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MAPA 3.2 – Mapa da Violência Contra a Pessoa Idosa na Cidade de Aracaju/SE

1.2 A metodologia e os meios técnicos da pesquisa

“Para saber construir o objeto e conhecer o objeto que é construído, é necessário ter consciência de que todo objeto propriamente científico é consciente e metodicamente construído, e é necessário conhecer tudo isso para nos interrogarmos sobre as técnicas de construção das perguntas formuladas ao objeto.”

Pierre Bourdieu, 2007b

Neste momento, passo a definir os procedimentos teórico-metodológicos utilizados por este estudo para a análise do seu objeto de pesquisa em questão.

1.2.1 A CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO, SEUS SUJEITOS E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UTILIZADOS

Levando-se em consideração que os estudos que relacionam violência e velhice humana ainda são muito pouco desenvolvidos em nosso país e, principalmente, no campo acadêmico, este trabalho desenvolveu uma pesquisa exploratória, combinada com pesquisa

documental.

A necessidade que encontrei para desenvolver uma pesquisa do tipo exploratória, acerca deste tema, levou em consideração as poucas referências bibliográficas que se tem a seu respeito atualmente. As referências sobre a velhice têm aumentado significativamente nas últimas quatro décadas. Contudo, temas particulares (a exemplo da própria violência) ligados a esta fase específica da vida humana, ainda não conseguiram um volume quantitativamente expressivo. Como vimos anteriormente, os estudos sobre o envelhecimento humano e sobre a “violência contra os idosos” nas sociedades modernas, tornam-se mais representativos a partir de referências estrangeiras, pesquisas e trabalhos internacionais, especialmente nos países desenvolvidos, como a França, Inglaterra e os Estados Unidos, apoiados por organismos de grande relevância e influência no mundo19.

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Destaco aqui a importância considerável que possui a Organização das Nações Unidas (ONU) em relação aos esforços que já vêm sendo empreendidos na elaboração de trabalhos, pesquisas, eventos e formulação de Planos Internacionais que têm servido de modelos supranacionais para os diversos países do mundo, componentes desta instituição. Desde a década de 1980 a ONU vem intensificando as suas ações acerca dos temas voltados aos

No Brasil, esta temática ainda é bastante insipiente, necessitando de maior interesse e empenho por parte de pesquisadores nacionais e, principalmente, os que estão ligados aos “estudos acadêmicos”, a fim de buscar compreender este fenômeno social que se processa em nossa sociedade com uma velocidade impressionante e proporcionalmente preocupante, mas de forma “silenciosa”, como salientam os estudos e iniciativas nacionais desenvolvidos pelos pesquisadores Maria Cecília de Souza Minayo (2003; 2004)20 e Vicente de Paula Faleiros (2004; 2007). Desta forma, os estudos exploratórios, como afirma Augusto Triviñios,

“[...] permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema. O pesquisador parte de uma hipótese e aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando antecedentes, maior conhecimentos para, em seguida, planejar uma pesquisa descritiva ou de tipo experimental (TRIVIÑIOS, 2006, p. 109).

As pesquisas do tipo exploratórias, conforme avalia Eva Maria Lakatos e Marina Marconi, “enfatizam a descoberta de idéias e discernimentos” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 20) permitindo uma melhor e maior compreensão do objeto de pesquisa e das categorias e variáveis que estão relacionadas a ele. A utilização deste tipo de pesquisa também serve de auxílio no sentido de desenvolver algumas idéias novas acerca do tema, permitindo uma maior flexibilidade em torno da teorização sobre o problema da violência cometida contra pessoas idosas em sociedades modernas, a partir de um arcabouço teórico apropriado e que permita uma maior relativização acerca deste tema, no sentido de ampliar as suas possibilidades de interpretação, a partir do fenômeno em análise.

