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Movimento autônomo secundarista de São Paulo : conflitos, processos sociais e formação política

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RUBIA DE ARAUJO RAMOS

Movimento autônomo secundarista de São Paulo: conflitos,

processos sociais e formação política

Campinas 2020

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Movimento autônomo secundarista de São Paulo: conflitos,

processos sociais e formação política

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Sociologia.

Orientadora: Profª Drª Elide Rugai Bastos

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA RUBIA DE ARAUJO RAMOS, E ORIENTADA PELA PROFª DRª ELIDE RUGAI BASTOS.

CAMPINAS 2020

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Ramos, Rubia de Araujo, 1988-

R147m Movimento autônomo secundarista de São Paulo : conflitos, processos sociais e formação política / Rubia de Araujo Ramos. – Campinas, SP :[s.n.], 2020.

Orientador: Elide Rugai Bastos.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Escolas - Organização e administração. 2. Conflito social. 3. Processo decisório. 4. Resistência ao governo. 5. São Paulo (SP) - Política e governo. I. Bastos, Elide Rugai, 1937-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Autonomous movement of high school students of São Paulo state

: conflicts, social processes and political formation

Palavras-chave em inglês:

School - Organization and administration Social conflict

Decision-making process Government, resistance to

São Paulo (SP) - Politics and government

Área de concentração: Sociologia Titulação: Doutora em Sociologia Banca examinadora:

Elide Rugai Bastos [Orientador] Bárbara Geraldo de Castro Aparecida Neri de Souza Débora Cristina Goulart Rúrion Soares Melo

Data de defesa: 26-03-2020

Programa de Pós-Graduação: Sociologia

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-5658-6755 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9159501744534229

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 26 de março de 2020, considerou a candidata Rubia de Araujo Ramos aprovada.

Profª Drª Elide Rugai Bastos (Presidente da Comissão Examinadora)

Profª Drª Bárbara Geraldo de Castro

Profª Drª Aparecida Neri de Souza

Profª Drª Débora Cristina Goulart

Profº Drº Rúrion Soares Melo

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Dedico aos meus pais, Ana Lúcia e Rubem

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envolve relações profissionais e pessoais. O desenvolvimento desta não foge à regra. Graças a encontros e oportunidades pude desenvolver minha tese tal como a apresento neste material. Começando pelas condições que me foram oferecidas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, e especialmente pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Agradeço aos docentes e colegas de curso que, de uma forma ou de outra, contribuíram para meu desenvolvimento intelectual e pessoal nesses últimos anos, e à Priscila Gartier, pelas inúmeras vezes que me ajudou com as questões burocráticas da vida acadêmica.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. A mesma instituição também financiou meu doutorado sanduíche (processo nº88881.135762/2016-01) na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) – Paris.

À minha orientadora, Profª Drª Elide Rugai Bastos, pelas leituras atentas, revisões cuidadosas, e sugestões que me fizeram refletir sobre o trabalho e minha relação com o objeto de pesquisa. As conversas, os conselhos, e reuniões de orientação, as quais jamais esquecerei, pois foram para mim verdadeiras aulas de demonstração prática do compromisso com o campo das Ciências Sociais e com a emancipação humana. Me considero privilegiada pelo período de aproximadamente um ano e meio de convivência, pela presença, sensibilidade e apoio da professora Elide para que eu desenvolvesse a pesquisa que eu desejava realizar, e por me fazer aprender mais do que o desenvolvimento de uma tese poderia me ensinar, sobre generosidade, empatia e seriedade.

Aos professores que foram importantes para minha formação nesses últimos anos: Michel Nicolau, pelas reflexões em aula sobre a produção social da diferença e sua relação com a produção cultural no contexto da globalização; Mário Medeiros, pela ajuda no período em que precisei mudar de orientação; e com especial carinho Josué Pereira da Silva, por ter acompanhado toda a minha trajetória desde que entrei na UNICAMP, e por ter me ensinado boa parte do que sei hoje sobre Teoria Crítica.

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reflexões e oportunidades de debate sobre nossos textos e pesquisas. Aos colegas e professores que comentaram meu trabalho desde o projeto inicial, Enrico Bueno, Breno Augusto, Caroline Tresoldi, Matheus Romanetto, Karina Kappelli, Autran Muniz, Fernando Lourenço, Josué P. Silva e Silvio Camargo. Fora da Unicamp, agradeço pelos comentários da profª Liliana Demirdjian, da Universidade de Buenos Aires, e do Jonas Medeiros, no III Encontro de Teoria Crítica e Filosofia Política da USP.

Aos colegas da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Ricardo Jurca, Áurea Ianni, Denise Coelho, Rubem Brandão, Maria Izabel, Thiago Leão e André Luzzi, sou grata pelos debates e reflexões acerca dos fenômenos sociais contemporâneos da sociedade brasileira.

Sou grata ao profº Drº François Dubet pela atenção e interesse em meu trabalho, por seu acolhimento e coorientação durante o período em que estive na França. Agradeço à EHESS pela estrutura e pelas oportunidades de conhecimento e formação, à Mme Zouhour Ben Salah e à profª Drª Alexandra Poli, pela hospitalidade e cordialidade com que me receberam no extinto Centre d’Analyse et d’Intervention Sociologiques (CADIS).

Às amigas da França: Anaïs Savignac, Célia Ait, Genyle Nascimento, Anne-Christine, e Marissa Schamne. Sem elas a vida em Paris não teria sido tão feliz.

Aos amigos da UNICAMP: Julia Abdala, Camila Teixeira, Edilson Lima, Thaís Lapa, Daniela Vieira, Fernando Matias, Flávio Mendes e Ricardo Festi.

Aos amigos de longa data e sempre presentes: Clara Machado, Paulo Souza, Fernando Alves, Carolina Gomes Leme, Carolina Ribeiro, Diego Oliva, Gabriel Madureira, Raquel Protázio, Emi Ionashiro, Gabriela Pagani e Bruna Scaramboni. Estas pessoas tornaram meus dias mais leves.

A pesquisa não seria possível sem os estudantes ex-secundaristas. Agradeço às meninas e aos meninos que permitiram a realização das entrevistas e conversas, forneceram materiais físicos, digitais, recordações pessoas da vivência no movimento secundarista, abriram suas casas e me apresentaram seus familiares e amigos, aos que me receberam em suas reuniões de militância política, e aos que sacrificaram o pouco tempo de descanso para colaborar com meu trabalho. São pessoas que foram fundamentais para o desenvolvimento da tese, cujos nomes não revelo por questões éticas e de segurança.

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movimento secundarista de São Paulo. O acesso livre aos trabalhos audiovisuais foi importante para a pesquisa e o amadurecimento de parte dos meus argumentos.

Aos colegas estudantes e professores da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), cuja produção acadêmica e encontros regulares durante o último ano foram importantes para minhas reflexões intelectuais e para o desenvolvimento da tese, a respeito das políticas de educação do Estado de São Paulo. Desse grupo, menciono colegas que trabalhei diretamente no GT Sujeitos Sociais: Débora Goulart, Regina Oshiro, José Alves, Leonardo Crochik e Ana Paula Corti.

