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1. O anúncio da reorganização escolar e seu debate

1.1. O embasamento do Estado e o parecer científico

1.1.2 A recusa da “reorganização escolar” e sua legitimidade

O tema da “reorganização escolar” no estado de São Paulo ganhou protagonismo e proporções consideráveis na esfera pública paulista, de modo que levou o governo a recuar de sua decisão32. A reforma da educação passou a ser

assunto não só entre os estudantes e pais afetados pelo processo, mas também entre estudantes não afetados da rede pública e particular de ensino; se tornou assunto nos bairros, nos lares, entre profissionais da área, bem como entre pessoas que, de um modo geral, se interessam pelo tema. O fato é que no primeiro momento, quando a mudança foi anunciada pelo governo, o plano foi recebido pela comunidade escolar como uma ação sem garantias de que resultaria em melhorias para o ensino público. De um modo geral, o que se viu foi a insatisfação imediata de pais e alunos em relação à mudança de rotina, à vivência cotidiana e aos ganhos trazidos pela convivência entre alunos de diferentes níveis de escolaridade.

A não aceitação imediata da medida pela comunidade escolar, cujas primeiras manifestações foram registradas em páginas de Facebook, se deu como reação à forma pela qual o governo apresentou a ação, sem detalhamento de seus passos, sem mapeamento ou plano que ilustrasse com clareza como o projeto seria posto em prática, deixando brechas para que surgissem incertezas e muitas dúvidas. A situação de insegurança em relação à prática e aos efeitos da “reorganização” não foi exclusiva dos estudantes, que no primeiro momento demonstraram preocupação em saber se a escola seria melhor ou pior, se os professores seriam os já conhecidos, ou se deveriam adaptar-se a um novo círculo de amizades; pais e parentes próximos aos alunos que seriam afetados também manifestaram insatisfação com o futuro incerto. Entre outras avaliações, reportagens feitas com especialistas em educação endossaram as inquietações da comunidade escolar, sobretudo em relação aos futuros impactos no sistema de educação do estado, desde a administração e estrutura das unidades escolares até o acompanhamento do desempenho escolar.

32 A repercussão do movimento autônomo secundarista de São Paulo tomou grandes proporções, de

modo que se tornou uma importante referência para outros movimentos estudantis em diferentes estados do país, servindo de inspiração para a mobilização estudantil ocorrida em 2016, conhecida como “primavera estudantil”, marcada por centenas de manifestações e ocupações de estudantes secundaristas e universitários em todo o Brasil contra medidas do presidente Michel Temer, como a PEC 241/2016 (PEC do teto dos gastos públicos), o projeto “Escola sem Partido”, e a medida provisória (MP 746/2016) da Reforma do Ensino Médio.

Entre pesquisadores da área é consenso que políticas de reformas com grande impacto no sistema de ensino, isto é, que afetam milhões de pessoas, incluindo familiares de alunos e profissionais da educação, são importantes ferramentas para a diminuição de injustiças sociais, capazes de superar a longo prazo situações de exclusão social e desigualdades. Dado esse potencial, as políticas de grande impacto devem ser resultado de pesquisas bem fundamentadas e amplos debates com os afetados em consultas e audiências públicas. Podemos considerar que as políticas de grandes proporções, como a reorganização escolar, tendem a afirmar sua legitimidade com a participação dos afetados desde o processo de formatação da política pública e seu debate, contribuindo genuinamente para a intensificação democrática. Seguindo essa lógica, o caso específico da “reorganização escolar” paulista não apresentou fundamentos de legitimidade, porque além de utilizar um estudo mal fundamentado, impediu aos principais afetados o direito de participação. Em decorrência disso, não apresentou soluções a problemas preexistentes, como a dificuldade de acesso à educação de jovens e adultos que trabalham sem formação completa do ensino básico - um problema que se intensificou com a sequência de turnos noturnos fechados nos últimos anos em toda a rede estadual de ensino33.

