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As teorias acerca da subordinação no contrato de trabalho

3 CONTRATO DE TRABALHO: O SURGIMENTO DO CONCEITO

3.2 As teorias acerca da subordinação no contrato de trabalho

A teoria da subordinação passou a ser concebida a partir do surgimento das leis trabalhistas, consequência da concentração de trabalhadores nas fábricas sob a dependência do patrão, cuja exploração do trabalho passou a ser limitada pelo Estado. Segundo a doutrina francesa, a teoria da subordinação foi exposta por Cuche, em Du rapport de dépendance élement constitutif du contrat du travail (1913), ao passo que os italianos defendem que a teoria da subordinação nasceu da doutrina de Ludovico Barassi, em Il contrato di lavoro (1901), obra cuja finalidade era distinguir, de um lado, os trabalhos do operário da indústria e da locação de serviços, e, de outro, as teorias civilistas consolidadas com o Código Civil italiano de 194257. Antes de tal período, não se enxergava o trabalhador, ainda que prestando trabalho por conta alheia, como um trabalhador subordinado. Não se constatava a sujeição do homem, mas, sim, o trabalho enquanto mercadoria a ser entregue pelo seu executor.

55 MORAES FILHO, Evaristo. Tratado elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1960. v. 1, p. 27.

56 O Mestre Cesarino Jr. apresenta o conceito de contrato individual de trabalho, após exposição das várias teorias e teses acerca da natureza jurídica do contrato de trabalho ou da relação de emprego, como as seguintes:

teoria do contrato realidade, teoria do ato-condição, teoria estatutária, teoria da instituição, teoria contratualista.

Por o presente estudo não ter como escopo o contrato de trabalho de uma forma geral, mas sim a subordinação especificamente, não nos debruçaremos aqui sobre as referidas teorias apresentadas pelo autor.

57 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011a.

Nesse mesmo sentido, o Código Civil italiano, que fora inspirado no Código de Napoleão, não regulava o contrato de trabalho (em verdade, sequer fazia referência a ele), prevendo apenas o contrato de locação de serviços58. Visto o trabalho ser mero objeto de locação, trabalhador e patrão eram tidos como iguais na relação jurídica, desde a contratação até o término do serviço contratado, mesmo que este se desse de forma contínua. No entanto, em face à condição de hipossuficiência do trabalhador em relação aos detentores do capital e a partir do trabalho livre, no qual o homem deixa de ser propriedade de outro homem para passar à condição de “descartável”, a exploração desmedida fez com que surgisse a necessidade de debates acerca da condição de subordinação do trabalhador em relação ao patrão.

Nesse horizonte, o debate sobre a relação de emprego e da subordinação na doutrina italiana decorreu de contribuições de civilistas, frente à existência da “locatio, que representava a possibilidade jurídica de as pessoas locarem não apenas os seus bens, mas também o próprio serviço, a sua energia laborativa”59. A jurisprudência, a partir de então, passou a caminhar no sentido de que o trabalho, a depender de como fosse prestado, configurava sujeição do trabalhador a um poder – um poder econômico, é possível dizer:

Objeto específico do contrato individual de trabalho é aquele configurado no n.1 do art. 1.627 c.c. [Código Civil de 1865], e expresso com maior energia na última parte da declaração sétima da Carta del Lavoro, isto é, aquela particular forma de locação “pela qual as pessoas obrigam o próprio serviço em benefício alheio” colocando-se assim, para a prestação do seu trabalho, sob as ordens do tomador e sem poder interferir em tudo aquilo que se relacione ao modo, à ordens e aos critérios técnicos e econômicos que a empresa resolva adotar para melhor atingir as suas finalidades produtivas.60

Nesse horizonte, haveria uma distinção entre a sujeição do trabalhador enquanto escravo ou servo e enquanto trabalhador livre. No primeiro caso, por não existir trabalho livre à época, havia a possibilidade de coação; de outro modo, no segundo caso, verifica-se apenas

58 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009.

59 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 33, grifo nosso.

60 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 34.

Na obra, a autora cita decisão da Corte de Cassação de 17 de junho de 1938, Società Ansaldo v. Cavani.

