A IDENTIDADE NACIONAL EM M ÁRIO DE SÁ-CARNEIRO - Aspecto pouco
conhecido de um poeta desesperado da Pátria
1M aria José M . M adeira D’Ascensão
Inst it ut o Polit écnico de Port alegre, Port ugal
“ Paris da minha t ernura Onde est ava a minha obra – M inha Lua e minha Cobra, Timbre da minha aventura.”
M ário de Sá-Carneiro, “ Abrigo" (Paris – Set embro 1915)
INTRODUÇÃO
O poet a e escrit or M ário de Sá-Carneiro foi um hom em solit ário, insat isfeit o,
ent ediado, m elancólico, um am ant e do infinit o, do ext rem o e do absolut o. Conquant o t odos
est es t raços sejam evidenciados e aprofundados em inúm eros est udos acerca dest e aut or,
m anifest am -se inequivocam ent e nas suas novelas, cont os ou poem as, t ant o de form a discret a
e fugaz, com o clara e im pet uosam ent e.
Todavia, nenhum a pincelada ilust ra m elhor o hom em , a sua alm a, o seu ser e o seu
m odo de est ar ent re as gent es do que a sua própria correspondência. Com o t al, as cart as, os
post ais e os t elegram as enviados pela personalidade em quest ão a amigos e fam iliares
const it uem um corpus clarificador da anat om ia do seu pensam ent o e form a de viver.
Assim , deposit ária de m ais de quinhent as peças enviadas t ant o de Lisboa ou Cam arat e,
com o de Paris, ent re 1901 e 1916, a obra epist olográfica at ribuída a M ário de Sá-Carneiro é
dirigida, m aiorit ariam ent e (num núm ero de 217 missivas), a um só dest inat ário - o seu am igo e
colega da geração de Orpheu, Fernando Pessoa. Curiosam ent e, est a grande part e foi produzida
num parco espaço de t em po (ent re 1912 e 1916), coincidindo o seu t érm ino com o suicídio do
seu rem et ent e.
1
Est es regist os dirigidos ao aut or da M ensagem firmam -se com o delat ores de um a
ext rem a e profícua riqueza art íst ica, porquant o revelam as cores, os t racejados e as form as
ut ilizadas pelas m ãos de t ais ilust res figuras da nossa cult ura quando pint avam a lit erat ura
m oderna port uguesa. Além disso, a funcionalidade e a sim plicidade dos m esm os ressalt a
quando o seu criador os ut iliza para “ pedir inform ações, expandir em oções de m om ent o,
t rocar opiniões, fazer apelos”2 ao seu dilet o confident e.
Além de Fernando Pessoa, a obra epist olar da figura em dest aque t em , t am bém , com o
alvos, colegas da geração a que M ário de Sá-Carneiro pert enceu; fam iliares, nom eadam ent e o
seu pai – Carlos August o de Sá-Carneiro – e am igos ínt im os, com o a M aria, am ant e do pai e
fut ura m adrast a, com quem o escrit or m anifest a um relacionam ent o m uit o est reit o e afect ivo.
Em bora o núm ero de cart as dirigidas a est es dois últ im os seja inesperadam ent e pequeno (58),
t ais epíst olas denot am um superior grau de int imidade. Nat uralm ent e, a correspondência
dirigida à figura pat erna não funciona com o veículo de ideias lit erárias, m as sim de
m anifest ações de um grande carinho filial, de descrições t riviais do seu dia-a-dia ou de pedidos
de dinheiro. O mesm o não se pode dizer das cart as e post ais que envia a M aria, onde cont inua
a revelar-se m uit o do ego do poet a.
Concebida e enviada durant e t rês breves períodos em Paris, a sua correspondência
t ot aliza-se ent re os anos de 1912 e 1916. Test em unho valioso do ser hum ano ent usiasm ado,
sofredor, ansioso, dececionado, depressivo e hist érico, t raça t enuam ent e dois cam inhos que
sucedem na est rada da vida daquele que se exila longe da pát ria. O prim eiro dom inado pela
reacção eufórica, anim ada e m ot ivadora, própria do hom em que, finalm ent e, encont ra um
refúgio e o segundo, m atizado de um cert o negat ivism o, sugerindo, m esm o, sent im ent os
com o o desânim o, a t rist eza, a m elancolia, a ident idade com o país nat al. Enfim , a saudade.
Porém , vislum bra-se, a part ir dest a form a de com unicação professada pelo escrit or,
um “ em igrant e especial” . Tal com o a euforia e a animação m arcam presença at é ao fim da sua
vida e est ada em Paris, a inquiet ação e a ansiedade não se evidenciam apenas quando longe
do seu país nat al. Na verdade, est as últ im as caract eríst icas já preenchiam o seu universo
pré-em igrant e – eram est ados de espírit o que abrangiam a sua m ent e desde a sua solit ária
infância. A saudade, t al com o era ent endida por Teixeira de Pascoaes e alguns amigos da
“ Renascença” , não perpassava a filosofia e a lit erat ura de M ário de Sá-Carneiro. Não obst ant e,
a saudade, ent endida com o a reconquist a de um a visão de infância (própria dos m odernist as)
e a convivência e part ilha de ideias, de alegrias e de dores com os am igos e colegas é um dos
aspect os grit ant es nas suas car t as e post ais. Consequent em ent e, a ident idade nacional e
2
cult ural, era nit idam ent e ult rapassada pela europeia que cont rast ava por um a superioridade
inquest ionável, rest ando a m uit os, daqueles que represent avam passiva e ent ediosam ent e
Port ugal, a at ribuição da alcunha de “ Lepidópt eros” .