Relembro que a mudança sem garantias de eficiência e ampliação do acesso à educação se vinculou à ausência de transparência e debate. Na citada entrevista concedida ao jornal televisivo, o secretário da educação afirmou que os alunos teriam suas matrículas automaticamente transferidas para outras escolas da mesma região, e comunicou que pais e responsáveis dos estudantes deveriam manter o endereço atualizado no cadastro junto à Secretaria da Educação para que aqueles que fossem transferidos pudessem garantir uma vaga na escola mais próxima à residência. Na mesma ocasião, Voorwald falou sobre a convocação para o “dia E” (dia de Educação)34, realizado no dia 14 de novembro daquele mesmo ano, para que

33 Segundo a Apeoesp, entre 2015 e 2018 foram fechadas 9.300 salas de aula. Cerca de 7 salas a cada

dia. Esses dados reforçam reclamações de professores registradas junto à Secretaria da Educação sobre a superlotação das salas de aula e uma possível reorganização “disfarçada”. Sobre o tamanho das classes nos anos finais do Ensino Fundamental da rede estadual e seus efeitos, ver Travitzki, R. e Cássio, F.L. Tamanho das classes na rede estadual paulista: a gestão da rede pública à margem das desigualdades educacionais. Educação Temática Digital. Campinas, SP.vol.19, p.159-183, 2017.

34 O comunicado [ANEXO II] do “dia E”, publicado no site da Secretaria da Educação, no dia 23 de

setembro de 2015, anunciou “um megaencontro entre escolas e pais”, momento em que estes teriam “a oportunidade de entender o novo processo de reorganização.”

pais e alunos fossem formalmente comunicados sobre a(s) escola(s) para as quais seriam transferidos, momento em que deveriam tirar dúvidas sobre a nova estrutura.

Em entrevista uma estudante comenta sobre o “dia E”:

Convocaram os pais num dia, “dia E”. E isso quando a escola já tava ocupada [14/11/2015] (...). A direção convocou os pais só pra informar que os filhos já estavam matriculados em outra escola. E iria ser separado por série. Só que tem muito irmão mais velho que leva o irmão mais novo pra escola. Como você vai separar? Sempre teve todas as séries (...)35

A fala da aluna registra que antes da reunião marcada pela Secretaria da Educação os estudantes já estavam mobilizados em ocupação de escolas36.

Impacientes com a posição do governo do estado, os secundaristas não esperaram o “dia E” para tomar essa atitude. A avaliação negativa sobre a medida anunciada foi imediata e se confirmou com a atuação de diretores e dirigentes que, no “Dia E”, assumiram uma posição impositiva no modo de informar sobre como o processo seria realizado, a respeito das transferências, e sobre as obrigações dos pais e responsáveis de manterem os dados cadastrais atualizados. O encontro reforçou a crítica da comunidade escolar, que teria sua rotina alterada.

A simples ida à escola alterada numa cidade de locomoção difícil, como São Paulo, constituiu-se em problema que representou não só descaso com o público escolar como indicou o improviso da medida. Sobre as dificuldades práticas originadas pela divisão escolar em ciclos, outra secundarista comenta:

A notícia da reorganização escolar pegou todo mundo meio desprevenido. Foi totalmente de cima pra baixo, não houve discussão com alunos, professores. Foi do nada. No primeiro momento quando eu vi a notícia, eu tomei um susto, mas era meu último ano no ensino médio. Não que eu não liguei, mas eu não percebi os fatos de que a reorganização iria causar fechamento de salas, que professores seriam demitidos, as escolas iriam ser separadas por séries, ensino fundamental I, ensino fundamental II e ensino médio, e como isso iria dificultar pra alunos que, por exemplo, levam seus irmãos pra escola. Muitos alunos iriam estudar muito longe de suas casas, sendo

35 Entrevista realizada em janeiro de 2017 sobre a experiência da mobilização secundarista na região

norte da capital paulista.

