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Algoritmo: gerente ou parceiro?

6 SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA: AS CONSEQUÊNCIAS NAS

6.1 O algoritmo

6.1.1 Algoritmo: gerente ou parceiro?

Se, no início dos anos 1990, a economia de compartilhamento surgiu, interligando pessoas em um modelo de consumo distinto do existente até então, ao promover o compartilhamento de coisas (tais como o simbólico exemplo do compartilhamento de uma corrida de táxi), os avanços tecnológicos trouxeram os relacionamentos baseados na Appficação, através do desenvolvimento de aplicativos para tablets e smartphones187. Com a chamada Appficação, os aplicativos passaram a ser acessíveis na maioria dos aparelhos eletrônicos, ficando à disposição para adultos e crianças, a qualquer hora do dia ou da noite.

No que diz respeito à prestação de serviços, não restam dúvidas de que, existindo aplicativos de trabalho e tendo a pessoa desempregada um celular com acesso à internet, o trabalho se torna uma atraente opção.

Uma vez que o indivíduo se encontra ocioso e pode trabalhar se assim desejar, tudo levaria a crer que o aplicativo seria, na verdade, um serviço prestado ao trabalhador – em outras palavras, um parceiro para complementação de sua renda, uma tábua de salvação ao seu desemprego. Por tais razões, não é difícil imaginar que o aplicativo, a plataforma e o algoritmo possam ser percebidos como ferramentas que propiciam aos trabalhadores a oportunidade de “trabalhar para si mesmos”. Nahmias faz importante reflexão a respeito dessa realidade, citando, como exemplo, os trabalhadores de serviços de transporte:

A intermediação dos serviços de transporte por plataformas, com gerenciamento de serviços humanos por algoritmos, tem uma marca distintiva: a ausência de visualização de uma figura humana na gerência dos serviços. Do ponto de vista da execução de uma tarefa, qual a diferença entre uma agência física – cooperativa ou não – que oferece serviços de transporte e um aplicativo com idêntico objetivo? Não é outra senão a dificuldade de identificação de uma figura humana na gerência. A intermediação pela plataforma, entretanto, com serviço gerenciado pelo algoritmo, não elimina a figura de um gestor humano, programador ou dono da plataforma.188

Segundo o autor, o motorista de aplicativo tem uma percepção equivocada de que tem total autonomia na prestação de seu trabalho, originada justamente na ideia de que não se

187 GERHARD, Felipe; SILVA JÚNIOR, Jeová Torres; CÂMARA, Samuel Façanha. Tipificando a economia do compartilhamento e a economia do acesso. Revista Organizações & Sociedade, Bahia, v. 26, n. 91, p. 795-814, out./dez. 2019.

188 MELO, Sandro Nahmias. Eu, algoritmo. Revista LTr, São Paulo, ano 84, n. 05, p. 548-555, maio 2020, p.

549.

sujeita a ninguém. As próprias plataformas levam os trabalhadores a crerem que trabalham para si mesmos, com independência, como se fossem parceiros das plataformas. No endereço eletrônico da Uber, o trabalhador é induzido a acreditar que todo o “negócio” se encontra em suas mãos. Ao acessar o site, é possível ler a seguinte frase: “Assuma o comando e ganhe.

Dirija na plataforma com a maior rede de usuários ativos”. Ou seja, você está no comando, então você pode ganhar. Mas será que é isso mesmo que acontece? Estudos demonstram que não. Em seu importante artigo, Melo esclarece a realidade vivia pelos trabalhadores:

