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MAPA 3.2 – Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa na Cidade de Aracaju/SE

1.1 Revisão bibliográfica: categorias analíticas fundamentais

Na construção deste trabalho, algumas categorias analíticas foram fundamentais para o desenvolvimento teórico das idéias e reflexões que o mesmo tenciona. Tais categorias constituem o ponto de partida para o entendimento das manifestações de atos de violência praticados contra idosos em nossa sociedade.

Dentre as principais categorias analíticas trabalhadas, oportunizo destacar aquelas que adquirem uma maior centralidade no processo de busca, apreensão e explicação do conhecimento da violência cometida contra idosos, com base no debate contemporâneo desta investigação sociológica. A categoria, como assim define Pierre Bourdieu (1996) trata de um “princípio coletivo de construção da realidade coletiva” (BOURDIEU, 1996, p. 126), ou seja, são palavras que, em sendo ditas e reconhecidas, passam a ter significado, a partir de uma construção social da realidade e das coisas, sendo comum a todos os agentes socializados e sendo também, ao mesmo tempo, algo individual e coletivo, que passa a definir e explicar o mundo em que vivemos e as coisas, pessoas e instituições que nele existem. Neste caso, passo a destacar como categorias centrais desta dissertação: velhice, velho, idoso, violência, imagem

socialmente construída, representações sociais, estigma, família, sociedade, Estado.

Estas categorias analíticas reunidas contribuem para uma melhor compreensão e análise do problema teórico que pretendo desenvolver aqui, no sentido de compreendermos

com maior consistência teórico-metodológica o seu objeto de pesquisa: a violência conta a

pessoa idosa na cidade de Aracaju.

1.1.1 VELHICE, VELHO E IDOSO: DEFINIÇÕES CONCEITUAIS BÁSICAS

A velhice é uma fase da vida que acompanha todos os seres vivos, mas que, em relação aos seres humanos, apresenta peculiaridades que passam a interferir profundamente nas vidas e no cotidiano, não só dos que envelhecem, mas também, em diversos grupos, famílias e sociedades como um todo. Caracteriza-se por ser um fenômeno biológico, mas, com importantes implicações nos campos cultural e social de uma população. A velhice apresenta manifestações diversas, enquanto uma categoria socialmente construída, e que possui ligações e rebatimentos importantes nos campos cultural, econômico, político, afetivo e social, o que nos leva ao fato de não possuirmos um conceito absoluto, único e universal para o seu significado (BRUNO, 2003). Ela acompanha a humanidade há quase tanto tempo quanto a juventude, mas, a primeira sempre possuiu menos visibilidade e fascínio que a última, na maioria dos povos de que se tem registro. Esta “invisibilidade social” na qual, por muito tempo, esteve banida a velhice e os temas a ela ligados, só agora começa a ser quebrada, passando esta fase da vida a figurar com maior presença, com maior “visibilidade”, nos temas públicos e nas preocupações das sociedades e nações atuais, muito devido ao aumento expressivo do número de pessoas com idades avançadas em grande parte do mundo.

Mesmo com o aumento do número de estudos sobre a velhice, seja no âmbito internacional (com maior presença) ou nas pesquisas nacionais, o tema ainda é muito pouco explorado, por uma série de razões, sendo uma delas apontada por Frank Schurmarrcher,

Todas as culturas conheceram a juventude, porque todo mundo já foi jovem um dia, mas, poucos conheceram a velhice. A velhice é na história das culturas e da evolução da nossa sociedade algo muito novo: sempre foi uma improbabilidade de vida e uma experiência de uma minoria. As pesquisas neste campo não têm nem 50 anos, é uma área que foi até hoje muito pouco explorada (SCHURMARRCHER, 2005, p. 16).

Envelhecer, no imaginário coletivo e de todas as classes, sempre foi algo que esteve relacionado ao sentido de “perdas” e de múltiplas desvantagens. A ruptura com a capacidade

produtiva (com maior peso para os homens) e reprodutiva (para as mulheres); as separações

físicas dos que vão falecendo pelo caminho e, como afirma Norberto Bobbio (1997), “ficando apenas em nossas memórias”; as limitações e dependências de outras pessoas; bem como as

doenças e vulnerabilidades mais acentuadas a que estamos expostos nesta fase da vida, são algumas das questões que permeiam este imaginário e reforçam a idéia da senilidade como uma propriedade exclusivamente da velhice.

