento e pouco permeável. Ora, não é pequena a lista de estudos, relatos e documentos que mostram que a violência do Estado contra os movimentos que reivindicavam melhoria nas

27 MENDONÇA, Joseli Maria N. Evaristo de Moraes, Tribuno da República. Campinas: Ed. da

UNICAMP, 2007.

28 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2000.

29 CESARINO JUNIOR, Antonio Ferreira. Direito Social Brasileiro. São Paulo: Martins, 1940. 30 DÓRIA, Antônio de Sampaio. A questão social. São Paulo: Monteiro Lobato & C., 1922.

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condições de trabalho ocorreu em larga escala e com diferentes mecanismos (prisões, mortes, deportações). Hall e Pinheiro haviam notado que:

A burguesia paulista, no final dos anos 1920, já tinha seu próprio projeto hegemônico [...] e apesar de não terem renunciado ao emprego sistemático da violência [...] os empresários começaram a desenvolver outra estratégia, complementar, em relação a classe operária. Ao lado da repressão física direta, utilizaram meios mais sutis de controle31.

Nesse espírito, a burguesia já havia procurado alternativas às leis sociais antes dos anos 1920. Bárbara Weinstein discutiu como os patrões, por meio de serviços sociais oferecidos por suas empresas, valiam-se desses gestos de “benevolência” como forma de angariar simpatia dos trabalhadores, de forma pessoal, ao mesmo tempo em que rejeitavam que uma ou outra dessas “vantagens” chegasse aos trabalhadores pelas mãos do Estado:

À luz do desenvolvimento posterior das relações industriais no Brasil, é interessante notar a quase total ausência do Estado nos vários discursos dos industriais, tecnocratas e operários. Por boa parte do período que estamos estudando, o principal papel do Estado era pressionar os patrões e propiciar à indústria certa proteção tarifária. Os porta-vozes da indústria rejeitavam explicitamente a ‘interferência’ do Estado nas relações entre operários e patrões, enquanto que os sindicatos raramente procuravam a ajuda do Estado no processo de desenvolvimento nacional. [...] E facções políticas interessadas em criar uma nova legislação social para modificar as condições de trabalho obrigaram cada vez mais os patrões a debater publicamente problemas trabalhistas quando a década de 1920 chegava ao fim32.

As pesquisas anteriormente apresentadas sobre o período são, ainda, importantes contribuições para a desconstrução da chamada “ideologia da outorga”. Essa questão foi discutida por Luís Werneck Vianna no texto clássico sobre o tema, “Liberalismo e Sindicato no Brasil”33. Se a compreensão de que as conquistas dos

trabalhadores não foram “benesses” do Estado pós-1930 já estava comprovada, esta dissertação aprofunda esse entendimento, ao trazer à baila também as intervenções de organismos internacionais e a capacidade de influenciar as políticas e legislações sociais

31 HALL, Michael M.; PINHEIRO, Paulo Sérgio. A Classe Operária no Brasil: Documentos (1889 a

1930). Vol. I. O Movimento Operário. São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1979, p. 12.

32 WEINSTEIN, Bárbara. (Re)formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-64). São Paulo: Cortez,

2000, p. 69.

(27)

no Brasil. Nesse sentido, é bem-vinda a reflexão de Eileen Boris e Jill Jensen sobre a contribuição da dimensão transnacional nas análises das questões de gênero na OIT.

A abordagem transnacional, no entanto, revela circuitos de intercâmbio entre as feministas trabalhistas e políticas internacionais, o que complica a história padrão que defende uma igualdade abstrata sobre a diferença caracterizada. Esses esforços incluem o suporte de um tratamento justo e justa remuneração do trabalho das mulheres e a incorporação de grupos historicamente deixados fora dos padrões formais de trabalho globais, tais como trabalhadores domésticos, migrantes, mulheres traficadas. O mais detalhado exame de convenções específicas permitirá aos estudiosos considerar como as feministas trabalhistas buscaram a igualdade das mulheres através de apoios dirigidos às mães assalariadas, dissolvendo a dicotomia entre igualdade e diferença. Pisando fora dessa discussão é possível redefinir colaboração em torno da segurança social, licença maternidade, e outras políticas de ‘trabalho e família’ como estratégias para fazer avançar os direitos das mulheres e a igualdade de gênero no trabalho e na política34.

