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A modificação do trabalho pelas Revoluções Industriais e o seu reflexo no

3 CONTRATO DE TRABALHO: O SURGIMENTO DO CONCEITO

3.4 A modificação do trabalho pelas Revoluções Industriais e o seu reflexo no

exatamente o que ocorreu com a subordinação: a sua definição foi identificada com o conteúdo de uma de suas modalidades concretas, o que levou à restrição do conceito.88

A importância do apontamento feito por Porto, ao destacar o processo de sinédoque que atingiu o termo “subordinação”, reside no fato de, apesar da redução da teoria da

execução do trabalho, por meio das linhas de montagem e da produção em massa. Apesar dessas profundas alterações nos modos de realização do trabalho nas empresas, em tal período, conhecido como fordismo90 , não se verificou a desconcentração de pessoas da organização do trabalho, que na época continuou se sucedendo no estabelecimento do empregador.

A Terceira Revolução Industrial, época do surgimento da tecnologia, caracterizou-se por ter sido impulsionada por elementos como os semicondutores, a computação em mainframe (década de 1960), a computação pessoal (década de 1970 e 1980) e a internet (década de 1990). Graças a ela, as vidas pessoal e profissional se modificaram, ao se propiciar que o trabalho fosse executado a distância, sem a subordinação ostensiva e corpo-a-corpo até então experimentada pelos trabalhadores91. Por fim, a Quarta Revolução Industrial, também conhecida como Revolução Digital, iniciada na passagem do século XX para XXI, foi marcada por uma internet mais rápida e móvel, com sensores poderosos e baratos e pela inteligência artificial92. Foi nesse período que efetivamente o mundo virtual integrou-se ao mundo real.

Assim, em face das mudanças havidas no contexto laboral em decorrência do trabalho a distância, alteraram-se também as próprias relações de trabalho, o que acarretou o questionamento sobre a validade do tradicional conceito de subordinação frente à evolução nas formas de controle do trabalho realizado. É o caso, por exemplo, do teletrabalho, que representa uma “crise da subordinação como categoria jurídica”, no sentido da perda de sua qualidade por incapacidade de desempenhar “o papel de inclusão e exclusão do campo de aplicação do Direito do Trabalho”93. Como se nota, a crise da subordinação se estabelece na medida em que a referência ao trabalho subordinado apenas passou a ser reconhecido quando da criação do Direito do Trabalho, ou seja, quando as pessoas passaram a trabalhar no estabelecimento do empregador, de modo concentrado. Antes disso, o trabalho sempre existiu de modo subordinado, fosse enquanto escravo, servo, aprendiz ou companheiro, mas apenas a partir do capitalismo é que se reconheceu a condição de subordinação.

90 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995.

Segundo Antunes (1995, p. 17), “menos do que um modelo de organização societal, que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade, compreendemos o fordismo como processo de trabalho que, junto com o taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste século”.

91 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018.

92 SCHWAB, Claus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2019. E-book.

93 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 86.

Na subordinação jurídica, conforme visto, é o trabalho que é subordinado às normas do empregador, e não a pessoa do trabalhador. Nesse sentido, ainda que o conceito de subordinação tenha nascido do fator social contrato de trabalho a partir do trabalho prestado na organização do trabalho (ou seja, na empresa ou no estabelecimento), a sujeição não é da pessoa, é do trabalho prestado. Tal entendimento é fundamental para compreender por que, mesmo com a descoberta da eletricidade e com o surgimento do computador e da internet (que propiciaram, indireta ou diretamente, a realização do trabalho fora do estabelecimento do empregador), nem assim foi afastado o conceito de subordinação. Há uma justificativa para isso: a subordinação é inerente à própria concepção de contrato de trabalho, não importa onde o trabalho se desenvolva. Prova disso, no caso do direito pátrio, é o que consta no art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo o qual não há distinção entre o trabalho feito no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego94.

Chegou-se a pensar que a subordinação restaria superada, eis que as novas tecnologias aparentemente acabariam por impedir o controle direto e visual dos trabalhadores, “o que coloca[ria] em xeque o seu valor como categoria jurídica e sua capacidade para identificar o âmbito de abrangência do Direito do Trabalho”95. No entanto, não foi o que de fato aconteceu, sobretudo após o advento da internet – que, como é de conhecimento geral, aproxima as pessoas: o trabalho foi trazido para o interior da residência do trabalhador ou de qualquer outro lugar onde este pudesse ter acesso a um computador ligado à internet. As modificações nos modos de execução do trabalho subordinado trouxeram novamente alterações legislativas, como a que pode ser percebida pelo acréscimo no art. 6º da CLT. Conforme aponta o parágrafo único do respectivo artigo, “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”96.