A questão da definição das idades também é algo bastante recente na história da humanidade, da mesma forma que a definição de quando se fica ou se está velho, que varia muito de época e lugar (BEAUVOIR, 1990). De fato, foi esta falta de definição acerca do início da “idade da velhice”, ou seja, do momento cronológico exato da vida em que se pudesse definir uma pessoa como sendo “velha”, que levou o pensador italiano do século XIX, Vilfredo Pareto, a afirmar que “os velhos não existem” (BOURDIEU, 2007b, p. 61-62). Mas, esta necessidade de definição das idades dos homens não surgiu arbitrariamente, sem algum propósito. Norbert Elias, ao analisar a categoria tempo e os seus significados dentro das sociedades, buscou entender o tempo não apenas como um fenômeno físico newtoniano, ou mesmo, como algo da essência do espírito, como propunha Descartes, mas sim, como um

fenômeno simbólico, compartilhado por indivíduos de uma mesma sociedade ou grupo – e,

mais tarde, por toda a humanidade – configurando-se numa sucessão irreversível de fatos e acontecimentos, tanto naturais como sociais, servindo de meio de orientação dentro da grande continuidade móvel, natural e social (ELIAS, 1998). A demarcação do tempo, ainda segundo Elias, também é uma necessidade derivada do próprio processo civilizador, no sentido de regulação de comportamentos e acontecimentos compartilhados socialmente entre os indivíduos de uma mesma sociedade e época. Daí surgir a necessidade de uma padronização de datas, contribuindo para a criação dos calendários, a partir dos quais os indivíduos poderiam compartilhar um saber sobre a demarcação de acontecimentos importantes da vida em sociedade, inclusive suas próprias idades, fato bastante comum entre os povos e sociedades desenvolvidas atuais. A demarcação do tempo também é fruto de mudanças ocorridas nas organizações sociais e no controle crescente das atividades humanas por parte do Estado moderno, como menciona Remi Lenoir,

A própria noção de idade – a que é designada em número de anos – é o produto de determinada prática social: medida abstrata cujo grau de precisão – reconhecido em certas sociedades – é explicado, sobretudo, pelas necessidades da prática administrativa (na medida em que já não é suficiente a identificação dos indivíduos, o nome e o lugar de moradia) (LENOIR, 1998, p. 65).

Lenoir (1998) indica como sendo na França o local onde se originou o hábito da

dos nascimentos dos seus habitantes nos registros paroquiais. Esta afirmação também encontra amparo nos estudos desenvolvidos por Philippe Ariès, onde o mesmo confirma tal possibilidade.

A inscrição do nascimento nos registros paroquiais foi imposta aos párocos da França por Francisco I. Para que fosse respeitada, foi preciso que essa medida, já prescrita pela autoridade dos concílios, fosse aceita pelos costumes, que durante muito tempo se mantiveram avessos ao rigor de uma contabilidade abstrata. Acredita-se que foi somente no século XVIII que os párocos passaram a manter seus registros com a exatidão ou a consciência de exatidão que um Estado moderno exige de seus funcionários de registro civil (ARIÈS, 1981, p. 30)

Desta forma, a demarcação das idades passa a ter importância nesta moderna forma de organização e estrutura social da sociedade e do Estado moderno. O desenvolvimento desta atividade de registro das idades cronológicas, como um costume incorporado permanentemente, levou à demarcação de fases distintas da vida humana, como observa Vera Almeida (2003), com a definição da infância e sua separação/diferenciação da vida adulta e da adolescência, ainda no século XIX (ALMEIDA, 2003). A mesma autora analisa que é com esse processo de demarcação das idades e das etapas da vida que, muito recentemente, constituiu-se dentro de um cenário de relações entre capital e trabalho, a imagem social da velhice e dos velhos nas sociedades modernas. Essa idéia, que desenvolve uma forte associação entre a imagem social da velhice e dos velhos e as relações de trabalho no sistema

capitalista, também encontra fundamentação nos estudos desenvolvidos por outros autores

(HADDAD, 1986, 2001; BEAUVOIR, 1990; SALGADO, 1982; DEBERT, 2004; FALEIROS, 2004; et al.).