Por fim , o insurgim ent o de um a nova lit erat ura provocadora e avassaladora, que se
fazia sent ir minorit ariam ent e no seu país nat al, m ereceu ao escrit or um a cert a consideração e
dest aque. A ident idade apenas se passou a est abelecer em relação a um novo pequeno grupo
de art ist as que fazia nascer nest e poet a, não um pat riot ism o, m as a necessidade da const rução
de um a nova lit erat ura, um a nova pát ria, concr et izando-se, por fim , na cont ribuição
económ ica e lit erária que fez para a revist a Orpheu.
O ENCANTAM ENTO DA CIDADE DAS LUZES
“ Sendo nós port ugueses, convém saber o que é que som os.”3 Fernando Pessoa, ao
escrever est as palavras, proclam ou a viagem em busca do conhecim ent o int erior com o a
condição crucial que leva o indivíduo a ident ificar-se com o seu país. M ário de Sá-Carneiro
assim o fez. No ent ant o, a sua breve passagem pela vida não lhe proporciona o alcance da sua
alm a nacional.
E, assim , hom em só, por dest ino e nat ureza, procur a no est rangeiro encont rar--se,
conhecer-se e curar-se do seu eu já t ão fam iliarm ent e t rist e e m elancólico. Não consegue.
Talvez por isso, logo nos prim eiros t em pos em Paris, m anifest e a Fernando Pessoa um a cert a
desm ot ivação em relação à sua vida e ao curso de direit o que pret endia cont inuar a t irar.
“ Não t enho de form a alguma passado feliz nest a t erra ideal. Tenho m esm o vivido
ult im am ent e alguns dos dias piores da m inha vida. Porquê? Indagará você. Por coisa algum a – é
a m inha respost a. Ou antes: por m il pequenas coisas que som am um t ot al terrível e desolador.
Olho para trás, e os t em pos a que eu cham ei desvent urados, afiguram -se-m e hoje áureos,
suaves e benéficos. Diant e de mim , a estrada vai pouco a pouco est reit ando-se, em
aranhando-se, perdendo o arvoredo frondoso que a abrigava do sol e do vent o. E eu cada vez m ais m e
convenço de que não saberei resist ir ao t em poral desfeit o, à vida, em sum a, onde nunca t erei
lugar.”
(Paris, 16 de Novem bro de 1912)
3
Fernando Pessoa, “ Páginas Íntimas e de Aut o-Interpret ação” in Carlos Reis (1990). Lit eratura Portuguesa M oderna
A fraqueza, a desilusão, a insegurança e a inconst ância que dom inam o escrit or deixam
t ransparecer o com plexo de
Θάνατος
. E a força cont raproducent e dest e últ im o est ende-se at éao im pulso que o leva a pôr em causa o regresso à sua t erra. Est a personalidade recusa, assim ,
um a ident ificação nacional com o cam inho que conduz verdadeiram ent e ao seu eu. Por isso,
dem onst ra que convém olhar para um novo país, um novo fut uro, que represent a a prom essa
da conquist a do absolut o.
“ Talvez não m e com preenda nest as palavras, m as eu não t enho paciência nem força
para lhe falar m ais det alhadam ent e: Em sum a não creio em mim , nem no m eu curso, nem no
m eu fut uro. Já t om ei várias decisões desde que aqui est ou e um dia sent i, na verdade senti
cheio de orgulho, que me chegara finalm ente a força necessária para desaparecer. Ilusão
dourada! Na m anhã seguint e essa força remediável tinha desaparecido. E ent ão resolvi volt ar
para Lisboa, sepult ar dent ro de m im am bições e orgulhos. M as não t ive t am bém força para o
fazer. Sorria-m e Paris e lá ao longe, um fiozinho de esperança que t odas as aspirações dent ro
de m im m e fizeram ver com o um facho resplandecent e.”
(Paris, 16 de Novem bro de 1912)
A negação de Lisboa t am bém se faz sent ir nas cart as que est a personalidade escreve a
seu pai, Carlos August o de Sá-Carneiro. Nest as, apont a as fraquezas, as falt as de condições
clim at éricas, económ icas e t ecnológicas da capit al do seu país de nascença.
“ Rapa-se mais frio em Lisboa do que aqui. Porque em Lisboa, não há aquecim ent o nem
nas nossas casas, nem nos cafés, nem nos t eat ros. Ora o frio aonde just am ente incom oda
m enos é na rua, porque se vai a andar, fazendo m ovim ent o, o que aquece port ant o o corpo.”
(Paris, 15 de Janeiro de 1913)
Gradualm ent e, Paris irradia a luz da descobert a do seu eu e proporciona à m ent e
t enebrosa e insat isfeit a dest e poet a um cert o confor t o espirit ual, part ilhado com o seu colega,
em nova cart a.
“ No ent ant o, ult im am ent e, vou passando um pouco melhor, m uit o pouco aliás.
