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A subordinação dos trabalhadores em plataformas digitais

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Academic year: 2023

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

Elisa Maria Secco Andreoni

A subordinação dos trabalhadores em plataformas digitais

Mestrado em Direito

São Paulo 2022

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Elisa Maria Secco Andreoni

A subordinação dos trabalhadores em plataformas digitais

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Adalberto Martins.

São Paulo 2022

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Banca Examinadora

________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________

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Aos meus pais, Alcindo José Andreoni e Wilma Secco Andreoni.

À Jade, minha gata.

Todos in memoriam

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu professor e orientador Adalberto Martins, que, pacientemente e de forma carinhosa e amiga, manteve meu interesse pelos estudos, pela continuidade do trabalho, ajudando-me a superar todas as dificuldades existentes ou que eu acreditava existirem nessa trajetória.

Ao meu filho, Arthur, que é a razão de tudo desde o seu nascimento.

Ao meu marido, companheiro, amigo, parceiro, João Antônio Calixto, sem o qual nada seria conquistado pela nossa família.

Aos servidores e à Juíza Auxiliar da 26ª Vara do Trabalho de São Paulo do TRT da 2ª Região, que, pela extrema competência, propiciaram que o trabalho árduo da titularidade de uma Vara de São Paulo se tornasse leve a ponto de poder me dividir entre o estudo e a judicatura. Agradeço a eles nas pessoas da MM. Juíza Fernanda Cardarelli Gomes, da Diretora de Secretaria Kátia Carvalho Xavier e do Assistente de Juiz Ivan Domingues Ferreira.

Aos meus pais (in memoriam), com amor e saudades sem fim.

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O homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho E sem o seu trabalho Um homem não tem honra E sem a sua honra

Se morre, se mata

Luiz Gonzaga do Nascimento, em Um homem também chora

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ANDREONI, Elisa. A subordinação dos trabalhadores em plataformas digitais Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022.

RESUMO

O tema subordinação nas relações de trabalho ganhou expressão a partir das primeiras leis trabalhistas, implementadas após o marco histórico da Primeira Revolução Industrial, oportunidade em que se verificou profunda alteração na forma de prestação do trabalho humano. Entretanto, desde o princípio da sociedade, o trabalho faz parte das relações humanas: a história aponta que, já nas primeiras formações sociais, os seres humanos trabalhavam submissos a outros. Com o passar dos séculos, as formas de trabalho evoluíram, e, com o advento dos ideais iluministas, chegou-se ao trabalho livre e, portanto, assalariado. A partir da Revolução Industrial, houve, paulatinamente, a concentração de trabalhadores em manufaturas e fábricas, modificando radicalmente a forma de prestação do trabalho. Desse modo, ocorrendo a inserção dos trabalhadores na organização da empresa, os quais passaram a integrá-la por sua própria vontade (mesmo que sujeitos às ordens do tomador dos serviços), surge o conceito de subordinação, elemento jurídico da tradicional relação de emprego que passou a ser disciplinado com a criação das leis trabalhistas. Com a criação do conceito jurídico de subordinação, quando do aparecimento dos primeiros contratos de trabalho, os questionamentos relativos ao tema se limitavam a desvendar a natureza da subordinação existente nos contratos de empregado – se esta seria técnica, econômica ou jurídica. Segundo doutrina e jurisprudência, prevalecia a última acepção de subordinação, mas ainda não se questionava o seu papel enquanto requisito para as relações de emprego. Todavia, com o aparecimento de novas formas de realização de trabalho, propagadas sobretudo pelas revoluções tecnológicas subsequentes, os métodos de trabalho igualmente se alteraram. Por esse motivo, o elemento subordinação, tão importante no contexto do contrato de trabalho, vem sendo objeto constante de estudos. Em consonância a tais discussões, o presente trabalho tem como objetivo analisar como as novas tecnologias transformaram os modelos de trabalho e se estes afetaram o conceito de subordinação inerente à tradicional forma de contrato de emprego. Mais especificamente, interessa verificar se os trabalhadores em plataformas digitais sujeitos aos ditames do algoritmo diferem dos trabalhadores com vínculo empregatício, para, a partir disso, refletir sobre qual é a proteção jurídica que deve ser conferida àqueles. A discussão desse tema se faz necessária, na medida em que, se, de um lado, as formas tradicionais de contrato de emprego estão se descaracterizando, na visão de economistas e de alguns teóricos, de outro, os trabalhadores em plataformas digitais exercem suas atividades com vários elementos do contrato de trabalho tradicional (inclusive se sujeitando às normas de tais plataformas), mas se encontram à margem da proteção das normas de Direito do Trabalho.

Palavras-chave: Subordinação. Subordinação estrutural. Tecnologias disruptivas. Quarta Revolução Industrial. Algoritmo.

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ANDREONI, Elisa. The subordination of workers on digital platforms. Dissertation (Masters in Law) – Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2022.

ABSTRACT

The subject of subordination in work relationships gained expression with the creation of the first labor laws, which was implemented after the historic landmark of the First Industrial Revolution, when there was a profound change in the form of human work. However, since the beginning of society, work has been part of human relationships: history shows that, in the first social formations, human beings worked submissively to others. Over the centuries, the forms of work evolved, and with the advent of Enlightenment ideals, it has come to free and, therefore, salaried work. From the Industrial Revolution onwards, there was a gradual concentration of workers in manufactures and factories, radically changing the way in which work was performed. In this way, with the insertion of workers in the company’s organization, who started to integrate it by their own will (even if liable to the orders of the service taker), the concept of subordination arises, a legal element of the traditional employment relationship that became disciplined with the creation of labor laws. With the creation of the legal concept of subordination, when the first employment contracts appeared, the questions related to the topic were limited to revealing the nature of subordination existing in employee contracts – whether it would be technical, economic or legal. According to doctrine and jurisprudence, the latter meaning of subordination prevailed, but its role as a requirement for employment relationships was not yet questioned. However, with the emergence of new ways of working, propagated mainly by subsequent technological revolutions, working methods have also changed. For this reason, the element of subordination, so important in the context of the employment contract, has been a constant object of studies. In line with these discussions, the present work aims to analyze how new technologies have transformed work models and whether they have affected the concept of subordination inherent to the traditional form of employment contract. More specifically, it is interesting to verify if workers on digital platforms, subject to the dictates of the algorithm, differ from workers with an employment relationship, in order to, from that, reflect on what legal protection should be given to them. The discussion of this topic is necessary, insofar as, if, on the one hand, the traditional forms of employment contract are losing their character, in the view of economists and some theorists, on the other hand, workers on digital platforms carry out their activities with various elements of the traditional employment contract (including being subject to the rules of such platforms), but are outside the protection of labor law rules.

Keywords: Subordination. Structural subordination. Disruptive technologies. Fourth Industrial Revolution. Algorithm.