Aos meus pais, Ana Lúcia e Rubem, minha eterna gratidão. Sem eles teria sido impossível a realização do doutorado. Tudo o que sou, como pessoa e como profissional, devo a eles. Sem os esforços e sacrifícios que dedicaram à minha formação e das minhas irmãs, não teríamos passado pela universidade pública, e tão pouco seguiríamos trajetórias acadêmicas. Com meus pais aprendi, desde criança, a importância da memória, das origens e do senso crítico. Graças a eles tive incentivos e pude ingressar no curso de ciências sociais tendo noção do que é consciência de classe e sua importância. Valores que guardo comigo também são fruto da convivência que tive com pessoas incríveis que marcaram momentos importantes de minha vida. Agradeço, em memória, aos professores e amigos Luiz Aude e Geraldo Nepomuceno de Oliveira. Os doze anos de dedicação à música e à Orquestra Paulista de Gaitas foram centrais para minha formação humana.

Às minhas irmãs, Ricely e Raissa, e aos meus cunhados, Helton e Tadeu, pelos afetos e pelas diferentes formas de incentivo para que eu seguisse meus objetivos. Agradeço ao Srº Osvaldo pela tradução, à Srª Valéria pelo carinho e apoio. Para finalizar, agradeço ao Vitor Pinheiro Bolognes pelo companheirismo, por apoiar minhas escolhas mesmo quando necessário se sacrificar, e por me incluir em seus planos de vida.

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A reforma ou a revolução da escola, que se trata de algo necessário e urgente, só se dá quando se torna possível criar a consciência social crítica. Fazer o indivíduo cidadão. Florestan Fernandes

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organização do movimento autônomo dos estudantes secundaristas de São Paulo no período entre 2015 e 2018. Para isso, busca analisar como os jovens se organizam e atuam a partir da construção de uma consciência coletiva sobre a relação entre a educação pública de qualidade e a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Aponta aspectos sociais recentes, expressos na forma da organização autônoma e horizontal do movimento secundarista, nos permitindo tratar a questão da legitimidade na mobilização estudantil enquanto movimento social e manifestação de seu tempo. Para cumprir os objetivos propostos nesta pesquisa, considero a política educacional adotada pelo governo estadual paulista desde os anos de 1990; novas emergências dos movimentos sociais de 2013 que possam ter influenciado os secundaristas autônomos; a relação de conflito entre Estado e comunidade escolar; e processos de socialização por meio de novas tecnologias de informação e comunicação. A pesquisa parte da hipótese de que a organização dos secundaristas autônomos é, ela própria, um processo social relevante para ganhos políticos na direção da manutenção e intensificação da democracia no estado de São Paulo. Palavras-chave: Escolas – organização e administração; Conflito social; Processo decisório; Resistência ao governo; São Paulo (SP) – Política e governo.

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processes and political formation

This research aims to identify the social processes inherent of the experience lived by the high school students when they organized the autonomous movement between 2015 and 2018. Thus, this thesis, seeks to analyze how the youth organizes and acts, starting from the construction of a collective consciousness about the relation between the qualified public education and the construction of a fairer and more democratic society. This thesis, discuss recent social aspects, expressed in the way of the autonomous organization and the high school students movement, allowing us to address the issue of legitimacy in student mobilization as a social movement, and, the manifestation of their time. I order to fulfill the objective of meeting this research proposal, I addressed the following aspects: the educational politics adopted by São Paulo State government since 1990s; on the 2013 new emergencies of the social movement which may have influenced the autonomous students in high school level; the relationship of conflict between State and school community; the socialization processes by means new information and communication technologies. This research is based on the hypothesis that the organization of autonomous high school students is, by itself, a relevant social process with political gains towards the maintenance and strengthening of São Paulo state democracy.

Keywords: School – organization and administration; Social conflict; Decision-making process; Government, resistance to; São Paulo (SP) – Politics and government.

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formation politique

Cette thèse vise à identifier les processus sociaux issus de l'expérience de l’organisation du mouvement autonome lycéen de l’État de São Paulo entre 2015 et 2018. Pour cela, est analysée la manière dont les jeunes s'organisent et agissent à partir de la construction d'une conscience collective, basée sur la relation entre une éducation publique de qualité et la construction d'une société plus juste et démocratique. Les aspects sociaux récents, exprimés sous la forme de l’organisation autonome et horizontale du mouvement lycéen, nous permettent d'aborder la question de la légitimité dans la mobilisation des étudiants en tant que mouvement social et manifestation d’une époque. Pour atteindre les objectifs proposés dans cette thèse, je considère la politique d’éducation mise en œuvre par le gouvernement de l’État de São Paulo depuis les années 1990 ; l’émergence des mouvements sociaux de 2013, qui peuvent avoir influencé les lycéens autonomes ; la relation de conflit entre l'État de São Paulo et la communauté scolaire ; et le processus de socialisation au travers de l’utilisation des nouvelles technologies de l'information et de la communication. La recherche part de l’hypothèse que l'organisation des lycéens autonomes est, elle-même, un processus social pertinent pour les gains politiques vers le maintien et l'intensification de la démocratie dans l'État de São Paulo.

Mots-Clés : Lycée – organisation et administration; Conflit social; Processus décisionnel; Résistance au gouvernement ; Politique et gouvernement.

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Alesp Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo APM Associação de pais e mestres

Apase Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério

Apeoesp Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo ASS Alternativa Sindical Socialista

BNCC Base Nacional Comum Curricular B.O Boletim de ocorrência

CEE Conselho Estadual de Educação

CEFAM Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério CGEB Coordenadoria de Gestão da Educação Básica

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CIMA Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente Coaf Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar

CONDECA Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente Cohab Conjunto habitacional

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CPS Centro Paula Souza

CUT Central Única dos Trabalhadores Dia E Dia de Educação

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EJA Educação de jovens e adultos

EMTI Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

ETEC Escola Técnica Estadual

Etesp Escola Técnica Estadual de São Paulo

FATEC Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo FUNDEF Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental G.A.S Grupo Autônomo Secundarista

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LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LGBT Movimento de Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros MMDC Escola Estadual Martins, Miragaia, Drausio e Camargo

MP Medida provisória

MPL-SP Movimento Passe Livre de São Paulo

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

OEA Organização dos Estados Americanos OMS Organização Mundial da Saúde

ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas OS Organização social

PEC Proposta de Emenda Constitucional PGE Procuradoria Geral do Estado PM Polícia militar

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSL Partido Social Liberal

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

REPU Rede Escola Pública e Universidade

SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

Seade Sistema Estadual de Análise de Dados

Seduce Secretaria da Educação, Cultura e Esporte do estado de Goiás SEE-SP Secretaria Estadual da Educação

SESI Serviço Social da Indústria TL Território Livre

UBES União Brasileira dos Estudantes Secundaristas UEE União Estadual dos Estudantes

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UNE União nacional dos estudantes Unicamp Universidade Estadual de Campinas

UPES União Paulista dos Estudantes Secundaristas Usp Universidade de São Paulo

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E.E. Anhanguera

E.E. Barão Homem de Melo E.E. Caetano de Campos E.E. Castro Alves

E.E. Diadema

E.E. Doutor Eloy de Miranda Chaves E.E. Doutor Octávio Mendes (CEDOM) E.E. Fernão Dias Paes