Porquê? Sem m ot ivos, com o sem m ot ivos as crises se agravam . São t alvez influências
subconscientes, e a at m osfera, o perfum e do ar, a cor do céu, as pessoas que em redor de nós
circulam – t êm t alvez im pério sobre o nosso est ado. Assim, eu ont em , sem m otivo, passei um
dia razoável. Havia pouco sol e m uit o frio. Vagueei solit ário pelo m eio-dia nos boulevards. E
com o se fosse dom ingo e eles corressem vazios de gent e, o cenário foi-me grat o; o ar cheirava
(Paris, 2 de Dezem bro de 1912)
Depressa o escrit or ult rapassa a fase de cont est ação que faz ao seu país de origem.
Passa, ent ão, a revelar um a grande indiferença pelo m esm o e a assum ir um a cert a ident idade
com a cidade que o acolhera. Por conseguint e, não consegue deixar de t ransmit ir a Fernando
Pessoa o ent usiasm o e a exalt ação que o invadem logo no início de um segundo período de
em igração.
“ M esm o não há nada de int eressant e – apenas hoje sozinho, o m eu pai t endo part ido às 12.16
com eço a inst alar-m e em Paris. M as a glória de de novo a encont rar e vibrar, laivada de cinzent o no
ent ret ant o pela at m osfera sem pre dolorosa do m eu m undo int erior, t em -m e dispersado t odos est es
dias – vivendo em verdade at é hoje só em m et ade de mim – com o at é raciocinei est a m anhã ao alm oço
em que verdadeiram ent e, lucidament e m e senti meio só (agora houve um t rovão! ...), em bora o est ofo
do banco se am arfanhasse sob um a int eira pessoa nut rida...”
(Paris, 15 de Junho de 1915)
M ário de Sá-Carneiro vislum bra, ent ão, eufórico, o object ivo da sua presença em Paris.
A com preensão que est abelece progressivam ent e da sua opção é descrit a ao seu am igo,
denunciando ora sem elhanças, ora cont rast es com um dos seus het erónim os. Álvaro de
Cam pos represent a, pois, um a form a de exílio – a do ser do seu criador – e de reconhecim ent o
da port ugalidade do ort ónim o.
“ O que me diz sobre o seu «exílio», em bora na verdade a m inha vibrat ilidade o não
possa aceit ar com extrem a sim patia, é quant o a mim um curioso fenóm eno, m as um
«adm irável fenóm eno» (perdoe-m e a expressão est ram bótica) no aut or da «Ode» do Álvaro de
Cam pos. M eu amigo, seja com o for, desdobre-se você como se desdobrar, sint a-de-fora com o
quiser o certo é que quem pode escrever essas páginas se não sent e sabe genialment e sentir
aquilo de que m e confessa m ais e m ais cada dia se exilar. (...) eu, eu que pelo contrário cada
vez vendo que a única coisa que me poderia fazer sair de m im , com o ver em alheam ent os de
verdadeiro Art ist a é aquilo a que globalm ente cham o Europa (...) Oiça: Eu am o
incom paravelm ente m ais Paris, (...) eu a cada linha m ais sua que leio sint o crescer o m eu
orgulho: o m eu orgulho por ser, em t odo o caso, aquele cuja obra m ais pert o est á da sua –
pert o com o a t erra do sol – por o cont ar no número dos bem íntim os e em sum a: porque o
Fernando Pessoa gosta do que eu escrevo.”
Poderia funcionar est a missiva com o respost a às ideias que reit eravam o pensam ent o
de Fernando Pessoa e que se m at erializaram nas célebres frases: “ O bom port uguês é várias
pessoas.”4 e “ Nunca m e sint o t ão port uguêsm ent e eu com o quando m e sint o diferent e de
m im – Albert o Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Cam pos, Fernando Pessoa, e quant os m ais haja
havidos ou por haver”5.
Em 4 de Agost o de 1914, inicia-se a primeira guerra m undial com a invasão da
front eira da Bélgica, pelos Alem ães. Rapidam ent e o t error assola a capit al de França. O escrit or
dá-nos, ent ão, um valioso t est em unho do am bient e assust ador que se vivia na época, at ravés
da correspondência enviada a seu am igo. Todavia, cont inua a m anifest ar um am or e um a
lealdade colossais por Paris. De t al form a que, independent em ent e dos perigos da guerra,
deixa descobrir um cert a t rist eza quando se defront a com a possibilidade de t er que part ir
para Port ugal.
“ Toda a Europa em arm as – lê-se nas m anchet es. E mesm o de Lisboa, t elegram as:
Port ugal m obilizará 10 m il hom ens em vist a da aliança inglesa. Por mim est ou ansioso e
desoladíssim o nest e m om ent o. O m eu pai já ont em m e t elegrafou de L. M arques a dizer-me
que era m elhor volt ar para Lisboa. Respondi-lhe que valia a pena esperar. A cada passo
ent ret ant o receio t er que partir por ordem dele – ou m esmo forçado pelas circunst âncias: seja
com o for só part irei em últ im o caso. Est ou m uit o t rist e! De rest o, em bora os perigos, eu
gost aria veem ent e de viver est a guerra da Europa em Paris. M as não sei, nada, nada... (...)”
