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COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

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Academic year: 2021

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Fevereiro/2008

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ÍNDICE

• Sumário Executivo………..…..……3 • Abuso de Informação Privilegiada………21 • Manipulação do Mercado………..……….39 • Entendimentos da CMVM sobre a Divulgação

de Informação Privilegiada por Emitentes……….……….……...51 • Entendimentos da CMVM sobre Comunicação

de Operações Suspeitas e Defesa do Mercado……….71 • Guia Rápido para Comunicação de Operações Suspeitas………..…….………..87 • Comunicação de Operações Suspeitas (Público em Geral)……….……….……….99 • Procedimentos gerais de supervisão com vista à determinação

da prestação de esclarecimentos e divulgação

de informação privilegiada relativa a emitentes………...……….103 • Procedimentos gerais de supervisão com vista à determinação

da prestação de esclarecimentos e divulgação de informação

privilegiada relativa a emitentes - Fluxograma de Procedimentos………...111 • Recomendações da CMVM Relatórios de Análise Financeira

sobre instrumentos financeiros (Research)………..…117 • Contratos de liquidez como prática de mercado aceite………..129

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I. SUMÁRIO EXECUTIVO

A negociação em mercado com base em informação privilegiada e a manipulação de mercado – práticas que no seu conjunto são normalmente conhecidas como “abuso de mercado” ou pela designação inglesa “market abuse” – têm profundas implicações na confiança dos investidores e na integridade dos mercados, o que se reflecte no seu próprio desenvolvimento.

A CMVM, na sua missão de garantir a integridade, a credibilidade e a segurança do mercado de instrumentos financeiros tem vindo a mobilizar meios e sistemas cada vez mais desenvolvidos com vista à prevenção e ao combate ao abuso de mercado. O objectivo tem sido prevenir e dissuadir este tipo de comportamentos, tornar mais rápida e eficaz a sua detecção e a sua investigação e contribuir para que os infractores sejam sancionados de modo adequado. Ainda assim, é necessário avaliar continuamente a eficácia das práticas de supervisão e congregar o esforço de todos os profissionais, entidades financeiras, investidores e instituições públicas e privadas do mercado português no sentido da sua integridade.

Foram estes pressupostos que levaram o Conselho Directivo da CMVM a criar, em Maio de 2007, um grupo de trabalho interno que, partindo da identificação e caracterização dos mecanismos e das práticas de supervisão actualmente instituídos para a prevenção, detecção e prova de práticas de abuso de mercado, teve como objectivos:

propor medidas que permitam melhorar esses mecanismos e práticas de supervisão e de fiscalização;

propor novos mecanismos e práticas de supervisão e fiscalização que permitam aumentar a eficácia da CMVM na prevenção, detenção e prova de práticas de abuso de mercado;

propor medidas que contribuam para que as práticas de apresentação de recomendações de investimento se conformem com critérios de imparcialidade e para que seja assegurado o cumprimento das regras de divulgação de conflitos de interesses;

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propor medidas que facilitem e conduzam a um maior envolvimento dos profissionais das diversas áreas que se relacionam com os mercados de capitais, dos investidores e do público em geral no combate ao abuso de mercado e na comunicação de transacções suspeitas;

identificar e caracterizar eventuais práticas de mercado que devam passar a ser aceites.

As novas medidas de prevenção e combate ao abuso de mercado agora aprovadas pelo Conselho Directivo da CMVM são o resultado das propostas apresentadas por essa taskforce.

Sem embargo das contribuições e das alterações resultantes do processo de consulta pública sobre estas medidas que vai decorrer até 31 de Março e no qual se espera uma ampla participação de todos os profissionais do mercado, a CMVM centra assim as suas preocupações de forma prioritária na prevenção das seguintes condutas:

A. Utilização de informação privilegiada, designadamente a relacionada com: Operações societárias (exemplos: OPAS, fusões, compra e venda de participações qualificadas)

Apresentação pela sociedade de informação económico-financeira, previsões de resultados e mudança de políticas, tais como em matéria de dividendos, quando se afastem significativamente do previsto

B. Manipulação da cotação ou negociação mediante: Difusão de informação ou rumores falsos ou enganosos

Manipulação mediante operações de mercado (designadamente, quando estejam previstos aumentos de capitais, OPV, aquisição de acções, distribuição de dividendos, etc)

Difusão de análise financeira sobre a sociedade ou acção sem respeitar as normas de conduta

No âmbito desta iniciativa, a CMVM divulga também um conjunto de elementos informativos nos quais se traça o essencial do regime legal, se esclarecem aspectos do concreto funcionamento do sistema e se sugerem as formas de actuação que melhor satisfazem os objectivos de protecção do mercado de valores mobiliários.

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II. NOVAS INICIATIVAS DA CMVM SOBRE PREVENÇÃO E COMBATE AO ABUSO DE MERCADO

1. Sistema Informático de Vigilância de Abuso de Mercado (SIVAM)

Tem vindo a ser desenvolvido um novo sistema informático de

vigilância de abuso de mercado (SIVAM) que identifica padrões

anormais de comportamento:

– das cotações/retornos dos activos, – dos volumes transaccionados, – do número de negócios,

– das ofertas (incluindo o cancelamento), e – dos intermediários financeiros;

– e dos comitentes.

Este instrumento informático permite:

– analisar a negociação em tempo real com base em dois modelos (browniano e market model);

– proceder a uma análise pós-fecho da negociação mediante a realização de testes de largo espectro e de testes específicos;

– detectar de padrões anormais de negociação previamente e na sequência da divulgação de informação privilegiada de que podem emergir suspeitas de “insider trading”. A análise do historial de testes diariamente calculados pelo SIVAM desempenha um papel crucial na identificação das sessões de bolsa em que se podem ter praticado os abusos ocorridos em sessões posteriores.

SIVAM Real Time - Análise da Negociação em Tempo Real

Para cada instrumento financeiro são aplicadas variantes dos dois modelos de acordo com parâmetros independentes e específicos.

Ambos os modelos de análise emitem um alerta sempre que o preço do último negócio efectuado se situe fora dos limites de um determinado intervalo de confiança (bandas de oscilação).

O alarme de quantidade, por sua vez, indica que o volume transaccionado para o activo em causa, desde o início da sessão é anormal.

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SIVAM t+1 - Análise Pós-Fecho da Negociação

Os testes de largo espectro emitem alertas relacionados com a análise das seguintes variáveis:

Preços/retorno Número de negócios

Volume de negócios/quantidades

Concentração das transacções por intermediário financeiro Concentração das transacções pelos primeiros comitentes (com base no sistema de reporte de transacções – TREM) Estão já em funcionamento 15 sinais de alerta e está em desenvolvimento o estudo de outras variáveis. A análise de concentração de negócios por comitente apenas poderá ser implementada a partir do início do reporte à CMVM, pelos intermediários financeiros, da identificação dos clientes de primeira linha (Julho deste ano).

Os testes específicos visam detectar práticas de manipulação de mercado, tais como:

Marcação do preço de fecho

Concentração na sequência de OPS Abuso de posição dominante Sustentação do preço

Controlo do spread

Manipulação inter-mercados

Disseminação de informação falsa ou enganosa através dos media com intenção de produzir uma alteração no preço do instrumento financeiro

Compra seguida de disseminação de informação falsa e de venda

Venda seguida de disseminação de informação falsa e de compra

Abrir uma posição e fechá-la imediatamente após a sua divulgação

Foram já concebidos e encontram-se em desenvolvimento 56 testes específicos. Os testes baseiam-se em informações negócios, ofertas e comitentes.

