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A violência contra idosos em Aracaju : um reflexo das modificações sociais da imagem de velhos em sociedades modernas.

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS MESTRADO EM SOCIOLOGIA. A VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM ARACAJU: UM REFLEXO DAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA IMAGEM DE “VELHOS” EM SOCIEDADES MODERNAS. JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS. São Cristóvão – SE 2010.

(2) 2. JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS. A VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM ARACAJU: UM REFLEXO DAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA IMAGEM DE “VELHOS” EM SOCIEDADES MODERNAS. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Sociologia/Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Sociologia.. Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves. São Cristóvão – SE 2010.

(3) 3. JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS. A VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM ARACAJU: UM REFLEXO DAS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA IMAGEM DE “VELHOS” EM SOCIEDADES MODERNAS. Aprovado em 22/09/2010. BANCA EXAMINADORA. _________________________________________________________. PROF. DR. PAULO SÉRGIO DA COSTA NEVES – Orientador Universidade Federal de Sergipe – UFS _________________________________________________________ PROFª. DRª. MÔNICA CRISTINA SILVA SANTANA. Universidade Federal de Sergipe – UFS _________________________________________________________ PROF. DR. VICENTE DE PAULA FALEIROS Universidade Católica de Brasília – UCB.

(4) 4. A todos os idosos que, de alguma maneira, têm ou tiveram os seus direitos violados, mas que não se deixaram intimidar pela violência, denunciando os abusos sofridos.. Aos idosos que não denunciam, calando-se diante da “conspiração do silêncio” à qual os velhos foram, historicamente, submetidos, mas que vivem na esperança de que seu silêncio seja um dia escutado..

(5) 5. AGRADECIMENTOS. N. o pano de fundo histórico de um trabalho como este, há sempre um número considerável de pessoas e forças que, de alguma forma, direta ou indiretamente,. ajudaram na construção do conhecimento e no alcance de seus resultados finais, mas que raramente são materializadas em suas linhas gerais, não aparecendo explicitamente em suas valiosas colaborações. E, é levando-se em consideração as contribuições de todas estas importantes pessoas que passo a conservar a nobre virtude da “gratidão”, ao registrá-las neste momento. Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo Sérgio da Costa Neves, pela parceria e por aceitar o desafio empreendido por mim neste estudo; por suas pertinentes observações e contribuições e; pela respeitosa e peculiar forma democrática com a qual sempre imprimiu em nossos diálogos, ao entender que, como um “outsider na sociologia”, eu possuía, ao mesmo tempo, limitações e potencialidades. Às professoras, Drª. Mônica Cristina Silva Santana (UFS) e Drª. Maria Tereza Lisboa Nobre Pereira (UFS), pela composição da Mesa de Qualificação desta dissertação e pelas ricas, minuciosas e norteantes sugestões feitas para a melhoria do presente trabalho. Aos professores, Drª. Mônica Cristina Silva Santana (UFS) e Dr. Vicente de Paula Faleiros (UCB), pela contribuição e honra em ser avaliado por vocês. Em especial, agradeço ao professor Vicente Faleiros, pelo compromisso e a amizade de sempre, ao atender o nosso convite para compor a banca de defesa desta dissertação. A todos os ilustres professores do Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (NPPCS/UFS) pelas experiências, críticas, observações e discussões cotidianas em sala de aula, ampliando os debates em torno de temas centrais dentro das Ciências Sociais. Aos funcionários do NPPCS/UFS pela dedicação, respeito e disponibilidade para informar ou ajudar em assuntos acadêmicos, documentos e procedimentos institucionais. Aos meus queridos e inestimáveis colegas do mestrado em sociologia – turma 2008 – pela amizade, companheirismo, carinho, respeito e cumplicidade que foram intensos durante um ano de convivência cotidiana e que, tenho absoluta certeza, criaram raízes para além do cenário acadêmico. Aprendi muito com cada um de vocês, nas diferenças e nas semelhanças!.

(6) 6. Aos profissionais da Polícia Civil do Estado de Sergipe, que atuam no Centro de Atendimentos a Grupos Vulneráveis (CAGV/SSP-SE), em especial, a sua coordenadora, Delegada Georlize Teles, e a Rose, Fabiano, Vanessa, Iris e Cristiane, pelo apoio a esta pesquisa e na disponibilização dos recursos e informações possíveis para a consecução de seus objetivos. A todos os participantes das entrevistas (idosos, testemunha e suposta agressora) e aos demais personagens destas histórias de vida e experiências de violência, pela confiança e colaboração na produção deste conhecimento. Ao amigo Marcelo Alves dos Santos pela colaboração e profissionalismo na confecção do Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa na Cidade de Aracaju/SE. À Professora Drª. Marília Anselmo Viana da Silva Berzins, coordenadora da Atenção Básica da Saúde do Idoso da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, pela gentileza do material cedido. Por fim, mas não menos importante, à minha família, minha mãe Maria José, meu irmão Mário Jorge e minha querida Flávia Augusta, pelo apoio e compreensão em mais este compromisso acadêmico em minha vida. A todos, o meu muito obrigado!.

(7) 7. “Quando Buda era ainda o príncipe Sidarta, encerrado por seu pai num magnífico palácio, dele escapuliu várias vezes para passear de carruagem nas redondezas. Na primeira saída, encontrou um homem enfermo, desdentado, titubeante e trêmulo. Espantou-se e o cocheiro lhe explicou o que era um velho”. Simone de Beauvoir. “[...] Dia virá em que as pessoas que pensam como nós irão se ausentando, até que poucas, bem poucas, ficarão para testemunhar nosso estilo de vida e pensamento. Os jovens nos olharão com estranheza, curiosidade; nossos valores mais caros lhes parecerão dissonantes e eles encontrarão em nós aquele olhar desgarrado com que, às vezes, os velhos olham sem ver, buscando amparo em coisas distantes e ausentes”. Ecléa Bosi.

(8) 8. RESUMO. N. ste estudo busca-se refletir acerca do fenômeno contemporâneo da violência praticada contra pessoas idosas. Com efeito, a violência – e, em particular, a violência contra os. idosos – não é um fenômeno recente, nem unicamente encontrado nas sociedades modernas. Contudo, é notável que seja nestas sociedades onde se verifica que a imagem social dos idosos passa a sofrer um impacto nefasto, extremamente negativo, tendo uma nova configuração que fundamenta uma série de preconceitos, estigmas e discriminações voltadas aos velhos. É está imagem social moderna que passa a contribuir para o aumento da desvalorização dos idosos e de suas representações sociais, tendo como uma de suas principais consequências a elevação das práticas de violência neste segmento etário. A amostra deste estudo contou com 265 idosos, de ambos os sexos, com idades entre 60 e 98 anos, residentes na cidade de Aracaju/SE e que registraram ou tiveram registrada alguma denúncia de violência no Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis (CAGV), no ano de 2008. Foram utilizados como base de pesquisa documental os Boletins de Ocorrência (B.O.) e os Registros Policiais de Ocorrência (RPO), além de um instrumento próprio para a coleta de dados e informações sobre os casos. Constatou-se que essa violência ocorre, na maioria das vezes, dentro de casa, no âmbito privado, sendo os familiares, como filhos, cônjuges, netos e genros/noras (54%) os principais responsabilizados pelas agressões. Em relação ao “tipo de violência”, os principais registros foram de violência moral (45%) e psicológica (21%). As ocorrências se deram com maior frequência entre as mulheres idosas (68%). Contudo, com a elevação da idade, observou-se que os homens idosos passam a sofrer mais violência, tendo a mesma probabilidade de ocorrência que as mulheres a partir da faixa-etária dos 90 anos de idade. A viuvez (41%) também se constitui em um dos fatores de risco para os idosos – principalmente para as mulheres – elevando-se a possibilidade de sofrerem violência. A maior parte das denúncias tem sido feita pelos próprios idosos (72%), refutando-se a idéia da “vitimização absoluta”, que liga os idosos à tradicional imagem de passivos e incapazes. A violência cometida contra os idosos tem estado cada vez mais em evidência em nossas atuais sociedades, exigindo dos pesquisadores e das autoridades públicas uma maior atenção na compreensão deste fenômeno, bem como no fomento às políticas públicas voltadas aos idosos e às suas famílias, prevenindo, dessa forma, um aumento do número de casos de violência. Palavras-chave: idosos, sociedade moderna, imagem social, violência..