(Paris, 1 de Agost o de 1914)
Na realidade, a perspect iva de volt ar a Lisboa deixa-o com plet am ent e t ranst ornado.
Em bora m anifest e a Fernando Pessoa um cert o m edo da sit uação em que se encont ra, a sua
posição de se m ant er no “ Paris da Guerra” (Paris, 6 de Agost o de 1914), “ (...) Paris de Europa,
at ónit o, apavorado e desert o.” (Paris, 6 de Agost o de 1914)6 revela-se inabalável. Já
dirigindo-se a M aria, o escrit or sim ula um a post ura anim ada, t ranquila, t em perada com um cert o
divert iment o. Inconscient e ou conscient em ent e, est a m issiva t eria provavelm ent e com o
object ivo acalm ar seu pai, no sent ido de que est e não o forçasse a regressar para Port ugal.
“ Aqui não corro perigo nenhum! Apenas às 8 horas – cam a m e fecit porque fecha
t udo! ... E há t am bém que andar à pat a t odo o dia pois os óm nibus andam t odos em serviço
m ilit ar – e o pessoal dos eléct ricos e do m et ropolit ano foi t odo para a guerra... Com boios para
4
Fernando Pessoa, “ Páginas Ínt imas e de Aut o-Int erpret ação” in Carlos Reis (Coord.), Op. Cit ., p. 336. 5
Idem, Ibidem. 6
viajant es – nem m eio! A agência dos Wagons-lit s (Sud-Expresso) fechou... Enfim , um pagode –
com o vês; um a vida divert idíssim a... M as com o é só ist o – não cust a nada ter paciência...”
(Paris, 9 de Agost o de 1914)
Inconsolável, M ário de Sá-Carneiro vê-se, finalm ent e, forçado a abandonar o seu
habit at. M as, t al com o refere a seu confident e dilect o, recusa, com o dest ino, Lisboa,
preferindo Barcelona.
“ Não posso com efeit o aguent ar o am biente de Paris – o que não posso em verdade é
aguent ar-me! (...) E amanhã part o para Barcelona... É claro que não sei m ais nada... Vou
t elegrafar a m eu pai que fico lá enquant o a guerra durar. M as não sei... Sobret udo horroriza-m e
volt ar a Lisboa... (...) M as você m eu querido am igo não pode calcular o t édio dest es últ im os dias
– um a t rist eza derradeira, suspensa, aniquiladora a desam paro. E repit o-lhe: prefiro t udo, a
cont inuar parado. Est ava m esm o decidido a part ir para Lisboa... m as est a m anhã lem brou-me a
solução preferível em disparat e a seguir para Barcelona...”
(Paris, 24 de Agost o de 1914)
O mal de guerre est ende-se at é Espanha (“ Est ou m al em Paris, est ou m al em Barcelona
– est arei horrivelm ent e m al em Lisboa.” Barcelona, 29 de Agost o de 1914) e o poet a acaba por
part ir para a capit al de Port ugal. Passado um período de cerca de um ano, o regresso à capit al
francesa apazigua, finalm ent e, a sua alm a. Ent ão, povoado at é aí pela agonia, insat isfação e
um a cert a revolt a, com unica hist érica e vibrant em ent e a seu fiel am igo.
“ Paris, ent ão. Ah! Um a glória – out ra glória – out ra m aravilha. M aravilha que, de rest o,
para ser vibrada em t odo o seu oiro necessit a de influenciar alguém que t ivesse conhecido a
Cidade em plena paz. É a m esm a – m as em febre am ortecida. Dir-se-ia que m ão fant ást ica
fechou um pouco o regist o regulador do movim ent o-t otal, da «corda» que faz m over, em
relojoaria, Paris int eiro. Juro-lhe que desde o próprio barulho dos aut om óveis deslizando nas
ruas – e as suas buzinas – até aos timbres eléct ricos cham arizes dos anim at ógrafos e m ais
baiúcas, t udo se at enuou, esm aeceu, velou, diluiu – m as perm aneceu em encant o – m ais
penet rante hoje por subt ilizado, imponderalizado, centrado – m as sim ult aneament e febrilizado
em novas crispações.”
(Paris, 17 de Julho de 1915)
Consequent em ent e, reafirm a-se a M ário de Sá-Carneiro a im agem de um a Lisboa
plena de passividade, t édio e m onot onia, aspect os que ele t ivera a oport unidade de defront ar
a t al cidade remet e inequivocam ent e para um a falt a de ident idade com Port ugal e os
Port ugueses. Por isso, a referência à direcção t acanha e errónea que os “ lepidópt eros”
t om avam , a qual se t ornava um t opos const ant e na sua correspondência a Fernando Pessoa:
“ Espero um a respost a t elegráfica do m eu Pai a um a cart a que lhe escrevi daqui no dia
da m inha chegada: 15 de Julho. Depois, não sei. Eu pedia-lhe nessa cart a que m e deixasse, por
t udo, ficar aqui – pelo m enos at é me m andar ir para África. Em sum a, bem frisado: t udo m enos
Lisboa. Ignoro o que ele fará. Vam os ver. Inst abilidade! M as prefiro-a t ant o, t ant o, à
est agnação! África – out ro naufrágio a m ais. Deixá-lo – se assim for. Pelo m enos, agit ação,
m udança. Acim a de t udo m e arrepia a ideia sem espelhos de, sem rem édio, novament e
fundear no M art inho... Não sei porquê m as esse café - não os out ros cafés de Lisboa, esse só –
deu-me sem pre a ideia dum local aonde se vem findar uma vida: est ranho refúgio, t alvez, dos
que perderam t odas as ilusões, ficando-lhes só, com o m agro rest o, o t ost ão para o café
quot idiano – e ainda assim , vam os lá, com dificuldade. Tanto lepidopt erism o!”
