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4. As ocupações como experiência da mobilização

5.2 A “reorganização disfarçada”

Em fevereiro de 2016 diferentes jornais do estado de São Paulo publicaram uma denúncia da Apeoesp sobre a continuidade da reorganização escolar. Segundo o sindicato, medidas previstas pelo projeto recusado pela comunidade escolar foram praticadas pelo Estado, mesmo depois da suspensão administrativa e da decisão judicial que determinou o cancelamento da reorganização e qualquer efeito que ela pudesse provocar.

Na época, a Apeoesp havia apurado mais de 1.300 salas de aula fechadas e 203 turnos extintos em 33 regiões do estado de São Paulo. Os dados foram coletados em 51 das 93 subsedes do sindicato, o que indica que os números poderiam ser ainda maiores. Além do levantamento feito sobre o enxugamento da rede estadual, o sindicato dos professores também recebeu denúncias de pais e professores sobre classes e turmas fechadas, em sua maioria no período noturno, prejudicando especialmente alunos e professores do EJA (educação de jovens e adultos)273.

Entre os resultados da “reorganização disfarçada”, a Apeoesp destacou o aumento de alunos por sala de aula e a condição de professores adidos por falta de turmas274. O sindicato registrou um ofício para comunicar ao Ministério Público e

denunciar que a decisão judicial não estava sendo cumprida pelo governo de Geraldo Alckmin. Em abril de 2016 a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado de São Paulo moveram uma Ação Civil Pública para prevenir sobre a continuidade do projeto de reorganização sem o devido debate com os principais afetados. Os dados apurados sobre as matrículas de 2016 revelaram que a Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo colocava em prática a política da reorganização, de modo a parecer medidas administrativas e com os mesmos efeitos e propósito da reorganização escolar. 275

273 Diferentes jornais e sites de notícias publicaram a respeito da diminuição da rede pública estadual

de ensino. Algumas delas já foram mencionadas. Neste ponto, destaco “Apeoesp: governo faz reorganização disfarçada”, disponibilizada no site noticias.band.uol, que traz diferentes casos de fechamento de classes e turmas inteiras em diferentes escolas e regiões do estado de São Paulo em 2016.Ver:https://noticias.band.uol.com.br/noticias/100000791333/apeoesp-governo-fazreorganizacao- disfarcada.html. Acesso em maio de 2019.

274 A respeito do aumento de alunos por sala de aula, é importante considerar a resolução SE 2/2016,

publicada no dia 08 de janeiro de 2016 pela Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB), que permitiu o aumento de alunos por sala de aula em dez por cento (10%). Sobre essa resolução, que autoriza o referido aumento, Cf. nesta tese a seção “O Estado contra o movimento autônomo secundarista”, capítulo “Estado e confronto político”.

A ação civil visou, conforme menciona o próprio documento, impedir a diminuição de oferta de vagas escolares em todo o estado de São Paulo, e assim, defender o direito dos estudantes de permanecer e ter acesso às unidades escolares da rede pública estadual de ensino, incorporando o debate público, existente no discurso do movimento. O material cita casos levados, por iniciativa civil, ao Grupo de Atuação Especial de Educação do Ministério Público. Entre as denúncias, o fechamento de todas as turmas de 1º ano do Ensino Fundamental das escolas da região do bairro Conjunto Habitacional Jardim São Bento, localizado no extremo da zona sul de São Paulo, e o fechamento da escola estadual Oscar Graciano, em Carapicuíba.

As informações sobre a prática da “reorganização disfarçada”, que embasam os argumentos do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado, tratam do enxugamento do Ensino Fundamental e maiores impactos em regiões precarizadas, como os dois exemplos mencionados, ambos em conjuntos habitacionais, ou seja, bairros construídos por programas sociais de habitação.

As denúncias feitas pelos principais atingidos, pais e alunos, inclui transferências compulsórias e indica a manifestação da comunidade escolar que, depois do desgaste das ocupações de 2015, precisou contar com a atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado, além do apoio da Apeoesp, que impulsionou a denúncia pública contra a continuidade da reorganização. Nessa fase do conflito, nota-se que os estudantes estavam dispersos, possivelmente pelo período de férias e mudança de ano letivo, que implica alterações dos ciclos de ensino e nos grupos de convivência, mas principalmente por que parte considerável dos secundaristas autônomos ainda sofria os efeitos negativos das ocupações; na escola, na rua ou no lar, a pressão psicológica e as formas de perseguição, como foi apresentado em capítulo anterior, ainda persistiam. Junto a essa questão, e conforme mencionado, parte daqueles que se mantiveram ativos se ocuparam com as mobilizações do Passe Livre antes da volta às aulas.