(9) 9. ABSTRACT. T. his study aims a reflection about the contemporary phenomenon of violence against the elderly. About this, the violence – and, in particular, the violence against the elderly – is. not a recent phenomenon, not only found in modern societies. However, it is notable that in these societies where it appears that the social image of the elderly has become a more adverse impact, extremely negative, with a new configuration that supports a lot of prejudice, stigma and discrimination directed at the elderly. It is modern social image that is contributing to the increase in the devaluation of the elderly and their social representations, and as one of its main consequences raising practices of violence in this age group. The sample for this study included 265 elderly of both sexes, aged between 60 and 98 years old, living in the city of Aracaju/SE and that recorded or had recorded any complaint of violence in the Service Center to Vulnerable Groups (CAGV) in the year 2008. Were used as the basis of documentary research the official reports (B.O.) and police records of occurrence (RPO), and an instrument for data collection and information about the cases. It was found that violence occurs in most of the time indoors, in private, and family members as children, spouses, grandchildren and sons/daughters in law (54%) were the main responsible for the attacks. Regarding the "violence", the main records were moral violence (45%) and psychological violence (21%). The events are given more frequently among elderly women (68%). However, with increasing age, we found that older men are suffering more violence, with the same probability of occurrence that women from the age-range of 90 years of age. Widowhood (41%) also constitutes a risk factor for the elderly - especially for women raising the possibility of experiencing violence. Most complaints have been made by the elderly (72%), contradicting the idea of "absolute victimization, thus linking the elderly with the traditional image of passive and helpless. Violence committed against the elderly has been increasingly in evidence in our current society, requiring researchers and public authorities more attention in understanding this phenomenon, and in promoting public policies aimed at the elderly and their families, preventing a larger number of violence.. Key-words: elderly, modern society, social image, violence..

(10) 10. RELAÇÃO DE RECURSOS VISUAIS FIGURAS FIGURA 2.1 – Centralidade do idoso em sociedades tradicionais....................................... 84 FIGURA 2.2 – Imagens do Asilo Rio Branco no início do século XX.............................. 100 FIGURA 3.1 – Retrato de Família....................................................................................... 160. GRÁFICOS GRÁFICO 1.1 – Crescimento demográfico da cidade de Aracaju....................................... 74 GRÁFICO 1.2 – Naturalidade dos idosos vítimas de violência........................................... 74 GRÁFICO 3.1 – Idade e sexo dos idosos agredidos.......................................................... 137 GRÁFICO 3.2 – Horário de maior incidência da violência praticada contra os idosos..... 145 GRÁFICO 3.3 – Principais denunciantes da violência cometida contra idosos.................. 146 GRÁFICO 3.4 – Atividades ocupacionais dos idosos vitimas de violência....................... 156 GRÁFICO 3.5 – Principais acusados de agressão aos idosos............................................. 161. MAPAS MAPA 3.1 – Mapa da Violência em Sergipe, 2008............................................................ 121 MAPA 3.2 – Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa na Cidade de Aracaju/SE........... 124. TABELAS TABELA 3.1 – Principais tipos de violências cometidas contra os idosos......................... 129. TABELA 3.2 – Faixa-etária dos idosos vítimas de violência e que “denunciaram pessoalmente” as agressões sofridas......................................................... 147 TABELA 3.3 – Faixa-etária dos idosos vítimas de violência, com denuncias feitas por terceiros.................................................................................................... 149 TABELA 3.4 – Estado civil dos idosos vítimas de violência.............................................. 151 TABELA 3.5 – Nível de escolaridade dos idosos vítimas de violência............................. 153.

(11) 11. RELAÇÃO DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES APS/USA – Adult Protective Services/United States of America AVC – Acidente Vascular Cerebral B.O. – Boletim de Ocorrência BPC – Benefício de Prestação Continuada CAGV – Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente GLBTT – Gays, Lésbicas, Bissessexuais, Transsexuais e Transgêneros; LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IML – Instituto Médico Legal INPEA – International Network for the Prevention of Elder Abuse INSS – Instituto Nacional do Seguro Social MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia NCEA/USA – National Center on Elder Abuse/United States of America OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNI – Política Nacional do Idoso RPO – Registro Policial de Ocorrência SSP/SE – Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe SUAS – Sistema Único de Assistência Social UCB – Universidade Católica de Brasília UFS – Universidade Federal de Sergipe WHO – World Health Organization.

(12) 12. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 A organização da dissertação .......................................................................................... 30. CAPÍTULO 1 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ................................................... 33 1.1 Revisão bibliográfica: categorias analíticas fundamentais ................................................. 40 1.1.3 Velhice, velho e idoso: definições conceituais básicas ................................................. 41 1.1.2 Sociedade, indivíduo, imagem, representações sociais, estigmas e velhice ................. 46 1.1.3 Estado, família e violência ............................................................................................ 51 1.2 A metodologia e os meios técnicos da pesquisa ................................................................. 63 1.2.1 A caracterização do estudo, seus sujeitos e os procedimentos metodológicos utilizados.................................................................................................................................63 1.2.2 Os critérios de seleção da amostra da pesquisa e os instrumentos para a coleta de dados ....................................................................................................................................... 68 1.2.3 Aracaju: o “cenário” de nossas análises ....................................................................... 72. CAPÍTULO 2 A. IMAGEM DOS “VELHOS” SOB A ÓTICA REFLEXIVA DAS SOCIEDADES. TRADICIONAIS E MODERNAS: UMA HISTÓRIA DE EXCLUSÃO .......................... 79 2.1 As imagens da velhice e dos “velhos” em grupos e sociedades tradicionais ............ 80 2.2 A velhice e os “velhos” em sociedades modernas: a reafirmação de suas imagens deterioradas sob novos fundamentos ............................................................................... 92.