Apesar das plataformas defenderem a ideia de trabalho por conveniência dos

“parceiros”, podendo estes trabalharem quando e quanto quiserem, esta

“liberdade” conflita com o dever de cumprir objetivos definidos na programação dos serviços, como fazer um número mínimo de corridas – estas sem limite máximo -, bem como não ter a opção de escolher passageiros ou destinos, tudo isso decidido de forma unilateral pelo algoritmo. A liberdade de decidir é a mesma para qualquer outro desempregado diante da oferta de um emprego aquém das suas expectativas:

submissão, subordinação ou o mundo sem trabalho.189

Percebe-se, portanto, que a influência do algoritmo na atividade laboral é tamanha que chega a afetar a própria percepção dos trabalhadores, em um jogo que convém confundir a condição de empreendedor de si mesmo e a de mero trabalhador explorado e precarizado pelos serviços de plataforma. A confusão se justifica porque as empresas 4.0, surgidas na Quarta Revolução Industrial, apresentam-se como empreendimentos que não têm estabelecimento próprio, estoques, lojas ou empregados, colocando-se como modelos empresariais inovadores, que trazem oportunidades aos que desejarem ser seus parceiros.

Desenham-se, nesse horizonte, como uma empresa vazia, uma “empresa nuvem”. Sobre isso, Oliveira, Carelli e Grillo apontam o seguinte:

De igual modo, há um discurso nebuloso dirigido aos trabalhadores nestas empresas nuvens. A relação econômica e mercantil é naturalizada como se fosse uma concessão ou uma dádiva para pessoas vulneráveis. Busca-se legitimar estas novas formas precárias de trabalho, tornando senso comum a ideia de que tal labor é “oportunidade de renda” no cenário de crise

189 MELO, Sandro Nahmias. Eu, algoritmo. Revista LTr, São Paulo, ano 84, n. 05, p. 548-555, maio 2020, p.549

econômica e imenso desemprego. Neste sentido, a “empresa nuvem”

expressa um mito de ajuda e auxílio.190

Frente a esse cenário, não há como afirmar que os trabalhadores sejam parceiros das empresas nuvem nem que, por meio delas, possam ganhar dinheiro e ser empreendedores de si mesmos. As plataformas de trabalho (como a Uber, por exemplo) exploram um negócio com base na economia colaborativa: quem presta os serviços é considerado parceiro; quem se vale dos serviços é considerado cliente. Contudo, não obstante a alegada parceria, o aplicativo, mais precisamente o algoritmo, tem total controle sobre as atividades do prestador e dos serviços. Exemplo disso são os trabalhadores em plataforma offline.

Conforme apontado por Gaia, a operacionalidade de aplicativos de serviços de motoristas, como Uber ou 99taxi, depende da realização de ações pelos humanos: o trabalho precisa ser realizado em horário e local determinados, por meio de um tipo de economia denominado on-demand. Os negócios on-demand (ou economia sob demanda) consistem em um modelo de negócio que permite que, por meio da internet, plataformas virtuais disponham de grandes grupos de prestadores de serviços que aguardam ao chamado dos clientes191.

Ora, uma vez que os trabalhadores são aproximados dos clientes e podem, com isso, prestar o trabalho para os quais se ofereceram, de que modo atuaria o algoritmo para que se conclua que tais indivíduos não são parceiros, mas, na verdade, trabalhadores subordinados?

É o que será analisado na próxima seção, em que se reflete sobre como opera o algoritmo no cotidiano desses trabalhadores e quais são suas influências e limites nas atividades realizadas.

190 OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio; CARELLI, Rodrigo de Lacerda; GRILLO, Sayonara. Conceito e crítica das plataformas digitais de trabalho. Revista Direito e Praxis, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 2609-2634, 2020, p. 2616.hyh5trrtthhj

191 GAIA, Fausto Siqueira. Uberização do trabalho: aspectos da subordinação jurídica disruptiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.

SIGNES, Adrián Todoli. O mercado de trabalho do século XXI: on-demand economy, crowdsourcing e outras formas de descentralização produtiva que atomizam o mercado de trabalho. Tradução de Ana Carolina Reis Paes Leme e Carolina Rodrigues Carsalade. In: PAES LEME, Ana Carolina Reis; RODRIGUES, Bruno Alves;

CHAVES JR. José Eduardo Resende (coord.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano:

a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 29-43.