Repertório del foro italiano, ano de 1938, Roma: II Foro Italiano, 1939. p. 1148-1149. Tradução de Porto

a subordinação, sem interferência na liberdade e na vida pessoal do empregado61. Assim, considerando o estudo da subordinação especificamente, desde o início das pesquisas sobre o contrato individual de trabalho ou, para os anticontratualistas62, da relação de emprego, o elemento subordinação é pedra de toque63 presente sempre que há contrato de trabalho com dependência64. Em outras palavras, a subordinação é requisito intrínseco ao contrato de trabalho.

Todavia, embora seja inequívoco o papel central da subordinação nas relações empregatícias, diversas discussões acerca de sua natureza jurídica nos contratos individuais do trabalho surgiram, levantadas principalmente pela doutrina, que estuda os institutos legais a fim de que a jurisprudência faça a melhor interpretação da lei para a aplicação ao caso concreto. Não há dúvidas de que a finalidade do Direito do Trabalho é minimizar a diferença de força e de poder na relação entre empregado e empregador, em decorrência da condição de dupla sujeição a que o empregado se submete – de um lado, ao se inserir na organização de trabalho; de outro, ao depender economicamente das organizações. Porém, em face dessas circunstâncias, diferentes teorias despontaram ao colocarem em questão as espécies de dependência e, portanto, de subordinação, que podem vir a existir no contrato de trabalho

O critério mais aceito pela doutrina e pela jurisprudência, cujo conceito original, adotado fortemente até os dias atuais, já vem sendo alargado por novas teorias (como se verá adiante), é o da dependência jurídica. Segundo este, também denominado subordinação jurídica, o empregado se deixa dirigir pelo poder de comando do empregador, em uma consonância de dois aspectos: um ativo, pela autoridade do empregador, e um passivo, pelo dever de obediência do empregado65. Nesse sentido, ainda que haja trabalho contínuo, sem poder de controle nem disciplinar, haveria apenas uma relação de trabalho (e não uma relação de emprego), na medida em que o elemento subordinação não estaria presente. Dessa maneira,

61 PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009.

62 Pela teoria anticontratualista, o vínculo empregatício não decorre de um contrato, ou seja, da vontade das partes, mas sim da dependência pessoal do empregado, a qual não se prende a um contrato. Conforme Mascaro (2011b), tal teoria surgiu na Alemanha sob o signo do nacional socialismo, sustentando que a empresa é uma comunidade de trabalho à qual o trabalhador se incorpora para cumprir os objetivos da produção nacional. A teoria expandiu-se para a Itália e para a França, onde, nesta última, passou-a a admitir a empresa como uma instituição em que existe uma situação estatutária, e não contratual.

63 Esta figura de linguagem é utilizada por Romita em sua obra (1979, p. 58).

64 ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

65 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

[...] o empregado não é, como o empreiteiro, por exemplo, um trabalhador autônomo; não trabalha o tempo que quer, não executa o serviço como lhe convém: toda a sua atividade profissional está condicionada às determinações daquele que a remunera. Esta subordinação é de natureza jurídica.66

A sujeição humana, da qual decorre a subordinação jurídica, não se confunde (como parece ocorrer) com a subordinação econômica: enquanto aquela decorre da sujeição do trabalho realizado aos comandos do empregador, esta deriva do estado de necessidade financeira do trabalhador. Porém, na maioria das vezes, o trabalhador está sujeito ao poder econômico e dele depende para sua sobrevivência – e reside aí a razão para muitos doutrinadores entenderem que a subordinação nas relações de trabalho decorre da dependência econômica necessariamente. Em verdade, não é difícil entrever uma dependência econômica nas relações empregatícias, quando se considera que, em regra, o trabalho é realizado para subsistência, sobrevivência e manutenção da pessoa e de sua família.