(13) 13. CAPÍTULO 3 DENÚNCIAS E OCORRÊNCIAS: A VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA IDOSOS E OS REGISTROS NO CENTRO DE ATENDIMENTO A GRUPOS VULNERÁVEIS DE ARACAJU....................................................................................................................... 109 3.1 Uma experiência única?: relatos de um caso de violência ...................................... 109 3.1.1 O que a denúncia produz? Encaminhamentos e providências........................... 113 3.2 Sobre o CAGV: um breve resgate histórico de sua filosofia de atuação e particularidades da instituição e seus atendimentos em Aracaju/SE ............................. 117 3.3 Análises dos números e dados institucionais acerca dos casos de violência praticada contra pessoas idosas em Aracaju/SE obtidos no CAGV ............................................. 122 3.3.1 A violência contra a “mulher idosa”: agravantes de um problema sócio-histórico e cultural precedente ................................................................................................... 139 3.3.2 A violência contra o “homem idoso”: a negação do “homem” por trás da “imagem do velho” ..................................................................................................... 142 3.3.3 Sobre os acusados de agressão e a família ........................................................ 158. CAPÍTULO 4 “VOZES IMERSAS” QUE EMERGEM: A EXPRESSÃO DA VIOLÊNCIA FAMILIAR NA FALA E NO SILÊNCIO DE SEUS ATORES.......................................168 4.1 A fala dos idosos ..................................................................................................... 169 4.2 A fala das testemunhas ............................................................................................ 182 4.3 A fala dos denunciados............................................................................................ 187. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 193 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 204 APÊNDICES ........................................................................................................................ 212 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO PÓS-INFORMAÇÃO APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA I (IDOSO VÍTIMA DE VIOLÊNCIA).

(14) 14. APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA II (DENUNCIANTE QUE NÃO SEJA O PRÓPRIO IDOSO VÍTIMA DE VIOLÊNCIA) APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA III (AUTOR DENUNCIADO POR PRÁTICA DE VIOLÊNCIA CONTRA IDOSO) APÊNDICE E – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DOCUMENTAIS. ANEXOS .............................................................................................................................. 224 ANEXO A – MODELO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA (B.O.) ANEXO B – MODELO DE REGISTRO POLICICIAL DE OCORRÊNCIA (RPO) ANEXO C – MATÉRIA DE JORNAL I ANEXO D – MATÉRIA DE JORNAL II ANEXO E – MATÉRIA DE JORNAL III ANEXO F – MATÉRIA DE JORNAL IV ANEXO G – MATÉRIA DE JORNAL V ANEXO H – MATÉRIA DE JORNAL VI ANEXO I – MATÉRIA DE JORNAL VII ANEXO J – ARTIGO.

(15) 15. INTRODUÇÃO. S. eria mais um dia de domingo na vida de milhares de famílias aracajuanas e, em particular, na vida da “Família Santos”, não fosse pelo acontecimento do dia 05 de abril. de 2009, quando, não só a cidade de Aracaju, mas também todo o estado de Sergipe e o país, ficaram estarrecidos com o crime brutal praticado por um neto contra os seus dois avós octogenários, repercutindo em toda a imprensa nacional. Clédson Gomes Santos, de vinte e quatro anos de idade, usuário regular de crack e devedor da quantia de setenta Reais a traficantes do bairro Santos Dumont – bairro da periferia de Aracaju – onde o mesmo residia, seguiu em direção à casa de seus avós, Albertina Santos, de 81 anos de idade e Edvaldo dos Santos, de 88 anos. Segundo Clédson Santos, sua intenção inicial era de “pedir” emprestada a importância de dez Reais para quitar parte de sua dívida com os traficantes e, logo após, adquirir mais droga. “Passei o sábado todo usando crack. Estava devendo a droga e queria mais, por isso fui pedir dinheiro a minha avó. Ela [Albertina] falou um monte de besteira e por isso fiquei com raiva. Se tivesse dado o dinheiro tinha ido embora e pronto”1. O desfecho desta trama real culminou com um episódio funesto. Ao receber uma negativa de sua avó, frustrando assim suas expectativas iniciais, Clédson Santos tentou sufocar a idosa com um pano de prato, derrubando-a no chão com uma rasteira e, sob seu corpo, buscando estrangulá-la. Sozinha em sua agonia e, sem forças para contrapor-se ao jovem neto, a avó desmaiara e, logo após, fingira-se de morta.. 1. Fala de Clédson em matéria feita por um jornal escrito de circulação estadual e em estados vizinhos. Cf. JORNAL DA CIDADE, Aracaju, 08 de abril de 2009, p. B-5 (Cidades)..

(16) 16. Em seguida, Clédson foi ao quarto do casal de idosos, onde se encontrava o seu avô, o senhor Edvaldo, com metade do corpo paralisado por um acidente vascular cerebral (AVC), além de severos problemas de audição. “Ai encontrei meu avô, que bateu em mim com a muleta. Foi quando peguei o pano e enforquei ele também. Depois joguei na cama. Acho que ele bateu na cabeceira da cama. Não usei nada para matar ele, só um pedaço de pano”2. Após essa sequência de fatos, Clédson voltou ao local onde estava a sua avó – que ele acreditava estar morta – e retira de seu bolso a quantia de três Reais e vinte e cinco centavos. Logo após, leva consigo o aparelho de televisão da casa dos avós, vendendo o mesmo pela quantia de quarenta Reais para adquirir mais drogas. Clédson foi preso no dia seguinte por uma guarnição da polícia militar.3 Fatos como este têm nos levado a uma maior reflexão sobre a questão do tema da “violência” e que, de tempos em tempos, emerge em nossa sociedade, aparentando aumentar, cada vez mais, nos dias atuais. Durante a semana que sucedeu ao ato violento que registrei há pouco, inúmeros veículos de comunicação (jornais escritos, programas de televisão, rádios) passaram a discutir o assunto, buscando explicar as suas causas e tendo como referência a tragédia familiar ocorrida no primeiro domingo de abril de 2009. As discussões que foram realizadas envolveram um considerável número de profissionais de áreas diversas (assistência social, psicologia, saúde, segurança, religiões, etc.) além de gestores públicos, membros da sociedade civil organizada e demais pessoas da sociedade. No entanto, o cerne das discussões girou em torno de alguns assuntos como delinqüência juvenil; redução da maioridade penal; impunidade; aumento do consumo e do tráfico de drogas; necessidade de intensificação da presença e intervenção repressiva do Estado (a partir de suas polícias); falta de fé e temor a Deus; bem como, na questão da desestruturação familiar na atual sociedade e os limites que os pais devem impor aos seus filhos. De certo, estes são temas transversais e que, de alguma forma, estão direta ou indiretamente associados ao episódio que vitimou os dois idosos (um deles, inclusive, fatalmente). Entretanto, notei, dentro do restrito campo de discussões à época, que muito pouco – para não dizer nada – foi discutido acerca dos direitos das pessoas idosas e da violência que tem aumentado, consideravelmente, neste segmento etário da população. O foco aqui revelava antigos rótulos sociais, que criminalizavam e estigmatizavam a figura de “jovem. 2. Idem.. 3. A referência a esta reportagem, em sua íntegra, pode ser encontrada no Anexo C desta dissertação..