36 Para evitar muitas repetições, daqui por diante o uso da palavra ocupação, ou ocupações, refere-se

que moravam pertinho. Então foi na internet que eu vi uma discussão acontecer, entre alunos, professores, em diferentes grupos e em jornais de esquerda com várias críticas. E aí que me deu um estalo.37

A reorganização escolar certamente iria alterar o cotidiano e a organização das pessoas, não só dos estudantes, mas também dos pais, familiares, professores e demais funcionários das escolas. Nas situações em que o aluno seria transferido para longe de sua casa, as famílias de menor poder econômico poderiam ter seus gastos afetados com comprometimento de seu orçamento, além de alterar a rotina dos pais que levam seus filhos para a escola antes do trabalho, ou mesmo dificuldades com irmãos que passariam a estudar em escolas diferentes. O comentário da estudante toca na questão delicada da dinâmica das famílias, ou seja, sobre a possibilidade de alteração do funcionamento da vida privada, das relações organizadas no ambiente familiar, sobretudo a respeito dos estudantes mais jovens; quem e como levar a criança para a escola. Certamente a não aceitação da “reorganização” se deu, em parte, por que esta representou uma real ameaça ao funcionamento da vida das pessoas como um todo, muitos pais e responsáveis teriam que adequar sua própria vivencia cotidiana à nova estrutura do sistema de ensino38.

O período entre 23 de setembro e 14 de novembro - o anúncio do governo e o “Dia E” - ficou marcado pela intensa mobilização dos secundaristas acompanhados de pais e professores. Ocorreram atos em frente às escolas; debates em espaços abertos; protestos em frente diretorias de ensino e da Secretaria Estadual da Educação, bem como em terminais de ônibus; passeatas nos bairros ao redor das escolas afetadas, em avenidas e rodovias; trancamento de importantes vias urbanas; e atos em frente a prefeituras e câmaras municipais. As primeiras manifestações se concentraram em distribuição de panfletos, abaixo-assinados, ao uso de cartazes, barricadas, a unificação de um discurso comum, e em algumas cidades o uso de carros de som.

Nas primeiras semanas de protestos, o interior do estado teve protagonismo, em parte pela mobilização e apoio das subsedes da Apeoesp, e em razão de as primeiras manifestações de rua terem ocorrido na região de Presidente

37 Entrevista realizada em 04/09/2018.

38 Outra questão que aparece na fala da estudante, e que trataremos mais adiante, é a função que a

internet ocupou e como as redes sociais se tornam o principal meio de informação para o movimento secundarista.

Prudente, mais precisamente na cidade de Rancharia, e na região de Araraquara, especificamente na cidade de Matão39. Segundo levantamento de Campos A.;

Medeiros J., e Ribeiro M. (2016, p.41-42)40, foram contabilizados pelo menos 163

protestos em todo o estado de São Paulo, sem registro apenas no litoral norte. Os autores contabilizaram manifestações de rua em 60 cidades diferentes. Sobre os atos realizados entre o final de setembro e as primeiras semanas de outubro de 2015, grande parte foi no âmbito local, contra o fechamento de escolas e a mudança de oferta de ciclos nas unidades escolares; manifestações em que os alunos buscaram chamar a atenção de comunidades próximas ao local de seus cursos.

Campos, Medeiros, e Ribeiro (2016, p.31-39) fizeram uma análise a partir de postagens em redes sociais de internet sobre as primeiras impressões dos estudantes a respeito da “reorganização escolar”41. Para os autores, a revolta dos

secundaristas se deu em situação de estresse e instabilidade. Tomados pela incerteza sobre o ano seguinte, se seriam transferidos e para onde, se seriam separados de seus círculos de amizade, os estudantes expressaram descontentamento em relação ao abalo de conexões afetivas com a escola. Os autores interpretam dessa forma porque, segundo eles, as primeiras postagens dos estudantes foram de ordem emocional, incluindo manifestações de revolta ao entenderem que estavam sendo tratados como números.

O que busco destacar como motivação para a formação do movimento dos secundaristas autônomos é a intervenção da política de reorganização na dinâmica de vida das famílias. Campos, Medeiros, e Ribeiro (2016, p.33) enfatizam que a luta secundarista teria sido alimentada por revolta com forte conteúdo emocional, porém, sem desconsiderar as relações de afeto que existem nos grupos de convivência entre alunos, professores, e a comunidade escolar, o que parece central na revolta e no processo da luta secundarista é, em primeiro lugar, a transformação estrutural e logística do cotidiano das pessoas, fato que certamente afetaria as relações sociais;

39 Nota-se que as primeiras manifestações de rua ocorreram em diferentes regiões do estado. Segundo

relatos dos secundaristas, os protestos ocorreram de forma espontânea, sem ligação entre os diferentes grupos e regiões.