idosos, devido ao envelhecimento acelerado que se processa nas nações mundiais e que trarão grandes e preocupantes consequências para estes países – fundamentalmente para os países em desenvolvimento –. Em 1982 a ONU organizou a primeira Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, em Viena, Áustria. Vinte anos mais tarde, a velhice voltava ao cenário de discussões e preocupações da instituição, com a realização, no ano de 2002, da segunda Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, desta vez em Madrid, Espanha. Nesta última oportunidade tem-se como resultado prático a elaboração de um Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento, do qual os países participantes (dentre eles o Brasil) foram signatários. A preocupação aqui passou a ser direcionada pela defesa dos direitos humanos das pessoas idosas, além da preocupação com o crescimento de casos de violência (“Elder Abuse”) praticada contra os idosos em várias partes do mundo. Durante este período, algumas outras pesquisas sobre o envelhecimento das populações e, em especial, sobre o tema da violência contra os idosos, foram incentivadas e coordenadas pela ONU, a partir da criação de órgãos como a Ageing and Life Course Unit – na qual um brasileiro, o Dr. Alexandre Kalache, responde pela coordenação – vinculada ao Department of Injuries and Violence, além da International Network for the Prevention of Elder Abuse (INPEA).

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Nestes estudos Minayo busca desenvolver um trabalho, com base nos dados referentes à saúde pública brasileira, trazendo análises acerca dos números das causas externas de mortalidade e morbidade entre idosos, vítimas de algum tipo de violência.

Houve ainda a necessidade de se desenvolver, em caráter complementar à pesquisa exploratória, uma pesquisa de tipo documental. Para Antônio Carlos Gil (1999), a pesquisa documental se faz necessária na medida em que se pretende utilizar documentos que tenham uma importância significativa dentro das referências e objetivos a que o pesquisador se predisponha a conhecer e contemplar. Sendo assim, “[...] a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 1999, p. 66). Neste caso, destacam-se os chamados “documentos de primeira mão” (GIL, 1999), ou seja, aqueles documentos em que ainda não se procedeu algum tipo de análise, a exemplo de documentos oficiais e reportagens de jornais escritos. Dessa forma, a pesquisa documental foi realizada tendo como base de referência os Boletins de Ocorrências (B.O.) e os Registros Policiais de Ocorrência (RPO), confeccionados pelo Centro de Atendimentos a Grupos Vulneráveis (CAGV) da cidade de Aracaju/SE, mais especificamente, a partir dos documentos que se encontram sob a responsabilidade do Cartório desta instituição. Também é importante ressaltar que, no árduo trabalho documental, realizei um levantamento sobre algumas notícias e reportagens de jornais escritos, onde seus conteúdos passaram a nos trazer à lembrança fatos de repercussão e de representatividade analítica acerca do tema em questão e de que forma eles foram discutidos à época, além de expressarem alguns sentimentos e preconceitos da sociedade em relação aos velhos e à velhice. Estes documentos foram de suma importância para a melhor compreensão dos relatos das ocorrências do CAGV, bem como dos argumentos das denúncias e das falas de seus principais personagens.

As visitas ao CAGV foram iniciadas desde o mês de abril de 2009, onde mantive os primeiros contatos com os responsáveis pela instituição, bem como, com alguns dos profissionais que nela atuam e que possuem extrema importância no sentido de nos fornecerem as condições de informações e acesso acerca dos casos cotidianos que presenciam e que envolvam a violência familiar cometida contra idosos residentes na cidade de Aracaju. Foram várias as visitas realizadas a esta instituição, entre conversas com os gestores e profissionais, bem como na prática da seleção criteriosa de documentos e na coleta dos dados que poderiam contribuir para o interesse desta pesquisa. A leitura desta documentação oficial também possibilitou uma considerável acumulação de informações acerca da dinâmica da violência cometida contra idosos nesta cidade e dentro do espaço familiar. O volume de casos, de tipos de violência e a multiplicidade de agressores e agressões, além das variáveis jurídicas adotadas pelo CAGV, que se somavam às situações de “injúrias”, “apropriações indébitas”,

“agressões verbais e físicas”, “ameaças”, “cárcere privado”21, foram importantes no sentido de reorientar o presente estudo em alguns dos seus aspectos teórico-metodológicos de pesquisa. Conforme salienta Ruth Cardoso (1986), de maneira bastante oportuna,

A coleta de material não é apenas um momento de acumulação de informações, mas se combina com a reformulação de hipóteses, com a descoberta de pistas novas que são elaboradas em novas entrevistas. Nestas investigações, o pesquisador é o mediador entre a análise e a produção da informação, não apenas como transmissor, porque não são fases sucessivas, mas como elo necessário (CARDOSO, 1986, p.101).