(17) 17. agressor” e exaltam a imagem “frágil”, “indefesa” e da “fase final da vida” das duas “vitimas idosas”, reeditando fatos históricos, recorrentes e enraizados na sociedade brasileira e em parte considerável das sociedades modernas e ocidentais: a de enxergar a juventude como um problema a ser “enfrentado” e a de sequer enxergar os velhos como seres humanos, sujeitos autônomos, dotados de direitos e de vontades próprias. Outro fato relevante e que me chamou a atenção foi a forma tendenciosa e superficial – porém, de crescente aceitação pública por parte considerável da mídia de massas e da sociedade – com a qual os discursos eram construídos, imputando à família a culpa pelo ocorrido – por abandonarem dois idosos “indefesos” sem a ajuda e os cuidados permanentes de um responsável, de um “cuidador” –, ao mesmo tempo em que se satanisava o jovem neto – “assassino”, “bandido”, “drogado”, “frio”, etc. – pelo “crime” que havia cometido. Estes discursos, enviesados pelas emoções e por ideologias das mais diversificadas, em raros momentos de lucidez, deixavam de considerar que as dinâmicas das relações sociais, sejam elas na sociedade ou na família, estão em contínuo processo de transformação, alterando significativamente os seus formatos e suas estruturas relacionais, levando-se, por vezes, a que a busca por sobrevivência diminua a convivência e a frequência de contatos entre seus membros, em particular com os velhos pais, fazendo com que estes também venham a morar sozinhos. Também deixaram de levar em consideração, em relação ao jovem neto, que este, da mesma forma, poderia ter sido visto como uma das “vítimas” dessa história. Vítima de um sistema de valores, de uma cultura de degradação dos vínculos afetivos e de um crescimento alarmante do consumo de drogas e de influência dos traficantes nas atuais sociedades. Vítima da omissão pública, da diminuta presença do Estado, não só na ausência de políticas públicas para a prevenção e tratamento do uso de drogas, mas também, para repressão ao tráfico de entorpecentes e da prisão dos traficantes. Neste contexto adverso, é comum ainda que se perceba a violência que acomete os idosos – quando esta é percebida – como “mais uma” dentre tantas outras formas de violência disseminadas em nossa sociedade, como um epifenômeno de uma violência maior. Assim sendo, a violência praticada contra os idosos não é compreendida como uma “violência direcionada aos velhos” – o que passo a considerar, neste estudo, como um erro de abordagem teórica ou, pelo menos, de foco discursivo, de “miopia” da sociedade em relação à situação atual da violência contra os idosos. Esta violência é mascarada, escamoteada, disfarçada como tal, pelo discurso equivocado e homogeneizador de uma.

(18) 18. “cultura de violência mais ampla”, onde se presume que a violência não poupe ninguém, seja por sua condição social, política, econômica, cultural, sexual, étnico-religiosa, de gênero ou mesmo etária. Assim, passo a tomar um caminho inverso ao da retórica homogeneizadora da violência, na qual a “violência gratuita” passa a desfocar o real significado da violência contra os idosos nas atuais sociedades. Essa violência, “direcionada aos velhos”, como aqui defendo, segue um padrão racional, que possui uma fundamentação, uma razão de existir e de ser. Assim como a violência praticada contra as crianças ou a violência que atinge as mulheres, a violência que acomete e se dirige aos idosos também possui uma lógica própria. Senão, vejamos: a que “monte de besteiras” estaria se referindo Clédson (o neto), em sua entrevista ao jornal semanal da cidade de Aracaju, ao mencionar a fala de sua avó, Albertina Santos, minutos antes de desencadear todo um processo de fúria em relação aos seus avós idosos? Que sentimentos em relação aos avós o levariam a perceber que “só um pedaço de pano” seria suficiente para matá-los? Por que razão, dentre tantos outros parentes, amigos e conhecidos de Clédson, foram estes dois idosos, seus avós, foram vítimas preferenciais de sua cólera, de “escolha” para obter seu objeto de desejo (dinheiro para adquirir mais drogas) e não outras pessoas? E, será que o efeito e a vontade de obter mais drogas, seria tão ou mais poderosos do que os vínculos relacionais, de respeito à vida e à dignidade de duas pessoas idosas, a ponto de levar um neto a tentar ceifar a vida de seus dois velhos avós? Ser agredido, maltratado, rechaçado, humilhado, “enquanto velho”, não é apenas resultado (efeito) de um processo desencadeado por uma série de múltiplas e difusas formas de determinações multirelacionais e de violências (às quais estaríamos sujeitos, teoricamente, todos nós). Ela é, antes de tudo, fruto do fato de “ser velho” e de ter toda uma carga de significações negativas em sociedades onde a velhice é socialmente construída e aceita enquanto “degeneração” e “degenerante”, onde o “velho” passa a corporificar, a representar o “fim da vida”, a fase de decadência humana, de “expiação” das coisas do mundo, levando-os, de alguma forma – e à qual pretendo entender “qual”, neste estudo – a ser, cada vez mais, vítimas de uma série de manifestações preconceituosas, discriminatórias e violentas, seja por parte dos membros das micro sociabilidades (família), seja pelos representantes das macro sociabilidades (sociedade em geral ou mesmo pelo Estado), com ênfase nas primeiras. Retomo então ao caso da “Família Santos”: em relação ao jovem neto, que tentou contra a vida dos avós, o “monte de besteiras”, às quais sua avó havia lhe dito, dizia respeito.

(19) 19. aos seculares “conselhos”, “sugestões”, “orientações” de alguém mais velho e experiente e que, de certa forma, nutria-lhe consideração, que se preocupava e desejava que seu caminho fosse diferente. Os “conselhos”, em sociedades e culturas tradicionais, fazem parte das importantes funções sociais atribuídas aos “velhos” (“velhos” aqui, interpretado como “sábios”, “experientes”, conhecedores da vida) e que os estabilizavam nessas sociedades, regidas pela tradição. Eles (os conselhos) faziam parte dos recursos de que dispunham os anciões, os quais possuíam um papel extremamente importante e valorizado por todos os membros destes grupos sociais. Contudo, as funções de conselheiros, a que se ocupavam cotidianamente os “velhos”, com a introdução das inovações técnicas e modernas e seus impactos na cultura, na política, na economia, religião e no campo simbólico social, passam a ser desvalorizados, desnecessários e, por vezes, “incômodos” para alguns, em contextos onde a tradição não mais é central. Os velhos perdem espaço e importância nessas sociedades. Os “conselhos” passam a ser vistos, dessa forma, como “um monte de besteiras”, como algo sem valor, advindos de “pessoas – velhas – igualmente sem valor”; A fragilidade, com a qual facilmente se associa à velhice e aos velhos, também se constitui em outra marca de nossas atuais sociedades. Pode-se liquidá-los (inclusive, como vê no discurso do neto) com um mero “pedaço de pano”. A visão de decrepitude e fragilidade, à qual se associa à imagem dos velhos, leva a muitos dos que os agridem a estabelecerem relações desiguais de poder que os limitam, passando a exercer sobre eles certo poder que, muitas vezes, cerceiam seus direitos, suas autonomias e cidadanias, submetendo-os aos desígnios dos agressores e dos atos de violência, não os deixando – diante destes últimos – muitas alternativas para fugirem das ações de cerceamento e de coerção, a não ser o fato de aceitarem suas reivindicações (o que também não garante aos idosos que se mantenham livres dos perigos, das pressões, ameaças e da violência mais ostensiva) como um paliativo para se evitar um mal maior. É também na busca pelos velhos avós – e não por outros (da família ou do ciclo de amizades) – com o objetivo de “tirar alguma vantagem”, de extorquir, ameaçar e, até mesmo agredir, que passa a levar em consideração, mais uma vez, esta atual imagem que “os velhos” adquirem, com extrema ênfase, nas chamadas “sociedades modernas”, mas que também nos remetem a um passado de exclusão. Uma imagem de fragilidade e de mínimas condições de reação, de resistência, com dificuldades de se contrapor aos não-velhos, àqueles que ainda conseguem conservar, diante da família e da sociedade, alguma autonomia e vontade própria, e que ainda não tiveram as suas imagens e dignidades “manchadas e enfraquecidas pelo.