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SIVAM t+k - Análise da Negociação Após Divulgação de Informação Relevante

O SIVAM permite que, quando ocorre um determinado facto relevante (por exemplo, o anúncio de informação privilegiada), se analise se a ocorrência desse facto origina comportamentos anormais nos preços e nas transacções, bem como permite analisar se esses movimentos anormais foram perceptíveis nos dias que antecederam a sua divulgação pública.

A análise do historial de testes quotidianamente calculados pelo SIVAM desempenha um papel crucial na identificação das sessões de bolsa (t) em que se podem ter praticado os abusos relacionados com o evento ocorrido k sessões mais tarde.

2. Abuso de Informação Privilegiada

É publicado um texto sobre abuso de informação privilegiada que descreve o regime do crime de abuso de informação, o seu âmbito de aplicação, as condutas proibidas, as linhas de orientação internacionais na matéria, os mecanismos preventivos e faz uma súmula das decisões dos tribunais portugueses sobre o tema.

3. Manipulação do Mercado

É publicado um texto sobre manipulação do mercado em que se descreve o regime penal da manipulação do mercado, se definem conceitos, se apresentam os comportamentos proibidos, e ainda se apresentam as tipologias de manipulação do CESR e se faz uma súmula das decisões dos tribunais portugueses sobre este tipo de casos.

4. Entendimentos da CMVM sobre a Divulgação de Informação Privilegiada pelos Emitentes

Foi aprovado um projecto de Novos Entendimentos da CMVM

sobre a Divulgação de Informação Privilegiada pelos Emitentes que,

na sua versão definitiva, irão rever e actualizar os Entendimentos da CMVM de 2006, agora à luz do novo regime legal da informação privilegiada e das orientações do CESR de 2007.

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A CMVM densifica os critérios que devem ser seguidos pelos emitentes para identificar quando é que a informação:

lhe diz respeito directa ou indirectamente ; é precisa;

pode ser considerada pública;

é idónea para influenciar o preço em mercado.

A CMVM fornece também 42 exemplos concretos de informação privilegiada e estabelece:

os procedimentos que as sociedade cotadas devem adoptar na sua divulgação;

os procedimentos que as sociedades cotadas devem evitar;

as condutas que devem ser adoptadas por terceiras entidades que divulguem informação que indirectamente respeite aos emitentes; em que casos é que os emitentes tem de confirmar ou desmentir rumores.

5. Procedimentos de supervisão com vista à determinação da prestação de esclarecimentos e divulgação de informação privilegiada relativa a emitentes

O objectivo é tornar conhecidos de todos os agentes do mercado os procedimentos desencadeados pela CMVM quando:

Detecte anomalias na negociação (evolução dos preços e volumes);

Verifique ter sido publicada uma notícia ou um rumor sobre determinado emitente relevante de per si (e que não corresponda a informação privilegiada já divulgada);

Detecte a circulação de um rumor sobre determinado emitente (que igualmente se considere relevante e não corresponda a informação já divulgada).

Nesse sentido, apresenta-se um conjunto de procedimentos que podem conduzir à determinação da prestação de esclarecimentos e divulgação de informação privilegiada relativa a emitentes e clarifica as condições que determinam a suspensão da negociação. Divulga-se também um fluxograma que sintetiza aqueles procedimentos.

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O documento descreve detalhadamente todos os procedimentos adoptados pela CMVM tais como:

análise do impacto material da informação

análise da informação anteriormente prestada pelo emitente contacto com o emitente

análise dos esclarecimentos prestados pelo emitente

avaliação do dever de publicação de informação privilegiada

publicação pela CMVM de anúncios sobre a solicitação de informação ao emitente e sobre a eventual suspensão da negociação

análise e avaliação da informação privilegiada publicada pelo emitente

suspensão da negociação, manutenção ou levantamento da suspensão.

6. Entendimentos da CMVM sobre comunicação de operações suspeitas e defesa do mercado e formulário para comunicação de operações suspeitas

Divulgação do projecto de entendimentos da CMVM sobre

comunicação de operações suspeitas e defesa do mercado em que se

descreve o regime legal, onde se identificam as pessoas sujeitas ao dever legal, as operações a comunicar, os sinais de alerta, de acordo com a enunciação do CESR, adaptada à nossa realidade, onde se resolvem dúvidas sobre o destinatário da informação, se explica o regime de segredo, se apresenta um formulário para comunicação de operações suspeitas e se formulam várias recomendações de organização dirigidas aos intermediários financeiros neste domínio.

Entre os sinais de alerta de indício de abuso de informação e manipulação de mercado, indicam-se, nomeadamente, os seguintes:

Concentração anormalmente elevada de operações num instrumento financeiro por um ou mais investidores qualificados com ligação ao emitente;

Repetição não usual de operações entre um número reduzido de clientes num curto espaço de tempo;

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Concentração anormalmente elevada de operações ou ordens num só cliente ou em diferentes contas de um instrumento financeiro no mesmo cliente ou número limitado de clientes Abertura de conta e realização imediata de uma operação significativa por um cliente com urgência de execução antes de um momento por ele especificado

Operações significativas por parte de titulares de participações qualificadas ou outros “insiders” antes do anúncio de informação privilegiada pelo emitente

Ordens sem outra justificação que não seja fazer subir ou descer o preço do instrumento financeiro ou aumentar a quantidade, em particular quando a operação deva ser executada perto do momento em que se forma o preço de referência.

7. Guia rápido para a comunicação de operações suspeitas

Publicação do guia rápido para a comunicação de operações suspeitas, versão simplificada do texto anterior, feita a pensar nos

funcionários dos intermediários financeiros e das entidades gestoras. Não cita normas legais nem tem explicações jurídicas, mas descreve um conjunto de regras de actuação que permitem cumprir o regime legal.

8. Formulário para a comunicação de operações suspeitas pelo público em geral

Disponibilização no site da CMVM na Internet de um formulário

para a comunicação de operações suspeitas pelo público em geral

9. Sistema de supervisão do processo de emissão de recomendações de investimento

Foi também aprovada a adopção de um novo modelo de risco para a supervisão do processo de emissão de recomendações de investimento por parte dos analistas financeiros, designadamente no que diz respeito à consistência de metodologias e pressupostos adoptados.

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10. Recomendações sobre Relatórios de Análise Financeira (research)

A CMVM aprovou ainda o projecto de 19 Novas Recomendações

sobre Relatórios de Análise Financeira (research) dirigidas a

emitentes, jornalistas e investidores.

Aos emitentes a CMVM passa a recomendar que:

divulguem no seu site a lista dos analistas financeiros que participaram em roadshows da empresas nos últimos 12 meses ou que demonstraram interesse em emitir recomendações de investimento sobre a empresa nos últimos 12 meses;

convidem para os roadshows e apresentações, com antecedência adequada, todos os analistas constantes dessa lista;

divulguem a todos os analistas constantes da lista a informação divulgada nos roadshows ou noutras apresentações, mesmo que estes não tenham estado presentes;

não respondam de improviso a questões que lhes sejam colocadas de modo a evitar a divulgação de informação privilegiada;

divulguem através do seu site as datas dos roadshows e encontros com analistas e que os transmitam através do site em videoconferência em tempo real sempre que existam limitações à presença física;

se abstenham de nomear para cargos ou contratar analistas que tenham estado envolvidos na cobertura da empresa nos últimos 2 anos;

cumpram todas estas recomendações, ainda que não sejam empresas cotadas, quando estejam a perspectivar ou a preparar uma oferta pública inicial, e que assegurem que os analistas dos intermediários financeiros encarregues da colocação da oferta não dispõem de mais informação do que a que foi prestada ao mercado. Aos investidores, a CMVM recomenda que:

leiam, no relatório de research, a informação que respeita às participações e relações comerciais entre a empresa analisada e a empresa produtora do research;

confirmem junto do representante do emitente para as relações com o mercado a validade da informação apresentada no relatório de

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consultem o seu intermediário financeiro para que este lhes preste a informação necessária para uma tomada de decisão de investimento ou desinvestimento esclarecida.