Neste sentido, houve um considerável aproveitamento das experiências e relatos que as leituras feitas a partir dos B.O. e dos RPO, bem como nas conversas com os profissionais do CAGV, puderam me proporcionar, inclusive com a transcrição de alguns destes relatos com trechos de depoimentos extremamente oportunos em suas páginas, o que acabou me incentivando à construção de um capítulo (Capítulo III) à parte.

Assim, o objeto de pesquisa deste estudo diz respeito aos idosos aracajuanos22, residentes na cidade de Aracaju e que, nesta cidade, tenham passado por alguma experiência caracterizada como ato de violência, sendo esta praticada por pessoas de sua família e que tenham tido o devido registro da denúncia no CAGV, mais especificamente, na Delegacia do Idoso, tendo como base de referência o ano de 2008. A escolha pela cidade de Aracaju deve- se ao fato de que 81% das pessoas idosas, no Brasil, residem nas zonas urbanas (IBGE, 2002), essencialmente nas capitais dos estados, e que Aracaju apresentou, em recente pesquisa em que tive participação, um alto índice de denúncias de violência praticada contra idosos, principalmente a violência psicológica, onde os parentes – em particular os filhos – aparecem como os principais agressores (FALEIROS, 2007).

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Estes são alguns dos “termos jurídicos” utilizados pelos profissionais que desenvolvem os seus trabalhos no CAGV, no sentido de “tipificar” os crimes e delitos cometidos contra os idosos que denunciaram ou que tiveram denunciado por terceiros algum tipo de violência sofrida por eles. Os termos “jurídico-criminais”, utilizados pela polícia judiciária (ou civil), são importantes no sentido de classificar as situações de violência que acometeram cada idoso. Contudo, deverão passar por um processo de ressignificação sociológica, por conta deste estudo adotar uma abordagem no campo das ciências sociais e ter como base uma outra conceituação de violência, a qual já destaquei anteriormente e que pretendo analisar.

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Aqui consideraremos como “idoso aracajuano” aquele que nasceu ou que viveu na cidade de Aracaju na época em que sofreu e teve denunciada ou denunciou pessoalmente alguma prática de violência sofrida por ele(a). Neste estudo, também passaremos a compreender como “idosas” todas as pessoas, de ambos os sexos, que possuam 60 anos de idade ou mais, conforme a definição feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo internacional vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU, 2002).

Nesta capital também se concentra a maioria dos serviços e dados disponíveis sobre a violência contra os idosos e em relação aos demais municípios do estado de Sergipe, já que estes últimos não contam23 com o serviço especializado deste tipo de delegacia. Em relação ao ano de escolha (2008), como base de referência para a análise do tema, também levei em consideração o fato de já possuir dados acerca da violência contra os idosos aracajuanos conseguidos a partir de pesquisa anterior, na qual já havia sido feito uma análise sobre outros anos, tomando por base a referência ao ano de 200324, fazendo-se importante que novos estudos – além de discutir dados e informações de períodos anteriores – possam estar analisando as transformações posteriores e seus impactos, acompanhando a continuidade ou não de fatores importantes que estejam vinculados ao fenômeno da violência estudado anteriormente nestes trabalhos.

A escolha pelo ano de 2008 também leva em consideração o fato de que, após a implantação do Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa (BRASIL, 2005) – que teve previsão de execução pelo período de dois anos (2006-2007) – pesquisas realizadas acerca de períodos subsequentes poderiam apontar para uma diminuição

dos números de denúncias e, provavelmente, no consequente decréscimo de casos de violência contra pessoas idosas. Por outro lado, o aumento de informação acerca de direitos e

do aumento no número de instituições para denúncias, provocaria uma maior conscientização acerca do tema e poderia proporcionar um maior encorajamento e procura de pessoas que sofreram ou que presenciaram algum tipo de ato violento, praticado contra os mais velhos,

acarretando em um aumento de denúncias e, assim, consequentemente, dando a “falsa impressão” de que a violência contra os idosos teria aumentado assustadoramente.