:

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 A HISTÓRIA DO TRABALHO HUMANO ... 14

1.1 O trabalho na origem da humanidade ... 14

1.2 O trabalho na Antiguidade ... 15

1.3 O trabalho na Idade Média e os primórdios do capitalismo ... 19

1.4 O trabalho com o surgimento da produção capitalista ... 23

1.5 O trabalho a partir da Revolução Industrial e o efetivo reconhecimento do trabalho subordinado ... 25

2 VIDA NAS CIDADES: AS NOVAS RELAÇÕES ENTRE CAPITAL E TRABALHO ... 28

2.1 As novas relações de trabalho ... 28

2.2 A questão social ... 31

2.3 O surgimento da legislação trabalhista ... 33

3 CONTRATO DE TRABALHO: O SURGIMENTO DO CONCEITO DE SUBORDINAÇÃO ... 35

3.1 O contrato de trabalho ... 35

3.2 As teorias acerca da subordinação no contrato de trabalho ... 37

3.3 A subordinação jurídica ... 42

3.4 A modificação do trabalho pelas Revoluções Industriais e o seu reflexo no conceito de subordinação ... 47

4 ELEMENTO SUBORDINAÇÃO: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO .. 52

4.1 Subordinação jurídica estrutural ... 52

4.2 O conceito de subordinação jurídica estrutural-reticular ... 58

(10)

4.3 O conceito de subordinação integrativa ... 65

4.4 O conceito de subordinação jurídica potencial ... 67

5 QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: OS NOVOS MÉTODOS DE TRABALHO. ... 70

5.1 O mundo e as novas tecnologias ... 70

5.2 “Desta vez será diferente” ... 71

5.3 Entendendo as tecnologias disruptivas ... 74

5.4 A sociedade das plataformas ... 76

5.4.1 O trabalho intermediado por plataforma online ... 78

5.4.2 O trabalho intermediado por plataforma offline ... 81

6 SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA: AS CONSEQUÊNCIAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO ... 84

6.1 O algoritmo ... 85

6.1.1 Algoritmo: gerente ou parceiro? ... 86

6.1.2 Algoritmo: o gerente ... 89

6.2 Trabalhadores em plataformas digitais: novos escravos? ... 92

6.3 Trabalhadores em plataformas digitais e a visão da doutrina sobre o elemento subordinação ... 94

6.4 Os controles dos trabalhadores em plataformas offline ... 99

7 TRABALHADORES EM PLATAFORMAS DIGITAIS E EMPREGADOS REGIDOS PELA CLT: AS DIFERENÇAS ... 103

7.1 A organização do trabalho se transforma, o trabalhador não ... 103

7.2 A teoria da subordinação aplicável aos trabalhadores em plataformas digitais ... 106

(11)

8 SOB O ENFOQUE DO REQUISITO SUBORDINAÇÃO: UMA

PROPOSTA PROTETIVA ... 115

8.1 Uma proposta de terceira via para o Direito do Trabalho ... 115

8.2 Enquanto houver trabalhador, haverá Direito do Trabalho ... 117

CONCLUSÃO ... 120

REFERÊNCIAS ... 122

(12)

INTRODUÇÃO

Desde que o homem deixou de viver apenas da caça para sobrevivência, o trabalho sofreu diversas transformações: iniciou por diferentes formas de escravidão e servidão, passou por revoluções industriais (que fizeram surgir a figura do empregado) e chegou, por fim, às tecnologias disruptivas, com o advento da Quarta Revolução Industrial. Em face das transformações nas relações de trabalho, sobretudo a partir da segunda metade do século XX e início do século XXI, doutrina e jurisprudência têm envidado esforços no sentido de traçar uma releitura da subordinação, assim considerada um dos principais elementos da tradicional relação de emprego.

O trabalho humano pode ser exercido de diversas maneiras e através de relações variadas, englobando desde os contratos de natureza civil até os de estrutura subordinada, com a sujeição do trabalhador às ordens e às normas da empresa – neste último caso, trata-se do trabalho subordinado. Através da análise histórica, verifica-se que as primeiras leis trabalhistas tiveram por objetivo regulamentar o novo modelo de prestação de trabalho humano, tendo em foco não só limitar abusos decorrentes da exploração do trabalho, por conta do déficit entre oferta e demanda de vagas, mas também conceituar as relações de trabalho protegidas pelo Direito do Trabalho. Nesse sentido, alguns elementos caracterizadores dessa relação jurídica protegida foram apontados como essenciais em vários países do mundo, sendo o mais característico, emblemático e estudado o conceito de subordinação.

A subordinação enquanto requisito do contrato de trabalho é estudada, pelas doutrinas estrangeira e nacional, sob diferentes aspectos, considerando o tipo de dependência a unir empregado e empregador, que pode ser econômica, técnica, social, jurídica ou estrutural.

Assim, por ser esse requisito tão importante e objeto de estudo das doutrinas, os temas sobre ele não se esgotam, o que faz com que passe por constantes análises, tendo em vistas as inovações tecnológicas e a modificação dos meios de produção. Afinal, com as mudanças tecnológicas, modificam-se também as formas de prestação de trabalho e a sujeição dos trabalhadores ao poder de comando e de direção do empregador. Frente a tal cenário, questiona-se se as mudanças tecnológicas alteram a subordinação ou a excluíram totalmente;

afinal, a partir da Quarta Revolução Industrial, tudo o que se entendia por métodos de trabalho sofreu modificações. No entanto, a necessidade humana de ter trabalho, proteção, períodos de descanso, seguridade social, proteção contra acidentes de trabalho não sofreu modificações.

(13)

Nesse sentido, ainda que os novos métodos de trabalho tenham distanciado os trabalhadores dos centros de produção, os estudos do elemento subordinação nas relações de trabalho é que deverão identificar se o trabalho com o uso das novas tecnologias, a distância, sob o comando do algoritmo, é menos subordinado que os tradicionais vínculos empregatícios pensados para os trabalhadores das fábricas de veículos do modelo fordista.

Frente a esse cenário, o presente estudo tem por objetivo verificar se as mudanças havidas no âmbito do trabalho afetaram o elemento subordinação nas relações jurídicas laborais, assim como analisar se, em decorrência dessas modificações, os trabalhadores ficaram desprotegidos juridicamente, se comparado às formas tradicionais de proteção a que tinham acesso. Para tanto, parte-se da história do trabalho humano até o surgimento das primeiras leis trabalhistas, com enfoque na subordinação. Em seguida, apresenta-se o estudo do conceito do elemento subordinação a partir das primeiras leis trabalhistas e a sua evolução, até a chegada da Quarta Revolução Industrial. Especificamente, o estudo pretende avaliar as formas de trabalho com o uso das tecnologias disruptivas, bem como o modo como foi se modificando a leitura que se faz do elemento subordinação como integrante da relação de emprego, a fim de permitir aos trabalhadores o acesso à legislação brasileira de proteção ao trabalho.