O terceiro capítulo, A Política da Presença, mostra a institucionalização da OIT e a participação decisiva de seu primeiro Diretor-Geral, Albert Thomas, na sua formulação. Há o acompanhamento na grande imprensa e na imprensa operária da visita que Thomas fez à América Latina e ao Brasil em 1925. A presença da Organização Internacional do Trabalho nos primeiros anos da década de 1920 e a relação que ela estabeleceu com governo e sindicatos ajudam a entender seus propósitos e suscitam reflexão sobre a relação entre OIT e o Estado brasileiro.

Por fim, são discutidos os trâmites das convenções e orientações da OIT e a legislação equivalente no Brasil antes dos anos 1930. Como é sabido, embora as leis do trabalho só tenham sido consolidadas com Getúlio Vargas, muitos pontos já estavam estabelecidos, mesmo que em âmbito estadual, desde os anos 1920.

34 BORIS, Eileen; JENSEN, Jill. The ILO: Women’s Networks and the Making of the Woman Worker.

In: DUBLIN, Tomas; SKLAR, Kathryn Kish. Women and Social Movements International. Alexander Press, 2012. (Tradução nossa).

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CAPÍTULO I – DIREITO DO TRABALHO, A ÚLTIMA MODA EM

PARIS.

1.1. Paris, 1919.

Poucos anos antes de Ernest Hemingway e sua geração perdida chegarem à cidade, Paris preparava uma festa. A atmosfera de guerra que há pouco dominara a cidade dava lugar a uma grande euforia por conta da realização da Conferência de Paz, iniciada no dia 18 de janeiro de 1919. Pelas ruas da cidade estavam chefes de Estado, diplomatas, militares, adidos, burocratas de todos os tipos, especialistas em direito, história, relações internacionais, enfim, todos aqueles destacados por seus países para a tarefa de pôr término ao conflito mundial e selar uma paz duradoura entre vencedores e derrotados na Grande Guerra (1914-1918)35.

Os traumas da guerra ainda eram marcas visíveis na população europeia. As sucessivas batalhas que ceifaram 9 milhões de vidas feriram e deixaram inválidos milhões de soldados e civis, desmontaram impérios, mudaram o mapa da Europa e continuaram na retina da população e dos dirigentes políticos que tiveram a responsabilidade de repactuar e refazer o mundo à luz dos princípios da sociedade moderna36. Mas, a realização daquela Conferência, naquele local, era um alento para uma população repleta de expectativas de que o futuro não repetiria o passado.

Reunidos em Versalhes, os peacemakers (forma como eram chamados diplomatas e políticos encarregados de construir o acordo de paz) expressavam as partes envolvidas no conflito bélico. Ali estavam reunidos representantes dos vencedores, sendo 32 países, sem contar os domínios britânicos, que participaram diretamente do conflito, divididos entre secundários e primários, estes representados pelas 5 grandes

35 Cf. Sobre o ambiente da Conferência de Paz conferir o filme Paris 1919: Un traité pour la paix, (2009)

produção franco-canadense do diretor Paul Cowan. A película alterna cenas de arquivo com representações dramáticas dos principais momentos das negociações de paz. Na literatura, Paris é uma festa, publicado em 1964, é um livro de ficção construído a partir das memórias parisienses do escritor americano Ernest Hemingway (1899-1961). O livro refere-se aos frementes anos 1920 e retrata Paris entre 1921 e 1926, quando viviam intensamente a cidade personalidades como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pround e F. Scott Fitzgerald.

36 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras,

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potências: Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Japão. Era corrente o receio de que o grande número de participantes poderia transformar a Conferência “em uma espécie de feira”37. Organizados em 52 comissões, estavam 70 plenipotenciários

acompanhados por secretários, colaboradores, tradutores e políticos. A historiadora Margaret MacMillan (bisneta do Lloyd George, primeiro-ministro inglês durante a elaboração do Tratado de Versalhes) descreveu o ambiente parisiense nesses dias:

A concentração de poder atraiu repórteres do mundo inteiro, seus homens de negócios, os porta-vozes homens e mulheres de uma miríade de causas. ‘Só se vê gente partindo para Paris’, escreveu o embaixador francês em Londres. ‘Paris vai se transformando em local de diversão para centenas de ingleses, americanos, italianos e sombrios senhores estrangeiros que estão a cair sobre nós a pretexto de tomar parte nas discussões de paz’. Voto para as mulheres, direitos para os negros, um estatuto para o trabalho [...] petições e requerentes chegavam aos borbotões de todos os rincões do mundo38.