E.E. Fidelino Figueiredo E.E. Heloísa Assumpção E.E. Honório Monteiro

E.E. Jornalista Carlos Frederico Werneck Lacerda E.E. Maria Dirce III

E.E. Maria José

E.E. Maria Petronila Limeira dos Milagres Monteiro E.E. Miss Brown

E.E. Oscar Graciano

ETEC. Parque da Juventude E.E. Paulo Machado de Carvalho

E.E. Presidente Salvador Allende Gossens E.E. Professor Antônio Alves Cruz

E.E. Professor Moacyr Campos (Mocam)

E.E. Professor Silvio Xavier Antunes

E.E. Professora Maria de Lourdes Aranha de Assis Pacheco

E.E. Raúl Fonseca

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Introdução . . . 19

CAPÍTULO 1 1 - O anúncio da reorganização escolar e seu debate . . . 33

1.1 - O embasamento do Estado e o parecer científico . . . 35

1.1.2 - A recusa da “reorganização escolar” e sua legitimidade . . . 39

1.2 - As manifestações de rua e seus indicativos do perfil do movimento autônomo secundarista . . . 49

1.2.1 - A grande imprensa e a difusão do movimento secundarista pelas redes sociais . . . 58

CAPÍTULO 2 2 - Estado e Confronto político . . . 71

2.1 - A municipalização do Ensino Fundamental no estado de São Paulo . . . 72

2.2 - O Estado contra o movimento autônomo secundarista . . . 81

2.3 - O governo paulista recorre à justiça e age como detentor de poder absoluto . . . 103

2.4 - A inconsistência do discurso do governo. Ampla noção de política para esclarecer mal-entendidos . . . 110

CAPÍTULO 3 3 - Repertório e complexidade do movimento autônomo secundarista . . 121

3.1 - O manual ‘Como ocupar um colégio’ e a disposição para uma política pré-figurativa . . . 122

3.2 - Radicalismo como alternativa . . . 131

3.3 - Boicote ao Saresp e a intensificação do movimento secundarista . . . 136

3.4 - Protagonismo feminino e debates transversais . . . 142

CAPÍTULO 4 4 - As ocupações como experiência da mobilização . . . 150

4.1 - As ocupações na prática: diferentes experiências e unificação da mobilização . . . 151

4.2 - Dois modelos de ocupação: E.E. Fernão Dias Paes e E.E. Professor Moacyr Campos . . . 162

4.2.1 - Escola Estadual Fernão Dias Paes . . . 167

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secundarista . . . 185

5.1 - Escola sem pensamento crítico não é escola . . . .186

5.2 - A “reorganização disfarçada” . . . 197

5.3 - Grêmios Livres . . . 200

5.4 - Merenda escolar e a escola como espaço de reprodução das desigualdades . . . .205

5.5 - Novas ocupações e a dispersão dos secundaristas de São Paulo . . . 210

5.6 - A “primavera secundarista” e as dificuldades do movimento autônomo de São Paulo . . . .215 Considerações Finais . . . 225 Bibliografia . . . 230 Documentos Consultados . . . .239 Mídias Consultadas . . . .240 Apêndice . . . 241 ANEXOS . . . .248 I. . . . .249 II. . . . .250 III. . . . .251 IV. . . . .253 V. . . . .254 VI. . . . .257 VII. . . . .260 VIII. . . . .263 IX. . . . .264 X. . . . .266 XI. . . . .267 XII. . . . .268 XIII. . . . .270

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Introdução

Esta tese propõe analisar processos sociais decorrentes do conflito entre o movimento autônomo secundarista de São Paulo e o governo do Estado, no período entre os anos de 2015 e 2018. Anunciado pela grande mídia e apresentado pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, o projeto de reorganização escolar previa mudança de escola para 311 mil alunos da rede pública estadual, e o fechamento de 94 unidades de ensino. Cerca de um mês depois do anúncio, em novembro de 2015, 213 escolas públicas estaduais estavam ocupadas por estudantes secundaristas em protesto contra a política autoritária do então governador Geraldo Alckmin (PSDB).

A mobilização dos estudantes da rede pública estadual tomou grandes proporções, de modo que reascendeu o debate público sobre educação, junto com outros temas que, desde as manifestações de junho de 2013, ocupam espaços políticos1 - como segurança, mobilidade urbana, moradia, saúde e corrupção. Contra

o modelo de reforma apresentado pelo governo estadual, os secundaristas passaram a reivindicar uma reforma da educação com ampla participação da sociedade, sobretudo dos concernidos, alunos e pais diretamente afetados pelas mudanças, a fim de atender a reais necessidades da comunidade escolar.

Os efeitos dessa mobilização não se restringiram apenas ao território paulista. O movimento dos secundaristas de São Paulo serviu de inspiração para vários outros estudantes de diferentes regiões do Brasil, e desde então a educação retorna, com força, para a agenda política brasileira, sendo hoje um dos temas mais disputados entre diferentes grupos políticos.

1 A noção de política que embasa meu entendimento do conflito em questão não se restringe à política

delimitada pelos espaços institucionais. Trata-se do domínio do “mundo público”, o direito de participar de espaços comuns socialmente construídos. Essa noção de política se vincula à definição de cidadania apresentada por Hannah Arendt (1990, 2006), que trata do direito a ter direitos. Assim, me utilizo da ideia de política como disputa pelo espaço público, como o direito de ser incluído e participar da vida em comum, por meio do trabalho, da educação, dos direitos de expressão da opinião, de organização e manifestação, e outras formas de ação e vínculos sociais. Em outras palavras, o direito que assegura não submissão às formas de exclusão e discriminação que geram sofrimento, isto é, o direito que assegura dignidade humana e reconhecimento da legitimidade de ações coletivas. Aliada a essa perspectiva, considero o entendimento de Cohen e Arato (1992) sobre movimentos sociais e outras formas de organização da sociedade civil serem parte normal da ação política nas sociedades modernas e se constituírem, por definição, em formas extrainstitucionais de participação democrática.

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Durante o governo interino de Michel Temer (2016 – 2019), a reforma do ensino médio (medida provisório 746 de 2016) e o congelamento de gastos públicos, que incluem a educação, levou centenas de estudantes brasileiros a protestarem em diferentes capitais do país. Como continuidade desse processo, o período de campanha eleitoral, no final de 2018, colocou a educação no centro da discussão pública, dividindo opiniões entre defensores e não defensores do ensino laico, da militarização de escolas públicas, do currículo voltado para a diversidade (incluindo temas como gênero e sexualidade), da pedagogia de Paulo Freire, e outras questões que dizem respeito à educação brasileira e o futuro do modelo republicano de educação, orientado por valores democráticos. Nos últimos meses, já no governo de Jair Bolsonaro (PSL), cortes2 no orçamento da educação pública (ensino básico e

superior) deram continuidade à centralidade da educação no debate político, resultando em novas mobilizações, desta vez estudantes e professores universitários de todo o país protagonizaram ações contrárias às medidas do governo federal. Pesquisas científicas foram interrompidas por falta de recursos financeiros.

Tendo em vista o contexto social e político em que a educação vem sendo área bastante disputada por diferentes grupos de interesse, incluindo grupos religiosos, me parece urgente e necessário que a Sociologia e o campo das Ciências Sociais se dediquem a esse objeto para contribuir com diagnósticos do tempo presente. Sabemos que sem educação de qualidade não existe bom projeto de nação e, conforme alertou Florestan Fernandes, é desafio também da sociologia brasileira pensar uma reforma da educação que permita uma experiência republicana e democrática, atenta às necessidades culturais da classe trabalhadora (Fernandes, 1989, p.9-17)3.