Assim, uma releitura do conceito de subordinação passa por uma breve história do trabalho humano, para compreender o momento e a oportunidade da criação das primeiras leis trabalhistas e, com elas, o surgimento do próprio conceito de subordinação. Se, de um lado, em uma análise superficial do conceito, o elemento subordinação foi retirado das novas relações de trabalho, sob o fundamento de o trabalhador não se encontrar mais sob sujeição do empregador com o advento da Quarta Revolução Industrial, de outro, impõe-se um estudo aprofundado sobre o tema, eis que modificações nos métodos de trabalho não excluem necessariamente a condição de trabalhador daquele que depende das novas tecnologias para sua sobrevivência. Busca-se, assim, verificar a dinâmica das relações mantidas entre aqueles que buscam trabalho em plataformas digitais e as respectivas plataformas, bem como verificar do quanto essas relações de trabalho, criadas pelo capitalismo, assemelham-se aos tradicionais vínculos empregatícios e com base nas conclusões, propor uma solução legislativa para proteção desses trabalhadores.

Para atingir tal objetivo, optou-se pelos métodos dialético, baseados nas posições doutrinárias divergentes; bem como o método dedutivo, em que, a partir da revisão

(14)

bibliográfica, análise da jurisprudência e da legislação vigente, chega-se às conclusões do tema.

(15)

1 A HISTÓRIA DO TRABALHO HUMANO

O trabalho sempre fez parte da vida da humanidade, mesmo nos tempos mais remotos.

Estudar como o trabalho se desenvolveu através dos séculos, portanto, mostra-se imprescindível, não apenas para compreender a ocupação profissional nas sociedades atuais, mas também para se aferir a maneira como evoluíram as relações humanas no que diz respeito ao trabalho prestado em favor de outrem. No tocante ao presente estudo, analisar a história do trabalho tem como objetivo investigar como se deu a subordinação do homem trabalhador (fosse ele escravo, servo, empregado) frente ao detentor de bens e capitais. Sendo assim, nas próximas páginas, o trabalho será analisado através dos tempos, desde a origem da humanidade até o surgimento das primeiras leis de proteção aos trabalhadores.

1.1 O trabalho na origem da humanidade

A luta pela sobrevivência faz parte da vida dos seres humanos: ao realizar atividades como retirar da natureza seus alimentos, desenvolver ferramentas, ainda que rudimentares, para poder caçar e salvar-se de animais selvagens, o ser humano sempre exerceu alguma forma de trabalho. Ou seja, a humanidade sempre trabalhou. No começo, para sua própria sobrevivência e subsistência; posteriormente, com o desenvolvimento das relações sociais, para outros seres humanos. No início, na busca por alimentos e para a própria defesa, surgiram os primeiros instrumentos de trabalho, como os ossos de animais e, mais tarde, a pedra lascada. Nesse horizonte, como se nota, “o trabalho sempre preservou o homem de sua própria destruição e o impeliu a interagir, unindo-o a outro ou a outros”1.

O trabalho, assim, foi fator de sobrevivência para a humanidade, fazendo surgir relações sociais para fins de cooperação e de autoproteção. Afinal, já dizia Aristóteles que “o homem é um animal social”. Segundo o autor,

As primeiras uniões entre pessoas, oriundas de uma necessidade natural, são aquelas entre seres incapazes de existir um sem o outro, ou seja, a união da mulher e do homem para perpetuação da espécie (isto não é resultado de uma escolha, mas nas criaturas humanas, tal como no outros animais e nas

1 FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Granda da Silva. História do trabalho, do Direito do Trabalho e da justiça do trabalho – Em homenagem a Amando Casimiro Costa.

São Paulo: LTr, 1998, p. 23.

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plantas, há um impulso natural no sentido de querer deixar depois de individuo um outro ser da mesma espécie).2

Sendo assim, os seres humanos necessitam viver em sociedade, tanto para a manutenção da espécie e sua sobrevivência, como para o enfrentamento do inimigo. Tendo em conta a perpetuação da humanidade, é a partir de sentimentos como solidariedade entre si e união que se desenvolveu o senso de vida em grupos, ainda que pequenos no início, os quais acabaram dando origem à família, posteriormente. O estudo do princípio da sociedade passa necessariamente pela Antiguidade, sobretudo no que toca às civilizações gregas e romanas, que se constituíram através do trabalho de escravos, servos e clientes. Portanto, por conta de sua relevância histórica, o trabalho na Antiguidade será tema da próxima seção.

1.2 O trabalho na Antiguidade

Nas antigas civilizações gregas e romanas, o conceito de propriedade já se encontrava bastante desenvolvido no que se referia tanto a coisas quanto a pessoas, fazendo surgir as sociedades divididas em classes ou castas. Naquele período, o conceito de propriedade da terra era completamente aceito, embora houvesse raças que nunca tenham instituído a propriedade privada, tais como os antigos germanos, sociedade em que as terras não pertenciam a ninguém, sendo essa população proprietária apenas da colheita3. Por outro lado, as civilizações gregas e romanas concebiam o conceito de propriedade privada, mas não apenas da terra, pois “a ideia de propriedade privada estava implícita na proporção da religião.

Cada família tinha seu lar e os seus antepassados. Esses deuses podiam ser adorados pela família e só a ela protegiam; eram sua propriedade”4. Como resultado, a concepção da família como o centro de tudo propiciou o isolamento, opondo-se ao conceito de comunidade e de cidade; afinal, “[...] o único estado social que poderia estar de acordo com a crença é aquele em que a família vivia independente e isolada”5.

Nesse contexto de isolamento da família, os servos se tornaram essenciais para a realização do trabalho; entretanto, por se tratar de uma organização fechada, esses mesmos

2 ARISTÓTELES. A política. Brasília: Hemus, 2005, p. 5.

3 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005.

4 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 65, grifo nosso.

5 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 121.

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trabalhadores deviam integrar a família, participando dos cultos religiosos como se seus membros fossem. Assim, tais indivíduos eram protegidos pelas famílias, pois existia na relação entre pobres e ricos uma interdependência, uma necessidade recíproca6, a partir da qual se criou a figura do servo. Todavia, por receber proteção, por integrar o culto e por ter o direito a orar, o servo acabou por perder a sua liberdade, pois “a religião era a cadeia que o amarrava. Estava ligado à família por toda a vida, e mesmo depois, na morte”7. Percebe-se, portanto, que a relação de trabalho na Antiguidade era formada pela forte característica da dependência e subordinação, fosse em virtude da necessidade de proteção que os pobres tinham, fosse pela característica da organização familiar, à qual, por se tratar de um núcleo fechado, o trabalhador, assim entendidos o escravo e o servo, ficava totalmente vinculado – até depois da morte8.

Além de escravos, servos e uma pequena parcela de homens livres, nas antigas sociedades greco-romanas era igualmente presente a figura do cliente, uma outra espécie de trabalhador, derivada do escravo e do servo. O cliente consistia naquele servo que ganhara a condição de liberto. Conquanto adquirida tal condição, ainda assim se mantinha vinculado à família, reconhecendo a autoridade do chefe ou patrono, sem que findasse suas obrigações.