40 Neste livro, Escolas de Luta, os autores citam e descrevem algumas manifestações locais ocorridas

em cidades do interior do estado. Não menos importantes, eles destacaram protestos que tiveram grande repercussão na região em que ocorreram. Os autores buscaram mostrar a dificuldade dos dirigentes de ensino em oferecer e estabelecer diálogo com os secundaristas que, naquele momento, exigiam ser ouvidos pela Secretaria Estadual da Educação.

41 É relevante dizer que as postagens consideradas pelos autores são registros imediatos à anunciação

em outros termos, podemos dizer que a política adotada pelo governo do Estado interferia na esfera privada. Em segundo lugar, a mobilização secundarista contra o projeto se dá pela tentativa de preservar a interação social partilhada no ambiente escolar, a qual estaria relacionada à representação do lugar de encontro e convivência.

As preocupações se mostram objetivas em relação à socialização caracterizada pela heterogeneidade, conforme a própria comunidade escolar indica, e a partir de questionamentos dos alunos em relação ao principal argumento da Secretaria da Educação – a diminuição da demanda e salas ociosas -, como se observa na fala de uma aluna sobre o fechamento da escola em que estudava:

O motivo [da reorganização escolar] é que não tinha alunos. (....) A ideia era transformar a escola numa ETEC. Não era bem assim, a gente notou que era uma farsa. Ele [secretário da educação] falou assim: ah! Não tem aluno na sala de aula. Mas se você pegasse as listas de chamada, de presença, tinha mais que o normal! Deveria ter 35 e tinha 50 alunos [por turma]. Era coisa absurda! Como você vai usar a justificativa de que não tem aluno?!42

Assim, a revolta dos estudantes não teria sido impulsionada apenas por motivos emocionais, mas principalmente pela incoerência dos argumentos do governo que não estavam de acordo com a realidade das escolas. A superlotação das salas de aula já era um problema vivenciado por alunos e professores. Com a política de fechamento de centenas de salas e a disponibilização de prédios de escolas para outros fins públicos, o agravamento da superlotação seria uma consequência inevitável e distante de qualquer projeto que tenha como objetivo melhorar a qualidade do ensino. Esta era uma questão muito clara para a comunidade escolar, e que nos permite afirmar que a motivação maior para a luta secundarista se deu por questões racionais, isto é, questionamentos objetivos a partir de padrões esperados, conteúdos e experiências partilhadas no ambiente escolar e na formação de laços sociais.

A interação entre secundaristas, pais e professores gerou o entendimento coletivo de que a “reorganização” ameaçava alterar a vida de muitos sem garantias de melhor educação. Para se ter noção das proporções dessa política, no dia 15 de outubro de 2015, a presidente da Apeoesp informou ao jornal El País que 155 escolas

seriam fechadas, e cerca de 20.000 professores seriam demitidos. No mesmo período, a Secretaria Estadual da Educação informou que 311.000 alunos deveriam mudar de escola e 74.000 professores seriam atingidos pela mudança.

Para compreender os efeitos do anúncio da reorganização sobre a comunidade escolar e as motivações desta para se colocar contra a implementação da nova política do governo do estado, convém considerar o paradigma habermasiano do agir comunicativo. Apesar de seu caráter abstrato, me parece importante considerá-lo para refletir sobre a democracia a partir da sociedade civil e de seus movimentos sociais – questão de fundo nesta pesquisa. Entre suas possibilidades, a aplicação da teoria do discurso no campo da teoria política contemporânea (Habermas, 2011) permite tratar normativamente da legitimidade das decisões, das normas, e da participação efetiva dos concernidos em processos de deliberação e de formação da opinião e da vontade.43

Antecipadamente é necessário observar que o tipo de ação racional do agir comunicativo pressupõe compartilhamento de regras e valores universais expressos nas argumentações próprias da experiência do mundo social, ou seja, envolve a presença de uma “consciência coletiva”. Essa forma de ação é marcada pela busca comum do consenso argumentativo em contexto de diversidade de opiniões e perspectivas. Nesse sentido, esse paradigma teórico normativo nos permite fundamentar a legitimidade da ação dos estudantes secundaristas. A partir disso é possível analisar a reorganização escolar como ameaça à racionalidade partilhada e própria do ambiente escolar, isto é, às estruturas simbólicas de produção e reprodução das relações sociais intersubjetivas, tal como vividas pelas pessoas a partir de normas, saberes e experiências que interferem no desenvolvimento de personalidades, na formação de grupos, e na regulação das ações.