E aos jornalistas é recomendado pela CMVM que:

sempre que elaborem notícias sobre relatórios de research, procurem reproduzir os respectivos resumos de modo a traduzir com rigor a opinião dos seus autores;

sempre que elaborem notícias com base em informações que lhes sejam transmitidas oralmente pelos autores do research ou por outras fontes, confirmem se essas informações correspondem ao teor dos relatórios; evitem redigir títulos que se limitem à indicação do preço-alvo ou da recomendações de investimento e que sejam susceptíveis de transmitir uma percepção errada da análise efectuada no relatório;

sempre que redijam títulos que mencionem o preço-alvo ou a recomendação de investimento, salientem no lead os principais pressupostos que condicionam a sua verificação;

mencionem a existência de conflitos de interesses, destacando nomeadamente os identificados no relatório;

mencionem os limites inferiores e superiores do intervalo de preço-alvo e respectivo horizonte temporal, tal como constam do relatório, e não apenas o preço-alvo máximo ou a recomendação de investimento;

sempre que noticiem um novo preço-alvo ou uma nova recomendação, mencionem os anteriores preços-alvo e recomendações efectuadas pelo mesmo autor nos 12 meses anteriores e indiquem os desvios dos preços-alvo face aos preços de mercado e o grau de acerto das recomendações; sempre que noticiem um novo preço-alvo ou uma nova recomendação, mencionem os anteriores preços-alvo e recomendações emitidos por outras entidades para o instrumento financeiro em causa nos 3 meses antecedentes.

11. Contratos de liquidez como prática de mercado aceite

A CMVM deliberou ainda iniciar o processo de reconhecimento dos

contratos de liquidez como prática de mercado aceite à semelhança do

que acontece em já alguns dos principais mercados internacionais. Tal processo traduz-se no envio ao CESR (Comité Europeu de Reguladores) da proposta constante do documento “Contratos de liquidez como prática de

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mercado aceite” que inclui a lista dos factores de avaliação dos contratos de liquidez como prática de mercado aceite.

Este reconhecimento implica que determinadas práticas que poderiam configurar manipulação de mercado passem a ser consideradas como aceites desde que preencham determinadas condições.

III. EVOLUÇÃO RECENTE DA LEGISLAÇÃO NO ÂMBITO DO COMBATE AO ABUSO DE MERCADO

1. Os mercados de valores mobiliários são segmentos do sistema financeiro e,

nessa medida, são bens públicos que permitem também a realização de diversos interesses individuais. O seu bom e regular funcionamento não pode por isso ser adulterado por práticas nocivas que o procurem instrumentalizar e submeter a pretensões individuais ilegítimas.

Os elevados interesses públicos e privados que confluem no mercado de valores mobiliários determinaram que o legislador português – há cerca de vinte anos, através de uma alteração ao Código das Sociedades Comerciais ocorrida em 1987 – tivesse consagrado os crimes de abuso de informação privilegiada e de manipulação do mercado para proteger as condições básicas do seu bom funcionamento. O lastro desta tutela sancionatória é mais antigo, mas este é um marco essencial na protecção penal dos mercados financeiros. Depois, em 1991, o Código do Mercado de Valores Mobiliários reorganizou todo o mercado e criou a CMVM, mantendo as proibições penais referidas. Em 1999 este diploma foi revisto, numa linha de continuidade mas também de inovação, ao ponto de antecipar muitas das soluções que ao nível comunitário vieram a ser acolhidas nas directivas do abuso de mercado de 2003. Estas directivas, adiante descritas, foram transpostas em Portugal em 2006, tendo implicado algumas novidades no campo da supervisão e do sistema sancionatório de que adiante se dá conta.

2. O novo regime comunitário do abuso de mercado abrange a Directiva n.º

2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado, e os seguintes diplomas comunitários de concretização (nível 2):

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Directiva n.º 2003/124/CE da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Directiva n.º 2003/6/CE, no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado;

Directiva n.º 2003/125/CE da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Directiva n.º 2003/6/CE, no que diz respeito à apresentação imparcial de recomendações de investimento e à divulgação de conflitos de interesses;

Directiva n.º 2004/72/CE da Comissão, de 29 de Abril de 2004, relativa às modalidades de aplicação da Directiva n.º 2003/6/CE, no que diz respeito às práticas de mercado aceites, à definição da informação privilegiada em relação aos instrumentos derivados sobre mercadorias, à elaboração de listas de iniciados, à notificação das operações efectuadas por pessoas com responsabilidades directivas e à notificação das operações suspeitas; e

Regulamento (CE) n.º 2273/2003 da Comissão, de 22 de Dezembro de 2003, que estabelece as modalidades de aplicação da Directiva n.º 2003/6/CE no que diz respeito às derrogações para os programas de recompra (share buyback) e para as operações de estabilização de instrumentos financeiros.

3. O regime contido nestas Directivas foi transposto para o nosso ordenamento

jurídico através do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, que introduziu e incorporou as alterações no Código dos Valores Mobiliários de 1999 (CdVM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro). As novidades e alterações ao sistema jurídico nacional não foram tão extensas ou profundas como noutros países que adoptaram o novo regime do abuso de mercado, porque uma parte significativa das novas soluções já tinha sido antecipada pelo CdVM de 1999.

As principais alterações decorrentes da transposição para o ordenamento jurídico interno das Directivas enunciadas prendem-se com deveres de informação (dever de divulgação de informação privilegiada, dever de elaboração de listas de insiders, deveres relativos à elaboração e divulgação de informação contendo recomendações de investimento), uma vez que a definição de abuso de informação privilegiada e de manipulação de mercado não se distanciam, no essencial, do regime já antes previsto no Código dos Valores Mobiliários de 1999, muito embora a definição do crime de abuso de informação tenha sido objecto de algumas alterações pontuais.

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4. No que respeita concretamente ao regime do abuso de informação e da

manipulação de mercado, as principais alterações decorrentes da transposição foram as seguintes:

Para além dos tipos incriminadores previstos no artigo 378.º do Código dos Valores Mobiliários, que se mantêm no essencial, passou, em consequência da transposição da Directiva 2003/6/CE, a prever-se no n.º 4 do artigo 248.º (conjugado com o art. 394.º, n.º 1 al. i) uma contra-ordenação muito grave pela utilização indevida de informação privilegiada que, diferentemente do que sucede no caso do crime, é imputável também a título de negligência e a pessoas colectivas;

No elenco das fontes relacionadas com a informação privilegiada do artigo 378.º passou a prever-se a prática de um facto ilícito;

Foi eliminada no artigo 378.º a exigência da ligação (ainda que indirecta) do agente a uma fonte interna do emitente;

Acrescentou-se no artigo 311.º, relativo ao dever de defesa do mercado, um conjunto de situações que apresentem sinais indiciadores de suspeitas de manipulação de mercado e das quais decorre para os intermediários financeiros um dever reforçado de análise;

Os intermediários financeiros com sede em Portugal passaram a ter um dever de comunicação à CMVM de operações que apresentem sinais que levem a suspeitar de manipulação de mercado ou de abuso de informação (art. 382.º, n.º 2 e 4);

Quer para o abuso de informação, quer para a manipulação de mercado prevê-se a possibilidade de demandar como parte civil no processo crime um terceiro, seja pessoa singular seja uma pessoa colectiva, cuja carteira esteja envolvida nas transacções, para efeito da apreensão das vantagens do crime ou da reparação de danos (arts 378º, n.º 7 e 379.º, n.º 5).