(Paris, 7 de Agost o de 1915)
A preferência por um local que lhe é est rangeiro sim boliza t ant o o encont ro do seu eu
consigo próprio, com o o refúgio dos seus pensam ent os e loucuras. E at é pôr t érm ino à sua
vida, em 26 de Abril de 1916, as m ensagens que envia a seu colega, encant adas com um Paris
inigualável, rejeit am sem pre a capit al do país lusit ano, except o quando se põe a hipót ese de ir
viver com a sua Am a de infância. Lisboa assum e, ent ão, um a facet a posit iva, a única que, at é
ao m om ent o, o escrit or conhecera.
“ Entret ant o seria feliz, quer ver com o: se m e dessem a garant ia de nunca m ais sair
daqui, t al e qual com o est ou – mesm o at é num a ordem de prisão que m e est abelecesse o
t erm o de Paris com o residência.”
(Paris, 22 de Agost o de 1915)
“ Not e que eu não m e import aria m uit o de ir para Lisboa, vist o que a dificuldade m aior
est á arredada com a única presença da m inha Am a em Lisboa. Gost aria at é de partir para
Lisboa – se não tivesse pena de me ir embora de Paris (...)”
(Paris, 22 de Fevereiro de 1916)
Brindando Paris com poem as elogiosos com o “ Abrigo” e um a quint ilha que enviara
num a cart a, em 31 de Agost o de 1915, a Fernando Pessoa, M ário de Sá-Carneiro vive, at é ao
fim da sua vida, inebriado pela cidade das luzes, rejeitando um a cert a ident idade com a cult ura
Quem sabe se, com m ais t em po de vida, não seria essa a viagem que levaria est a figura a
descobrir Port ugal?
O fact o de não t er possibilidades económ icas que perm it issem o seu sust ent o n o
est rangeiro t erá sido um a das got as de água que agitariam o oceano da sua ânsia de m orrer?
Talvez7. Em bora o suicídio t enha os seus m ist érios t al com o o desenrolar da própria exist ência,
o que é cert o é que o object ivo vit al do ser hum ano é ser feliz e M ário de Sá-Carneiro só o era
na cidade das luzes.
A minha Alma fugiu pela Torre Eiffel acima,
- A verdade é est a, não nos criemos mais ilusões -
Fugiu, mas foi apanhada pela ant ena da T.S.F.
Que a t ransmit iu pelo infinit o em ondas hert zianas...
(Em t odo o caso que belo fim para a minha Alma!...)
(Paris, 31 de Agost o de 1915)
A EXPERIÊNCIA DA SAUDADE E DA NOSTALGIA
O pat riot ism o, em oção em t orno da t erra nat al, nunca se evidencia na
correspondência de M ário de Sá-Carneiro, enquant o em igrant e em Paris. Est a form a de sent ir
Port ugal declaradam ent e individualizável não brot a nas suas let ras, nem t ransparece nas suas
palavras. A própria saudade, aspect o int egrant e do sent im ent o pat riót ico, não se faz sent ir em
t al personalidade da nossa cult ura. Sent e-se, sim , nos seus regist os, um a desopressão e um
ent usiasm o at roz pelo sim ples fact o de poder ousar, conceber livrement e a art e e apenas,
exist ir, sem est ar sujeit o a um Port ugal velho e gast o, im erso num sono colect ivo de
“ lepidópt eros” .
O escrit or unicam ent e revela um a cert a em oção e ansiedade quando m anifest a a
vont ade de reviver a am izade, o apoio ou a sim ples presença dos seus am igos ou familiares. A
palavra “ saudade” , t rabalhada pelas m ãos de t al individualidade adquire, assim , out ras form as.
O am or pát rio é nit idam ent e subst it uído pelo filial e afect o a out r os laços que não os
nacionais. A t ent at iva de superar a solidão, presença const ant e na vida e obra do escrit or,
7
se logo que est e m anifest a sent ir “ saudade” de um a com panhia, do diálogo, de com preensão
ou, sim plesm ent e, carinho e at enção.
Fernando Pessoa é inúm eras vezes recordado pelo poet a, nas cart as que est e t ão
afect uosam ent e lhe dirige. Por isso, com saudade, relem bra a presença do seu amigo e as
longas e ricas conversas que com ele m ant inha, em Port ugal. Consequent em ent e, vai
m anifest ando o desejo e a ansiedade de o encont rar de novo e de com ele inaugurar novas
ideias e vivências.