(20) 20. tempo”. É somente a partir da construção de uma imagem social da velhice (e não necessária e imediatamente devido às condicionantes de cunho biofísico e de senilidade), diga-se de passagem, extremamente depreciativa, que os idosos passam a ser realmente vistos como “vulneráveis” ao “outro”, às relações desiguais de poder, de subjugação, tendo assim, uma quebra do pacto civilizatório que, historicamente, garantiu aos “mais fracos” a possibilidade de co-habitarem junto aos “mais fortes” sem que os primeiros fossem molestados pelos últimos e, mais recentemente, tendo este pacto de convivência sido fundado com base nos pressupostos dos modernos direitos humanos. Por fim, o caso que ora utilizei como sendo emblemático, no início deste estudo, é mais um exemplo, dentre tantos outros, que podem nos revelar o atual esfacelamento das relações familiares e intergeracionais, expondo o desprezo que se é devotado aos mais velhos, em determinados contextos sociais. Mais do que isso, a violência cometida contra os idosos passa a ser um reflexo histórico da imagem que foi socialmente construída em diversas sociedades e que tem se acentuado e se intensificado em contextos de modernidade, permitindo que a velhice passe a sofrer uma ressignificação extremamente negativa, reduzindo os velhos à imagem da decrepitude e da indigência no mundo dos não-velhos. O processo de construção desta dissertação acerca da violência praticada contra a pessoa idosa nos remete ainda à minha participação em uma pesquisa nacional4 anterior, na qual estiveram envolvidos pouco mais de sessenta participantes, dentre docentes e discentes da graduação e pós-graduação de todos os estados brasileiros, durante os anos de 2005 e 2006, quando, na oportunidade, pude representar o estado de Sergipe no referido estudo. A pesquisa foi coordenada pelo professor Dr. Vicente de Paula Faleiros, da Universidade Católica de Brasília (UCB) e patrocinada pelo Governo brasileiro, através do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), além de contar com o apoio e interesse da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Brasil. O objetivo desta pesquisa era o de realizar um primeiro esforço nacional que pudesse levantar números, dados, tipos, lugares e personagens da violência praticada contra os idosos brasileiros, a partir da coleta de informações contidas em instituições públicas (Delegacias, Ministérios Públicos, Conselhos de Direito, Polícias e em Serviços de Assistência e Saúde Públicas) das 26 capitais brasileiras e mais o Distrito Federal, buscando, assim, desenvolver uma espécie de “radiografia da violência” em relação aos idosos. 4. FALEIROS, Vicente de Paula. Violência contra a pessoa idosa: ocorrências, vítimas e agressores. – Brasília: Universa, 2007..

(21) 21. brasileiros. A partir desta pesquisa e de seus desdobramentos e resultados mais gerais5 foi que pude visualizar melhor o fenômeno da violência praticada contra esses idosos. Chamou-me a atenção o fato de que o maior número de casos dessa natureza possuía nos membros da família os seus principais agressores6, o que nos remete a uma grande contradição inicial, pois, é na família, histórica e ideologicamente, que encontramos, tal como afirma Ecléa Bosi, “o lugar ou espaço social de maior poder de coesão aos indivíduos” (BOSI, 1999, p. 425), o espaço dos afetos, das reciprocidades e dos cuidados. A violência praticada contra a pessoa idosa, no Brasil, longe de ser um fenômeno isolado, apenas nacional/regional particular, tem atingido números expressivos e que chamam a atenção pelo crescimento de casos e denúncias desta natureza, estando estreitamente relacionados a fatores contemporâneos, como por exemplo, o aumento da expectativa de vida e do consequente crescimento do número de idosos nas populações mundiais – em especial, nos países desenvolvidos, onde, em alguns casos, a população de idosos já supera o número de jovens. De fato, são nos países desenvolvidos que aparecem os primeiros estudos7 e preocupações acerca desta violência direcionada a este segmento etário-populacional. Desde então, vários estudos vêm sendo realizados nestes países, acerca do chamado “Elder Abuse”, a exemplo dos esforços encontrados nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Bélgica, Canadá, Japão e outros (FALEIROS, 2007). Em todas estas nações, a violência familiar foi a que mais obteve expressividade numérica e que passou a demandar maior atenção por parte das autoridades, além de uma maior atenção dos serviços de saúde e de reabilitação. Os parentes (a exemplo de filhos, netos e cônjuges), bem como os chamados “caregivers” (cuidadores),. 5. Frise-se que, o esforço inicial desta pesquisa foi o de buscar, a priori, dados e números nacionais mais concretos que pudessem nos dar uma dimensão da realidade mais ampla acerca da violência praticada contra os idosos no Brasil – haja vista que, até aquele momento, não existia um estudo nacional que pudesse dar a dimensão destes números – tendo o resultado final do trabalho algumas restrições, como salientou o seu coordenador, no sentido de que “Temos consciência dos limites dessa pesquisa, principalmente, quanto à profundidade analítica necessária para se entender o fenômeno da violência contra a pessoa idosa” (FALEIROS, 2007, p. 18). Contudo, o trabalho nos traz análises pertinentes e extremamente importantes acerca do fenômeno em discussão e nos instiga a analisar alguns problemas que cercam o tema de forma mais aprofundada. 6. Das 15.803 denúncias de violência intrafamiliar praticadas contra os idosos brasileiros (o que o estudo considerou como uma “ponta do Iceberg”), coletadas pela pesquisa nas 26 capitais brasileiras mais o Distrito Federal, no ano de 2005, constatou-se que filhos e filhas juntos correspondiam, em média, a 54,7% dos agressores (ou seja, mais da metade dos agressores denunciados), seguidos de netos, cônjuges e outros parentes (FALEIROS, 2007). 7. Foi no Reino Unido, no ano de 1975, que surgiu, pela primeira vez na história e de que se tem registro oficialmente, um trabalho que relatava fatos a respeito da violência especificamente praticada contra os velhos em âmbito familiar. O estudo foi publicado por um jornal científico britânico e escrito por Burston, tendo como título original “granny battering” (que, em sua tradução para o português, seria interpretado como “avós espancadas”)..