5. Os tipos incriminadores do abuso de informação privilegiada e da manipulação

de mercado vigoram no nosso ordenamento jurídico, no âmbito do mercado de valores mobiliários, já desde 1987, como se referiu, com a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais, tendo sido as incriminações depois revogadas e substituídas pelo Código do Mercado de Valores Mobiliários, de 1991. E vigoram actualmente com um campo de aplicação mais vasto do que aquele que tinham

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inicialmente, porque se aplicam não apenas a mercados de valores mobiliários regulamentados, como também a outro tipo de mercado (por exemplo, aos instrumentos financeiros negociados no mercado eléctrico).

Por outro lado, as denúncias apresentadas pela CMVM às autoridades judiciárias competentes, deram nos últimos anos origem a diversos processos-crime, que culminaram com julgamentos quer pela prática de abuso de informação privilegiada (6 julgamentos), quer de manipulação de mercado (2 julgamentos). Estão ainda em curso mais dois julgamentos por abuso de informação privilegiada que deverão terminar apenas entre Janeiro e Fevereiro de 2008. No âmbito destes processos foram proferidas importantes decisões pelos Juízos Criminais de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, bem como pelo Tribunal Constitucional. A identificação destas decisões judiciais, o seu conteúdo e o sentido da decisão encontram-se nos relatórios anuais divulgados pela CMVM. Nos textos “Abuso de Informação Privilegiada” e “Manipulação de Mercado” apresenta-se uma súmula sobre o essencial das decisões proferidas relativamente a cada um dos crimes (manipulação de mercado e abuso de informação privilegiada).

Pode por isso afirmar-se que o sistema criado em 1991, reorganizado em 1999 e actualizado em 2006, está a funcionar em todas as suas vertentes: desde a lei em vigor, à detecção e investigação dos casos pela CMVM, à sua tramitação judicial, passando pela intervenção de tribunais de todos os níveis. Estes elementos evidenciam também uma interiorização importante dos valores e dos interesses associados à protecção do bom funcionamento dos mercados de valores mobiliários por todos os intervenientes no sistema.

Não obstante, a emergência a nível europeu de um regime harmonizado relativo ao abuso de mercado torna útil que se proceda a uma identificação de algumas das situações típicas de abuso de mercado, por forma clarificar o campo de aplicação das normas e a orientar os agentes no cumprimento dos deveres que delas decorrem.

Esta tarefa foi já em grande parte levada a efeito no âmbito do CESR, através da emissão de orientações divulgadas em 2004 (cfr. CESR/04-505 b) e em 2007 (cfr. CESR/06-562b, ambos os documento disponíveis em www.cesr.eu).

Uma parte do conjunto de documentos divulgados no âmbito da presente iniciativa baseia-se nessas orientações, explicitando concretamente as fontes legais nacionais de enquadramento e consequências legais, bem como algumas particularidades do nosso sistema quer ao nível das soluções legais, quer ao nível da prática judiciária.

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IV. ABUSO DE MERCADO E DIVERSIDADE DE ILÍCITOS

1. As Directivas do abuso de mercado contemplam sob esta designação não

apenas as situações específicas de abuso de informação privilegiada e de manipulação do mercado, como também um conjunto de outras práticas nocivas que, sob essa referência genérica, pretendem ver proibidas nos diversos Estados-membros. Contudo, as Directivas comunitárias não impunham que a proibição desses comportamentos fosse convertida em crime, apenas exigiam a criação das proibições e a cominação dos factos com sanções adequadas e proporcionadas.

Em Portugal o mercado de valores mobiliários está normativamente organizado com instrumentos legislativos coerentes, unificados e articulados desde 1991. Essa organização conjuga três grandes áreas: a supervisão dos agentes e dos mercados, a tutela sancionatória através da figura das contra-ordenações e a tutela penal. Por isso, uma parte dos comportamentos que as directivas pretendem proibir já eram entre nós ilícitos de mera ordenação social, sancionados com coimas, sanções acessórias e perda de benefícios económico (arts. 388.º, 404.º e 406.º do CdVM), ficando os crimes reservados para as situações mais graves (arts 378.º, 379.º, 380.º e 380.º-A), de acordo com a nossa tradição jurídica e o princípio constitucional da intervenção mínima em matéria penal. As coimas e as sanções acessórias pela prática de contra-ordenações são aplicadas num processo específico pela CMVM (processo de contra-ordenação) e a sua decisão pode depois ser impugnada, numa fase facultativa, pelos arguidos junto dos tribunais judiciais (arts 408.º e ss do CdVM).

A CMVM divulga no seu site estatísticas (em regra) trimestrais sobre a actividade sancionatória em processos de contra-ordenação, bem como as decisões que imputam contra-ordenações muito graves e respectivas coimas e sanções acessórias (ao abrigo e por força do disposto no art. 422.º do CdVM).

2. Assim, algumas situações que as directivas designam genericamente como

abuso de mercado já eram ou são em Portugal ilícitos de mera ordenação social (contra-ordenações), como acontece com os seguintes factos:

A violação do regime de divulgação, reserva e proibição de uso indevido de

informação privilegiada: contra ordenação muito grave (arts 248.º e 394.º,

al. i), que ficará preterida se o facto em causa constituir crime de abuso de informação;

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A violação do dever de reserva sobre uma oferta pública de distribuição, já decidida ou meramente projectada, e do dever de segredo sobre a

preparação duma OPA: contra-ordenações muito graves e graves (art. 174.º

e 393.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 al. e));

A violação dos deveres de defesa do mercado: contra-ordenação muito grave (arts. 311..º e 398.º, d) );

A comunicação de informação sobre decisões de investimento de um cliente

a terceiros: contra-ordenação muito grave (art. 304.º e 398.º, a));

A utilização de informação sobre a decisão de investimento do cliente para

proveito próprio ou de terceiro: contra-ordenação muito grave (art. 309.º,

n.º 3 e 397.º, n.º 2 al. b);

A violação de deveres quanto à qualidade da informação a divulgar ao

público, às entidades de supervisão ou às entidades gestoras dos mercados:

contra-ordenações simples, graves e muito graves (art. 398.º conjugado com os diversos deveres de informação contidos no código);

A violação do dever específico de comunicar transacções de dirigentes e

pessoas com eles relacionadas: contra-ordenação muito grave (art. 248.º-B

e 389.º n. 3, al. c));

A violação do regime da informação que contenha recomendações de

investimento e das regras sobre conflitos de interesses com aquela relacionados: contra-ordenação muito grave (art. 7.º, n.º 1 e 2 e art. 389.º,

n.º 1) e contra-ordenação grave (arts 12.º-A a 12.º-E e 389.º, n.º 3 al. e), respectivamente.

A violação dos deveres de não realizar operações contrárias às

recomendações (art. 309.º-D, n.º2) ou antes da divulgação das recomendações (art. 309.º-D, n.º 3): contra-ordenação muito grave (art.

395.º, n.º 1, al. b).

V. O PROCESSO DE CONSULTA PÚBLICA

Como vem sendo habitual neste tipo de intervenções da CMVM, antes da aprovação final dos textos com natureza recomendatória ou com influência na conformação dos comportamentos dos participantes do mercado, estes são submetidos a escrutínio público para que todos os agentes do mercado se possam pronunciar, transmitindo comentários ou sugestões em relação aos documentos apresentados.