“ Sabe que o Sant a-Rit a descobriu um Fernando Pessoa aqui? E eu concordei com a
descobert a. Ainda ont em se assent ou junt o de nós num café do Bairro Latino. Aliás não o
conhecem os. Porque est e Fernando Pessoa se resum e num rapaz que o faz lem brar, a você. Faz
m esm o lem brar m uit o. Não t ant o nos t raços fisionóm icos det alhados com o no «ar», na
expressão, em cert o gest o-tique de atit ude im óvel, rost o encost ado ao braço, m uit o
característ ico em você. Com preende? E assim eu estim o vê-lo. Porque fluidos sim páticos e
saudosos flut uam envolvendo-o – porque a sua presença m e faz recordar, enfim , um amigo
querido. E est as evocações, ninharias, são muit o doces, creia, no ent ant o.”
(Paris, 21 de Janeiro de 1913)
“ - Com o você t em razão quando diz: o que precisávam os era poderm os conversar! Que
saudades [sublinhado nosso], que saudades [sublinhado nosso] eu t enho das nossas palest ras.
Nem o m eu querido am igo imagina! (...)”
(Paris, 25 de M arço de 1913)
A saudade que M ário de Sá-Carneiro dem onst ra a amigos ínt im os com o M aria ou a sua
Am a, at ravés das cart as e post ais dirigidos à prim eira, acusa um a grande carga em ot iva e
afect iva. Sobre as dest inat árias dest e sent im ent o convergem preocupações e inerent es a laços
m uit o ínt im os, a t ocar um a índole quase fam iliar.
“ (...) M uit as saudades à Am a, m uit as! – Olha que t u vai escrevendo sem pre que possas
e cont ando t udo o que por aí se for passando. Adeus de novo e m ais beijos do t eu M ário.”
(Paris, 29 de Julho de 1914)
“ Est ou com m t as. Saudades [sublinhado nosso] n’ti – M as fica sabendo que já te
lobriguei da janela do m eu quart o. O M ário é espert alhão! Coit adinho dele que t e m anda m il
saudades [sublinhado nosso] e mil PERDÕES! ”
(Paris, 7 de Junho de 1915)
Em cart as a Carlos de Sá-Carneiro, seu pai, o poet a usa, de m odo m uit o regrado, a
sent em nas suas palavras grit os de desespero de um hom em que chora a sua alm a insulada. A
figura do pai assem elha-se à de um Deus que, com dever om nipresent e, sim bolizará sem pre
um a form a de auxílio e de confort o.
“ (...) Três linhas apenas onde ponho t oda a m inha saudade [sublinhado nosso]. A
sem ana passada, infelizm ent e, coisa alguma m e chegou do papá. Fiquei m uit o t rist e!
Suplico-lhe que m e escreva por t odos os paquet es – um post al ao menos. Sim , m eu querido pai? Não se
esqueça do M ário, coit ado. (...)”
(Paris, 28 de Out ubro de 1915)
Est a ilust re personalidade da nossa lit erat ura ainda utilizou a palavra “ saudade” nout ro
cont ext o: o da sua infância. O apet it e pelo ret or no à vivência da m esm a coincide com desejo
de renascer ou reiniciar a vida, propósit o em blem át ico do novo m ovim ent o m oderno que se
fazia sent ir na época. Independent em ent e dest e querer colect ivo, a nossa figura em dest aque
esquadrinhava, apenas, nest a fase da sua vida, um a recordação confort ant e de felicidade
fam iliar – que, na realidade, nunca exist ira (“ Que eu por m im , no «Seio da fam ília» foi seio
aonde nunca m e agit ei...” – Paris, 2 de Dezem bro de 1912) – e um a arm a cont ra a sua act ual
solidão.
“ (...) A m inha trist eza não tem limit es, a criança trist e chora em m im – ascendem as
saudades [sublinhado nosso] de t ernura – sopra a Zoina sem pre, sem pre. Com o partia prat os
em m inha casa, quando m e zangava com a minha am a: t antos m ais quant o m aior núm ero t inha
com eçado por part ir – acumulo agora disparates sobre disparat es num desejo de perversidade:
m elhor: num desejo de que suceda qualquer coisa, seja o que for: que um a nova fase da minha
vida se encet e.”
(Paris, 22 de Fevereiro de 1916)
Além da infância, a lem brança de out ras et apas da vida desabrocha nest e poet a a
vont ade de as reviver. Em bora cont inue a denom inar est e sent im ent o com o vocábulo
“ saudade” , t udo o que o poet a sent e ao recapit ular a sua hist ória é nost algia. Na verdade, a
saudade, sent im ent o “ m ult iform e”8 assum e um a facet a generalizável, ao passo que a nost algia
rem et e para cenários, personagens e act os específicos.
“ (...) Est ou só – dos out ros – só de mim para sem pre. E as minhas saudades
[sublinhado nosso], as m inhas lágrim as que unicam ent e assom am – vão, longinquament e, para
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as ruas da minha quint a quando eu t inha cinco anos, e o leit o pequeno de ferro em que eu
dormia ent ão, e cert a m anhã em que, quando acordei, andava um pássaro no meu quarto, e os
passeios às t ardes t rist es em Lisboa, com a m inha Am a – em que eu era já o que hoje sou
quase... e m ais m odernam ente as últ im as ilusões da m inha infância: aquele cãozinho mops
que você ainda conheceu e corria a buscar pedras que eu lhe at irava... e o m eu escrit ório da
Travessa do Carm o onde eu lhe lia, a si, as m inhas coisas, onde out rora t ant o sonhei com o m eu
prim eiro livro, onde t ant o project o, t ant o amigo passou – e onde ainda est e ano no dia 1º de
Janeiro, eu e o Pacheco e o Franco bebem os cham panhe, com o fogão aceso, «fom os» Paris! ...