Ainda segundo a autora, havia o risco de que a Conferência não conseguisse conciliar os interesses das potências vitoriosas com as fortes expectativas criadas em torno dela. Assim, o risco de desapontamento pairava sobre os “pacificadores”. Georges Clemenceau, experiente estadista francês que ocupava o cargo de Primeiro-Ministro à época da Conferência de Paz chegou a afirmar que era “mais fácil fazer a guerra do que a paz”39. De tal modo, redesenhar fronteiras, cobrar indenizações e anexar territórios

ganhava um sentido sem precedente, talvez comparável ao Congresso de Viena de 1815, do ponto de vista dos objetivos, mas muito maior em escala e em abrangência geopolítica, afinal agora os Estados Unidos assumiam papel protagonista, países sul-americanos tomavam parte e até mesmo China e Japão enviavam do Oriente seus melhores quadros diplomáticos. Esse caráter internacional conferiu à Paris um peculiar desfile de costumes, tradições e ideias.

Ruth Henig deu destaque para a repercussão que as rodadas de negociações em Paris tiveram frente à opinião pública mundial e relacionou o crescimento da imprensa popular durante a Guerra com a expressiva cobertura jornalística que houve em Paris nos dias da Conferência. De tal modo, a “liberdade de negociação dos líderes aliados estava circunscrita pela responsabilidade que tinham perante os respectivos

37 BECKER, Jean-Jacques. O Tratado de Versalhes. São Paulo: Editora UNESP, 2011, p.34. 38 MACMILLAN, Margaret. 1919. Paz em Paris. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 4. 39 Ibid., p.7.

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eleitorados”40. As questões do nacionalismo e das negociações de reparações territoriais

e financeiras na Europa, por exemplo, eram acompanhadas por olhares atentos da população que emitia juízo político sobre cada ação das delegações que lá estavam e, como a maioria desses países era democrática, o cálculo sobre o impacto nas urnas de cada decisão tomada também tinham considerável valor. Leila Rupp, em análise sobre a organização das mulheres que incluiu o pós-grande guerra, chamou a atenção para a singularidade desse momento, no qual “o internacionalismo [...] se constrói a partir de 1919 em meio a transformações causadas pela revolução bolchevique, o declínio do domínio europeu no mundo, a depressão de 1929, o nascimento do fascismo e a emergência de movimentos liberais”41. Destarte, nos anos que envolveram a guerra

houve a consolidação de debates ideológicos e os setores sensíveis dos povos condicionavam a sustentação política a seus governos às posições assumidas por eles, agora, também, no âmbito da política internacional.

A responsabilidade das decisões, igualmente, significou um poder cada vez mais concentrado nas mãos dos representantes das grandes potências. Se inicialmente as nações menores participaram ativamente das comissões e, por meio dessas, da elaboração de propostas para a paz, com o passar dos dias as decisões ficaram restritas a uma reunião de poucos países, originando o Conselho dos Dez e, por fim, o Conselho dos Quatro (com presença exclusiva de Estados Unidos, Reino Unido, França e Itália), fórum de negociação e acordos de temas que sequer haviam sido submetidos aos demais países.

Tal fato, no entanto, não significa que as demandas dos integrantes das comissões temáticas, assim como seus encaminhamentos, eram menos relevantes, uma vez que, domínios territoriais e indenizações falavam mais imediatamente aos interesses daquele momento histórico, porém, não levam à exaustão o conteúdo do Tratado. O livro de Margaret MacMillan, por exemplo, traz importante referência documental, mas, assim como Ruth Henig, concentrou sua análise em pontos priorizados pelas potências, como a proposta de criação da Sociedade das Nações, prejuízos financeiros de guerra e controle das colônias. A breve descrição do funcionamento das comissões menores, de

40 HENIG, Ruth. O Tratado de Versalhes. São Paulo: Ática, 1991, p. 48.

41 RUPP, Leila J. Worlds of Women: The Making of an International Women's Movement. Princeton:

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interesses específicos, tratou apenas superficialmente de questões como a legislação do trabalho.