Segundo Cícero, “mesmo liberto, não podia casar sem a autorização do senhor, e seus filhos continuavam obedecendo ao mesmo senhor”9. Não obstante ligado ao senhor, detinha alguma dignidade pelo fato de viver no mesmo lar que este, participar dos cultos religiosos e das festas, vindo, inclusive, como ocorria em Roma, a adquirir o mesmo nome da família. Por conta dessas características, dentro do que se concebia como família mais geral, havia diversas outras pequenas famílias, clientes e subordinadas à primeira10. Conforme explica Coulanges,

A clientela era um laço sagrado formado pela religião, que nada poderia quebrar. Se algum dia foi-se cliente de uma família, jamais poderia se desligar dela. A clientela dos tempos primitivos não era, pois, uma relação voluntária e lábil entre dois homens; era hereditária: era-se cliente, por dever de pai a filho.11

6 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 123.

7 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 124.

8 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005.

9 CÍCERO, De Legibus, II, 11 apud COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 124.

10 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005.

11 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 125.

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Percebe-se, assim, que o cliente muito se assemelhava ao servo da Idade Média. No âmbito da família, os clientes se resignavam à sua situação, não só porque havia certo isolamento entre eles como também pelo fato de o homem, que detinha o sacerdócio por direito hereditário, desenhar-se como alguém sagrado para as classes inferiores. No entanto, com a formação das cidades, houve maior comunicação entre famílias e clientes de famílias distintas, o que possibilitou que os menos favorecidos passassem a ter conhecimento sobre as diferenças entre as famílias (distinções estas que não mais ficavam restritas ao círculo familiar), levando-os a questionar a autoridade do senhor e a sonhar com sua liberdade. A consequência não foi uma insurreição generalizada, mas uma insurgência no âmbito da família, em que os servos passaram a contestar a posição do senhor, o qual, por sua vez, começou a desacreditar na legitimidade de sua própria autoridade, o que provocou o enfraquecimento da permanência do cliente no núcleo familiar12.

Conforme se observa, as classes, desde as sociedades antigas, foram divididas em função da condição de pobreza ou de riqueza de seus integrantes: aqueles que possuíam bens mantinham à sua mercê os pobres, fossem como escravos, fossem como servos, fossem como clientes. Em que pese não existir a menor possibilidade de ascensão de uma classe para a outra, as classes inferiores eram muito valiosas aos senhores de riquezas, na medida em que eram os mais pobres os responsáveis pelo cultivo e pela proteção das terras do senhor. Assim,

“[...] essa classe inferior era muito útil, que os seus braços no cultivo da terra faziam a riqueza do senhor e pegando em armas faziam a sua força em meio às rivalidades das famílias”13.

No entanto, a história do trabalho traz o traço marcante da sujeição entre os que são e os que não são possuidores de bens desde os tempos mais antigos, como quando as cidades ainda nem se tinham formado. Já na Antiguidade, o poder era conferido aos senhores de terras, e a ascensão de uma classe social para outra era impossível. O pobre sempre seria pobre, na medida em que a sociedade, formada no âmbito familiar, tinha suas regras definidas com base no poder conferido ao pater, que era, a um só tempo, o proprietário das terras e o senhor absoluto da família. A evolução vivida pelo cliente, assim, não poderia lhe conferir mudanças em sua condição social, pois, embora conquistasse uma fração de terras e, com elas, passasse a adquirir ganhos com a colheita, isso não seria suficiente para lhe garantir autonomia, aquisição de bens nem, principalmente, independência do senhor.

12 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005.

13 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 287.

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No que diz respeito à relação entre o cliente, o senhor e a terra, cabe fazer referência à obra de Sólon, figura que revolucionou a legislação de Atenas e a quem Aristóteles atribui o fim da escravidão do povo. Foi fruto de seu governo a supressão/redução do tributo instituído até então pelo uso das terras do senhor pelos clientes, assim como a vedação do retorno do cliente à escravidão, em caso de falta de pagamento pelo usufruto das terras do senhor. Além disso, foi ele quem retirou da posse da terra o elo da religiosidade:

Arrancara a terra à religião para entregá-la ao trabalho. Suprimindo o direito do eupátrida sobre o solo, suprimiu também sua autoridade, sobre o homem;

e, com muito acerto, afirma em seus versos: ‘Tornei livres aqueles que sobre esta terra suportavam a cruel servidão e tremiam diante do senhor.14

Também em Roma o cliente mudou: transformou-se em liberto. O liberto continuava ligado à família, usando inclusive seu nome, devendo ao patrono os serviços que lhe eram determinados. Porém, se antes a condição de cliente se mantinha por hereditariedade, em dado momento, essa condição começou a cessar a partir da segunda ou terceira gerações.

Diversamente do ocorrido em Atenas, entretanto, a situação do cliente, em Roma, não sofreu modificação substancial:

Não parece que a revolução, que em Roma libertou os clientes, se tenha concluído de uma só vez, como em Atenas. Aconteceu muito lentamente e de modo quase imperceptível, sem nenhuma lei formal que a sancionasse. Os laços da clientela afrouxaram pouco a pouco, e imperceptivelmente o cliente se afastou do patrono.15

Frente a tal cenário, percebe-se que o trabalho era uma atividade da qual participavam apenas os desprovidos de bens, de cultura, de dignidade. Na sociedade grega, o labor era destinado apenas aos de classe inferior, ou seja, escravos e pessoas desprovidas de bens e de inteligência, conforme o conceito grego de conhecimento. O trabalho não era exercido pelos providos de cultura, de intelecto, como pensadores, filósofos ou artistas. A própria origem etimológica da palavra “trabalho” deriva do latim vulgar tripaliare, que significa “martirizar

14 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 292.

15 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 295.

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com tripalium”16, um instrumento de tortura composto por três paus. Ou seja, o trabalho, em sua essência, decorria de ação feita sob pressão, como forma de tortura.

No entanto, não se pode negar que a formação dos impérios gregos e romanos se deu em decorrência do trabalho, quer de escravos, quer de homens livres de classes inferiores. O que se constata é que, desde os primórdios da humanidade, quando o homem primitivo percebeu que, entre consumir a carne do seu inimigo ou aproveitar sua mão de obra, melhor seria a segunda opção, ele passou a submeter o outro ao trabalho, em função de sua fraqueza, de sua dívida17, de sua pobreza. Por outro lado, o subjugado submeteu-se ao trabalho pela necessidade de sobrevivência. O trabalho do escravo era, portanto, um trabalho por conta alheia, cujas contraprestações eram o alimento, necessário para sua sobrevivência, e a continuidade do trabalho ao seu senhor, o que lhe garantia a proteção e a manutenção de sua existência. Enquanto sobrevivente, precisava continuar a trabalhar no que lhe era imposto. A subordinação adquiria seu auge; afinal, o trabalho do escravo era um trabalho forçado, não decorrente de sua vontade. Considerado fosse escravo, fosse cliente, o homem tinha pouco ou nenhum direito. Como será visto nas próximas páginas, essa condição deu espaço ao regime de servidão, o qual não modificou consideravelmente a questão da subordinação nas relações de trabalho.