(22) 22. constituíam o grupo de pessoas mais denunciado por abusos diversos de violência dirigidos a estes idosos. No Brasil é somente aos fins da década de 1990 que se registra o primeiro estudo sobre a violência praticada contra idosos, em 1997 (MACHADO et al., 2001). Neste estudo os pesquisadores percorreram quatro estados brasileiros, sendo eles o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, buscando falar com os idosos, vítimas de violência, e entender como eles percebiam a violência cometida contra o idoso. Como resultado principal dessa pesquisa, observa-se que os idosos passaram a perceber e entender a violência como um desrespeito da sociedade e das famílias. Mas, não só nos países desenvolvidos o fenômeno do envelhecimento populacional acelerado chama a atenção. Segundo dados de pesquisas populacionais recentes, somente cinco países em desenvolvimento, os chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), são responsáveis por cerca de 40,6% da população mundial de idosos (ONU, 2008). São ainda para os países em desenvolvimento que, atualmente, dirigem-se algumas das principais atenções acerca da violência e abusos cometidos contra os idosos. Os sistemas de garantias de direitos (saúde, segurança, justiça, previdência, assistência social, conselhos de direitos, instituições de longa permanência etc.) de alguns destes países, passam a ganhar mais destaque e a serem alvos de um número maior de estudos que buscam compreender “como” e “porque”, em processos de acentuada desigualdade social, de acirramentos econômicos e de minimização da presença do Estado – em face da não intervenção junto a políticas públicas específicas, voltadas para o processo de envelhecimento humano de suas populações – a questão da violência praticada contra as pessoas idosas tem sido enfrentada. No Brasil, levantamentos e estudos mais recentes, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstram que o número de pessoas idosas, com idade igual ou superior a 60 anos, correspondia a quase 20 milhões de habitantes, o que representaria cerca de 10,5% da população brasileira, conforme indica a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (IBGE, 2008). Ainda segundo a PNAD, “A população brasileira, no período de 1997 a 2007, apresentou um crescimento relativo da ordem de 21,6%. É interessante notar que, deste crescimento, o incremento relativo do contingente de 60 anos ou mais de idade foi bem mais acelerado: 47,8%. Notou-se ainda que o segmento populacional de 80 anos ou mais de idade possuía um valor ainda superior, 86,1%” (IBGE, 2008, p. 166)..

(23) 23. Observa-se então que, o crescimento percentual de idosos, em relação ao crescimento percentual total da população brasileira, no período de uma década, chegou a dobrar de tamanho e, em alguns casos – em relação ao número de pessoas com idade igual ou superior a 80 anos – chegou a quadruplicar. Com uma taxa de natalidade média de 2,21% ao ano, em 2009, especialistas projetam que, para o futuro, a idade média dos brasileiros, de ambos os sexos, chegará aos 80 anos, em 2040 (IBGE, 2004). Mais que o aumento da expectativa de vida e do número de pessoas idosas no país, estes dados nos trazem outras preocupações, a exemplo das ações em saúde, na adaptação de vias e prédios públicos e do transporte coletivo, como também, nas políticas de assistência social e habitação e no histórico e conturbado direito à aposentadoria (previdência social) no Brasil, mencionado com bastante propriedade por Eneida Haddad (2001), como sendo um direito ao próprio envelhecimento. Neste cenário, a questão da garantia de direitos também nos traz uma preocupação em relação ao campo dos Direitos Humanos e à dignidade das pessoas que envelhecem no Brasil. A “violência”, então, desponta como um interesse bastante recente nos estudos nacionais e nas ciências sociais (em especial, na sociologia) sobre as condições de vida e de sobrevivência dos idosos brasileiros, seja em relação ao Estado, seja na sociedade, ou dentro de suas próprias famílias. A maior parte dos estudos acerca da violência praticada contra os idosos tem indicado que é no âmbito familiar que o problema se encontra de forma mais crítica. Com o aumento do número de idosos nas sociedades mundiais e a diminuição da presença interventiva do Estado moderno – com ênfase nos anos de 1970 em âmbito mundial e, no Brasil, com maior visibilidade para a década de 1990 –, passa-se a se exigir mais das famílias, e que seus membros dispensem maior atenção e cuidados em relação à saúde e ao atendimento das mínimas e importantes necessidades de seus velhos. O fato é que, em condições adversas de empregabilidade, salário, tempo, dentre outros recursos e fatores, muitos familiares – principalmente os que são diretamente responsáveis pelos cuidados voltados aos idosos – não conseguem lhes dar a atenção necessária, incorrendo ai nos primeiros casos de negligência, omissão e abandono. A sobrecarga dos cuidados, atribuída a um único membro da família – geralmente do sexo feminino8 – também tem sido apontada como um dos motivos de estresse 8. Em pesquisa realizada na cidade de São Paulo, por membros do Grupo Multidisciplinar de Pesquisa da Epidemiologia do Cuidador, entre os anos de 1992 e 1997, analisou-se o perfil dos chamados “cuidadores”, em relação a 102 pessoas idosas que haviam passado pelo primeiro acidente vascular cerebral (AVC) e que precisariam de uma série de cuidados específicos ao retornarem para suas casas, após a internação médica. O estudo demonstrou que “em 98% dos casos pesquisados, o cuidador era alguém da família, predominantemente do sexo feminino (92,9%). A maior parte eram as esposas (44,1%), seguidas pelas filhas (31,3%)” (KARSCH, 2003, p. 105). O resultado desta pesquisa também se confirma a partir de outras experiências que revelam que as mulheres são as responsáveis pela atividade do “cuidar” dos membros da família (filhos, maridos, deficientes,.

(24) 24. do “cuidador principal” e que, como afirma Úrsula Karsch, tem oscilado entre sentimentos de culpa, raiva e desgaste nos cuidados solitários destinados aos idosos dependentes (KARSCH, 2003). A sobrecarga do cuidador, decorrente do estresse ocupacional com os cuidados, também pode acarretar em práticas de violência contra os idosos, evoluindo de suas formas mais “leves” – xingamentos, ameaças, empurrões, beliscões e tapas – a situações de violência visivelmente mais complexas e extremas, a exemplo de socos, pontapés, sufocamentos, práticas de tortura com pontas de cigarro, ferros quentes, etc., acarretando, inclusive, no óbito dos idosos. Com isso, é importante entender que a violência não se configura apenas pelo ato de espancar, mas também, nas ofensas, humilhações, ameaças, discriminações, na negligência da atenção às necessidades básicas, exploração sexual, abandono e subtração indevida de bens dos idosos, em situações explícitas ou veladas, nos atos simbólicos do cotidiano, por vezes imperceptíveis aos que a eles estão submetidos. Esta violência também simbólica, na medida em que passa a ser exercida sem que, por vezes, torne-se explícita, percebida pelas pessoas e, principalmente, por aquelas em que passa a ser diretamente exercida. Dessa forma, “a família”, como palco principal do complexo cenário de violências sofridas por idosos, passa a ser o lócus privilegiado de nosso olhar, sendo a “violência intrafamiliar” (FALEIROS, 2007) aquela que adquire a maior relevância numérica dentre os demais espaços onde este fenômeno social se manifesta, alcançando o maior número de registros nas instituições públicas de recebimento de “queixas” e denúncias sobre a violência praticada contra os idosos no Brasil. Mas é importante que se compreenda ainda que, dentro de uma perspectiva de análise mais ampla, no âmbito das contradições existentes na sociedade, que esta é uma família muitas vezes desestruturada, dilacerada em meio à pouca efetividade de políticas públicas (trabalho, assistência social, saúde, educação, habitação, previdência) que poderiam estar voltadas ao envelhecimento saudável, ativo e cidadão de suas populações, onde o Estado apareceria não apenas como um mero regulador, mas também, como um promotor destas políticas, visando à diminuição e consequente eliminação das diversas formas de exclusão, preconceito, discriminação e violência praticados contra os que envelhecem no Brasil, diminuindo-se o grande “estranhamento” da sociedade em relação aos. idosos, entre outros). Esta constatação também nos revela outra problemática: o desgaste físico, psicológico e emocional destas “cuidadoras principais” (KARSCH, 2003) nos cuidados com os idosos, o que também pode ser um forte indício dos motivos que levam a um aumento do número de membros da família do sexo feminino que têm sido denunciados por maus-tratos a idosos dependentes, evidenciando o excessivo estresse e desgaste a que estas mulheres estão submetidas na prática, culturalmente feminina, dos cuidados..