(19)

Convida-se, assim, os participantes do mercado, os investidores, os académicos e o público em geral a pronunciar-se sobre os seguintes documentos:

Entendimentos da CMVM sobre a Divulgação de Informação Privilegiada pelos Emitentes;

Entendimentos da CMVM sobre a Comunicação de Transacções Suspeitas e Defesa do Mercado;

Formulário para a Comunicação de Transacções Suspeitas pelo Público em Geral;

Guia Rápido para a Comunicação de Transacções Suspeitas;

Recomendações da CMVM sobre Relatórios de Análise Financeira

(Research) dirigidas a Emitentes, Intermediários Financeiros e

Analistas;

Regime dos Contratos de Liquidez e seu reconhecimento como prática de mercado aceite

e ainda os Procedimentos Gerais de Supervisão com Vista à Determinação da Prestação de Esclarecimentos e Divulgação de Informação Privilegiada Relativa a Emitentes.

As respostas ao presente documento de consulta devem ser submetidas à CMVM até ao dia 29 de Março de 2008.

Os contributos devem ser remetidos, preferencialmente, para o endereço de correio electrónico cmvm@cmvm.pt. As respostas à consulta pública podem igualmente ser expedidas, por correio normal, para a morada da CMVM (Avenida da Liberdade, n.º 252, 1056-801 Lisboa; telefax n.º 21 353 70 77/78).

Atendendo a razões de transparência, a CMVM propõe-se publicar os contributos recebidos ao abrigo desta consulta. Assim, caso o respondente se oponha à referida publicação deve comunicá-lo expressamente no contributo a enviar. Qualquer dúvida ou esclarecimento adicional sobre a presente consulta pública poderá ser elucidada pelo Dr. Paulo Câmara, Director do Departamento Internacional e de Política Regulatória.

(20)
(21)

ABUSO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA

C

ONCEITOS

,

COMPORTAMENTOS PROIBIDOS

,

CONSEQUÊNCIAS LEGAIS

,

LINHAS DE ORIENTAÇÃO

E DECISÕES JUDICIAIS

CMVM 2008

(22)

SUMÁRIO

1. Fundamento 23

2. Definição de informação privilegiada 23

3. Fontes da informação privilegiada 27

4. Prevenção: comunicação de transacções e listas de insiders 28

5. Condutas proibidas 29

6. Âmbito subjectivo 30

7. Consequências legais 31

8. Casuística 32

9. Vigilância, investigação e denúncia pela CMVM 33 10. Decisões dos tribunais 33

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1. Fundamento

Os mercados de valores mobiliários vivem de informação que é essencial para as decisões dos investidores, das empresas e dos reguladores. Pela sua origem, natureza e função uma parte dessa informação é, em certos momentos, reservada a um círculo limitado de pessoas, ficando mais tarde acessível ao público em geral. De igual modo, o seu conteúdo e a sua adesão à realidade podem também variar. O momento da divulgação e a qualidade da informação a divulgar, entre outros aspectos, condicionam e influenciam as decisões dos agentes no mercado e têm reflexos significativos sobre os preços que se formam.

A lei portuguesa proíbe a transmissão e o uso indevidos dessa informação enquanto a mesma não for tornada pública. Antes disso, a sua utilização é restrita ou mesmo proibida. Desta forma, procura-se garantir o acesso à informação pela generalidade dos investidores em condições mínimas de igualdade, usando para o efeito como referente temporal o momento em que a informação é tornada pública. A transmissão ou utilização indevidas de informação privilegiada, antes da sua divulgação pública, podem pôr em causa o regular funcionamento do mercado, podem frustrar as operações em curso e podem gerar vantagens ilegítimas para alguns investidores em detrimento dos demais. Por isso a lei considera que tais factos constituem crime quando praticados por pessoas singulares de forma dolosa.

Ao proibir penalmente estes factos a lei pretende reforçar a confiança dos investidores no funcionamento dos mercados de valores mobiliários, regulando as condições de circulação da informação relevante ou a possibilidade de uso negocial da mesma.

2. Definição de informação privilegiada

Na sequência do que já dispunha a lei anterior, o n.º 3 do artigo 378.º do CdVM define como informação privilegiada:

Toda a informação não tornada pública que, sendo precisa e dizendo respeito directa ou indirectamente, a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seria idónea, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado.

(24)

Para a concretização do conceito de informação privilegiada na lei portuguesa é também relevante o disposto no n.º 2 do artigo 248.º do Código dos Valores Mobiliários (CdVM), que esclarece com mais pormenor o âmbito de alguns elementos do conceito:

A informação privilegiada abrange os factos ocorridos, existentes ou razoavelmente previsíveis, independentemente do seu grau de formalização, que, por serem susceptíveis de influir na formação dos preços dos valores mobiliários ou dos instrumentos financeiros, qualquer investidor razoável poderia normalmente utilizar, se os conhecesse, para basear no todo ou em parte, as suas decisões de investimento.

O conceito legal (art. 378.º, n.º 4, do CdVM) exige que a informação possua quatro características para que possa ser considerada privilegiada: que seja informação (1) não pública, (2) específica, (3) precisa e (4) idónea para

influenciar de maneira sensível o preço, de valores mobiliários ou outros

instrumentos financeiros, se fosse tornada pública. Estes quatro aspectos da informação privilegiada têm sido pormenorizados pela doutrina, pela jurisprudência, mas também pelos reguladores dos diversos países e por instâncias internacionais como o CESR.

A informação é não pública quando não é acessível à generalidade dos investidores;

E é específica quando diz respeito, directa ou indirectamente, a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou instrumentos financeiros.

Os outros dois requisitos do conceito legal, a natureza precisa e price sensitive da informação, estão concretizados no art. 248.º, n.º 4 do CdVM, acima transcrito, e têm sido aprofundados no segundo conjunto de orientações do CESR sobre esta matéria (cfr. CESR/06-562 b, de Julho de 2007, disponível em

www.cesr.eu). Adiante enunciam-se alguns aspectos relevantes para a aferição

destas duas condições essenciais à qualificação da informação como privilegiada.

A informação tem de ser precisa. A determinação de que se está perante

um facto ocorrido, existente ou razoavelmente previsível, caracteriza a natureza precisa da informação, assim operando a distinção entre esta e os meros rumores ou especulações.

Para que a informação seja precisa, não tem de ser completa, nem

(25)

várias fases (como é o caso da preparação de uma OPA), não só todo o processo globalmente considerado mas também cada fase isolada pode ser considerada informação precisa; o facto de o processo não estar terminado não exclui que a informação sobre a ocorrência de uma fase do processo seja considerada informação precisa.

Esta orientação do CESR corresponde ao entendimento que era já seguido pelos tribunais portugueses (Juízos Criminais e Tribunal da Relação de Lisboa) ao aplicarem o conceito de informação privilegiada em processos negociais faseados (como seja a preparação de uma OPA amigável), atribuindo relevância autónoma a cada etapa das decisões, dos contactos e da negociação entre os intervenientes (considerando cada grupo de factos em si mesmo informação privilegiada) e não apenas ao resultado final da mesma ou a determinação do preço a oferecer. O conhecimento dessas fases anteriores ao desfecho final do negócio oferece, por si só, ao insider uma vantagem perante os demais investidores que o mesmo não pode legitimamente usar.

A informação é precisa quando tem um grau de concretização que permite que a mesma seja utilizada. Na formulação da lei, tal acontece

quando a informação permite retirar uma conclusão acerca do sentido do seu eventual impacto nos preços, permitindo, em consequência, tomar

uma decisão de investimento que envolve um risco financeiro muito reduzido.