Assim, a multiplicidade de contextos e de fatores que moldam a perspectiva que se tem da velhice e dos velhos, em determinados lugares e épocas, faz com que a imagem da velhice seja forjada com base nos valores que determinada sociedade possui. Em sociedades modernas, industrializadas e de base econômica apoiada no modo capitalista de produção, os valores compartilhados estão, essencialmente, ligados à produtividade, agilidade, competitividade, força, etc., características que, culturalmente, não encontram afinidades com a idéia que se desenvolveu em torno da velhice, a qual, historicamente, tem sido associada ao arcaico, à decrepitude, fraqueza, morosidade, dependência e apatia. Os primeiros valores estão, em geral, relacionados à juventude, ao “novo”, em detrimento do “velho”. Como observa Marcelo Salgado, este cenário de acelerado processo fabril, que dita a direção para o futuro e para o desenvolvimento, obtém como um de seus resultados o estabelecimento da

mística superioridade da juventude e da fraqueza dos idosos (SALGADO, 1982). É nesta mesma linha de pensamento que Vicente Faleiros analisa o envelhecimento como parte integrante de determinações do sistema capitalista e das novas demandas e determinações do capital, que passa a interferir, inclusive, em como e quando passamos a envelhecer, como o próprio autor salienta, dentro de uma espécie de “programação da velhice”, que possui sua base de significação não mais exclusivamente apoiada no tempo cronológico, mas sim, na disposição produtiva dos indivíduos, como sendo um fator essencial para a determinação deste envelhecimento. Desta forma, Faleiros entende que,

No capitalismo contemporâneo, assim, fica-se velho quando se fica defasado, fora do processo de modernização compulsória para aumento da produção, trazendo à tona um novo conceito de velhice: não é mais o tempo que envelhece, mas a programação produtiva da improdutividade (FALEIROS, 2004, p. 14; grifos do autor).

A própria idéia de “improdutividade”, desenvolvida por Faleiros e Salgado em seus trabalhos, é compartilhada por outros pesquisadores (PEIXOTO, 2000; BRUNO, 2003; KACHAR, 2003) ao identificarem na França do século XIX, fortes indícios que associavam o “velho” à invalidez e à incapacidade para produzir. Assim, é desta forma que a “velhice” e os “velhos” passam a ser percebidos em grande parte das atuais sociedades, como “pesos”, “fardos”, incômodos, tanto para a família quanto para a comunidade, sociedade e Estado. Contudo, encontramos em Clarice Peixoto, a partir dos estudos comparativos que a autora desenvolveu entre as sociabilidades de idosos do Rio de Janeiro e de Paris, a afirmação de que nem sempre o termo “velho” (vieux ou vieillard) representou algo de negativo, de pejorativo na história da França, pois, como sinaliza a pesquisadora, “É preciso assinalar que no século XVIII o termo vieillard ainda não possuía uma conotação pejorativa: ele designava também velhos abastados, cuja imagem estava associada ao ‘bom cidadão’, ‘bom pai’ etc” (PEIXOTO, 2000, p. 51; grifos da autora).

É possível, então, entender que foi ainda no século XIX e, com maior ênfase, no século XX, que a imagem social que os velhos passam a ter nessas sociedades começa a entrar em decadência, incorporando significados extremamente depreciativos, não só pelo “descarte” dos mesmos, em relação ao processo produtivo, no qual ocorre a destituição da propriedade de suas próprias forças-de-trabalho – o que contribui, substancialmente, para o

que eu considero como suas “mortes sociais” em sociedades de alta produção10, cada vez mais inseridas nos moldes capitalistas e industriais – mas também, devido ao crescimento demográfico destes “destituídos”, nestas sociedades e à idéia de “encargos”, de pesos, ao significado negativo que eles passam a representar social e culturalmente, com ênfase para as famílias e, posteriormente, para a sociedade e para o Estado moderno. É preciso também compreender quais os óbices encontrados na representação social que se construiu em torno da palavra “velho”, ao longo da história, mas, principalmente, na recente história moderna, para se chegar à superação do estigma que cerca esta fase da vida e aos que nela se encontram, conforme analisa Alda Britto da Motta (1999),

Há, antes de tudo, um problema com o uso cotidiano da palavra velho. Na sua aplicação generalizada e indiferenciada a pessoas e a objetos, os significados de gasto e descartável predominam. Ao reino animal e, principalmente, aos humanos, acrescentam-se as remissões diretas ao desgaste da saúde e da energia, à consequente inutilidade social e ao descarte final da morte (BRITTO DA MOTTA, 1995, p. 8 apud BRITTO DA MOTTA, 1999, p. 251).