O início de 2016 ficou marcado pelo enfraquecimento da mobilização secundarista contra a “reorganização”, pela tática do governo de Geraldo Alckmin para diminuir progressivamente a demanda escolar, considerando o fechamento das séries iniciais do Ensino Fundamental, e a atuação de instâncias do Estado para defesa dos

http://www.apeoesp.org.br/sistema/ck/files/PET%20MP%20ACP%20REORGANIZACAO.pdf. Acesso em dezembro de 2018.

direitos e interesses da sociedade. Nesse quadro, importantes meios de comunicação procuraram a SEE-SP para esclarecimentos. Todas as respostas da Secretaria a que tive acesso se utilizaram de argumentos administrativos, de que as matrículas são feitas de acordo com a demanda, e que o ano de 2016 teve 187 mil pedidos de matrículas a menos, comparado com o ano anterior.

Independentemente dos números divulgados pela SEE, um levantamento feito pelo sindicato dos professores, na época, apontou para a tendência do governo estadual de enxugar a rede pública de ensino antes mesmo do anúncio da reorganização escolar. Em 2015 foram registradas 3.500 salas de aula fechadas. O fechamento de mais classes e turnos inteiros em 2016 indicou a continuidade do projeto, mesmo depois da disputa que levou à derrota do governo no plano judicial e no âmbito da opinião pública.

Um estudo realizado pela REPU (Rede Escola Pública e Universidade), publicado em junho de 2016 e já citado, divulgou uma nota técnica sobre dados da Secretaria Estadual da Educação, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Com um comparativo entre 2015 e 2016, o documento questiona a resposta da SEE- SP à Ação Civil Pública. Em coletiva de imprensa, os pesquisadores afirmaram que o projeto do governo fora posto em prática de forma gradual, sem transparência e com pouca disposição do governo para divulgação das informações. A nota traz uma análise quantitativa e qualitativa do fechamento de salas, turmas e turnos, observando que 53 escolas que sofreram essas alterações em 2016 estavam na lista de unidades que, com a reorganização escolar, seriam disponibilizadas ou deixariam de oferecer algum ciclo de ensino.

Das críticas destinadas à posição da SEE, destaco a seguinte observação:

(...) é maior o número de escolas cujas turmas de ingresso foram fechadas, comparando-se com as informações prestadas pelo Estado de São Paulo ao Judiciário, e que é significativa a participação de escolas que seriam afetadas pelo processo de reorganização no conjunto de escolas que extinguiram turmas de ingresso em 2016, sobretudo de escolas que seriam fechadas pela reorganização. (Nota Técnica, p.12)276

A pesquisa defende que o governo estadual manteve seu projeto ao deixar de abrir turmas de anos iniciais dos ciclos para então gerar, nos anos posteriores, o

fechamento gradual e aparentemente natural dos ciclos. Os pesquisadores atentam para o fato dessa forma de reorganização ser mais difícil de ser percebida, dificultando o “enfrentamento, a crítica e o debate público”.

Entre os indícios da continuidade autoritária do governo, destaco o posicionamento do então secretário da educação, José Renato Nalini, abertamente favorável à reorganização escolar, e os investimentos em publicidade, durante seu comando na pasta da educação, para retomar o projeto e convencer a população sobre supostos efeitos positivos dessa política. Como forma de aproximação com os secundaristas, propagandas foram produzidas com youtubers, isto é, utilizando a imagem e as habilidades de formadores de opinião entre adolescentes, sem qualquer proposta de debate com alunos, pais e professores a respeito do assunto.

A suspeita de uma “reorganização disfarçada” levou o Comando das Escolas em Luta a convocar reuniões para debater o novo quadro e deliberar ações. Com a possibilidade de uma “reorganização escolar” não declarada, fazer oposição à atuação do governo do estado de São Paulo se tornou uma tarefa mais difícil para os secundaristas. Na situação concreta de fechamento de salas de aula, turnos e turmas, o problema da política imposta à comunidade escolar não estava resolvido; a determinação judicial não foi suficiente o bastante para impedir, mesmo que temporariamente, a política autoritária da “reorganização”.

Entre as deliberações do Comando das Escolas em Luta, os secundaristas autônomos viram na formação de grêmios livres277 a possibilidade de manter a

mobilização e fiscalizar as ações do Estado. Sobre essa nova estratégia, veremos que os estudantes precisaram enfrentar novas dificuldades em função do governo se manter atento e buscar atrapalhar a formação autônoma de novos grêmios para, então, dificultar a organização e articulação dos secundaristas.