Entre as considerações levantadas pelo historiador Eric Hobsbawm sobre os Tratados de Paz42 estavam: a questão nacional e o princípio da autodeterminação, componente essencial para a compreensão dos “nacionalismos” na Europa; as disputas políticas cada vez mais acirradas nas 4 grandes potências e, por fim, o estabelecimento da cláusula da “culpa da guerra”, com o intuito de evitar que a Alemanha pudesse outra vez se lançar em disputas militares. Já a paz punitiva a ser imposta à Alemanha teve como principal fiadora a França, devido a interesses geopolíticos, territoriais e pelo temor de um país recém-unificado que havia, com poucos aliados, chegado perto de uma vitória militar.

Em um primeiro momento, o espírito dos 14 pontos apresentados pelo presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson43  plataforma para a paz que tinha o intuito de por fim à guerra a partir de acordos públicos e a criação de uma Sociedade das Nações capaz de mediar os conflitos e equacionar desavenças pela via diplomática  parecia um alento. No entanto, a posterior não ratificação do Tratado de Versalhes pelos Estados Unidos, devido a problemas da articulação política enfrentados pelo presidente Wilson no congresso norte-americano, além da ausência da Rússia na Conferência de Paz, tornava fraca a perspectiva de que fosse estabelecida uma organização realmente mundial e de longa duração.

A ênfase na punição à Alemanha, tanto nas discussões à época quanto na historiografia, se devia exatamente pelo temor de que outro conflito dessa magnitude eclodisse ou, em olhar retrospectivo, devido ao evidente fracasso desse intento. Ao mesmo tempo, o mundo observava o “surgimento de um regime revolucionário

42 Hobsbawm faz questão de destacar a imprecisão da nomenclatura “Tratado de Versalhes” dada a todo o

conjunto de negociações no pós-Primeira Guerra, uma vez que tratados com outros países receberam nomes de outras localidades francesas (Trianon com a Hungria, Sevres com a Turquia, etc.), embora reconheça que o uso costumeiro da expressão se deva ao papel protagonista que a Alemanha teve na Guerra. Na presente dissertação “Tratado de Versalhes” também foi adotado como forma universal para se referir ao texto resultante da Conferência de Paz. Cf. HOBSBAWM, 1994, p.38.

43 Um resumo desses pontos, apresentado no livreto de Ruth Henig demonstra como o presidente

estadunidense conciliava a preocupação com o liberalismo econômico (defesa de livre navegação pelos mares em tempos de guerra ou paz e eliminação das barreiras econômicas) com propostas objetivas para o estabelecimento de fronteiras e, por fim, mecanismos de associação das nações por meio de Conferências e Convenções Internacionais. Cf. HENIG, 1991, p.75.

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alternativo, dedicado à subversão universal” que poderia servir como um “ímã para forças revolucionárias de todas as partes”44. Tratava-se do caso russo.

A grande ausente em Paris naqueles primeiros meses de 1919, sem dúvida, foi a Rússia. O caso russo era especial não apenas pelas mudanças ocorridas nos tempos finais da guerra, quando a Rússia assinara a paz com os inimigos alemães no início de 1918 e saíra da guerra antes da vitória de seus aliados ocidentais sobre a Alemanha. A peculiaridade do caso russo estava, principalmente, na emergência dos bolcheviques, um novo grupo político que após um processo revolucionário encontrou as condições objetivas para chegar ao poder. O desconhecimento dos “construtores da paz” em relação ao que ocorria na Rússia era grande, o que gerou dúvidas sobre se a mesma deveria ou não ser convidada a participar da Conferência e, em caso positivo, em que termos.

O primeiro-ministro Lloyd George afirmaria que a “Rússia era uma floresta onde ninguém podia dizer o que estava a alguns metros de distância”45. Havia ainda,

naquele momento, a preocupação com as “doutrinas bolcheviques” que poderiam se “disseminar” pelo mundo. Foi nessa balança, entre temor da participação que poderia legitimar um governo revolucionário e temor da ausência de um país gigantesco insurgente, que os bolcheviques, sem terem ido a Paris, foram os ausentes mais presentes na Conferência de Paz.