Por tal motivo, parte da doutrina passou a entender que a subordinação existente no contrato de trabalho é a decorrente da dependência econômica, entendida como “a condição de alguém que, para poder subsistir, está dependendo exclusivamente ou predominantemente da remuneração que lhe dá a pessoa para quem trabalha”67. Tal tese é rebatida, sobretudo, quando se avalia a possibilidade de o trabalhador prestar serviço a mais de um empregador, ou seja, vincular-se a mais de um contrato de trabalho, em que de um deles retira seu sustento e do outro apenas complementa sua renda. Não seria possível defender a hipótese de que, em uma relação, há contrato de trabalho, enquanto que na outra não; afinal, o contrato de trabalho não pode mudar de natureza por elementos externos, decorrentes da condição econômica do empregado. A tese da dependência econômica foi utilizada principalmente na Alemanha e muito valorizada pela doutrina francesa, mas, em terras brasileiras, foi rechaçada pela maioria dos doutrinadores, não encontrando acolhida na jurisprudência68.

Outro critério que tentou ganhar espaço, mas que igualmente não logrou êxito, foi o da dependência técnica, segundo o qual o empregado, mesmo já ocupando uma posição

66 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 131.

67 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 131-132.

68 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 131.

desfavorável na cadeia de tarefas da empresa por conta de sua dependência econômica, também acaba por se encontrar “em um estado de dependência técnica, que o coloca sob as ordens do empregador”69. Todavia, apesar de as teorias da dependência econômica e da dependência técnica serem bastante sedutoras no que diz respeito à existência de vários tipos de sujeição do trabalhador na relação de emprego, elas rapidamente caíram por terra, tendo em conta o olhar científico ao qual se liga o Direito do Trabalho.

Para Gomes e Gottschalk, de todos os critérios para justificar a subordinação no contrato de trabalho, o da dependência técnica é o mais impreciso70. Isso porque a dependência técnica seria uma das formas de subordinação hierárquica, na medida em que a subordinação jurídica se desdobra em direção, controle e fiscalização. Sendo assim, o empregador é quem define o modo de realização do trabalho, inclusive os critérios técnicos para tal. O empregado, em regra, está sujeito às determinações do empregador e, embora possa exercer seu trabalho sem a dependência necessariamente técnica, está sujeito a outras formas de subordinação, decorrentes igualmente da subordinação jurídica ou hierárquica.

Pode-se citar como exemplo uma empresa de arquitetura que contrata um engenheiro como empregado. O proprietário, patrão, chefe, pode não ter qualquer ingerência técnica sobre o empregado, mas certamente tem a hierárquica: é ele quem determina em quais contratos o arquiteto deve atuar, de quais reuniões deve participar, como dever atender os clientes, qual a jornada de trabalho cumprir, se poderá trabalhar em home office, os prazos de entrega de projetos etc. Em um caso como esse, pode haver forte controle sobre o empregado, mas nada que se infira que houve uma ingerência no aspecto técnico da relação de emprego.

Gomes e Gottschalk apontam que Hertz propôs uma associação entre as dependências técnica e econômica, situando esta em um plano inferior, de modo que sua teoria se aproximasse de outra espécie de teoria, a da dependência social71. Diversos autores da época compreenderam que a teoria da subordinação econômica não era suficiente para caracterizar a subordinação no contrato de trabalho e, por tal motivo, agregaram duas espécies de subordinação (a econômica e a jurídica) para fazer surgir o que ficou conhecido como dependência social, assim denominado por Savatier. Entretanto, ainda que se tente a análise

69 HERZ, p. 898 apud GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.134.

70 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 134

71 HERZ, p. 898 apud GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

em conjunto das teorias da subordinação jurídica e econômica para justificar a teoria da dependência social, esta não pode ser aceita para caracterizar ou não a subordinação inerente ao contrato de trabalho. Isso porque, nas palavras de Gomes e Gottschalk,

[...] a fusão pretendida é lógica e praticamente impossível. Subordinação jurídica ou hierárquica é uma coisa; dependência econômica é outra.

Efetivamente, não podem ser unificadas em um só conceito, de vez que não coincidem sempre em toda relação jurídica de trabalho. Uma, portanto, não implica a outra.72

Assim, o critério de dependência social não serve como elemento do contrato de trabalho, na medida em que se trata de um requisito que deve estar presente em todos os contratos dessa natureza e, por óbvio, a condição pessoal e social do empregado não pode, por si só, definir se este detém a condição de empregado ou não. Daí a necessidade de verificação de outros elementos da subordinação que respondem aos questionamentos acerca da relação entre empregado e empregador.