Assim, foi com o discurso de superação das idéias estigmatizantes que o termo “velho” trazia para as pessoas mais velhas, que o governo francês, de forma pioneira na história, buscou desenvolver, ainda na década de 1960, ações que visavam à superação deste rótulo social, de enorme impacto negativo, não só para os velhos, mas também para toda a sociedade francesa, devido ao alto incide de exclusão social dos idosos que, contraditoriamente, aumentou com a elevação das taxas de expectativa de vida e do número de pessoas que compunham este segmento populacional na França. Houve então, inicialmente por parte do Estado, uma tentativa de superação deste estereótipo, a partir da elevação dos valores das pensões e das aposentadorias, bem como através da ação simbólica manifestada pela retirada do termo “velho” – e sua consequente carga depreciativa – de todos os documentos oficiais do governo, sendo este substituído, pela primeira vez na história, pelo termo “idoso”. Assim, a partir deste momento, como afirmar Kachar,

10

Esta “desvalia” dos velhos em relação as suas condições de incapacidade para produzir mostra que, em sociedades industrializadas, a condição dos velhos é ainda mais adversa, pois, em determinado estágio avançado de suas vidas, eles não conseguem mais suprir a primeira necessidade humana apontada por Marx, que é a

própria subsistência material. Assim, esta desvalia dos velhos acentua-se quando compreendemos, em Marx,

que “O trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade –, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana” (MARX, 1983, p. 50).

O termo idoso passa a caracterizar um sujeito respeitado, procurando-se não mais separar as pessoas pela sua condição social ou econômica, não reforçando a exclusão que o termo velho ou velhote pode carregar (KACHAR, 2003, p. 25; grifos da autora).

O termo idoso, utilizado inicialmente na França, passa a ser uma referência para vários outros países do mundo, que passam a adotar o termo, como sinônimo de envelhecimento cidadão e saudável, com mais respeito por parte da sociedade e com maior participação destas pessoas na vida ativa e nos rumos de seu país.

Neste sentido é que passo a adotar, a partir desta dissertação, o conceito de idoso, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e compartilhado pelo Brasil – inclusive ratificado na sanção da Lei 10.741/03, que regulamenta o Estatuto do Idoso –, como sendo as

pessoas de ambos os sexos que, em países em desenvolvimento, têm idade a partir dos 60 anos.

1.1.2 SOCIEDADE, INDIVÍDUO, IMAGEM, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS,

ESTIGMAS E VELHICE

Não há uma intenção, neste estudo, de se desenvolver um tratado discursivo acerca dos conceitos de sociedade e indivíduo. Apenas se indica a perspectiva de se trabalhar estes conceitos e perceber, dentro destas categorias, elementos importantes para se entender as atuais mudanças processadas em nossas sociedades e como elas atingem os indivíduos em seus cotidianos, a exemplo dos idosos e da violência que os acomete dentro de suas próprias famílias e na sociedade. Além disso, é importante compreender que sociedade e indivíduo não podem ser analisados de forma dicotômica, dissociados um do outro, como já analisava Norbert Elias acerca de cinquenta anos atrás, em seus estudos sobre o processo civilizador (1993; 1994a; 1994b), pois, ambos (sociedade e indivíduo) guardam uma relação intrínseca que, antes mesmo de os levarem a uma situação de oposição, os completam, tornando-os interdependentes.

Das chamadas sociedades tradicionais às sociedades modernas (BEAUVOIR, 1990; GIDDENS, 1991a, 2001a, 2001b, 2003; DUMONT, 1993; ELIAS, 1993; 1994a; 1994b; 2001; et al.), uma série de alterações nos cenários culturais, econômicos, sociais, religiosos, políticos e, também, etários, passaram a se processar no interior das sociedades mundiais, de forma mais ou menos intensa, permitindo uma série de resignificações nestes quadros conceituais, bem como, de mudanças consideráveis para a vida das pessoas em sociedade.