O historiador Arno Mayer ofereceu uma interpretação peculiar sobre o papel de Lenin e da diplomacia soviética naquele contexto. Seu argumento é de que Lenin desafiou a “velha diplomacia do continente europeu” tanto quanto o presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson. Juntos, esses dois líderes, olhando para a Europa a partir de diferentes direções geográficas e políticas, apresentaram alternativas de novo tipo às habituais relações exteriores que haviam levado a Europa à catástrofe na Grande Guerra. Mesmo com as diferenças ideológicas e de estilo que existiam entre o liberal americano Wilson e o revolucionário russo, seus papéis eram muito semelhantes na forma como eles trataram os assuntos internacionais nos meses finais da Grande Guerra. A interpretação de Mayer serve para os 14 Pontos de Wilson, para o Tratado de

44 HOBSBAWM, 1994, p. 39. 45 MACMILLAN, 2004, p.77.

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Brest-Litovsk (que pôs fim à guerra na frente oriental, onde se enfrentaram Alemanha e Rússia) e também instrui a compreensão da diplomacia de Versalhes46.

Na busca de uma unificação de objetivos entre aliados, a novidade central da diplomacia de Wilson e Lenin, no entendimento de Mayer, era a maneira dos Estados Unidos e da emergente Rússia revolucionária superarem as velhas práticas europeias e dirigirem-se aos povos de várias nações diretamente. Havia uma estranha maneira pela qual a “diplomacia wilsoniana e leninista” não fazia nenhuma distinção essencial entre os povos que viviam dentro da jurisdição de seus aliados e daqueles que viviam fora. Wilson e Lenin, por assim dizer, assumiam posturas internacionalistas47.

Com efeito, a novidade diplomática estava relacionada à novidade política de ambos os líderes, visto que desafiavam a velha ordem europeia, ao mesmo tempo em que representavam os ares de renovação que emergiam das ruínas da Grande Guerra europeia. Mayer colocou muita ênfase na insistência de Wilson e Lenin para conquistar apoio entre os povos de todas as nações. Afinal, a partir de então diplomacia e política interna eram objetivos entrelaçados tanto para Estados Unidos quanto para a Rússia, ainda que por razões distintas. A esse respeito, Mayer afirmou que:

Wilson elogiou a diplomacia bolchevique em seu discurso dos Quatorze Pontos e Lloyd George esperou até o fim da guerra para admitir que ‘não seria justo suprimir a parte que o governo bolchevique tinha jogado nesse processo’. Em Paris, Albert Thomas, sem em nenhum instante abandonar sua hostilidade aos bolcheviques, relutantemente confessou que era uma ‘honra a Revolução Russa ter levado as potências ocidentais para a limpeza das propostas de paz de todo o imperialismo’. Além disso, ele disse em tom de censura ao Governo francês que ‘se os repetidos apelos de Kerensky e Tereshchenko (líderes governo provisório antes da Revolução Soviética) tivessem sido atendidos antes, a situação política na Rússia poderia muito bem ser diferente’. No entanto, Thomas insistiu que apesar da diplomacia errática dos bolcheviques, agora que Lloyd George e Wilson tinham falado Clemenceau já não podia se dar ao luxo de permanecer em silêncio48.

Em 5 de novembro de 1918 a Alemanha renunciou ao Tratado de Brest-Litovsky e rompeu relações diplomáticas com a Rússia, cumprindo uma das primeiras condições impostas pelas “potências vitoriosas” no armistício de 11 de novembro de

46 MAYER, Arno. Wilson v. Lenin. Political Origins of the New Diplomacy. New Haven, Yale University

Press, 1959, p.368. (Tradução nossa).

47 Idem.

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1918. Com base na nova ordem europeia criada pelo Tratado, Lenin esperava que a Alemanha fosse arrastada para a cooperação e que a maioria dos seus políticos revisionistas formasse uma aliança com a Rússia. Ele expressou sua crença de que "o mundo imperialista moderno repousa sobre o Tratado de Versalhes e nós temos uma aliança com todos os países que vivem sob o Tratado de Versalhes, o que representa 70 por cento de toda a população da terra”49.