1.3 O trabalho na Idade Média e os primórdios do capitalismo

O sistema de trabalho na Antiguidade, mesmo antes da formação dos impérios grego e romano, tinha por base, de um lado, o senhor da propriedade e seus descendentes diretos e, de outro, aqueles que se agregavam à família (por dívida, escravidão, pobreza) e para ela trabalhavam, em uma relação de dependência. Desse modo, desde os tempos mais remotos, é possível observar que a acumulação de bens pelos senhores com a exploração do trabalho alheio já era uma realidade.

16 CUNHA. Antônio Geraldo. Dicionário etimológico nova fronteira de Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 779.

17 Era comum, à época, a escravização de pessoas em decorrência de dívidas. Olea (1984, p. 66 apud SOUTO MAIOR, 2011, p. 45) explica: “Basicamente se chegava à condição de escravo, em primeiro lugar, pelo subjugamento em razão da conquista ou pela catividade do prisioneiro não sacrificado, seja permanecendo este no solo conquistado como agricultor, seja desterrando-o para transportá-lo como escravo industrial ou doméstico. Em segundo lugar, esgotadas as fontes externas, pelo nascimento de pais escravos ou mãe escrava, sendo estas as duas espécies aludidas no texto romano tardio, ‘os escravos nascem ou se fazem’. Com frequência, também, por várias situações de endividamento ou por outras causas”.

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De uma maneira mais elaborada e evoluída, com o surgimento das cidades, essa forma de exploração do trabalho também se transformou, não fazendo desaparecer, entretanto, a sujeição do homem ao senhor de terras, pois tal vínculo, embora se mostrasse como um modo de produção distinto da clientela, mantinha o homem preso à terra e subordinado ao senhor. O papel da religião familiar, nesse novo contexto, já não exercia influência sobre a relação havida entre o servo e o senhor de terras. Na verdade, a servidão passou a ser definida a partir do conceito de “modo de produção”, pois consistia em "uma obrigação imposta ao produtor pela força e independentemente de sua vontade para satisfazer certas exigências econômicas de um senhor, quer tais exigências tomem a forma de serviços a prestar ou de taxas a pagar em dinheiro ou em espécie [...]”18. Tratava-se, portanto, da servidão feudal, característica da Idade Média.

O que distinguia essa forma de trabalho é que, no sistema de servidão, o produtor se encontrava na posse dos bens, empreendendo o trabalho em favor de outrem (o senhor feudal), mas proporcionando a ele mesmo, produtor, a produção de seus próprios meios de subsistência. Já na escravidão, o escravo trabalhava em condições de trabalho que pertenciam ao seu senhor. Todavia, tanto em um quanto em outro, desenha-se “uma ausência de liberdade que pode variar desde a servidão com o trabalho forçado até o ponto de uma simples relação tributária”19.

Ademais, enquanto, no regime da sociedade familiar, a economia era apenas para a manutenção da própria família, integrada não apenas por pessoas ligadas por consanguinidade e parentes, mas também por agregados e dependentes que se ligavam pela religião, a partir da Idade Média – e, consequentemente, do feudalismo –, houve um distanciamento do servo em relação ao senhor ao qual era subordinado. Em muitas situações, àquele era destinada uma fatia de terras para o cultivo em favor deste, que, em troca, dava proteção ao servo.

A ânsia para uma maior produção aumentou com o tempo, tornando o servo cada vez mais explorado, na medida em que se afigurava como uma fonte de renda do senhor feudal.

Contudo, a intensa pressão sobre os camponeses, além de insatisfação, gerou o êxodo dos trabalhadores, que passaram abandonar a proteção anteriormente almejada, na medida em que não era mais possível suportar as exigências produtivas e tributárias. Em decorrência da migração para as cidades, uma grave crise na economia feudal se instalou, nos séculos XIV e

18 DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 44.

19 MARX, [19--], p. 918 apud DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 44.

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XV20. Em oposição a esse movimento, a fim de manter os trabalhadores no campo, os senhores feudais viram-se obrigados a proporcionar não só a exploração das terras, mas também o pagamento em dinheiro, que, de qualquer modo, resumia-se a baixos salários, em face da miséria em que viviam os camponeses. Assim,

Defrontamo-nos, também com outro paradoxo: a própria miséria dos camponeses, tal como a descrevemos, criando o perigo de despovoamento das propriedades senhoriais, poderia levar os senhores a se mostram mais inclinados às concessões que reduziam as obrigações feudais, ou a comutar as prestações de serviço por um arrendamento para evitar o despovoamento e porque a miséria que provocava a migração em massa tendia a tornar o trabalho assalariável bem barato.21

Juntamente com os escravos, servos e clientes, havia os homens livres, até porque, mesmo no sistema feudal, ou seja, na Idade Média, o dinheiro já circulava na sociedade. O comércio, ainda que rudimentar, fazia parte da sociedade: já no século VIII, havia a compra de lã pelos mosteiros, bem como a venda de vinhos na Borgonha e ainda a indústria de lã na Florência, por volta de 123822. Nesse horizonte, no que toca à conjuntura da Idade Média especificamente, foi necessário haver mudanças na exploração da mão de obra servil, passando da servidão pura e simples para a servidão combinada com serviços assalariados. No entanto, como toda transição social, não foi imediata a migração do campo para as cidades.

Em realidade, o que se nota é que o trabalho na Idade Média, prioritariamente servil, tratou-se de uma derivação do trabalho escravo, em que o homem era, ainda, privado de sua liberdade, em face da situação de miséria e desproteção em que se encontrava.

O êxodo do campo fez com que os trabalhadores, em busca de melhores condições de vida, passassem a atuar na economia urbana, que consistia no trabalho em artesanatos, concentrados nas corporações de ofício. Nessa forma de economia, do mesmo modo como acontecia nas relações feudais, a exploração se dava por aquele que detinha bens e meios de produção sobre aqueles que nada tinham. Assim, o artesão passou a integrar a economia das cidades e, por possuir os meios de produção, contratava auxiliares, que trabalhavam às suas ordens. Os trabalhadores migrados do campo, por sua vez, passaram a povoar as cidades, sendo incorporados por essa economia na forma de aprendizes. Ao final do período de

20 DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

21 DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 65.

22 DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

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aprendizagem, os trabalhadores passavam a ser tratados como companheiros, tendo direito a receber salário: tratava-se dos primeiros assalariados23.