Sendo assim, é importante salientar também que, nem tudo que direta ou indiretamente esteja relacionado com o tema de pesquisa em questão poderá ser lido por seu pesquisador, devido às condições de tempo – é necessário um prazo muito maior para analisar mais profundamente um tema tão complexo – que se dispõe para a realização do estudo e da relevância acerca do material a ser coletado e lido. Neste caso, “Os documentos que se

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Com exceção da cidade de Nossa Senhora do Socorro que, devido ter o segundo maior número populacional do estado de Sergipe, ganhou recentemente uma Delegacia Especializada de Atendimento a Grupos Vulneráveis, inaugurada neste município ainda no ano de 2009.

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Ano em que foi sancionado pelo Congresso Nacional brasileiro o Estatuto do Idoso, sob forma da Lei 10.741. É relevante esta lei, como marco histórico, pois, o Estatuto do Idoso traz avanços significativos em relação a legislações anteriores (a exemplo da própria Constituição Federal, de 1988, e da Política Nacional do Idoso – PNI, do ano de 1994) por definir o que considera como sendo “crimes” cometidos contra os idosos, e suas respectivas sanções penais.

revelarem pouco pertinentes ao tema serão deixados de lado” (SEVERINO, 2002, p. 79). Assim, uma série de documentos (Inquéritos Policiais, Termos Circunstanciados, etc.) deixará de ser lida, devido ao curto prazo acadêmico e à própria dinâmica institucional do CAGV, que possui um cotidiano particular de atendimento e registro de ocorrências, o que, de certa forma, passou a influenciar consideravelmente na finalidade25 e desenvolvimento desta pesquisa. Mesmo levando-se em consideração que esta leitura propicia uma maior aproximação e contato com a realidade dos casos de violência cometidos contra idosos na cidade de Aracaju, é salutar a compreensão de que a falta de sistematização desses dados por parte da instituição e dos especialistas26 que os confeccionam cotidianamente, torna inviável a tarefa do pesquisador em analisar e sistematizar um grande número de dados e informações contidos nos documentos institucionais, já anteriormente mencionados, em um espaço de tempo tão curto.

1.2.2 OS CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DA AMOSTRA DA PESQUISA E OS INSTRUMENTOS PARA A COLETA DE DADOS

A necessidade de se desenvolver uma “amostra” neste estudo também se torna crucial, quando se leva em consideração o volume de casos encontrados no CAGV e que se relacionavam a situações que envolvem algum tipo de violência cometida contra idosos. Neste caso, utilizei a forma de “amostra intencional” (THIOLLENT, 1988) ou, como prefere chamar Antônio Carlos Gil (1999), “amostragem por acessibilidade”. Este tipo de amostra demonstra

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A título de exemplificação, vale ressaltar que, na busca por dados e informações acerca dos casos de violência contra pessoas idosas, registrados no Centro de Atendimentos a Grupos Vulneráveis (CAGV) e referentes à cidade de Aracaju, só a leitura dos Registros Policiais de Ocorrências (RPO), referentes ao ano de 2008, consumiu-me pouco mais de dois meses de pesquisa de campo e várias visitas ao CAGV. Apesar do tempo dedicado à leitura destes documentos ter se estendido um pouco mais do que o planejado inicialmente, não considero que este (o tempo) tenha sido mal empregado. Na verdade, a leitura minuciosa de cada ocorrência, relatada e registrada na instituição, permitiu que eu pudesse refletir mais sobre as possibilidades e contradições de cada caso, entender as variáveis que se processavam e se revelavam naqueles registros e no cotidiano da violência e quebra de civilidade direcionada aos “velhos” em nossa sociedade moderna. Esta leitura foi tão importante que senti a necessidade de desenvolver um Capítulo específico, onde tratarei de discorrer sobre os dados, números e registros de ocorrência do CAGV, referentes à violência cometida contra idosos na cidade de Aracaju no ano de 2008, inclusive com a transcrição de alguns destes registros.