A informação tem ainda de ser idónea para alterar significativamente o

preço (informação price sensitive).

A susceptibilidade de influência da informação sobre o preço dos valores em mercado deve ser aferida ex ante, ou seja, deve ter-se em conta o grau em que seria expectável que aquela informação tivesse efeito sobre os preços no mercado, caso tivesse sido divulgada no momento em que o facto aconteceu ou em que a informação foi usada antes de ser do conhecimento público. A idoneidade da informação afere-se através de um raciocínio hipotético: se o facto fosse conhecido do mercado nessa

altura produziria uma alteração significativa sobre o preço dos activos?

O critério para determinar essa susceptibilidade usa como referência o padrão do investidor razoável: considera-se price sensitive a informação que qualquer investidor razoável poderia normalmente utilizar, se a

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conhecesse, para basear no todo ou em parte, as suas decisões de investimento.

Na caracterização dessa susceptibilidade para influenciar os preços devem ser tomados em consideração, nomeadamente, os seguintes factores:

A magnitude previsível do facto em causa no contexto da actividade da empresa;

A relevância da informação para as principais determinantes do preço do instrumento financeiro;

A credibilidade da fonte;

As variáveis do mercado que influem sobre o preço do instrumento financeiro em causa.

Existem diversos exemplos de indicadores de que a informação é susceptível de ter impacto sobre o preço do instrumento financeiro:

O tipo de informação em causa é idêntico a informação que, no passado, teve impacto sobre os preços;

O tipo de informação em causa é normalmente tomada em consideração nas recomendações de investimento como factor a ter em consideração na recomendação (designadamente para determinação do price target);

A informação foi mantida expressamente em segredo;

O próprio emitente tratou no passado factos idênticos como informação privilegiada.

A informação privilegiada que diga directamente respeito ao emitente (ou a valores mobiliários por si emitidos) deve, em regra, ser imediatamente divulgada ao mercado por aquele (art. 248.º, n.º 1, do CdVM), podendo, em certos casos, tal divulgação ser diferida (art. 248.º-A do CdVM). Enquanto se mantiver reservada, tal informação não pode ser nem usada nem transmitida para lá do âmbito normal das funções de quem a conhece (art. 248.º, n.º 4 e art. 378.º, n.º 1 e 2, todos do CdVM).

Em 2006, a CMVM deu a conhecer um conjunto de entendimentos da autoridade de supervisão sobre este novo regime legal, incluindo o regime da divulgação e diferimento da informação privilegiada, bem como os comportamentos a

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adoptar e a evitar pelos emitentes com valores admitidos à negociação em mercado regulamentado. No âmbito da iniciativa sobre o abuso de mercado, esses entendimentos foram revistos e divulgados em documento autónomo: cfr.

Entendimentos da CMVM sobre a divulgação de informação privilegiada por emitentes, CMVM, 2008. Uma análise mais casuística dos factos que podem

constituir informação privilegiada encontra-se neste documento.

3. Fontes da informação privilegiada

A lei portuguesa proíbe a transmissão e o uso de informação privilegiada quer a

insiders primários quer a insiders secundários, isso é, pessoas que recebem das

primeiras a informação relevante.

Após a transposição das directivas sobre abuso de mercado, em 2006, deixou de se exigir que o conhecimento da informação privilegiada chegasse ao agente por via de uma fonte interna do emitente (directa ou indirectamente), bastando o seu conhecimento de que a informação de que dispõe é informação privilegiada, independentemente, portanto, da fonte de onde proveio e dos sucessivos elos que se interponham entre o detentor a informação e a sua fonte. Este é o regime actualmente previsto no n.º 2 do artigo 378.º do CdVM. Todavia, caso a informação provenha de uma das fontes referidas no n.º 1 do mesmo artigo, a pena é maior, pelo que continua a ser relevante (para efeito da determinação da moldura penal aplicável) a identificação da fonte do conhecimento por parte do agente da informação privilegiada e que pode ser (art. 378.º, n.º 1, do CdVM):

a. Devido à sua qualidade de titular de um órgão de administração ou de fiscalização de um emitente ou de titular de uma participação no respectivo capital; ou

b. Em razão do trabalho ou do serviço que preste, com carácter permanente ou ocasional, a um emitente ou a outra entidade; ou

c. Que, por qualquer forma, tenha sido obtida através de um facto ilícito ou que suponha a prática de um facto ilícito.

O disposto na alínea c) (do art. 378.º, n.º 1, do CdVM) abrange duas situações novas em relação ao regime anterior: (i) o facto ilícito é a fonte da informação privilegiada (por exemplo, um furto de documentos numa empresa) ou (ii) o conhecimento de um facto ilícito que irá ocorrer e que, enquanto conhecimento presente de um possível facto futuro, é em si mesmo informação privilegiada

(28)

(por exemplo, o conhecimento dos planos dum atentado terrorista, com previsíveis repercussões nos mercados financeiros).

4. Prevenção: comunicação de transacções e listas de insiders

A reforma do abuso de mercado de 2006 reforçou os mecanismos de prevenção do abuso de informação privilegiada, regulando, nomeadamente, a comunicação de transacções de dirigentes de entidades emitentes (e de algumas pessoas com eles relacionadas) e criando o dever de elaboração de listas de pessoas com acesso a informação privilegiada (listas de insiders) no âmbito das entidades emitentes ou pessoas que actuem por sua conta. O primeiro aspecto, a comunicação de transacções de dirigentes, já vinha do regime anterior; o segundo aspecto, as listas de insiders, foi uma inovação introduzida em 2006, embora algumas práticas de supervisão a antecipassem casuisticamente ao nível da investigação de crimes contra o mercado.

Comunicação de transacções: o artigo 248-B.º do CdVM exige que os

dirigentes societários descritos no preceito informem a CMVM, no prazo de cinco dias úteis, sobre todas as transacções efectuadas por conta própria, de terceiro ou por estes por conta daqueles que tenham como objecto acções dessa entidade emitente ou instrumentos financeiros com elas relacionados. O conteúdo desta comunicação encontra-se regulado no n.º 2 do mesmo preceito e os demais números esclarecem o âmbito subjectivo do dever. O regulamento da CMVM n.º 7/2007 veio concretizar os termos, condições e conteúdo destes deveres de comunicação de transacções.

A violação do dever de comunicar transacções de dirigentes e pessoas com eles relacionadas constitui contra-ordenação muito grave (art. 248.º-B e 389.º n. 3, al. c) do CdVM).

Listas de insiders: as entidades emitentes e as pessoas que actuem em seu

nome ou por sua conta têm, desde 2006, de elaborar uma lista de pessoas que têm acesso a informação privilegiada, prevendo a lei um conjunto de deveres específicos associados a esta obrigação (art. 248.º, n.º 6 e 7, do CdVM), a saber:

Dever de elaborar a lista de pessoas com acesso a informação privilegiada;

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Dever de incluir nessa lista a identidade das pessoas, os motivos da sua inclusão na listagem, a data da inclusão dessa pessoa na lista e qualquer outra actualização relevante;

Dever de manter essa lista rigorosamente actualizada;

Dever de informar a pessoa cujo nome é referido na lista da sua inclusão na mesma e das consequências legais previstas para a divulgação ou utilização abusiva de informação privilegiada;

Dever de conservar essa lista pelo prazo de cinco anos;

Dever de enviar imediatamente a lista actualizada à CMVM sempre que esta o solicitar.

A elaboração regular de listas rigorosas de pessoas com acesso a informação privilegiada tem um valor preventivo do abuso de informação e tem igualmente valor para a investigação dos casos. A inclusão do nome de alguém numa lista desta natureza não a converte automaticamente em suspeito, mas constitui uma garantia, para a própria entidade emitente, de controlo sobre o circuito subjectivo da informação privilegiada quanto aos

insiders primários.