2 A pasta da Educação teve 5,84 bilhões de reais congelados a partir de julho de 2019 <

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/05/23/mec-mantem-bloqueio-de-r-58-bilhoes-apos-revisao-orcamentaria.ghtml>. Em outubro do mesmo ano, o Ministério da Educação anunciou o desbloqueio de 2,4 bilhões destinados às universidades. O ensino básico seguiu com o contingenciamento e previsão de novo corte: 269,9 milhões do orçamento que já havia sido aprovado

para 2020, o equivalente à 54% do total <

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/09/13/orcamento-do-governo-federal-preve-cortes-para-educacao-basica-em-2020.ghtml>. Acesso em setembro de 2019.

3 Trata-se de uma importante lição deixada por Florestan Fernandes. A dedicação do sociólogo paulista

ao tema da educação pública teve início em meados dos anos de 1950, quando participou ativamente da Campanha em Defesa da Escola Pública (1958-1966); no período da Constituinte, quando na função de deputado federal se dedicou à reforma educacional a partir de seus estudos sobre “capitalismo dependente” e os problemas da educação brasileira; e nos anos de 1990 seu engajamento em defesa de uma nova LDB, a qual pudesse ser livre de frações burguesas e setores privatistas.

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A educação é, por excelência, um importante eixo para a transformação social, para diminuir condições desiguais de competição, promover cidadania e autonomia dos indivíduos. Assim, uma sociologia que se pretende engajada no cenário brasileiro jamais deve se esquivar desse tema, sobretudo nos dias atuais, em que escolas têm sido assunto nas páginas policiais dos jornais, e que a crise política e econômica tem justificado menores investimentos na educação e resultado em aumento expressivo dos índices de desigualdade social.4 Sou bastante grata à Prof.

Drª Elide Rugai Bastos que, com acolhimento, me apoiou e me encorajou a realizar esta pesquisa em pouco mais de um ano, quando em agosto de 2018 conversamos pela primeira vez sobre minhas inquietações5.

Desde meados de 2016 o conflito entre estudantes da rede estadual paulista e o governo do Estado me despertou grande interesse, de modo que passei a ler e guardar notícias de jornais que encontrava a respeito do assunto. O hábito de buscar informações oficiais e postagens de alunos nos meios de comunicação em rede sobre a atuação do movimento secundarista passou a ser quase diário. Esse interesse me levou, posteriormente, a frequentar reuniões e encontros abertos, promovidos pelos estudantes em período posterior às ocupações das escolas técnicas estaduais em 2016. Nessas ocasiões conheci alguns secundaristas mobilizados, a maior parte estudantes entre 15 e 17 anos de idade, e aos poucos fui guardando anotações, panfletos e outros materiais de circulação interna.

Minha curiosidade foi se tornando meu principal interesse de pesquisa acadêmica. A mudança de objeto só veio a se concretizar, de fato, tardiamente, depois

4 Recentemente uma pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

revelou que 13,5 milhões de brasileiros vivem na extrema pobreza. São pessoas que vivem com menos de 145 reais por mês. Os dados da pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais”, divulgada em 06/11/2019, apresenta um número recorde desde que a pesquisa passou a ser feita, em 2012. Conforme comparação feita pela própria agência, a quantidade de brasileiros que vivem em situação de miséria equivale à população da Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal. Essa mesma pesquisa também revela estagnação nos indicadores de educação como parte do aumento da desigualdade no país. Dados da pesquisa podem ser consultados em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia- noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-sete-anos. Acesso em 06/11/2019.

5 Antes disso, a pesquisa de doutoramento se tratava de uma análise sobre a configuração do conceito

de democracia na contemporaneidade, marcada por transformações recentes do capitalismo avançado, identificada no debate de matriz teórico-crítica. Por se tratar de um objeto abstrato, sem estudo empírico e de muitos referenciais teóricos orientados por experiências democráticas de países do norte ocidental, a pesquisa se tornou para mim um real desconforto em relação ao contexto político brasileiro: desde a sequência de protestos em 2013, as manifestações de 2014 contra a Copa do Mundo sediada no Brasil, o processo de impeachment da presente Dilma Rousseff (PT), e no estado de São Paulo, especificamente, a eclosão do movimento de ocupações liderado por estudantes autônomos secundaristas da rede pública estadual.

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que mudei de orientação. Foi então que a vontade de pesquisar o movimento autônomo secundarista de São Paulo prevaleceu sobre minha proposta inicial e tomei coragem para assumir o desafio.

Tendo em vista o tempo disponível para a realização da pesquisa, esta tese se propõe a registrar e problematizar processos sociais de uma luta recente pela educação pública no estado de São Paulo, considerando que se trata de uma face importante de exigências de manutenção e intensificação democrática, nesse caso protagonizada por uma parcela muito jovem da sociedade civil paulista. Para cumprir a proposta, estabeleci o limite espacial da cidade de São Paulo e cidades vizinhas, como Guarulhos, Osasco, Carapicuíba, São Caetano do Sul, Santo André, São Bernardo do Campo, e Diadema. O recorte visou facilitar coleta de dados e informações, entendendo esta região como representativa do movimento como um todo, em razão da concentração de manifestações unificadas, da heterogeneidade e do grande número de ocupações de escolas estaduais, atraindo a mídia e com maior visibilidade para a mobilização estudantil.

Parto do princípio de que o movimento autônomo secundarista faz parte de um esforço coletivo de luta política por justiça social, de modo a apresentar potenciais e limites de contribuição para a ampliação e constante construção da democracia brasileira a partir da Constituição de 1988. Trata-se de atitudes difíceis, que tendem a gerar sofrimento e privações, em busca de direitos e de construção de uma sociedade mais igualitária6.

A conjectura a respeito do objeto está associada ao entendimento da educação como prática política, como propósito de democracia e emancipação da pessoa. E aqui me utilizo das palavras de Theodor W. Adorno:

(...) assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância política; sua ideia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser

6 Esse esforço coletivo também pode ser entendido como resistência às políticas neoliberais que afetam

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imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado. (Adorno, 1995, p.141,142)

Cabe à educação promover processos de emancipação, isto é, de conscientização e racionalidade, para usar palavras do autor (Adorno, 1995)7. Essa

concepção afirma que uma sociedade democrática necessita desse propósito de educação para que decisões sejam racionais, permitindo a todos pressupor aptidão de cada um se servir de seu próprio entendimento, sobretudo para gerar confiança nos processos de eleição e representação política. (Adorno, 1995, p.169)

O movimento social enfocado, contrário à política de reorganização escolar, imposta pelo governo de São Paulo, reivindica participação da sociedade, especialmente da comunidade escolar atingida pelo processo de reformulação do sistema público de ensino. Os secundaristas autônomos também colocam em questão a qualidade da educação oferecida à classe trabalhadora, isto é, reivindicam a escola pública que assegure igualdade efetiva de oportunidades e condições democráticas de formação da sociedade civil plural, reclamando, portanto, que a reforma da educação seja tratada nos termos de uma política pública, com amplo debate entre os diferentes grupos de interesse.