Como se sabe, a rede mundial de computadores propicia todo tipo de acesso. É possível consultar processos judiciais a partir de qualquer lugar; ler livros online; visitar

94 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 22 jul. 2022.

95 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 87.

96 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 22 jul. 2022.

museus de outras partes do mundo sem sair de casa; e, como não poderia deixar de ser, ter o trabalho realizado na própria residência controlado pelo chefe que está na sede da empresa. O trabalho por meio telemático mostra que o controle pode ser até mais intenso do que aquele feito presencialmente, uma vez que o empregador tem condições de verificar se o empregado se encontra conectado ou não à rede. Assim, a subordinação, de fato, mudou, mas, contrariamente ao que se pensou no início, seus efeitos não foram mitigados no trabalho a distância, mas sim intensificados. Na realidade,

O fato de o trabalhador realizar a sua atividade distante da empresa e de seus superiores hierárquicos não significa que ele se encontre livre do poder empresarial de direção e controle. As novas tecnologias da informação e das telecomunicações mudaram a morfologia da subordinação, mas, na prática, esta pode continuar tão intensa, senão até mais do que no passado.97

Nesse novo desenho de trabalho, a subordinação se mostra menos visível, mas não menos intensa; ao contrário, ela se transforma tal como as novas tecnologias se transformam.

A subordinação se adequa aos novos tempos, às novas formas de trabalho. Desse modo,

Costuma-se dizer que a subordinação diminui com a substituição do trabalho por parte das máquinas [...]. Leituras desse tipo certamente não são incontroversas: de fato, não deixou de ser relevado como a tendência possa ser, ao contrário, a acentuação, a acentuação da subordinação [...] o trabalho

“flexível” não é menos subordinado, nem apresenta graus inferiores de exploração, tanto é que, nos casos de trabalho tecnologizado, o controle pode se apresentar de formas mais ocultas e sofisticadas, mas também mais invasivas em relação às denominadas relações “normais”. [...] algumas tecnologias podem encobrir os aspectos exteriores da subordinação, mas a sua estrutura social, econômica e jurídica não é modificada.98

Pode-se dizer que o teletrabalho tenha sido uma das primeiras formas de trabalho a distância, fomentando a discussão sobre o elemento subordinação nas relações de emprego.

No entanto, antes mesmo dele, já se reconhecia o trabalho em domicílio como trabalho subordinado, não obstante realizado fora do estabelecimento do empregador. Doutrina e

97 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 88.

98 GAETA, 1993, p. 64-65 apud PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 88-89.

jurisprudência99 não colocaram em discussão a presença ou não da subordinação no trabalho em domicílio, mas é possível perceber que tal elemento, embora ostensivo, já não se mostrava tão relevante como requisito para a relação de emprego, mesmo naquele formato de trabalho, em que o empregado, em regra, recebia seus ganhos de acordo com sua produção. Dessa maneira,

A doutrina aponta requisitos para a configuração: continuidade, fixação de qualidade e quantidade, entrega do produto acabado em tempo predeterminado, fixação de tarifa e absorção de tempo do trabalhador por uma ou mais empresas (Gomes-Gottschalk, Curso, n. 187). A pessoalidade é dispensável (idem; Sussekind a exige, Com., art.6º), desde que a colaboração de familiares seja acessória. A exclusividade não é necessária; a continuidade sim.100

Nesse sentido, é possível notar que a inserção do trabalhador no estabelecimento do empregador não é elemento essencial para definir o requisito subordinação na relação de emprego, justificando o estudo do tema sob todos os seus enfoques. É o que será proposto no próximo capítulo, em que se apresentam as diferentes ópticas a partir das quais a subordinação já foi considerada.

99 “A CLT só se aplica ao verdadeiro trabalhador a domicílio e não ao artesão a domicílio” (TST, RR 3.581/74, Coqueijo Costa. Ac. 3ª T.558/75 apud CARRION, 1979, p. 16).

100 CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p.

16. Nesta obra, o autor faz menção à obra Curso de Direito do Trabalho, de Orlando Gomes e Elson Gottschalk (1971) e Comentários à consolidação das leis do trabalho e legislação complementar, de Arnaldo Sussekind (1960).