Tais empregados trabalhavam, portanto, para os artesãos, que eram tidos como os mestres. Por necessidade, estes passaram a se unir, formando as chamadas “corporações de ofício”, com importante papel político no governo das cidades medievais. Por serem idealizadas pelos mestres, “as corporações de ofício passaram a ser autoritárias, com regimes regulamentares bastantes rígidos”24. Nesse sistema de trabalho, ainda que assalariado, o trabalhador tinha de passar necessariamente pelas fases de aprendiz e companheiro, em uma hierarquia muito rígida, na qual a liberdade continuava limitada. É a partir desse trabalho artesanal que se pode falar no conceito genérico de “empresa”. Schmoller traz a definição de empresa como unidade econômica no seguinte sentido:

Quando um certo número de indivíduos, famílias ou personalidades coletivas começam, de modo contínuo e conforme certos usos e certas regras de direito, o empreendimento de fornecer regularmente para o mercado certas prestações ou fazer certas entregas de mercadorias, para delas retirar, pela venda e pela compra, um lucro que lhes permita viver, ou pelo menos compensá-los em seus gastos, pode-se então falar e empresa.25

Não apenas pelo surgimento das empresas, mas também pelo poder dos mestres, as cidades iam crescendo, assim como a produção, o aperfeiçoamento da técnica e a união dos artesãos, à medida que se especializavam em seus misteres. A atividade das corporações de ofício foi organizada por uma legislação que vigeu até 1791, tendo Etienne Boileau codificado, sob o título Livres des Métiers, os usos e os costumes, as tradições, as prescrições e as proibições referentes à organização do trabalho das corporações de Paris26. Tais corporações tiveram seu auge no século XIII e primeira metade do século XIV, tendo seu declínio decorrido das lutas mantidas entre as diversas corporações de diferentes ofícios e do controle exagerado sobre a profissão. Frente a tal horizonte, o sistema corporativista não

23 FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Granda da Silva. História do trabalho, do Direito do Trabalho e da justiça do trabalho – Em homenagem a Amando Casimiro Costa.

São Paulo: LTr, 1998.

24 FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Granda da Silva. História do trabalho, do Direito do Trabalho e da justiça do trabalho – Em homenagem a Amando Casimiro Costa.

São Paulo: LTr, 1998, p. 43.

25 SCHMOLLER, 1905, p. 478 apud MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho.

Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1, p. 278.

26 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1.

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poderia perdurar, na medida em que, junto com o aperfeiçoamento do artesanato e com a expansão das empresas, houve o crescimento dos meios de comunicação e de transporte, trazendo a estagnação desse modo de produção. Surge aí o modo de produção capitalista, foco da próxima seção.

1.4 O trabalho com o surgimento da produção capitalista

Apesar das transformações com o decorrer dos séculos, não é possível dizer que o trabalho artesanal deixou de existir e que a produção das empresas, conforme definidas anteriormente, tenha se aperfeiçoado. As mudanças na sociedade ocorrem paulatinamente e, na maioria das vezes, não foram de modo homogêneo. Em realidade, foram necessários muitos séculos para que houvesse o declínio das corporações de ofício entre o seu apogeu até a sua extinção. Em conjunto com o êxodo das populações do campo, que buscavam fugir da miséria e encontrar melhores condições de vida nas cidades, houve o surgimento de várias oficinas de diversos tipos de artesanatos, com especializações de alguns serviços, e até o surgimento dos primeiros formatos de empresas.

Com as cidades crescendo, impôs-se ao produtor a abertura de seus mercados. A produção passou a não atender apenas aos mercados vizinhos, graças ao aperfeiçoamento dos meios de transporte, com os quais foi possível o comércio entre mercados longínquos. Nesse contexto, surgiu, de modo mais expressivo, a figura do comerciante, um intermediário entre os mercados e os pequenos produtores, pois “à medida que se ia estendendo a área do mercado, tornava-se cada vez mais difícil ao pequeno produtor colocar por si mesmo a sua mercadoria, fazendo com que aumentasse o poder da classe intermediária, a do comerciante”27. Nesse período, passou-se a verificar o surgimento da produção pré-capitalista, uma vez que o comerciante chegava a adiantar a matéria-prima ao produtor, o qual trabalhava para o comerciante sob direção deste, com exclusividade e, ainda, mediante antecipação de empréstimo, para fazer frente aos gastos com a produção. Dessa forma, a transição da sociedade artesanal para a capitalista mercantil se deu de duas maneiras: primeiro, através do

27 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1, p. 285.

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próprio artesão, que comercializava o seu produto; segundo, através de uma nova classe de pessoas, a do comerciante, “que se apoderou da produção dos pequenos comerciantes”28.

A partir desse período, em que novos mercados se abriram e descobrimentos característicos da era renascentista emergiram, o artesão, que não podia mais por si próprio colocar no mercado seus produtos e, por conta disso, começou a depender do comerciante (que, por outro lado, em face dos novos mercados, estava cada vez mais rico), passou à condição de assalariado – com um salário que era justamente o pagamento do comerciante pela sua produção29. Tratava-se do

[...] caso mais frequente nos últimos tempos: o comerciante adianta aqui, de fato ao trabalhador a matéria prima, e este nada mais é do que um trabalhador assalariado do primeiro, se bem que trabalhe em sua própria casa. Quando o comerciante consegue fazer triunfar esse sistema – que os trabalhadores a domicílio trabalhem, segundo modelos por ele proporcionados, a matéria-prima que lhes entrega – pode-se dizer então que a indústria a domicílio nada mais é do que a indústria descentralizada.30

Como se observa, não é possível afirmar que não havia trabalho livre mediante pagamento. A contraprestação evoluiu de diversas maneiras da Antiguidade até o Renascentismo, mas foi a partir do surgimento do capitalismo que se vislumbrou não só o pagamento efetivo de salário pelo trabalho prestado como também o surgimento da produção para um comércio em maior escala. Assim, a produção descentralizada, a ser realizada no domicílio de cada trabalhador, não se mostrava mais interessante ao comerciante, detentor do capital para direção da produção. Complementarmente, o artesão, totalmente dependente do poder econômico do comerciante, passou a se submeter às condições deste e à sua forma de organizar o trabalho. Assim, foi na figura do comerciante que se avistou o surgimento da manufatura, pois foi dele o movimento de agregar os pequenos produtores a ele vinculados em um só lugar, de sua propriedade – a empresa31.

28 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1, p. 287.

29 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1.

30 SCHMOLLER, 1905, p. 505-517 apud MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1, p. 292.

31 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1.

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Nesse cenário, as corporações de ofício foram, ao longo do tempo, perdendo seu poder e sua força: os artesãos empobrecidos se sujeitavam às regras dos comerciantes, eis que deles dependiam, enquanto os artesãos de maior poder econômico conseguiam explorar eles próprios o comércio. Assim, se antes os mestres tinham forte poder nas decisões políticas, agora pouco tinham esse tipo de espaço, que passou a ser ocupado pelos comerciantes.

Também conhecidos como capitalistas mercantis, os comerciantes passaram a empregar grande número de trabalhadores em suas manufaturas, sendo-lhes conferido protecionismo por parte da realeza32.

Dessa feita, percebe-se pontualmente o surgimento da empresa e do trabalho subordinado através de uma organização, à proporção que os trabalhadores passam a se inserir em empreendimentos e a admitir a sujeição de seus trabalhos às ordens de outrem. Segundo o jurista Moraes Filho, “o empresário reúne em um só local de trabalho um grande número de trabalhadores subordinados, que trabalham para ele, mediante salário”33, sendo tal configuração, de reunião de trabalhadores na manufatura com a produção mecânica, o princípio da Revolução Industrial, ponto a ser discutido a seguir.