(25) 25. velhos e à velhice (ELIAS, 2001), bem como no incentivo às relações intergeracionais, desenvolvidas entre velhos e não-velhos; entre os idosos e seus familiares. Aqui também deixo claro que a “desestruturação” familiar, à qual me refiro, não diz respeito a “famílias pobres”, em situação de miserabilidade, mas sim, à pobreza das relações sociais familiares, independentemente da condição social, de classe e/ou econômica das mesmas, às quais passam a ser atingidas pelas influências que a imagem social da velhice, em sociedades modernas, passam a ter sob elas. Vistos como “velhos”, os idosos estão cotidianamente sujeitos a diversas formas de violência, as quais se encontram enraizadas e institucionalizadas no tecido social das sociedades modernas. É falacioso, também, afirmar ou sequer imaginar – como veremos mais adiante – que, em sociedades tradicionais, de economias pré-capitalistas e pré-industriais, que os idosos teriam sido, em todos os lugares e em todos os tempos passados, amados, venerados, respeitados e bem cuidados, seja pela sociedade em que viviam ou pelas suas próprias famílias9, pois, como salienta o mais recente relatório acerca da violência praticada contra pessoas idosas, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), “a violência contra o idoso não é um fenômeno novo” (WHO, 2008)10. As referências bibliográficas sobre as culturas tradicionais em relação à velhice e aos velhos indicam que, enquanto gozavam de perfeita saúde física e mental, e se mantinham ativos, contribuindo assim para a manutenção do grupo mais amplo (sociedade) e do grupo nuclear (família), os velhos possuíam certo status nessas sociedades. Os poucos recursos de registro histórico da memória, neste período – ao se afastarem das atividades laborais do grupo – conferia-lhes a importante função de “guardiões da tradição” (BOSI, 1999), tarefa essa que os incumbia de repassar para as gerações mais novas, todas as culturas, lembranças e histórias de seu povo. Mas, com o avanço progressivo da modernidade – e as inovações que esta trousse consigo – a já pouca importância dada aos velhos, nestas sociedades, começava a se esvaecer. Em organizações sociais marcadas pela presença da oralidade, onde as tradições são extremamente valorizadas – devido à importância legada à continuidade das transmissões geracionais de conhecimento e memória de uma sociedade aos seus descendentes –, a 9. São estarrecedores os vários relatos trazidos por Simone de Beauvoir (1990), colhidos a partir de inúmeros documentos e estudos etnográficos acerca dos “cuidados” que a maioria das sociedades tradicionais – principalmente as sociedades nômades – dispensava aos seus velhos, quando estes se encontravam em idades avançadas e enfraquecidos pelo tempo. 10. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Discussing screening for elder abuse at primary health care level / Silvia Perel-Levin, Geneva: Switzerland, 2008..

(26) 26. introdução da escrita e da tipografia, além da eliminação do “sagrado” no âmbito da política, contribuiu, então, para que os velhos perdessem cada vez mais importância e espaço nessas sociedades (BEAUVOIR, 1990; MINOIS, 1999). As sociedades modernas, arquitetadas sob uma perspectiva de progresso, evolução, desenvolvimento e, como afirma Hanna Arendt (2004, p. 89), “orientadas para o futuro”, começam a se tornar desfavoráveis aos velhos. Os idosos, em sociedades tradicionais, quando não conseguiam mais se sustentar, eram considerados como um “peso”, uma “carga”, e a responsabilidade por eles incorria, quase sempre e exclusivamente, às suas famílias (ou, pelo menos, a alguns membros destas), pois, não chegavam a constituir uma população numerosa, como hoje, a ponto de transcenderem os limites da esfera privada em seus cuidados. Também, à época, não existia a figura do Estado, como hoje o conhecemos, para regular as relações sociais e garantir os direitos (principalmente à vida) desses velhos, ou mesmo as instituições totais modernas, a exemplo dos asilos e hospitais, que pudessem se ocupar dos cuidados dispensados a estes velhos, diminuindo a sobrecarga das famílias. Nas sociedades modernas, todavia, os idosos, muito mais numerosos, passam a ser vistos como um “peso”, não mais apenas para a família, mas também para toda a sociedade, como um encargo econômico e previdenciário que, além de demandar os cuidados da família, passam a necessitar do amparo estatal, através das pensões, aposentadorias, despesas na política de saúde, assistência social, a que passam a fazer jus dentro do que Norberto Bobbio (2004) convencionou chamar de “a era dos direitos”. Mesmo com as garantias dos mínimos sociais, legados pelo Estado moderno, e das relações conflituosas estabelecidas entre capital e trabalho, muitos idosos e seus familiares ainda sobrevivem em situações precárias de existência material em várias partes do mundo (principalmente dos países em desenvolvimento), fruto, dentre outras implicações, de um complexo sistema político e econômico excludentes, pautado na reprodução das relações capitalistas e na disseminação de idéias, valores e princípios que depreciam os “improdutivos”, os “onerosos” e os destituídos da força-de-trabalho: sendo “os velhos” um de seus principais representantes. Neste sentido, não é de se estranhar a afirmação feita por Ecléa Bosi de que “A sociedade industrial é maléfica para a velhice” (1999, p. 77). De fato, toda uma construção da “imagem”, das representações sociais das sociedades modernas em torno dos significados da velhice, encontra-se fundamentada nos valores modernos e na racionalidade desenvolvida por este tipo de sociedade ou, como prefere.