Sob a perspectiva russa, no entanto, a disputa interna contra a ofensiva dos “brancos” e o esforço de Lenin para evitar que uma invasão estrangeira desestabilizasse o governo bolchevique fez com que a Conferência de Paris ficasse em plano secundário. Primeiramente, porque mantinha caráter “imperialista”, alvo das denúncias que estavam no cerne da revolução de outubro. Afinal, como poderiam construir a paz os mesmos senhores da guerra que, por dinheiro, eram capazes de usar todo e qualquer recurso? Em segundo lugar, porque a luta interna na Alemanha supostamente ganhava força e os bolcheviques viam ali a possibilidade de sair do isolamento revolucionário. Para os russos, “1919 era o ano da revolução” e avançar com a revolução da classe trabalhadora era uma forma muito mais eficiente de construir a paz do que sentar à mesa com os promotores do imperialismo50.

De todo modo, surge uma questão fundamental para os estudos dos direitos sociais: o medo de que o exemplo bolchevique arrastasse as massas insatisfeitas com suas condições materiais e com o modo de vida imposto pelos grandes industriais e governos que serviam a seus interesses. Ou seja, o temor de que a centelha da revolução se espalhasse pela Europa, fez com que entrasse na “agenda das reuniões de Paris questões muito mais amplas do as que eram previstas antes de novembro de 1917”51. Essas questões mais amplas eram justamente as relacionadas aos direitos e ao trabalho. Em outras palavras, além das perdas financeiras e territoriais, outro espectro passava a rondar as mesas de negociação parisienses, o espectro da revolução operária. Em uma conjuntura potencialmente adversa aos seus interesses, para os peacemakers toda

49 LENIN, Vladimir I. Political Report of the Central Committee RKP (b) to the Ninth All-Russian

Conference of the Communist Party (20 September 1920). Document 59. In: PIPES, Richard (ed.). The Unknown Lenin. From the Secret Archive. Yale, 1996, p. 101-103.

50 BROUÉ, Pierre. História da Internacional Comunist (1919-1943). Tradução de Fernando Ferrone. São

Paulo: Editora Sundermann, 2007, p.119.

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prevenção seria bem-vinda e uma legislação internacional do trabalho passava a fazer sentido.

O texto final, enfim, chegaria aos alemães no dia 7 de maio e, após muita especulação sobre a aceitação ou não de suas condições pela Assembleia da República de Weimar, seria assinado em 28 de junho de 1919. O mundo ansiava pela experiência da paz, ainda que ela viesse pelas mesmas mãos que outrora haviam submetido os povos à experiência da guerra. Em seu diário, o diplomata, escritor e ensaísta inglês Harold Nicolson descreve o cenário daquela data:

Entramos na Galeria dos Espelhos. É dividida em três seções. Lá no fim, a imprensa numerosa e já instalada. No meio está uma mesa em forma de ferradura para os plenipotenciários. À sua frente, como uma guilhotina, está a mesa para as assinaturas. Parece estar sobre um estrado, mas este se existe, não tem mais do que algumas polegadas de altura. Mais próximas, estão fileiras e mais fileiras de tamboretes para convidados importantes, deputados, senadores e membros das delegações. Deve haver assentos para mais de mil pessoas52.

No entanto, embora os salões e jardins de Versalhes abrigassem uma multidão, a atmosfera carregada daquela que deveria ter sido a celebração da paz deu o tom a um espetáculo onde os “vilões” alemães se submetiam às decisões das potências vencedoras e, além disso, nem mesmo o triunfalismo de ingleses e franceses socorria a cerimônia “mal organizada e, sobretudo, insignificante”53 que acabara de ocorrer. No

relato de Harold Nicolson, a imagem do secretário de Relações Exteriores alemão, Herman Muller, na fila para assinar o Tratado, assemelhava-se a de um prisioneiro sendo conduzido ao banco dos réus.

Desde o início, o Tratado foi alvo de duras críticas, vindas de diferentes direções. John Maynard Keynes, antes de consagrar-se na teoria econômica e emplacar o célebre “keynesianismo”, sendo então um disciplinado funcionário público do Tesouro inglês, foi escolhido pelos britânicos como delegado à Conferência de Paz em Paris. Daí resultou um enorme mal-estar com a sua renúncia ao posto antes da

52 NICOLSON, Harold. O Tratado de Versalhes: A paz após a Primeira Guerra Mundial. “Diário da

Conferência de Paz”. São Paulo: Globo Livros, 2014, p.50.

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