A questão é que o modelo de reorganização escolar proposto pelo governo foi recebido pelos estudantes como política de manutenção das condições desiguais de competitividade. Sem garantias de melhora da qualidade do ensino, a reorganização escolar não oferece igualdade de oportunidades. Nesse sentido, os secundaristas entenderam a reforma do ensino como mais um dispositivo de manutenção das desigualdades sociais, as quais refletem sobre as expectativas de vida dos estudantes, sobre a realização pessoal e sobre a forma de participação desses atores nos assuntos de interesse público, nas atividades econômicas e políticas da sociedade.

A exigência de ampliação da participação popular nas ações decisórias é a base da trajetória que se inicia nos anos de 1970 e 80, isto é, desde que a pressão popular forçou a abertura do regime militar - período marcado pela campanha “Diretas já”, em que movimentos sociais se uniram para reivindicar eleições presidenciais. Movimentos políticos como Teologia da Libertação, anistia aos presos políticos,

7 Para tratar da educação como processo de emancipação do Homem, Adorno se utiliza da concepção

de esclarecimento em Kant (1985 [1784]), do conceito de maioridade e, portanto, da ideia de liberdade do homem em relação à condição de dependência de outrem. Cf. Adorno (1995, p. 169- 185)

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Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e o inspirado na pedagogia de Paulo Freire para alfabetização de jovens e adultos, além da formação de partidos políticos e de sindicatos, marcaram oposição ao Estado autoritário. Diferentes setores da sociedade se uniram para a construção de uma frente pelo Estado democrático de direito.

Para muitos pesquisadores esse cenário representou o “ressurgimento da sociedade civil brasileira” (Feltran, 2006)8 e marca, a partir da organização da

estrutura democrática, o início de um processo de ampliação e intensificação da democracia. Desde a redemocratização tivemos avanços do controle do Estado por parte da sociedade civil, ampliação dos espaços de debate e de participação popular nos setores de gestão pública, como orçamentos participativos, fóruns e conselhos. É o que mostra a pesquisa coordenada por Evelina Dagnino (2002)9, a qual conclui que

os avanços no processo de desenvolvimento da democracia brasileira não ocorreram de forma linear. Retrocessos e estagnação também fizeram parte dos últimos trinta anos da complexa dinâmica do processo democrático na sociedade brasileira. O principal motivo para tal descontinuidade seria a herança cultural e institucional autoritária que o Brasil, assim como outros países da América Latina, carrega de forma renovada.10

Esse processo, cuja não linearidade que também se descortina via disputas entre diferentes projetos políticos, teve explicitação em período mais recente com a eclosão de manifestações de rua em 2013, reunindo milhares de pessoas nas principais capitais do Brasil11. Diferentes grupos da sociedade civil participaram de

uma sequência intensa de protestos, evidenciando conflitos e disputas pelo espaço público e pelo projeto de desenvolvimento da democracia.

Se há uma característica capaz de definir as manifestações de rua de 2013 no Brasil é a diversidade de pessoas que delas participavam e que se revela em uma flagrante fragmentação

8 Feltran, Gabriel de Santis. Deslocamentos – trajetórias individuais, relações entre sociedade civil e

Estado no Brasil. In: Dagnino, E., Olvera, A. J., Panfichi, Aldo. A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2006. Ver também Paoli e Telles (2000).

9 Dagnino, Evelina (org). Sociedade Civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

10 Cf. Idem.

11 Cerca de 1 milhão de pessoas participaram das manifestações de rua em junho de 2013. Os dados

não são precisos. No dia de maior mobilização, 1,25 milhão de pessoas protestaram nas ruas de 130 cidades, conforme matéria de 20/06/2018 – Manifestações de ‘junho de 2013’ completam cinco anos: o que mudou?, publicada pela Revista Galileu. Acesso em novembro de 2019. Consultada em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2018/06/manifestacoes-de-junho-de-2013-completam-cinco-anos-o-que-mudou.html

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discursiva. Estavam nas ruas: o Movimento Passe Livre em São Paulo (...); os Black Blocs, com performances violentas de ação direta, autodenominando-se anarquistas; bancários e professores das redes estaduais, reivindicando melhores salários; jovens de classe média posicionando-se contra a corrupção, os partidos políticos e o governo Dilma (...). (Pinto, 2017, p.129,130)

As manifestações de 2013 colocaram em debate a condição de vida nos grandes centros urbanos12 e a crise de representatividade política. Na cidade de São

Paulo, os protestos tiveram início com as manifestações do movimento Passe Livre (MPL-SP) contra o aumento da tarifa de ônibus, em defesa do transporte público gratuito e livre da iniciativa privada13. O aumento expressivo de pessoas nas

manifestações sem vínculos com organizações, partidos ou movimentos sociais, incluindo aquelas com discurso apartidário, projetos políticos opostos, e uma pequena parcela pedindo a volta do regime militar, fez com que o MPL se retirasse das ruas, restando uma multidão diversa e fragmentada.

Apesar do pouco tempo em que o movimento Passe Livre se manteve nas manifestações de junho de 2013, muitos jovens estudantes foram atraídos pela sua pauta, centrada na questão do direito à cidade, expressa pela forma radical de atuação política, cujo repertório se concentrou em bloqueios de importantes vias da cidade; atos simbólicos, como queima de catracas; ocupação de prédios públicos e exigência de participação direta nas decisões de interesse coletivo.

A partir dessa conjuntura, o debate sobre a mobilidade urbana, a qualidade dos serviços públicos, a organização da cidade e outras formas de exclusão, passa a fazer parte do cotidiano de jovens, incluindo aqueles de regiões periféricas da capital paulista. Trata-se de informações que considero importantes para compreender o

12 Ermínia Maricato (2013) faz uma análise contundente das condições desiguais de vida nas capitais

brasileiras. Segundo a autora, trata-se da luta de classes ignorada pela esquerda que esteve no poder, tanto no governo federal quanto em administrações locais, estados e municípios. Entre os problemas apontados pela autora, a especulação imobiliária intensificou a distribuição desigual do solo, sem qualquer controle urbano na situação de domínio dos interesses do mercado imobiliário, e políticas que priorizaram o transporte individual em detrimento do transporte público.

13 O movimento Passe Livre reivindica o direito ao transporte como um direito fundamental, entendendo

se tratar de um direito que permite acesso a outros direitos e serviços públicos, como saúde e educação, por exemplo. Esse movimento é inspirado na Campanha do Passe Livre em Florianópolis e nasceu em 2005, durante uma plenária do Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

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contexto mais abrangente e que se vincula, em certa medida, à formação política dos estudantes autônomos secundaristas de São Paulo14.

A mobilização autônoma secundarista em questão aparece, desse modo, como um possível desdobramento das jornadas de junho de 2013, sendo o movimento Passe Livre importante referência política para uma geração de adolescentes que se engajou, em 2015, na contestação da política de reforma da educação pública estadual. Assim, a emergência do movimento autônomo secundarista de São Paulo estaria inserida no contexto de agitação dos movimentos sociais urbanos, de questionamentos sobre a estrutura urbana reprodutora de privações sofridas pela classe trabalhadora.

Essa referência se faz notar especialmente se considerarmos o repertório de ação do movimento secundarista, sua crítica à política tradicional, e a escolha pela organização autônoma e horizontal – aspectos que indicam um perfil de formação política e cidadã dos adolescentes em questão. Essa é uma hipótese que não podemos descartar, porque embora o movimento tenha recebido ajuda de entidades estudantis, sindicatos e outras instituições de representação política durante as ocupações de escolas da rede pública estadual paulista, predominou, de forma expressiva, a participação de atores que se identificavam como “autonomistas”, preservando o que veio a se tornar a identidade do movimento.

