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Decisões dos tribunais

E DECISÕES JUDICIAIS

10. Decisões dos tribunais

Desde a reforma legislativa de 1999, existem cinco condenações pela prática do crime de abuso de informação privilegiada e uma absolvição. Concretamente, foram a julgamento seis casos de abuso de informação, tendo sido proferidas quatro sentenças condenatórias e duas sentenças absolutórias em primeira instância. Em todos os casos houve recurso da decisão final (interposto pela

defesa ou pelo Ministério Público). Das duas sentenças absolutórias um recurso está pendente, a aguardar decisão na Relação de Lisboa; no outro processo este Tribunal revogou a decisão absolutória substituindo-a por uma decisão condenatória.

Em suma, quatro dos seis casos terminaram com uma decisão condenatória, já transitada em julgado, estando pendentes dois recursos no Tribunal da Relação de Lisboa (um recurso de uma decisão condenatória e outro de uma decisão absolutória).

As autoridades judiciárias devem comunicar à CMVM as decisões proferidas em processos por crimes contra o mercado (art. 387.º do CdVM quanto a todas as decisões e art. 422.º do CdVM quanto às sentenças e acórdãos). Desde Março de 2006, a CMVM divulga no seu site as sentenças e acórdãos proferidos após esta data pelos Tribunais portugueses, em processos que tenham como objecto crimes contra o mercado (e contra-ordenações muito graves), nos termos do art. 422.º do CdVM.

Os tribunais portugueses têm proferido decisões que salvaguardam a importância de preservar as justas condições de funcionamento do mercado, a igualdade entre os investidores e evidenciam a lesão que o abuso de informação causa aos investidores que negoceiam com as pessoas que usam informação privilegiada.

Os casos são sumariamente os seguintes:

Aquisições de um administrador durante o processo de celebração dum negócio que iria dar origem a uma OPA.

O presidente de uma empresa cotada detinha um lote maioritário de acções. Uma outra empresa, igualmente cotada, iniciou contactos com ele, manifestando interesse em comprar esse lote maioritário, desde que conseguisse, através do lançamento de uma oferta pública subsequente, adquirir no mínimo 90% do capital da empresa visada. Os contactos e negociações prolongaram-se por vários meses, tornando-se o negócio viável a partir de certa altura, pois o presidente da empresa visada assegurou informalmente aos interessados que os demais accionistas venderiam as suas posições. O potencial oferente acordou pagar um preço que equivalia a mais do dobro do valor da cotação das acções nesse momento. Antes de o processo negocial descrito estar concluído, um administrador não executivo da empresa visada, parente próximo do presidente desta entidade, contraiu

um empréstimo bancário para aquisição de acções (dessa empresa), que foram dadas como garantia do empréstimo. Vendeu depois na oferta pública o grande lote de acções que adquiriu, por um valor genericamente

equivalente ao dobro do preço que havia pago. O Tribunal considerou que se tratava de um caso de abuso de informação

privilegiada por um insider primário, que tinha obtido a informação em função do cargo que exercia e das relações familiares com o presidente da empresa visada, condenando-o na pena de 18 meses de prisão e 120 dias de multa (à taxa diária de 295 Euros) e subsidiariamente (caso a multa não fosse paga) a 80 dias de prisão. A pena foi suspensa por um período de 3 anos, suspensão essa condicionada ao dever de entregar a três instituições de solidariedade social um valor global de 499.000 Euros. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão em recuso, limitando-se a alterar a pena concreta de 18 para 16 meses de prisão. A decisão transitou em julgado e foi já executada.

Aquisições de uma sociedade visada por uma OPA por um

administrador da empresa oferente.

O presidente de uma empresa oferente numa OPA amigável, com relações profissionais com a entidade visada pela oferta, acompanhou o processo de montagem da operação, com intervenção directa em alguns documentos essenciais do processo. Antes de ser anunciada a operação, deu a um corretor ordens de compra sobre acções da empresa visada (uma entidade cotada) para a carteira de títulos de dois familiares seus. A OPA foi então anunciada contemplando um prémio de cerca de 29% em relação à cotação média anterior. Quando a cotação subiu o agente vendeu as acções anteriormente adquiridas, com uma mais-valia significativa.

O Tribunal considerou que o arguido tinha usado informação privilegiada que havia adquirido profissionalmente, quer por estar ligado à entidade oferente, quer à entidade visada, condenando-o na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 350 Euros. A defesa interpôs recurso que se encontra pendente no Tribunal da Relação de Lisboa.

Aquisição de acções de uma empresa que ia realizar uma fusão por incorporação com outra empresa.

Uma sociedade cotada iniciou um projecto de fusão (por incorporação) com outra empresa cotada do mesmo sector. Antes de divulgar publicamente a operação, apresentou-a, com exigência expressa de sigilo, a um órgão

consultivo para obter o seu acordo. Um accionista de referência com assento nesse órgão informou telefonicamente um colaborador da sua empresa do projecto que iria ser anunciado em breve. Esse colaborador deu ordens de compra de acções de uma das empresas envolvidas, para a sua própria carteira e para a carteira de títulos da empresa dirigida pelo accionista de referência que tinha obtido a informação em primeira linha. Conseguiram adquirir lotes significativos de acções antes de a operação ser anunciada e o preço subir. Essas acções não só se valorizaram com o anúncio da operação, como poderiam ser trocadas por acções da outra empresa envolvida na fusão, com um acréscimo significativo de valor. O que veio a ser aproveitado por ambos os arguidos, tendo um mantido as acções em carteira enquanto o outro alienou as que havia adquirido.