A violação de dever de elaborar a lista de insiders constitui uma contra-ordenação muito grave, nos termos do art. 394.º, n.º 1 al. i) do CdVM. O não cumprimento do dever de envio de uma lista de insiders à CMVM constitui uma contra-ordenação grave, nos termos do art. 389.º, n.º 3, al. c) do CdVM, sem prejuízo de lhe poder corresponder uma infracção mais grave em função das particularidades do caso concreto.

5. Condutas proibidas

Além da proibição genérica de uso indevido de informação privilegiada, prevista no n.º 4 do art. 248.º do CdVM, os tipos incriminadores do abuso de informação do art. 378.º do mesmo diploma descrevem um conjunto de comportamentos penalmente proibidos. Assim, quem esteja na posse de informação privilegiada não pode:

Transmitir essa informação, fora do âmbito normal das suas funções; Utilizar essa informação ou seja, concretamente, não pode com base nela e relativamente a valores mobiliários ou instrumentos financeiros:

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Negociar,

Aconselhar alguém a negociar,

Ordenar, para si ou para outrem, directa ou indirectamente, a subscrição, aquisição, venda ou troca.

Do âmbito destas proibições ficam excluídas (art. 378.º, n.º 5 do CdVM):

As operações efectuadas pelo Banco Central Europeu, por um Estado, pelo seu banco central ou por qualquer organismo designado pelo Estado, por razões de política monetária, cambial ou de gestão da dívida pública;

As transacções sobre acções próprias efectuadas no âmbito de programa de recompra realizados nas condições legalmente permitidas.

Os factos descritos podem ser cometidos na forma consumada ou na forma tentada e ainda em qualquer uma das modalidades de comparticipação previstas no Código Penal (arts 22.º, 26.º e 27.º).

A proibição penal de uso da informação privilegiada é válida inclusivamente quando as aquisições são realizadas por uma pessoa singular para a carteira do próprio emitente, como resulta expressamente da letra e do espírito do art. 378.º, n.º 1 do CdVM e foi já confirmado pelos tribunais portugueses.

6. Âmbito subjectivo

O crime é imputável apenas a pessoas singulares e a título doloso.

Quando no facto estejam envolvidas pessoas colectiva ou pessoas singulares agindo com mera negligência poderão incorrer no ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 248.º, n.º 4 (conjugado com o art. 394.º, n.º 1 al. i), ambos do CdVM), por utilização indevida de informação privilegiada.

As pessoas colectivas podem ainda ser demandadas no processo criminal como partes civis, nos termos e para os efeitos do art. 378.º, n.º 7 do CdVM.

No caso de os mesmos factos constituírem simultaneamente crime e contra-ordenação e forem imputáveis ao mesmo agente, pelo mesmo título de imputação subjectiva, há lugar apenas ao procedimento criminal (art. 420.º, n.º 2 do CdVM).

(31)

7. Consequências legais

O crime de abuso de informação privilegiada é punido com penas principais, penas acessórias e com consequências jurídicas especiais ao nível da perda das vantagens económicas do crime, concretamente:

É punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa (que pode ir de 10 dias a 360 dias de multa, nos termos do art. 47.º do Código Penal), nos casos em que a informação privilegiada chegue ao conhecimento do agente em virtude de uma das circunstâncias descritas no n.º 1 do artigo 378.º do CdVM;

É punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso previsto no n.º 2 do artigo 378.º do CdVM;

São igualmente aplicáveis as penas acessórias de (a) interdição temporária do exercício de profissão, actividade ou funções relacionadas com o crime cometido, por um prazo não superior a cinco anos, e (b) publicação da sentença condenatória a expensas do arguido (art. 380.º do CdVM);

Além disso, à semelhança do que sucede no caso da manipulação de mercado, existe a possibilidade de demandar como parte civil no processo crime um terceiro, seja pessoa singular, seja pessoa colectiva, cuja carteira esteja envolvida nas transacções, para efeito da apreensão das vantagens do crime ou da reparação de danos (art. 378.º, n.º 7, do CdVM).

As vantagens económicas obtidas com o crime devem ser apreendidas e declaradas perdidas a favor da reparação dos lesados, do Estado e do sistema de indemnização dos investidores (art. 380.º-A do CdVM e 111.º e seguintes do Código Penal). O Código da Sociedades Comerciais contempla ainda mecanismos especiais de reparação de danos (art. 449.º) e procedimentos para a destituição judicial de titulares de órgãos sociais que utilizem informação privilegiada (art. 450.º).

O envolvimento em factos desta natureza é ainda relevante para a aferição das condições concretas de idoneidade profissional sempre que a lei a exija.

(32)

8. Casuística

A partir da experiência existente a nível nacional e internacional, é possível identificar grupos de casos que correspondem a hipóteses de abuso de informação privilegiada:

O administrador de uma entidade emitente propõe ao órgão de administração um projecto de venda de uma das empresas do grupo, o que vai originar um elevado encaixe financeiro. Durante o processo decisório dessa operação esse administrador compra acções dessa sociedade emitente para si ou para terceiro, sabendo que a divulgação da operação vai originar uma subida do valor das acções.

Um membro do conselho fiscal de uma entidade emitente inicia uma averiguação interna que revela a existência de casos de falsificação da contabilidade da empresa e de fraude fiscal que serão conhecidos em breve. Antes de concluído o relatório vende as acções que tem da empresa. Quando o facto é conhecido do público as acções desvalorizam.

Uma entidade emitente inicia o processo de eventual lançamento de uma oferta pública de aquisição sobre uma empresa concorrente. Antes da decisão final vários administradores compram para si e para a própria empresa acções da entidade visada.

O gestor de um fundo de investimento reúne com a administração de uma entidade emitente e consegue obter informação privilegiada sobre os projectos de investimento em curso, que só mais tarde serão apresentados à assembleia geral, nomeadamente uma parceria a realizar com uma empresa congénere na América Latina. Antes disso acontecer, o gestor reforça a participação do fundo de investimento nessa entidade emitente, prevendo uma valorização dos activos.

Um jurista é contratado para acompanhar uma operação de fusão entre duas empresas. Antes de a operação ser divulgada ao público, revela o projecto a um familiar que adquire acções de uma das empresas que serão valorizadas com o anúncio da fusão.

Um “pirata informático” entra na rede de uma empresa e consegue ter acesso à documentos do conselho de administração e ao agendamento das propostas de deliberação, donde consta um reforço da posição accionista numa empresa doutro sector económico. Vende essas informações a uma

(33)

empresa concorrente que as usa para adquirir em bolsa activos da empresa visada, vendendo-os depois a preços mais elevados.

O gerente de um restaurante ouve uma conversa entre dois administradores de uma empresa que ocorre numa sala reservada. Usa essa informação para comprar acções da empresa visada pela operação que é objecto de conversa entre os dois clientes.

9. Vigilância, investigação e denúncia pela CMVM

Como parte das competências de supervisão dos mercados de valores mobiliários, a CMVM acompanha o seu funcionamento em tempo real, quer com o recurso a sistemas informáticos, quer com recurso a meios humanos especialmente afectos a essas tarefas.

A vigilância do mercado e o acompanhamento da informação sobre os factos e os agentes económicos permitem identificar operações que fogem a padrões de normalidade negocial, sujeitas depois uma análise mais rigorosa em função, nomeadamente, da informação existente, da forma de negociação, dos intermediários financeiros e dos investidores envolvidos.