Nesta tese, o esforço se dá para problematizar a prática e a experiência dos atores políticos em conflito, secundaristas mobilizados e governo estadual, com centralidade atribuída ao primeiro, de modo que nos permita tocar numa questão de fundo para esta pesquisa, a saber: refletir sobre as condições de ampliação democrática a partir de uma experiência de organização da sociedade civil. Desse modo, busco compreender as condições em que eclode o movimento autônomo secundarista de São Paulo e analisar, criticamente, seus potenciais e limitações de transformação social, a partir da pesquisa empírica.

Assim, interessa identificar processos políticos e sociais entre a formação do movimento aqui enfocado e seu desenvolvimento, tendo em vista que se trata de mobilização não convencional e complexa, em razão de sua organização autônoma e

14 Para compreender o contexto abrangente e relações entre as diferentes mobilizações, um estudo

sobre os últimos protestos no Brasil, feito com base no diagnóstico da heterogeneidade e da polarização política é encontrado em: Tatagiba, Luciana; Galvão, Andreia. Os protestos no Brasil em tempos de crise (2011-2016). Opinião Pública. v.25, n.1., p.63-96, 2019.

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horizontal, de sua base compartilhar seus objetivos com questões identitárias transversais, de sua radicalidade, e de sua ampla dimensão – pela diversidade de atores que dela faz parte e que compõe um conjunto rico, impossibilitando definir claramente seu alcance. Sendo assim, a análise que proponho é apenas uma das abordagens possíveis do objeto.

Parto da hipótese geral de que, no período analisado (2015-2018), o movimento autônomo secundarista de São Paulo passa por diferentes fases do conflito com o governo do Estado, as quais se desencadeiam de modo a modificar os caminhos percorridos pelos estudantes, interferindo também nos efeitos da mobilização. Outras hipóteses aparecem encadeadas no desenvolvimento da pesquisa, as quais são apresentadas e verificadas no decorrer da análise de dados e do percurso argumentativo.

A coleta de dados, por sua vez, foi feita com o estudo de um amplo material: documentos oficiais, como ações e decisões judiciais, deliberações publicadas pela Secretaria de Educação do Estado (SEE-SP)15; declarações e autorizações de uso

interno nas escolas; estatuto de grêmios estudantis e outros elementos produzidos e fornecidos pelos estudantes secundaristas, especialmente aqueles confeccionados durante as mobilizações de 2015 e 2016, como panfletos, cartazes, abaixo-assinados e manuais de instrução para atuação conjunta contra as medidas do governo; notícias e matérias de jornais da grande imprensa e da imprensa alternativa; postagens nas redes sociais (Facebook e WhatsApp); diários de alunos; questionários aplicados durante manifestações de rua; observação de rodas de conversa, reuniões abertas e passeatas organizadas pelos secundaristas; análises técnicas da política de reorganização escolar; notas de apoio ao movimento dos estudantes, publicadas por diferentes associações e comunidades científicas; textos acadêmicos sobre o tema; documentários sobre as ocupações, a violência policial e o protagonismo feminino entre os estudantes; e entrevistas realizadas individualmente e em grupos.

A realização das entrevistas teve como objetivo acessar vivências de participação no movimento, as experiências coletivas, bem como a vida privada das pessoas, sua relação com a sociabilidade pública e o posicionamento político assumido, seus interesses, motivações, valores, círculos de convivência e privações. Foram 15 entrevistas semiestruturadas, com as quais busquei abordar as

15 Desde 2019 a Secretaria Estadual da Educação também é referida como SEDUC. Nesta tese

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experiências de militância, a tática de ocupações, as perspectivas de futuro e aspectos culturais do movimento. Dessas entrevistas, participaram 20 estudantes ex-secundaristas que vivenciaram ativamente as mobilizações de 2015 e 2016. Foram 13 entrevistas individuais e 2 em grupo, um grupo formado por 3 estudantes e outro grupo por 4 estudantes, totalizando 20 ex-secundaristas, 11 meninas e 9 meninos. O acesso aos entrevistados se deu por meio de uma rede de contatos formada a partir de minhas idas aos encontros abertos do movimento autônomo secundarista, em 2016, e de ex-alunos meus, de quando lecionei na rede pública estadual como professora de Sociologia16.

Os encontros ocorreram, na maioria das vezes, em lugares públicos, universidades onde estudam; centros culturais, como o Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso (localizado no bairro da Cachoeirinha, zona norte da capital paulista), a Praça das Artes e o Centro Cultural São Paulo (ambos na região central da cidade). Entrevistas também foram realizadas em cafés e lanchonetes do centro e do bairro de Santana, zona norte. Todas as entrevistas ocorreram em locais de melhor acesso para os entrevistados, os espaços foram, muitas vezes, sugeridos por eles mesmos.

Dois casos foram diferentes. O primeiro trata de uma estudante que pude conversar individualmente durante seu horário de almoço. Em razão do limite de tempo, foram quatro encontros na região da estação Fradique Coutinho do metrô. Este caso, em específico, me permitiu realizar a entrevista tanto de modo exploratório quanto para checar informações fornecidas pela própria entrevistada e por outros entrevistados; a cada encontro tive a oportunidade de amadurecer minhas reflexões e interesses para o encontro seguinte, resultando na entrevista mais longa de toda a pesquisa. Foram 244 minutos no total. O outro caso trata-se de uma entrevista em grupo, realizada com quatro estudantes de uma mesma escola do bairro Jardim Aricanduva, zona leste da cidade. Essa entrevista foi realizada no local de trabalho do pai de uma estudante do grupo, um espaço familiar e de encontro habitual entre os entrevistados, localizado no mesmo bairro onde moram e estudaram.

Devo destacar que os jovens que me concederam entrevista, todos na condição de ex-secundaristas da rede pública estadual paulista, dispuseram tempo de descanso para contribuir com a pesquisa. Todos, sem exceção, trabalham e

16 Todas as entrevistas foram realizadas entre fevereiro de 2017 e agosto de 2019. Elas foram gravadas

em áudio e mantêm anonimato dos entrevistados, revelando apenas os nomes das escolas em que estudaram e ocuparam.

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estudam numa rotina pesada, típica da maioria dos jovens de famílias de médio ou baixo poder econômico da cidade de São Paulo. Entendo que conceder uma entrevista de uma hora e meia ou duas horas, depois da jornada de estudos e trabalho, ou no final de semana, único tempo possível, ou ainda no horário de almoço, indica que mesmo depois de mais de dois anos a questão da educação pública continua sendo um tema importante para esses atores.

Considero que as entrevistas realizadas e postagens dos estudantes, com depoimentos nas redes sociais e em outros canais de comunicação em rede, em grande parte durante o período de ocupações, foram fundamentais para acessar e compreender relações existentes entre elementos subjetivos da vida privada, como valores compartilhados nas relações intersubjetivas no ambiente escolar, e exigências concretas na vida pública. Em certos momentos, um depoimento ou outro que me pareceu perdido, no primeiro momento, reaparece como uma declaração fundamentada quando categorias de análise são problematizadas e analisadas em determinado momento da pesquisa.