Creio que seja metodologicamente incorreto abordar um fenômeno ocorrido nas atuais sociedades modernas sem uma apropriada análise do mesmo nas estruturas sociais precedentes, ou seja, nas sociedades pré-modernas (GIDDENS, 1991a, 2001a, 2001b). É possível compreender as sociedades pré-modernas, ou tradicionais, como aquelas que estão fundamentalmente ligadas e orientadas para o passado (o qual influencia fortemente tanto o presente quanto o futuro destas sociedades), ligadas por processos cotidianos sócio-culturais ritualizados e bastante repetitivos, onde a coesão e solidariedade sociais estão mais fortemente presentes do que nas atuais organizações sociais. Nestas sociedades os indivíduos possuem uma constante busca pela preservação dos costumes, pela manutenção dos hábitos mais longínquos, inscritos na história de seu povo.

A forma de transmissão destes conteúdos às sucessivas gerações é uma tarefa extremamente valorizada, realizada a partir da cultura oral (fala) e tendo como principal agente transmissor destes conteúdos os chamados “guardiões” (BEAUVOIR, 1990; BOSI, 1999; MINOIS, 1999; GIDDENS, 2001a). Os “guardiões”, nestas estruturas sociais – onde a escrita ainda não existia ou, existia de forma precária, rudimentar – eram bastante valorizados, devido à ausência de instrumentos de coleta, registro e armazenamento de informações. O papel destes agentes, em relação ao acúmulo de informações, ou, como prefere definir Maurice Halbwachs (1990), na função de organizadores da memória coletiva, possuía então um papel central e de grande relevância, em relação à continuidade da própria tradição.

Para Norbert Elias a transição que se deu entre as sociedades primitivas ou tradicionais para as sociedades modernas trouxe, para estas últimas, três características fundamentais em relação aos indivíduos: “o alto grau de individualização; a ampla e constante contenção de

todos os impulsos instintivos e emocionais fortes e; uma tendência ao isolamento” (ELIAS,

2001, p. 67; grifos meus). Há, desta forma, uma forte tendência nas sociedades modernas, dentre as já apontadas por Elias (2001), de que as pessoas se voltem para situações mais individualistas, que compartilhem menos atividades coletivas em comum e que se restrinjam a temas de seus próprios interesses, dentro de seus próprios valores, o que demonstra, como afirma Louis Dumont (1993), que vivemos numa sociedade moderna, extremamente individualizada e, como ressaltado por Hannah Arendt (2004, p. 89), “orientadas para o futuro”. Neste sentido, a discussão sobre o envelhecimento, nestas sociedades (modernas), também se torna algo complexo de se desenvolver, na medida em que se observa que a condição de existência do “velho” não se torna algo importante para os não-velhos, pois, estes

últimos não se identificam com os primeiros, criando-se, inclusive, uma situação de estranhamento.

Este contexto de discussões acerca do envelhecimento humano também se torna alvo de discordâncias e reflexões diversas. É interessante perceber que George Minois (1999) chega a discordar (ou, pelo menos, discordar parcialmente) de um dos pontos de vista de Simone de Beauvoir, quando esta autora afirma que “a condição humana em que se encontra

o velho dependeria do seu contexto social” (BEAUVOIR, 1999). Para Minois isto acontece

somente em parte. Suas observações são fundamentadas a partir de um estudo desenvolvido por D. B. Bromley11, onde este último pesquisador analisa alguns dos principais comportamentos humanos cotidianos e coletivos diante da velhice, concluindo que, em várias situações, não havia uma regra única e inflexível em relação ao tratamento que se dispensava

aos velhos e a atitudes que as pessoas tinham diante da percepção da velhice nestas sociedades. Esta afirmação revela que outros contextos (a exemplo do cultural e do

econômico), e não apenas o social, como enfatizou Beauvoir, também passariam a ser determinantes em relação às atitudes diante dos velhos e da velhice, como salienta Minois,

O contexto cultural também intervém e interfere com a própria situação econômica: entre alguns povos, os velhos podem ser detestados, mas bem tratados, porque temem a vingança do seu espírito, e entre outros podem ser venerados, mas levados à morte, porque a sua incapacidade e dependência ameaçam a sobrevivência do grupo (MINOIS, 1999, p. 25).

Assim, observamos que os contextos culturais, sociais e econômicos, em diversas sociedades e épocas, podem ser bastante diferenciados, influenciando, dessa forma, a idéia que os indivíduos, vivendo em sociedade, passam a ter da velhice e dos velhos, bem como dos comportamentos que são socialmente construídos em relação a eles e do papel ou função