(...)”
(Paris, 13 de Julho de 1914)
Em sum a, est e escrit or bebe sozinho as luzes de Paris e sent e, com o ninguém , o peso
da solidão. A dist ância cobre a sua visão com um m ant o de saudade: os am igos, a Am a e seu
pai const it uem lem branças, ausências e bem -querenças que repet e quase t odos os dias, no
sent ido de as t razer sem pre consigo. A sua infância, adolescência e out ras boas e sem pre
recordáveis et apas const it uem lem branças, esporadicam ent e ret iradas de um arm ário escuro
e sofridas por um hom em devot am ent e nost álgico. E, assim , saudade e nost algia confundem
-se com a m elancolia e a t rist eza e, qual som bras, frequent am o espírit o pert urbado de M ário
de Sá-Carneiro.
TRAÇOS DE UM A IDENTIDADE PORTUGUESA
Sonda-se em M ário de Sá-Carneiro, aquando da sua est ada em Paris, um a form a de
pat riot ism o ou de “ am or pát rio” m uit o própria. Na verdade, a im agem que est e t em do
Port ugal da sua época não é realm ent e m uit o posit iva. Um país, est agnado nas recordações e
saudosism o de um passado, acobert ando-se dos novos e m odernos vent os soprados por um
pequeno grupo de art ist as, não é cert am ent e o alvo de cont em plação do escrit or. M as com o
ele próprio refere a Fernando Pessoa, esse é um m al geral – a própria França, engrinaldada de
“ lepidópt eros” , t am bém pecava por adm irá-los:
“ Lepidopt eria
Engraçadíssim a de inferioridade os dizeres da Águia que m esm o não percebi em
quant o aos versos – ficando sem saber se a redacção aplaude a singularidade dos versos ou se a
acent uação dessa singularidade «fez um livro singular» é um a ironia. Sobret udo aquelas
crítico... – O Pascoais desat a a cham ar grandes poetas a t odos os lepidópteros da França (vide
Ph. Lebèsgue). O Nicolas Beauduin, fut urist a, porque o que há de novo e int eressant e no
paroxismo é no fundo M arinet t i – receava eu, t inha cert eza em bora nada dele conhecesse que
t am bém roçasse as borbolet as. Ora ont em just am ent e descobri num a revist a, Le Part hénon,
um a poesia dele, «M usic-halls» (lem bre-se com o os fut uristas acham -se beleza nos m usic-halls
e grit am que os devem os cant ar). A poesia é m á, lepidóptero com o burro. (...)”
(Paris, 23 de Junho de 1914)
Cont udo, o escrit or não nega Port ugal e reconhece a t erra de onde brot am as suas
raízes. E, m erecendo-lhe algum a dist inção, ainda hom enageia ent relinhas a República.
Exem plos disso const it uem dois episódios, por ele vividos em Paris, passíveis de serem
om it idos pelo seu caráct er t rivial, m as que M ário de Sá-Carneiro descreve
porm enorizadam ent e a Fernando Pessoa. Nest es m anifest a um a delicada ironia perant e as
m anifest ações m onárquicas de Sant a-Rit a a propósit o do quadro “ Port ugal” e do poem a
“ Bailado” da sua aut oria.
“ Para a exposição das Belas-Art es daí vai enviar, para escândalo, um quadro int it ulado
Port ugal (que eu não vi nem est á concluído) e que m e descreveu assim : «Um a cabana de
Pescador. Um velho sent ado. Um a janela abert a. No parapeit o um vaso com um m anjerico e
um cravo de papel t endo um a bandeira de papel, azul e branca com a coroa real... Há um a
cabeça de gat o reduplicada e vê-se um a m ulher olhar pela janela pensando no filho que part iu.
M as não se vê essa m ulher nem os olhos dessa m ulher. M as sabe-se que ela olha...» No quadro
aliás, diz ele, a única coisa que salt a à vist a e se com preende é a bandeira m onárquica. Ist o por
conveniência própria além do escândalo: para agradar aos realist as a cuja som bra se acolheu e
de quem espera o t riunfo... Que m e responde você a ist o tudo? Não acha um caso curioso de
«int oxicação ansiosa»; de pessoa que se perde na ânsia do triunfo? (...)”
(Paris, 10 de Dezem bro de 1912)
“ (...) o Sant a-Rit a, sempre ent usiam ado, pediu-me um a cópia do escrit o, pois queria
ilust rá-lo. E fant asiou logo um a publicação em plaquet t e «que m arcasse bem Paris», e que
com o ilustrações, conteria, além das águas-fortes que sobre o «Bailado» ele com poria, o nosso
ret rat o – m as o nosso ret rat o confundido num só retrat o... que aliás ninguém perceberia que
era um ret rat o. (...) Eu pude por ist o ver o que era a art e do Sant a-Rit a (não digo dos cubist as)
pois ele m e dizia que est as coisas eram só para m arcar Paris, para não se perceberem. (...) (Ele
ainda achava muit o convenient e pôr na capa as armas reais portuguesas!...)”