(27) 27. Anthony Giddens, na perspectiva da reflexividade da modernidade (GIDDENS, 1991a). As sociedades modernas, tal como afirma Giddens (1991a), passaram a ser altamente reflexivas, o que nos leva a um processo contínuo de análise e reavaliação de conceitos, categorias e sistemas sociais mais amplos e complexos. Assim, elementos como “Religião” e “Tradição”, por exemplo, passam a ser minimizados no cenário de modernização, sendo alvos permanentes de análises críticas e contestações que não mais aceitam simples justificativas ou explicações, tendo por base dogmas de fé ou apegos culturais ao antigo e às tradições advindas do passado. Giddens acredita que a reflexividade, assim, teria aumentado sobremaneira nas sociedades modernas, o que levaria aos indivíduos modernos (peritos ou leigos) a repensarem suas ações e as ações de outros, à luz dos conhecimentos constantemente renovados sobre estas ações. O conhecimento (científico, especializado ou leigo) passa a ser, dessa forma, o meio de desenvolvimento da modernidade reflexiva. Neste contexto de modernidade, os velhos passam a sofrer uma ressignificação do que a idéia ou o sentido da velhice passa a ter nestas sociedades, dominadas pelo progresso, pela técnica, agilidade e eficiência. Os idosos são, desta forma, depressiados enquanto tais, enquanto “velhos”. A imagem dos velhos nas sociedades modernas é uma imagem negativa, que reflete todo o descaso, desrespeito e preconceito das sociedades modernas, e que acaba incidindo em uma série de questões mais sérias que podem resultar, inclusive, em ações violentas contra os idosos11. Desta forma, com base em meus argumentos iniciais, postulo como hipótese central desta dissertação a idéia de que o processo de modernização, nas sociedades modernas, implicaria em um aumento considerável na desvalorização e da representação social, ou 11. Aqui podemos recordar alguns dos casos comuns que se registram em quase todas as partes do país, onde idosos são desrespeitados quase que diariamente na utilização dos serviços públicos e nos seus direitos, não só políticos e civis, mas também humanos. No transporte coletivo, por exemplo, as reclamações centram-se na falta de paciência dos condutores dos veículos para aguardar o embarque e desembarque dos idosos, ou mesmo esperar que eles consigam tomar acento antes que o ônibus se desloque. A antipatia de vários motoristas de ônibus pelos idosos rendeu a estes últimos o apelido codificado de “meia-cinco”, simbolizando os “velhos que não pagam passagem” e que “atrasam” as corridas ou os horários que os ônibus têm que cumprir em seus itinerários, o que leva a muitos motoristas a ignorarem os idosos nos pontos de ônibus, apenas parando para estes se outras pessoas (não-idosas) estiverem os acompanhando. Os serviços de saúde também são outra área bastante precária e preocupante, neste sentido. Nos hospitais públicos do país, registram-se pela imprensa as imagens de idosos amontoados nos corredores, à espera dos primeiros atendimentos médicos. A vinculação da velhice aliada à idéia dos velhos como “moribundos” (ELIAS, 2001) a que muitos profissionais da saúde possuem – muito por conta da frieza dos currículos acadêmicos e do ritmo frenético de atendimento nos hospitais e em outras unidades de saúde – constituem-se em um verdadeiro perigo para a própria vida destes idosos. Em algumas reportagens de televisão, que revelavam o caos da saúde pública no Brasil, as câmeras registravam situações de médicos sendo obrigados a escolher quem deveria morrer e quem continuará tendo o direito a viver, ao receber os primeiros socorros. A escolha dos médicos sempre seguia a lógica do atendimento prioritário aos mais jovens e fortes, abandonando os mais “velhos” e “frágeis” à sua própria sorte. Não nos surpreenderia a idéia de que casos como estes ainda possam estar ocorrendo pelo país..

(28) 28. seja, da imagem que os “velhos” possuem nas sociedades modernas o que, consequentemente, estaria contribuindo, de alguma forma, para que se houvesse uma elevação das práticas de violências cometidas contra as pessoas idosas. Com a construção desta hipótese não quero aqui descartar ou minimizar o peso e a importância de influência que outras variáveis (a exemplo da pobreza, drogas, migrações, mudanças e crise nas relações familiares, pouca efetividade de políticas públicas voltadas para o envelhecimento etc.) possuem em um contexto mais amplo de violências e que passam a acometer os idosos aracajuanos. Apenas quero reforçar a idéia de que esta violência, destinada em particular aos idosos, é resultado de processos significativos de alterações ocorridas nas sociedades contemporâneas e com ênfase nas mudanças que se processaram nas estruturas societárias e demográficas e nos seus quadros de referência, com alta repercussão dentro das próprias famílias, ao longo deste período. Coloco esta hipótese como forma de resposta ao problema de pesquisa que aqui pretendo abordar. Neste sentido, os determinantes macrosociais (globalização, crises econômicas, desemprego, aumento no tráfico e consumo de drogas e, dos índices de violência em geral), que se processam dentro das sociedades, também passam a estar interligados ao fenômeno da violência estudado aqui. Estes fatores e fenômenos reunidos exigem do cientista social uma percepção mais ampla acerca das complexas mudanças nos processos sociais e nos fenômenos societários que se encontram em curso na contemporaneidade, a exemplo da violência praticada contra os idosos, o que, de certa forma, também reflete a situação sociopolítica do país frente aos seus velhos e aos demais cidadãos. Sendo assim, é a partir destas considerações iniciais que analiso e busco compreender melhor a estreita relação entre “velhice” e “violência” nas chamadas sociedades modernas, como um reflexo da imagem dos “velhos” nestas sociedades. Em particular, o fenômeno da violência praticada contra os idosos levará em consideração as denúncias, casos e dados referentes à cidade de Aracaju, capital do estado de Sergipe. Levo em consideração, também, os discursos, as falas e os relatos dos que estão envolvidos diretamente nos casos de violência cometida contra os idosos aracajuanos (vítimas, testemunhas/denunciantes, acusados de agressão) e os significados e ressignificados que cada um deles atribui a esta violência. Dessa forma, as análises aqui empreendidas levam-me a entender que as modificações econômicas, culturais, políticas e sociais, ocorridas com maior ênfase durante o século XX na sociedade e nas famílias brasileiras – em particular nas famílias e sociedade aracajuanas.

(29) 29. – possibilitaram uma significativa alteração na imagem que os velhos possuem nessas atuais sociedades, contribuindo para um considerável aumento do número de casos de violência contra os idosos no Brasil e na cidade de Aracaju. Assim, as observações feitas a partir da capital sergipana neste estudo poderão subsidiar a reflexão e compreensão do fenômeno estudado, tanto no estado de Sergipe quanto em outros estados e regiões do país, onde suas realidades locais se assemelhem à nossa. Outrossim, a presente dissertação passa a demonstrar a sua relevância teórica, na medida em que desenvolve um tema de pesquisa ainda muito pouco explorado no Brasil e, por analogia, no campo acadêmico, não só pela complexidade do trabalho e de seu tema, que desafiam o cientista social a “ir a fundo”, remexendo os domínios do campo privado, abrindo feridas possivelmente ainda não cicatrizadas em meio às relações sociais, familiares e afetivas, mas também, pela histórica falta de interesse por parte da sociedade em relação à velhice e aos seus velhos. O esforço em estudar os casos de violência familiar praticada contra os idosos pode se constituir em uma forma a mais para fomentar esta discussão e trazer novas contribuições e reflexões ao debate. Apesar de, a princípio, o título desta dissertação, “aparentemente”, nos remeter à falsa idéia de que buscarei realizar uma análise profunda acerca do fenômeno da “violência”, em sociedades modernas e suas múltiplas peculiaridades na contemporaneidade, a categoria violência, neste estudo, adquire peso e importância menores que as análises acerca do impacto que a construção ou representação social da imagem dos “velhos”, em sociedades modernas, possui nos dias atuais, além de como esta construção nos leva à violência cometida contra os idosos. Este estudo compreende o tamanho e a dimensão do problema a ser analisado, como também as limitações em relação à possibilidade de desenvolvê-lo. Contudo, não pretendo aqui dar por encerrada uma discussão que apenas está começando a ser amadurecida no país, mas sim, contribuir com algumas reflexões acerca do atual quadro de violência que tem acometido os idosos no Brasil, utilizando, para isso, dados e informações nacionais e locais como base de análise, tendo como atmosfera central de estudos a cidade de Aracaju..

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