Os casos suspeitos são objecto de investigação subsequente que termina em denúncia da CMVM ao Ministério Público sempre que os elementos recolhidos revelem fundadas suspeitas de corresponderem ao uso ilegal de informação privilegiada. Nos últimos anos foram participados mais de duas dezenas de casos suspeitos de abuso de informação. O relatório anual da CMVM contém dados estatísticos sobre estas participações.

A tramitação subsequente do processo é da responsabilidade das autoridades judiciárias. Nestes processos criminais a CMVM não tem parte activa oferecendo apenas a sua colaboração de acordo e em função das solicitações das autoridades judiciárias.

10. Decisões dos tribunais

Desde a reforma legislativa de 1999, existem cinco condenações pela prática do crime de abuso de informação privilegiada e uma absolvição. Concretamente, foram a julgamento seis casos de abuso de informação, tendo sido proferidas quatro sentenças condenatórias e duas sentenças absolutórias em primeira instância. Em todos os casos houve recurso da decisão final (interposto pela

(34)

defesa ou pelo Ministério Público). Das duas sentenças absolutórias um recurso está pendente, a aguardar decisão na Relação de Lisboa; no outro processo este Tribunal revogou a decisão absolutória substituindo-a por uma decisão condenatória.

Em suma, quatro dos seis casos terminaram com uma decisão condenatória, já transitada em julgado, estando pendentes dois recursos no Tribunal da Relação de Lisboa (um recurso de uma decisão condenatória e outro de uma decisão absolutória).

As autoridades judiciárias devem comunicar à CMVM as decisões proferidas em processos por crimes contra o mercado (art. 387.º do CdVM quanto a todas as decisões e art. 422.º do CdVM quanto às sentenças e acórdãos). Desde Março de 2006, a CMVM divulga no seu site as sentenças e acórdãos proferidos após esta data pelos Tribunais portugueses, em processos que tenham como objecto crimes contra o mercado (e contra-ordenações muito graves), nos termos do art. 422.º do CdVM.

Os tribunais portugueses têm proferido decisões que salvaguardam a importância de preservar as justas condições de funcionamento do mercado, a igualdade entre os investidores e evidenciam a lesão que o abuso de informação causa aos investidores que negoceiam com as pessoas que usam informação privilegiada.

Os casos são sumariamente os seguintes:

Aquisições de um administrador durante o processo de celebração dum negócio que iria dar origem a uma OPA.

O presidente de uma empresa cotada detinha um lote maioritário de acções. Uma outra empresa, igualmente cotada, iniciou contactos com ele, manifestando interesse em comprar esse lote maioritário, desde que conseguisse, através do lançamento de uma oferta pública subsequente, adquirir no mínimo 90% do capital da empresa visada. Os contactos e negociações prolongaram-se por vários meses, tornando-se o negócio viável a partir de certa altura, pois o presidente da empresa visada assegurou informalmente aos interessados que os demais accionistas venderiam as suas posições. O potencial oferente acordou pagar um preço que equivalia a mais do dobro do valor da cotação das acções nesse momento. Antes de o processo negocial descrito estar concluído, um administrador não executivo da empresa visada, parente próximo do presidente desta entidade, contraiu

(35)

um empréstimo bancário para aquisição de acções (dessa empresa), que foram dadas como garantia do empréstimo. Vendeu depois na oferta pública o grande lote de acções que adquiriu, por um valor genericamente

equivalente ao dobro do preço que havia pago. O Tribunal considerou que se tratava de um caso de abuso de informação

privilegiada por um insider primário, que tinha obtido a informação em função do cargo que exercia e das relações familiares com o presidente da empresa visada, condenando-o na pena de 18 meses de prisão e 120 dias de multa (à taxa diária de 295 Euros) e subsidiariamente (caso a multa não fosse paga) a 80 dias de prisão. A pena foi suspensa por um período de 3 anos, suspensão essa condicionada ao dever de entregar a três instituições de solidariedade social um valor global de 499.000 Euros. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão em recuso, limitando-se a alterar a pena concreta de 18 para 16 meses de prisão. A decisão transitou em julgado e foi já executada.

Aquisições de uma sociedade visada por uma OPA por um

administrador da empresa oferente.

O presidente de uma empresa oferente numa OPA amigável, com relações profissionais com a entidade visada pela oferta, acompanhou o processo de montagem da operação, com intervenção directa em alguns documentos essenciais do processo. Antes de ser anunciada a operação, deu a um corretor ordens de compra sobre acções da empresa visada (uma entidade cotada) para a carteira de títulos de dois familiares seus. A OPA foi então anunciada contemplando um prémio de cerca de 29% em relação à cotação média anterior. Quando a cotação subiu o agente vendeu as acções anteriormente adquiridas, com uma mais-valia significativa.

O Tribunal considerou que o arguido tinha usado informação privilegiada que havia adquirido profissionalmente, quer por estar ligado à entidade oferente, quer à entidade visada, condenando-o na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 350 Euros. A defesa interpôs recurso que se encontra pendente no Tribunal da Relação de Lisboa.

Aquisição de acções de uma empresa que ia realizar uma fusão por incorporação com outra empresa.

Uma sociedade cotada iniciou um projecto de fusão (por incorporação) com outra empresa cotada do mesmo sector. Antes de divulgar publicamente a operação, apresentou-a, com exigência expressa de sigilo, a um órgão

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consultivo para obter o seu acordo. Um accionista de referência com assento nesse órgão informou telefonicamente um colaborador da sua empresa do projecto que iria ser anunciado em breve. Esse colaborador deu ordens de compra de acções de uma das empresas envolvidas, para a sua própria carteira e para a carteira de títulos da empresa dirigida pelo accionista de referência que tinha obtido a informação em primeira linha. Conseguiram adquirir lotes significativos de acções antes de a operação ser anunciada e o preço subir. Essas acções não só se valorizaram com o anúncio da operação, como poderiam ser trocadas por acções da outra empresa envolvida na fusão, com um acréscimo significativo de valor. O que veio a ser aproveitado por ambos os arguidos, tendo um mantido as acções em carteira enquanto o outro alienou as que havia adquirido.

O Tribunal considerou que os agentes cometeram em co-autoria o crime de abuso de informação privilegiada, condenando cada um na pena de 180 dias de multa (à taxa diária de 300 Euros) e, além disso, pelas aquisições individuais que havia feito para a sua própria carteira, condenou ainda um dos arguidos como autor singular da prática de outro crime de abuso de informação privilegiada, na pena de 120 dias de multa (à taxa diária de 300 Euros). Em cúmulo jurídico a pena deste último arguido ficou em 260 dias de multa (à taxa diária de 300 Euros). A defesa recorreu da decisão e o Ministério Público interpôs recurso autónomo requerendo que fosse ainda decretada a perda a favor do Estado das vantagens patrimoniais obtidas com a prática do crime. O Tribunal da Relação de Lisboa negou razão à defesa e deu razão ao Ministério Público, decretando a perda das vantagens económicas do crime. A defesa recorreu para o Tribunal Constitucional, que lhe negou razão em todos os pontos do recurso, baixando o processo para execução.

Aquisição de acções de uma sociedade que seria visada por uma OPA por um administrador da oferente para a carteira desta.

Uma empresa preparou uma operação que se traduzia em comprar um grande lote de acções de uma sociedade cotada (mais de 44% do seu capital), que estava na carteira de uma holding do grupo da sociedade visada, lançando em seguida uma OPA sobre o restante capital ao preço que pagaria pelo grande lote. A proposta foi formalizada junto da holding detentora do grande lote e a execução da operação foi confiada, com um amplo mandato, a um director geral da oferente, com responsabilidade na

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