Apart e algum a m anifest ação lavrada de pat riot ism o, M ário de Sá-Carneiro assum e,
ainda, um a cert a ident idade com o seu país de origem , num a cart a a seu pai. Prepara-se,
ent ão, para represent ar a opinião dos port ugueses no que diz respeit o ao Rei Albert o da
Bélgica e pede-lhe colaboração na t arefa que lhe fora incum bida.
“ - Est á aqui um rapaz que eu conheço há m t o t em po, do Liceu, cham ado Carlos
Ferreira, agente comercial junt o da nossa legação na Bélgica, que ult im am ent e publicou em
Lisboa um livro sobre a invasão alem ã, e que prepara out ro de opiniões port uguesas sobre o rei
Albert o! Acho a ideia patusca: que se im port ará o rei – que deve t er t ant o m ais em que pensar
– com as opiniões dos port ugueses... Enfim , isso é com o aut or. Ele pediu a m inha opinião e a
sua. (...)”
(Paris, 3 de Novembro de 1913)
Infelizm ent e, o fact o de o referido livro não t er sido publicado, cont endo o
depoim ent o que o escrit or realm ent e elaborara (“ Albert I et Son Peuple - Chez les Port ugais” )
revela um a grande perda: o t est em unho do por t uguês que o habit ava.
Finalm ent e, a ident idade parca que o poet a sent ia pelo seu país t eve com o único for t e
est ím ulo um a nova geração de art ist as que se insurgia. Vislum brava-se luz em Port ugal!
Abert as a novas corrent es europeias, est as personalidades provavam e davam a provar t odos
os ism os que lhe chegavam . M ário de Sá-Carneiro part ilhava t ão só do quadro lit erário que
bordavam , ao colaborar na revist a Orpheu, com o da perspect iva de que um novo Port ugal se
avizinhava. Por ist o, t ant o se correspondeu com o fant asiador do “ Quint o Im pério” , sincero
parceiro de ideais e grande confident e:
“ (...) Alegrou-m e a sua colaboração nessa revist a inglesa. Acho um a coisa ópt im a, um
t rabalho sobret udo útil e um a boa acção, qual é a de t ornar conhecidos no m undo os poet as
port ugueses de hoje, fazer saber que num cant o am argurado e esquecido da Europa, um a
poesia grande e nova se com eça a desenvolver rasgando horizontes desconhecidos,
pert urbadores e belíssim os. Não desanime nesse trabalho! ”
CONCLUSÃO
M ário de Sá-Carneiro, escrit or pert urbado com a ânsia da plenit ude, vai para Paris – a
sua cidade da perfeição - com o sent ido de se encont rar consigo próprio. Jam ais consegue.
Não ult rapassando os vários obst áculos que se lhe colocavam , pôs t erm o à sua vida.
At é ao seu suicídio, revelara-se um arquit ect o da palavra e um pensador t enaz. O
cont eúdo da correspondência enviada a am igos e fam iliares deixa t ransparecer um hom em
sofredor e oscilant e. E, vist o que a inst abilidade const it ui caract eríst ica inegável da juvent ude
— um a et apa da vida onde se form am as ideias — e est e poet a m orreu jovem , não podem os
afirm ar, ou m esm o supor, que os desenhos que se form avam na sua alm a fossem im ut áveis.
Na realidade, est es const it uiriam apenas esboços.
Im aginem os, pois, com o seria est e escrit or, 10 anos volvidos no est rangeiro.
Alargar-se-ia a nost algia da infância vivida em Cam arat e com seus avós e Am a at é a t em pos e
episódios passados nos cafés, em t ert úlias, na cidade de Lisboa? Assum iriam est es encont ros
um caráct er nacionalist a próprio de um país que se encont rava finalm ent e a si próprio,
passado o período de resguardo provocado por abalos t ão grandes com o o da im plant ação da
República e da prim eira guerra m undial? Teria renascido o Orpheu, t alvez com out ro nom e,
quem sabe “ O Quint o Im pério” ? Tom aria a saudade sent ida pelo poet a um caráct er m ais
nacionalist a? Os ism os im peram – será que um a nova form a de pat riot ism o t am bém ?
Ident ificar-se-ia o poet a com Port ugal, com a alm a nacional?
Independent em ent e dest as conject uras, o fact o é que M ário de Sá-Carneiro
experiment ou o peso da ident idade, de part e da cult ura que viria, m ais t arde, a ser nacional. À
sua m aneira, sent iu um a grande afinidade, não com os port ugueses que t rabalhavam um
Port ugal apát ico, m as sim com aqueles que procuravam provocar o país, agit á-lo e gerar nele
um a força febril, renovadora e revit alizadora. Aceit ando e professando novas ideias que se
faziam sent ir na Europa e, nom eadam ent e em França – seu país de eleição, soube, não
obst ant e, apreciar aquelas que em ergiam discret am ent e no seu país.
A ident idade const it uiu, pois, um a pequena part e do sent ir dest e escrit or, pelo que fez
dele um dos que “ (...) desconfiam do adject ivo ‘nacional’; preferem decididam ent e
em brenhar-se no diálogo int ernacional académ ico e vêem nos desafios colocados às nações
pelo fenóm eno da globalização um golpe benéfico no provincianism o ret rógado do
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