43 Considero apenas aspectos da teoria habermasiana que possam nos ajudar a entender a

legitimidade da ação secundarista em questão. Aspectos importantes dessa teoria, como por exemplo o “princípio do discurso” (Habermas, 2012a, p. 165),que trata de iguais condições de participação dos concernidos no debate racionalmente orientado para o entendimento, não contribui para os objetivos de meu argumento porque até o momento nos interessa estabelecer relação entre fatos identificados no movimento autônomo secundarista e conceitos previamente conhecidos que possam iluminar a pesquisa. Para compreender motivações de movimentos sociais seria obvio utilizar o conceito de “libertação cognitiva”, de McAdam (1982) - porque diz respeito à produção de consciência coletiva sobre situações de injustiça social e, a partir disso, a emergência de anseios de mudanças, de crença na possibilidade de transformação -, mas creio que o paradigma habermasiano nos permitirá melhores condições para avançar na questão da legitimidade da mobilização dos estudantes autônomos, tendo em vista a atuação do governo paulista enquanto adversário do movimento.

A escola é, por excelência, instituição de formação do sujeito, que educa indivíduos para serem cidadãos, para viverem em sociedade, e esse processo de formação ocorre pela via da comunicação, das relações dialógicas e do compartilhamento de uma racionalidade construída via laços sociais, interação e disposição de significados objetivos e subjetivos. São interações de reciprocidade e expectativas de comportamento, cuja linguagem compartilhada entre sujeitos - regras, valores e saberes –, nesse caso, diz respeito à socialização própria do ambiente escolar, mas que também reflete as relações da sociedade como um todo.

Com essa perspectiva, o anúncio da reorganização figurou interferência nas relações intersubjetivas, ameaça à linguagem comum, disrupção da unidade social vivida na forma de domínio da razão socialmente construída, e cuja prática permite fortalecer as interações sociais. Em outras palavras, a política anunciada pelo governo estadual representou possibilidades reais de intervenção no que Habermas chama de mundo da vida44 intersubjetivamente partilhado, ou seja, a intervenção do Estado na racionalidade coletiva, que serve de orientação para as ações comportamentais, e que gera segurança e certa estabilidade. Assim, a “reorganização” foi recebida pelos estudantes como um ataque à linguagem conhecida e incorporada na relação entre sujeitos, na interação simbolicamente mediada e orientada por normas reconhecidas, como por exemplo, o consenso de que o convívio entre as diferentes idades no ambiente escolar é importante para a socialização dos jovens e formação da identidade, para aprender a conviver com o diferente e com os limites que esse tipo de convívio impõe.

Em outros termos, podemos dizer que um processo educacional que força uma homogeneidade artificialmente construída é falsamente formador para a vida real, a qual se caracteriza pela heterogeneidade. Parte da diversidade social do presente se mostra na interação promovida pelas novas formas de comunicação, reforçando o entendimento do descompasso da ótica de formação adotada pelo

44 A concepção bidimensional do conceito de sociedade (Habermas, 2012a, p. 218-275), sistema e

mundo da vida, resulta como proposta interpretativa da modernidade e como tentativa de superação da racionalidade restrita ao caráter instrumental e sistêmico, presente nas teorias de Max Weber, Theodor Adorno e Max HorKheimer. Habermas propõe o paradigma da ação comunicativa, o qual pressupõe interações entre sujeitos orientados pelo entendimento, cuja atividade comunicativa é própria do mundo da vida (Lebenswelt). Esta dimensão, diferentemente do sistema orientado pela linguagem do dinheiro e do poder, refere-se aos espaços sociais e aos conteúdos compartilhados. Trata-se de conteúdo cultural, normas sociais regulatórias, e atores que carregam conteúdos