O Tribunal considerou que os agentes cometeram em co-autoria o crime de abuso de informação privilegiada, condenando cada um na pena de 180 dias de multa (à taxa diária de 300 Euros) e, além disso, pelas aquisições individuais que havia feito para a sua própria carteira, condenou ainda um dos arguidos como autor singular da prática de outro crime de abuso de informação privilegiada, na pena de 120 dias de multa (à taxa diária de 300 Euros). Em cúmulo jurídico a pena deste último arguido ficou em 260 dias de multa (à taxa diária de 300 Euros). A defesa recorreu da decisão e o Ministério Público interpôs recurso autónomo requerendo que fosse ainda decretada a perda a favor do Estado das vantagens patrimoniais obtidas com a prática do crime. O Tribunal da Relação de Lisboa negou razão à defesa e deu razão ao Ministério Público, decretando a perda das vantagens económicas do crime. A defesa recorreu para o Tribunal Constitucional, que lhe negou razão em todos os pontos do recurso, baixando o processo para execução.

Aquisição de acções de uma sociedade que seria visada por uma OPA por um administrador da oferente para a carteira desta.

Uma empresa preparou uma operação que se traduzia em comprar um grande lote de acções de uma sociedade cotada (mais de 44% do seu capital), que estava na carteira de uma holding do grupo da sociedade visada, lançando em seguida uma OPA sobre o restante capital ao preço que pagaria pelo grande lote. A proposta foi formalizada junto da holding detentora do grande lote e a execução da operação foi confiada, com um amplo mandato, a um director geral da oferente, com responsabilidade na

área da execução de projectos de investimento bolsista, que acompanhou todo o empreendimento desde o início. O director geral da oferente optou por adquirir o grande lote referido em bolsa através dum encontro. Mas, para o efeito, deu uma ordem telefónica superior ao volume do grande lote, sabendo que dessa forma iria adquirir todas as demais acções que estavam a ser oferecidas a preço inferior ao do grande lote. O que efectivamente veio a acontecer: foi adquirido não só o grande lote, como também mais de 350.000 acções de outros investidores, o que se traduziu num ganho para a oferente que não teve de comprar essas acções ao preço a que depois lançou a OPA.

O Tribunal considerou que a decisão e execução da operação nestes termos implicou necessariamente a aquisição de acções com informação privilegiada e condenou o arguido na pena de 170 dias de multa (à taxa diária de 250 Euros). A defesa recorreu para a Relação que lhe negou razão confirmando a sentença recorrida. A defesa recorreu novamente para o Tribunal Constitucional que considerou o recurso improcedente. A sentença transitou em julgado e já foi executada.

Aquisição de acções de uma sociedade cotada antes do anúncio de lançamento de uma OPA.

Uma sociedade preparou e lançou uma OPA amigável sobre uma empresa cotada, tendo o apoio de um banco de investimento como consultor do projecto. O Ministério Público acusou e, depois de realizada a instrução, o Tribunal de Instrução Criminal pronunciou dois arguidos por, indiciariamente, terem adquirido antes do anúncio de lançamento da OPA acções da entidade visada através de duas empresas off-shore. De acordo com a acusação do Ministério Público e a pronúncia do Tribunal de Instrução Criminal estas sociedades off-shore pertenciam a um parente de um administrador do banco de investimento que assessorou a preparação da operação que, por seu turno, seria alegadamente a fonte primária da informação privilegiada. As acções adquiridas foram vendidas após o anúncio da OPA gerando mais valias.

Realizado o julgamento, o Tribunal, apesar de expressar na sentença “sérias suspeitas” sobre a forma como as coisas aconteceram, absolveu os arguidos invocando uma dúvida razoável. O Ministério Público recorreu desta sentença, alegando erros e nulidades na fundamentação da decisão, encontrando-se o recurso pendente no Tribunal da Relação de Lisboa.

Aquisição de um lote de acções antes do lançamento de uma OPA com tratamento diferenciado dos accionistas.

O Ministério Público acusou e, depois de realizada a instrução, o Tribunal de Instrução Criminal pronunciou dois arguidos, administradores de uma sociedade cotada, por indiciariamente terem adquirido a um fundo de investimento um grande lote de acções de outra sociedade cotada quando, na mesma altura, estavam preparar o lançamento de uma OPA e a negociar a aquisição de outro grande lote a outro accionista por valor superior à primeira aquisição referida. Este lote foi efectivamente adquirido a preço superior e a OPA foi lançada nesse mesmo dia a esse preço.

O Tribunal considerou que, aquando da primeira aquisição ao fundo de investimento, ainda não existia “informação precisa” que pudesse, por isso, ser considerada informação privilegiada. Em função desse enquadramento absolveu os arguidos. O Ministério Público discordou da decisão e dos seus fundamento e interpôs recurso. O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o recurso e revogou a decisão absolutória, com fundamento – entre outros aspectos – numa errada apreciação da prova produzida e em erro de Direito quanto ao entendimento do conceito legal de informação privilegiada. Em consequência, o Tribunal da Relação de Lisboa condenou os arguidos na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 250 Euros, num total de 45.000 Euros cada multa. A decisão já transitou em julgado, encontrando-se em fase de execução.