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O trabalho intermediado por plataforma online

5 QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: OS NOVOS MÉTODOS

5.4 A sociedade das plataformas

5.4.1 O trabalho intermediado por plataforma online

Há várias nomenclaturas para descrever o trabalho prestado por meio de plataformas digitais; porém, tais expressões envolvem alguns equívocos. Segundo Zipperer, não há consenso sobre como denominar o novo modelo de economia via plataformas digitais: a depender do autor, ele é chamado de economia colaborativa (colaborative economy), economia por intermediação (intermediary economy), economia gig (gig economy), economia de plataformas (plataforma economy), capitalismo da multidão (crowd-based capitalism), economia de serviços sob demanda (on demand economy), economia 1099 (1099 economy) e, por fim, economia de compartilhamento (sharing economy)168. No entanto, de acordo com o autor, referidos conceitos não são consenso entre estudiosos do tema, daí as várias denominações. Aquele aceito por Zipperer e o que mais vai ao encontro do presente trabalho (eis que diz respeito, de fato, à prestação de serviços) é o que se baseia nos três seguintes elementos da economia:

166 MISKULIN, Ana Paula Silva Campos. Aplicativos e Direito do Trabalho: a era dos dados controlados por algoritmos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 79.

167 SCHMIDT, 2017 apud MISKULIN, Ana Paula Silva Campos. Aplicativos e Direito do Trabalho: a era dos dados controlados por algoritmos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021.

168 ZIPPERER, André Gonçalves. A intermediação de trabalho via plataformas digitais: repensando o direito do trabalho a partir das novas realidades do século XXI. São Paulo: LTr, 2019, p. 46.

1. uma empresa intermediária na forma de uma plataforma digital, que ajuda a 2. conectar demanda de oferta para 3. realizar transações, como compra de serviços, e o compartilhamento remunerado ou não de ativos / propriedades, habilidades ou trabalho. 169

Nota-se, portanto, que, no caso de trabalho prestado por meio de plataformas digitais, há uma relação triangular: alguém que oferece um serviço, um prestador e uma plataforma que interliga o prestador ao suposto cliente ou beneficiário do serviço. Para entender um pouco mais sobre as possibilidades dessa prestação de serviços, é importante entender o que é o trabalho intermediado por uma plataforma de serviços online. Nessa categoria de trabalho, também chamada de crowdsourcing ou multiterceirização online170, não há qualquer contato entre os trabalhadores e aquele que disponibiliza o serviço – serviço este que será realizado online pelo prestador. Assim, nesse tipo de trabalho, ocorre o

Ato de externalizar um trabalho anteriormente realizado por um determinado agente (um funcionário, um trabalhador independente ou outra empresa) sob a forma de um convite aberto dirigido a um grupo geralmente vasto e indefinido de pessoas, normalmente através da Internet.171

A característica desse tipo de serviço é que, estando disponível na rede mundial, qualquer pessoa com acesso à internet e com a habilidade exigida para a tarefa é capaz de realizar o trabalho, esteja onde estiver. Com o processo de globalização, a principal língua utilizada na rede mundial de computadores passou a ser a língua inglesa, conhecida por pessoas de diversas partes do mundo. Nesse sentido, uma multidão passou a ter acesso ao trabalho disponibilizado (daí a origem do termo “crowd”); por consequência, sendo o trabalho disponível para uma multidão, o custo dele tende a ser baixo, em face da grande procura.

Trata-se da famosa “lei da oferta e da procura”.

Importante destaque merece o observado no Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as plataformas digitais e futuro do trabalho. Segundo o documento,

169 ZIPPERER, André Gonçalves. A intermediação de trabalho via plataformas digitais: repensando o direito do trabalho a partir das novas realidades do século XXI. São Paulo: LTr, 2019, p. 51.

170 ZIPPERER, André Gonçalves. A intermediação de trabalho via plataformas digitais: repensando o direito do trabalho a partir das novas realidades do século XXI. São Paulo: LTr, 2019, p. 62.