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Alguns policiais civis – responsáveis pelo procedimento inicial dos inquéritos, registros policiais de ocorrência, etc. – alegavam, durante o processo de conversas informais, que o CAGV não possuía “estrutura” para desenvolver as demandas e os trabalhos de sistematização de dados e confecção de estatísticas, haja vista a falta de uma equipe de profissionais com atribuição específica para trabalhar com a questão da confecção e sistematização dos dados institucionais e que, devido a isto, muitas informações importantes deixam de ser produzidas pela instituição, inclusive para subsidiar as análises de futuras pesquisas sobre o público atendido (crianças e adolescentes, negros, homossexuais, idosos, deficientes e mulheres vítimas de agressão).

ser mais adequado à proposta desta dissertação por buscar contemplar “[...] um pequeno número de pessoas que são escolhidas intencionalmente em função da relevância que elas apresentam em relação a um determinado assunto” (THIOLLENT, 1988, p.62). Neste caso, “O pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma forma, representar o universo” (GIL, 1999, p.104). Assim, dentro dos relatos encontrados nos B.O. e nos RPO, selecionei as situações em que a violência familiar apresentava maior aproximação com a proposta deste estudo, contemplando os casos que envolviam a violência familiar. A seleção era feita a partir de uma abordagem às vítimas, testemunhas, denunciantes ou mesmo às pessoas acusadas de agressão, na maioria das vezes, contando com a intervenção/mediação de um dos profissionais do CAGV, a fim de convencer as pessoas abordadas, relacionadas com os casos de violência familiar contra idosos, a participarem das entrevistas. Esta também não se constituiu em uma tarefa das mais fáceis, pois, percebi que era muito constrangedor (principalmente para as vítimas) dar informações sobre um fato tão íntimo, sobre algo que, em muitos dos casos, permanecia guardado consigo, protegido pelos muros da casa, como um segredo indizível, do “conluio familiar” (FALEIROS, 2007).

O constrangimento – pude perceber – era muito grande, mas, não maior do que os sentimentos de sofrimento, dor, frustração, revolta, raiva ou surpresa pelas agressões sofridas e pelo estágio de desagregação a que tinham chegado os vínculos afetivos e familiares entre vítimas e agressores. Por fim, alguns poucos envolvidos com os casos aceitaram participar, a princípio, apreensivos, demonstrando estar pouco à vontade com perguntas de um “estranho”, de alguém que desconheciam e que lhes fazia perguntas cujas respostas nem sempre eram fáceis de se dar.

Os dados fornecidos pelo CAGV também puderam dar a este estudo maiores informações acerca das ocorrências, tipificando-as de acordo com os seus próprios critérios (jurídicos) institucionais de classificação. Estes critérios foram respeitados durante o desenvolvimento deste estudo, sem, contudo, deixarmos de imprimir as nossas próprias classificações e análises acerca dos mesmos.

Para o refino e captação dos dados e informações encontrados a partir da pesquisa documental, utilizei ainda a técnica da entrevista (Cf. Apêndices B, C e D), com vítimas, denunciantes, testemunhas e pessoas acusadas de cometerem algum tipo de violência praticada contra a pessoa idosa. As entrevistas nos deram acesso às falas e depoimentos sobre

as agressões, vivências, experiências e opiniões, fundadas a partir dos processos de violência a que foram submetidos alguns idosos. Esta tarefa foi bastante complexa, pois, como afirma Sônia Maria de Freitas, “relembrar um fato, muitas vezes, é vivê-lo novamente” (FREITAS, 2002). As entrevistas foram realizadas com as vítimas, ou seja, com os idosos que sofreram algum tipo de violência no âmbito familiar; com os denunciantes (quando estes não foram os próprios idosos, vítimas da violência) e testemunhas, bem como, com um dos supostos

agressores. Em relação aos idosos entrevistados, estes estavam em condições mentais e

cognitivas adequadas, apresentando seguro estado de lucidez e disponibilidade para a fala (PRETI, 1991). Sobre o suposto autor da violência, ao ouvi-lo, foi possível “dar voz” ao mesmo, levando-se em consideração uma das idéias trazidas por Haguette (2005):

Para a sociologia, é fundamental que as questões sobre determinados problemas sociais, como delinquência, crime, droga, prostituição (e, se pudéssemos, introduziríamos a corrupção, o roubo e outros), sejam levantados do ponto de vista do delinqüente, do criminoso, do corrupto ou do ladrão, para que, assim, conheçamos suas táticas, suas suposições, seu mundo e os constrangimentos e as pressões aos quais estão sujeitos (HAGUETTE, 2005, p.82).

“Dar voz”, aqui, não passa a ser compreendido, nem a caracterizar-se, como um