Eixos que nortearam a construção dos roteiros de entrevista – experiência de militância, ocupações, cultura e perspectivas – foram delimitados a partir de revisão bibliográfica sobre o movimento de ocupação das escolas e do estudo prévio de postagens dos alunos nas redes sociais17. No momento seguinte, as informações

obtidas por meio das entrevistas realizadas me indicaram temas e categorias para o desenvolvimento da investigação. São elementos recorrentes que se destacam pelo grau de importância apresentado pelos estudantes, conforme as entrevistas realizadas e registros nas redes sociais. São eles: formação do movimento autônomo secundarista; autoritarismo do governo do Estado; atuação e organização dos estudantes; desdobramentos da mobilização. Analisando essas temáticas busco

17 A maior parte das postagens nas redes sociais se deram em páginas de Facebook criadas pelos

estudantes. Entre as que foram identificadas, destaco aquelas que mais utilizei para a construção dos roteiros de entrevistas e para a pesquisa como um todo: G.A.S – Grupo Autônomo Secundarista; Secundaristas em Luta de SP; O Mal-Educado; Canal Secundarista; e páginas de unidades escolas criadas durante o período de ocupação, tais como “Ocupação E.E. Salvador Allende”, “Ocupa E.E. Diadema”, Ocupação E.E. Castro Alves”, “E.E. Fernão Dias Paes”. Páginas não associadas ao movimento autônomo secundarista também foram consultadas, como por exemplo, “Não Fechem Minha Escola”, cujo conteúdo das publicações apresenta vínculos com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). As páginas criadas para divulgação de notícias sobre o andamento das ocupações eram alimentadas por grupos de estudantes responsáveis pela comunicação da unidade escolar ocupada. De modo geral, são páginas abertas que tiveram postagens diárias durante as ocupações de 2015-2016 e bastante interação entre estudantes. Todas possuem números expressivos de seguidores, em geral, cada página tem mais de 2 mil seguidores, sendo a página d’O Mal-Educado a mais popular, com mais de 70 mil seguidores.

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reconstruir, em certa medida, narrativas do movimento social investigado e a cronologia do conflito com o governo.

Questionários também foram aplicados durante manifestações de rua, em 2016, com o objetivo de traçar o perfil médio dos estudantes mobilizados, obter informações gerais como faixa etária, sexo, cor da pele, se trabalha, quais os motivos de estar manifestando nas ruas e como se relacionavam com política. O critério de escolha dos estudantes foi o de ser estudante secundarista e estar participando das manifestações de rua. Sempre dispostos a contribuir com a pesquisa, aliás, solidariedade é uma qualidade bastante presente entre esses jovens atores, nos momentos em que apliquei o questionário, antes do início das passeatas, parte dos alunos que abordei para que respondesse as questões também me ajudou, de forma espontânea, a obter maior amostragem. Além de responderem o questionário, muitos convidaram amigos para contribuir com meu trabalho. Esse material foi aplicado em três manifestações diferentes, todas na região central da cidade de São Paulo e, graças à iniciativa de muitos estudantes, obtive uma amostragem de 75 alunos de ensino médio18.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, dividida em 5 capítulos, nos quais recorro a contribuições teóricas de acordo com os temas e as hipóteses a serem examinadas. De um modo geral, os referenciais teóricos que utilizo para iluminar a análise são perspectivas e metodologias dedicadas aos estudos dos movimentos sociais, teoria do confronto político, contribuições da Sociologia da Ação francesa, cujo levantamento bibliográfico foi feito durante período de doutorado sanduíche junto ao CADIS/EHESS19, e um conjunto de intelectuais de matriz teórico-crítica que se

dedica a temas relacionados à democracia e à justiça social.

Sendo assim, o capítulo um apresenta a política de reforma da educação estadual e traz os primeiros questionamentos da comunidade escolar sobre as mudanças anunciadas pelo governo, sobre seus efeitos e transparência política, buscando identificar as motivações para a mobilização dos estudantes em oposição à nova política. Para isso, inicio com os argumentos do governo do Estado, os quais

18 Cf. questionário aplicado durante manifestações de rua no Apêndice.

19 Centre d’Analyse et d’Itervention Sociologiques, coordenado por Alexandra Poli e recentemente

extinto. Criado em 1981 por Alain Touraine, o CADIS foi constituído por sociólogos como François Dubet, Zsuzsa Hegedus, Michel Wieviorka, Danilo Martucelli, Yvon le Bot, Khosrokhavar Farhad e Philippe Bataille. O laboratório se dedicava a realizar analises sociológicas e pesquisas empíricas sobre formas de mobilização e movimentos sociais nas sociedades contemporâneas.

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buscam justificar a reforma, e na sequência, as opiniões contrárias à reorganização escolar, incluindo avaliações de especialistas em políticas públicas e educação, as razões que conferem legitimidade à revolta e organização da comunidade, especificamente dos secundaristas autônomos. A exigência de que as mudanças na educação sejam tratadas como política pública, com ampla participação da sociedade, é um importante aspecto do conflito em questão, e para avançar esse assunto, o capítulo também se destina a apresentar o movimento autônomo secundarista de São Paulo, suas peculiaridades e complexidade, bem como abordar as dificuldades do movimento, sobre o reconhecimento da posição autônoma, a relação com a grande imprensa, a imprensa alternativa, e as redes sociais.

O segundo capítulo é dedicado à atuação do Estado, governo e instituições, incluindo o poder judiciário. Nesta parte busco analisar o conflito a partir das estratégias adotadas pelo governo de Geraldo Alckmin: a tentativa de desqualificar o movimento autônomo secundarista na disputa pela opinião pública, o tratamento da reorganização escolar como política administrativa, e o uso da força policial para reprimir manifestações de rua e as ocupações de escolas da rede pública estadual.

Os capítulos três e quatro concentram-se na atuação, organização e experiência do movimento autônomo secundarista de São Paulo. A análise do repertório do movimento e de materiais produzidos pelos estudantes visa acessar a radicalidade que os caracteriza. O enfoque na tática de ocupação das escolas nos permite entender processos sociais no interior do movimento, como por exemplo a ampliação da pauta; a política pré-figurativa, enquanto representação simbólica da crítica secundarista ao funcionamento dos espaços oficiais de deliberação; a inclusão de questões transversais de reconhecimento das identidades, tais como discriminação racial, direitos LGBT, feminismo, e outros direitos de minorias políticas.

O estudo atento das experiências de ocupação busca acessar a convivência diária, as tensões e vivências que possam ter influenciado nos rumos da mobilização. A imersão nessas experiências também nos revela a diversidade de condições sociais e culturais que compõem a base. Isso explica os esforços empregados para manter certa unidade da mobilização estudantil, e ressalta o protagonismo feminino no processo de luta. Para tratar da heterogeneidade no interior do movimento e explicitar os efeitos da principal estratégia dos estudantes secundaristas, seus potenciais emancipatórios e limites, trago, em seção específica,

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uma comparação entre duas ocupações em contextos diversos, escolas localizadas em regiões diferentes da cidade de São Paulo e de perfis políticos distintos.