1.5 O trabalho a partir da Revolução Industrial e o efetivo reconhecimento do trabalho subordinado

Conforme exposto, a evolução do regime de servidão, com a migração da população do campo para as cidades; o surgimento das corporações de ofício, que propiciaram aprendizagem e trabalho fora do campo, em confecções ainda artesanais; o aperfeiçoamento da empresa, com a concentração da produção; enfim, o aprimoramento do trabalho como um todo contribuiu para novas descobertas quanto aos meios de produção e aos modos como o trabalho poderia ser realizado. A partir daí, passaram a surgir máquinas para otimizar a produção, visto que os mercados consumidores estavam se expandindo cada vez mais. Houve, no período em questão, uma revolução.

32 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1.

33 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1.

(27)

O termo “revolução” traduz uma ruptura com uma situação pretérita para produzir transformações para o futuro, e foi exatamente o que se deu com a eclosão das máquinas. No entanto, como toda revolução, essa transição não foi tranquila. Houve resistência dos trabalhadores frente aos novos métodos de trabalho, com máquinas, eis que elas ocupavam postos de trabalho que poderiam ser destinados aos assalariados. Entretanto, para os comerciantes e os industriais, as máquinas significavam a chance de aumentar os lucros, pela possibilidade de fazer crescer a produção sem que houvesse a limitação física dos trabalhadores. Nesse contexto, homens e máquinas passaram a produzir em conjunto.

A partir da Revolução Industrial, homens e máquinas passaram a conviver, circunstância que modificou radicalmente as relações de trabalho, propiciando a expansão e a consolidação definitivas do capitalismo. As transformações decorrentes do surgimento da máquina fizeram com que o homem não fosse mais o detentor de todo o conhecimento do trabalho; de conducente passou a conduzido. Por outro lado, a máquina, àquele tempo, ainda não funcionava sem a impulsão do trabalho humano, ainda que a partir desta a máquina, através de mecanismos próprios, conseguisse exercer sozinha o trabalho, antes exercido pelos homens. Assim, mesmo com as evoluções tecnológicas e com o desenvolvimento de meios de produção automatizados, os trabalhadores continuavam sob a dependência do detentor de bens e de capital, sujeitando-se aos seus desmandos e exigências. Nesse contexto, são oportunas as lições de Marx:

[...] dois tipos bem diversos de donos de mercadorias têm de se defrontar e entrar em contato: de um lado, os donos do dinheiro, meios de produção e de subsistência desejosos de aumentar a soma de valores possuídos pela compra da força de trabalho de outras pessoas; de outro, os trabalhadores livres, vendendo sua própria força de trabalho.34

A breve história do trabalho apresentada até aqui visou a apontar que, desde sua origem mais remota, o trabalho é o modo pelo qual o homem, livre ou não, consegue manter- se vivo, seja para sua existência mínima, seja para melhoria de sua condição social. Nesse contexto, pouco ou nada mudou no que se refere à exploração do trabalho humano desde os primórdios da humanidade, quando o trabalho era realizado para a mera sobrevivência, até a Primeira Revolução Industrial e o surgimento do capitalismo. Em ambos os cenários, é

34 MARX, [19--], p. 737 apud DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 226.

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possível afirmar que havia, de um lado, aqueles que integravam a pequena parcela da sociedade, que era detentora de bens (terras, armas, máquinas) e de capital e, de outro, a grande massa de pessoas, cujo único bem era a força de trabalho contra a fome, a pobreza e a miséria.

Como se verá, a força do capital nas relações industriais e comerciais fez surgir as primeiras relações de trabalho efetivamente livres, impondo certas mudanças na sociedade, tais como a criação de normas protetivas dos trabalhadores. Essas novas relações entre capital e trabalho serão o objeto de estudo do próximo capítulo.

(29)

2 VIDA NAS CIDADES: AS NOVAS RELAÇÕES ENTRE CAPITAL E TRABALHO

A partir da migração da população campesina para as cidades em busca de melhores condições de vida, muitas vezes fugindo da miséria e da fome, novos métodos de trabalho se desenvolveram, ensejando o descobrimento da máquina a vapor – marco da Primeira Revolução Industrial – e acarretando a concentração de grande número de trabalhadores no trabalho com máquinas e manufaturas. O trabalho que, nas oficinas dos mestres, era até então descentralizado, passou a ser realizado de modo concentrado fora do domicílio dos mestres ou dos próprios trabalhadores, deixando estes à mercê de todo tipo de exposição, não só de sua integridade física, mas também moral. Frente a tal cenário, nas próximas páginas, serão analisadas essas novas relações entre capital e trabalho, bem como o necessário surgimento das primeiras leis trabalhistas.

2.1 As novas relações de trabalho

Progressivamente, o trabalho, que era descentralizado e cuja realização se dava em oficinas, localizadas nos domicílios, passou a ser efetuado em centros de produção, primeiramente em manufaturas e, posteriormente, em fábricas. Conforme já exposto, a população deixou o campo para fugir da pobreza e da miséria e buscar trabalho onde ele poderia ser oferecido. Esse movimento migratório, no entanto, fez com que houvesse a concentração de trabalhadores nas cidades, ocasionando, ainda que diante do desenvolvimento das fábricas decorrente da Revolução Industrial, excedente de trabalhadores para os postos de trabalho, o que gerou pouca oferta de trabalho e, consequentemente, baixos salários. Em torno de fábricas e minas, formavam-se cidades “da noite para o dia”, como ocorreu, por exemplo, em Manchester, Inglaterra, cuja população, em 1801, era de 35.000 pessoas e, 40 anos depois, saltou para 53.000 pessoas35.

Nessas circunstâncias, não é difícil perceber que havia excessiva quantidade de mão de obra disponível para pouco número de postos de trabalho, não obstante a Revolução Industrial e a expansão do comércio, com a ampliação dos mercados, terem implementado o desenvolvimento industrial. As condições de vida e de trabalho dessa massa populacional

35 HUBERMAN, 1986, p. 180 apud SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de Direito do Trabalho: teoria geral do Direito do Trabalho. Vol. I, Parte I. São Paulo: Ltr, 2011, p. 137.

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continuavam precárias, mesmo com a fuga para os grandes centros por conta da fome no campo, e tal realidade em comum propiciou o sentimento de solidariedade e de união entre os que padeciam dos mesmos problemas. A situação de miserabilidade dos trabalhadores verificada no século XVIII continuou inalterada no decorrer do século XIX e não atingiu apenas a Inglaterra, mas toda a Europa: nas grandes cidades, constatava-se a exploração do trabalho de mulheres e de crianças, com elevadas jornadas de trabalho e baixos salários – uma consequência direta do excesso de mão de obra disponível36.