171 BUREAU INTERNACIONAL DO TRABALHO. Plataformas digitais e o futuro do trabalho – Promover

o trabalho digno no mundo. Genebra: BIT, 2020. Disponível em:

https://www.ufpe.br/documents/40070/1837975/ABNT+NBR+6023+2018+%281%29.pdf/3021f721-5be8-4e6d-951b-fa354dc490ed. Acesso em: 02 out. 2022.

existem trabalhadores de inúmeras partes do globo necessitando de trabalho, o que abrange vários fusos horários e possibilita que as empresas concluam seus projetos “a qualquer hora do dia ou da noite e, uma vez que esses grupos são muito vastos e as tarefas podem ser realizadas rapidamente”172. Nesse cenário, as empresas conseguem realizar seus projetos com custos menores e de forma mais rápida do que se comparado a contextos anteriores. Como resultado, não é difícil concluir que a mão de obra local fica prejudicada em detrimento dos serviços propiciados pela multidão de trabalhadores, que se sujeita a baixos salários e à ausência de qualquer direito trabalhista.

Em países onde há déficit de oferta de trabalho, as pessoas podem se dispor a trabalhar por qualquer preço, o que faz baixar ainda mais o preço ofertado pelo trabalho.173 Em muitos contextos, os trabalhadores realizam as tarefas a distância, para tomadores não necessariamente identificados; na maioria das vezes, trata-se de pequenas tarefas, que lhes garante apenas alguns centavos. Por conta disso, poder-se-ia pensar que seria o caso de economia de bico, a chamada gig economy, ou seja, aquela atividade da qual a pessoa se vale para complementar a renda. Entretanto, nem sempre é esse o caso.

Na verdade, entender o trabalho a partir das inovações tecnológicas é imprescindível para entender o trabalho subordinado nos novos tempos e, assim, verificar se houve mudança efetiva nas novas relações de trabalho. Os estudos do Relatório da OIT trazem interessante análise sobre as novas tecnologias, o mundo do trabalho, o passado e o presente:

Como defendem outros autores, o trabalho nas plataformas digitais assemelha-se a muitas modalidades de trabalho antigas, apenas servindo-se de uma ferramenta digital como intermediária. As estratégias do trabalho nas plataformas digitais que se centram na divisão das tarefas em pequenas unidades que podem ser confiadas a trabalhadores não qualificados podem ser vistas como «um regresso aos processos industriais não qualificados do taylorismo, mas sem a lealdade e a segurança no emprego» (Cherry, 2016a, p. 3). A remuneração, que é paga à tarefa e não em função do tempo de trabalho, também evoca a estrutura de pagamento à peça da era pré-industrial (ibid.). O caráter ocasional do trabalho nas plataformas digitais, conjugado com a decomposição das tarefas em pequenas unidades, também

172 BUREAU INTERNACIONAL DO TRABALHO. Plataformas digitais e o futuro do trabalho – Promover

o trabalho digno no mundo. Genebra: BIT, 2020. Disponível em:

https://www.ufpe.br/documents/40070/1837975/ABNT+NBR+6023+2018+%281%29.pdf/3021f721-5be8-4e6d-951b-fa354dc490ed. Acesso em: 02 out. 2022.

173 Conforme apontado no Relatório da OIT (2020, p. 3), “os trabalhadores que vivem em países com um custo de vida mais baixo, como a Índia e outros países em desenvolvimento, poderão estar dispostos a trabalhar por uma remuneração mais baixa do que a remuneração eventualmente exigida pelos seus colegas que vivem em países com um custo de vida mais elevado, como os Estados Unidos da América ou os países europeus”.

se assemelha às modalidades precárias de trabalho que ainda existem na indústria do vestuário e têxtil – quer o trabalho seja realizado em sweatshops centralizadas quer no domicílio do trabalhador que tenta compensar o seu baixo salário com «trabalho de casa» adicional (Scholz e Liu, 2010). Além disso, os serviços de correspondência (matching), entre clientes e trabalhadores, que algumas plataformas oferecem assemelham-se, na prática, ao trabalho das agências de emprego ou de trabalho temporário.174

A comparação feita pelos estudiosos da OIT mostra que o mundo mudou, as revoluções industriais se sucederam, mas o homem continua trabalhando para sobreviver do mesmo modo. O exemplo clássico de crowdwork online e famoso no mundo todo é o disponibilizado pela plataforma Amazon Mechanical Turk (AMT), utilizada por aqueles que necessitam oferecer e prestar serviços baratos sob demanda da multidão175. Não resta dúvida de que, nessas hipóteses, fica mais difícil identificar a subordinação do trabalhador na relação de trabalho; no entanto, tal questão será abordada em capítulo próprio, dada sua relevância para este trabalho. Previamente a isso, nas próximas páginas, o foco serão as plataformas offline, que possuem características diferentes das online.