O quinto e último capítulo aborda desdobramentos das ocupações ocorridas em 2015, tanto em relação à forma de atuação do governo estadual como sobre a continuidade do movimento. O objetivo é identificar como os estudantes paulistas buscaram manter a mobilização e a crítica secundarista nos anos que se seguiram à derrota judicial do governo Geraldo Alckmin, especialmente durante o ano de 2016, e abordar novas dificuldades impostas pelo autoritarismo desse mesmo governo. Desse modo, interessa diagnosticar o saldo político do conflito, relacionado ao desenvolvimento do movimento de base e a percepção de seus atores sobre a naturalização das desigualdades de condições no sistema público escolar, tendo em vista novos discursos para a educação, novas ocupações de escolas, novas preocupações, e novos interesses que marcam o contexto político paulista desde então, e que contribuíram para delimitar, em certa medida, a força do movimento autônomo secundarista de São Paulo.

Em resumo, o movimento social enfocado expressa uma das formas pelas quais emerge um confronto político.

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1. O anúncio da reorganização escolar e seu debate

No dia 23 de setembro de 2015 o governo de São Paulo anunciou a reorganização da rede estadual de ensino20. A notícia saiu na capa do caderno

Cotidiano da Folha de S. Paulo que anunciava a transferência de mais de um milhão de alunos, destacando que o governo esperava adotar tal mudança a partir do ano seguinte e que as crianças estudariam no máximo 1,5 Km mais longe de suas casas21.

Pela manhã do mesmo dia, em um jornal matinal da Rede Globo de televisão22, antes

do primeiro período de aula, o secretário da Educação, Herman Voorwald, em entrevista explicou que o projeto de mudanças na educação do ensino fundamental e médio exigiria a divisão das escolas estaduais por ciclos de ensino, isto é, cada unidade escolar só atenderia um ciclo escolar (ensino fundamental I, ensino fundamental II ou ensino médio)23. Na mesma entrevista, o secretário informou que

antes da reorganização 1.443 escolas já eram de ciclo único, 3.186 de dois ciclos, 479 escolas de três ciclos, e 94 escolas da rede seriam fechadas.24

20 O termo reorganização refere-se ao projeto intitulado reorganização escolar, lançado em 2015 pelo

governo de Geraldo Alckmin. Nesta tese o uso constante do termo diz respeito à política de múltiplas intensões para a educação pública paulista, as quais considero como centrais a intensificação do processo de municipalização do ensino fundamental e a diminuição de gastos do sistema público estadual de ensino. Quando aqui for empregado com o uso de aspas, o objetivo é expressar a percepção crítica dos estudantes secundaristas sobre a medida do governo. Assim, a grafia “reorganização” ou “reorganização escolar” indica ironia e a denúncia dos estudantes sobre os efeitos do projeto político do governo do Estado.

21 A notícia do jornal Folha de S. Paulo (ANEXO I) traz informações gerais sobre a reorganização

escolar e uma breve entrevista com o então secretário da educação, Hermam Voorwald. A reportagem destaca o tamanho da reforma do sistema estadual de ensino, apresenta um mapa de como seria o funcionamento das escolas após implementação das mudanças, elabora perguntas e respostas sobre a pauta, e apresenta indícios de que o governo não se utilizou de estudos científicos para embasar o projeto, assim como deixa transparecer o caráter impositivo da reforma. Declarações de Voorwald ao jornal ilustram esses dois aspectos: “Tudo depende da análise que será feita pelos dirigentes. Nós conseguimos ver o macro, mas eles conhecem melhor as cidades e os bairros. O objetivo não é prejudicar nenhum aluno, ao contrário. É facilitar a vida do menino e da família”. Esta fala do secretário mostra que os ajustes da proposta de reforma foram realizados por dirigentes de ensino, sem a participação de especialistas em planejamento urbano, demógrafos e outras especialidades necessárias, tendo em vista as proporções da reorganização. Outra fala, que pode ser consultada no anexo, nos leva a compreender a ação do governo como uma decisão de “cima para baixo”. Trata-se de uma resposta em que o secretário afirmar “não ter mais como” não gostar das mudanças e da convocação de pais para serem informados se seus filhos seriam ou não transferidos de escola.

22 Entrevista acessada em 06/09/2018 no site: globoplay.globo.com

23 Fundamental I ou anos iniciais do ensino fundamental, para alunos do 1º ao 5º ano; Fundamental II

ou anos finais do ensino fundamental, do 6º ao 9º ano; e Ensino Médio, os três últimos anos de educação básica.

24 Dados da Secretaria da Educação de São Paulo trazem números distintos daqueles mencionados

por Voorwald, mostrando que um terço das escolas da rede estadual já eram de ciclo único, isto é, 1.443 escolas já eram exclusivas, 3.209 de dois ciclos, e 479 de três ciclos. Com a reorganização escolar, a proposta é de que o número de escolas de apenas um ciclo passasse a 2.197, e que escolas fechadas fossem disponibilizadas para a rede municipal ou para que se tornassem escolas técnicas.

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Os argumentos do secretário partiram da informação de que a rede estadual de ensino foi organizada para seis milhões de estudantes e, segundo dados do Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), entre os anos de 1998 e 2015 houve redução de dois milhões de alunos na rede, em razão da queda expressiva da taxa de natalidade, da migração de alunos para a rede privada, e do processo de municipalização do ensino fundamental, que segundo ele, em entrevista ao jornal matinal referido, “ainda não foi concluída [a municipalização], mas levou à migração de 60% dos alunos dos anos iniciais do ensino básico”. Com esse quadro, a reformulação da rede pública visaria, segundo o governo, melhorar a qualidade do ensino e ampliar as escolas de ensino médio, que é de responsabilidade exclusiva do Estado.

A separação entre jovens e crianças na rede estadual faz parte de uma política iniciada na década de 1990, cujo objetivo é enxugar a rede estadual de ensino transferindo parte das responsabilidades com a educação pública para as prefeituras. A continuidade do processo de municipalização do ensino foi mencionada diversas vezes pelo então secretário da educação durante as várias entrevistas concedidas para divulgação da reorganização escolar, em 2015. A transferência dos primeiros anos do ensino básico para os municípios acarreta na separação das diferentes etapas da vida escolar. Os efeitos no cotidiano da comunidade atingida se resumem em separações de irmãos, parentes e grupos de convivência, assim como novas dificuldades de acesso à escola, sobretudo na capital paulista, onde as condições de locomoção e transporte são deficientes, e em regiões de zona rural, onde alunos passam a andar quilômetros para chegar à escola25.

Dessas primeiras informações surgem duas questões iniciais que devem ser destacadas: a primeira diz respeito ao processo de socialização de crianças e jovens em diferentes fases da vida escolar, a importância que o convívio com outras idades e com diferentes realidades tem para a formação do sujeito e do cidadão, a qual passa a ser ameaçada pela reorganização baseada em processos de segregação, de separação de grupos por idade; e a segunda refere-se ao processo

Uma reportagem do dia 26/10/2015 no Portal G1 traz esses dados e acrescenta que cerca de 28 escolas não tinham destino certo.

25 Na cidade de Cunha, interior do estado de São Paulo, alunos da escola de ensino fundamental E.E.

Bairro Serra do Indaiá, localizada na zona rural da cidade, passaram a estudar na E.E. Geraldo Costa, localizada no distrito de Campos de Cunha, à 8,7 km de distância da escola em que estudavam e que atualmente encontra-se fechada. Há relato de alunos que passaram a andar 7 quilômetros para chegar na nova escola.

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