Características como a não intervenção do Estado nas liberdades individuais e o sentimento de que todos os homens são dotados para o trabalho se coadunavam com o pensamento liberal, surgido a partir do século XVIII. Tal teoria, que justamente vai ao encontro do desenvolvimento econômico do período, permeava tanto os ideais dos industriários quanto os dos trabalhadores, apesar de não oferecer a estes nenhum benefício.

Sendo assim,

A Revolução Industrial, como dito, marca o advento da pura e simples exploração da força de trabalho do trabalhador livre, mediante formulação de contratos individuais. Esta relação alimenta-se das teorias liberais, tanto na perspectiva dos empreendedores, como, de forma paradoxal, na perspectiva dos trabalhadores, na medida em que se alimenta estes do sonho de adquirir meios de ascender na escala social (herança do modelo dos mestres e aprendizes) ou, simplesmente, de sair da miséria pelo próprio esforço (herança da concepção individualista), sem falar, é claro, que pouca alternativa havia para a sobrevivência deste.37

As teorias liberais, desse modo, estavam incutidas não apenas nos ideais dos comerciantes e industriais, mas também nos dos trabalhadores, que, ainda influenciados pela tradição do desenvolvimento do trabalho no sistema artesanal das corporações de ofício, acreditavam que, através de seu trabalho, poderiam ascender socialmente e melhorar sua condição pessoal38. Tal pensamento, entretanto, acabava por afastar dos trabalhadores a consciência de classe; inclusive, “a sobrevivência das tradições individualistas do artesão e

36 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. História do Direito do Trabalho no Brasil: curso de Direito do Trabalho. Vol.

I, Parte II. São Paulo: LTr, 2017.

37 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. História do Direito do Trabalho no Brasil: curso de Direito do Trabalho. Vol.

I, Parte II. São Paulo: LTr, 2017, p. 13.

38 A visão de que o homem pode, por meio de seu trabalho e esforço pessoal, conquistar sua independência e melhorar sua condição social não parece, no entanto, ser característica típica do período mencionado. Em momento adiante neste estudo, será apresentado caso semelhante, em que a exploração do trabalhador pelo capital traz a mesma sensação: a de que, pelo trabalho, o trabalhador será o proprietário de seu meio de subsistência, ou seja, verdadeiro empreendedor.

(31)

mestre com ambição de se tornar pequeno empreendedor se mostrou, por muito tempo, um obstáculo a qualquer crescimento firme e geral do sindicalismo, quanto mais da consciência de classe”39.

No entanto, o sentimento trazido pelo liberalismo e pela tradição das corporações de ofício rapidamente foi desfeito, na medida em que os trabalhadores foram expostos a jornadas de trabalho exaustivas, condições insalubres de trabalho, baixos salários – questões que minavam não apenas seus sonhos, mas também sua saúde. Não demorou a surgir o antagonismo entre os interesses dos industriais e comerciantes, de um lado, e os dos trabalhadores, de outro. Ou seja, o antagonismo entre capital e trabalho.

A partir dessa constatação, nasceu, no meio operário, o sentimento de solidariedade, contrariando o entendimento de que um trabalhador competia com outro. No lugar de competição, surgiu a percepção de que apenas unidos os trabalhadores poderiam modificar a condição em que se encontravam. Assim, evidenciava-se o antagonismo entre capital e trabalho, na medida em que da exploração do trabalho surgiam “duas classes de interesses antagônicos: a proletária e a capitalista”40, em que

A primeira, mais numerosa, não dispunha de poder, mesmo porque, no regime em que o Estado apenas assegurava, no plano teórico, a Igualdade e a Liberdade, a classe capitalista, pela força do dinheiro, pela submissão pela fome, impunha ao proletariado a orientação que tinha de ser seguida.

Explorando e escravizando a massa trabalhadora, a minoria patronal não se preocupava com a condição de vida de seus empregados: as relações entre patrões e trabalhadores se constituíam dentro dos muros de cada fábrica.

Fora desta precinta estrita, deste pequeno território comum, as duas classes – a rica e a trabalhadora – viviam tão separadas, tão distantes, tão indiferentes, como se habitassem países distintos ou se achassem divididas por barreiras intransponíveis. Criara-se o contraste flagrante e violento entre o supermundo dos ricos e o inframundo dos pobres.41

Ao observar o momento social, não é difícil constatar que o pobre começou a perceber que apenas o seu esforço individual não mudaria sua condição social, eis que cada vez mais miserável e explorado. Acontece que a miséria, a pobreza, o trabalho extenuante não permitiam que se propiciasse qualquer mudança da sociedade a não ser pela união de forças.

39 DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 267.

40 VIANNA, Segadas. Capítulo I – Antecedentes Históricos. In: SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 20-50. v. 1, p. 36.

41 VIANNA, Segadas. Capítulo I – Antecedentes Históricos. In: SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 20-50. v. 1, p. 39.

(32)

O espírito de solidariedade, assim, fez com que os trabalhadores se unissem pelo sentimento comum de que juntos poderiam ser mais fortes, dando ensejo ao movimento denominado questão social.

2.2 A questão social

A situação dos trabalhadores não ficou infensa à sensibilidade da sociedade, na medida em que esta não era composta apenas por industriais e trabalhadores reduzidos à miserabilidade. A questão social, não obstante ter sido tratada por muitos intelectuais como um problema atinente à classe operária, dizendo respeito aos interesses antagônicos entre ricos e pobres – fundamentalmente uma crise operária ou, em outras palavras, “uma questão de subsistência do operário ou uma questão de estômago”42 –, mostrou-se restrita ao movimento iniciado pelos próprios intelectuais, que passaram a se preocupar com a sociedade em seu conjunto. Por tal motivo,

Pelo nome de questão social, se entende a questão de como se possa obter remédio para os males de perigos gravíssimos pelos quais a sociedade é afligida, hoje, entre os povos civilizados, e especialmente de como restabelecer estavelmente a paz entre os ricos e os pobres e entre os capitalistas (aos quais pertencem também os possuidores de latifúndios) e os operários ou proletários.43

Nota-se, portanto, que a questão social tende, em verdade, à proteção da sociedade civilizada em seu contexto amplo, para sua preservação e progresso, minimizando conflitos entre ricos e pobres. Nesse contexto, merece destaque os ensinamentos do mestre do Direito Social Brasileiro, Cesarino Júnior, ao expor tese em Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Argentina, em 1961, ao prelecionar o seguinte:

Entretanto, e, sobretudo, a questão social não é apenas um problema de legislação, mas antes de tudo um problema de educação. Não basta legislar:

é preciso educar o proletariado a compreender os benefícios que lhe trazem

42 BELLIOT, Alberic. Manuel de Sociolgie Catholique. Paris: P. Cethielleux, 1927, p. 5-6. apud CESARINO JR. Antônio Ferreira. Direito social brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S. A., 1963, p. 94.

43 CATHREIN, 1935, p. 464 apud CESARINO JR. Antônio Ferreira. Direito social brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S. A., 1963, p. 94.

Referências

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