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Organizações Internacionais e Direitos Humanos - Uma Análise dos Casos Brasileiros na Organização dos Estados Americanos MESTRADO EM DIREITO

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PUC-SP

Priscila Caneparo dos Anjos

Organizações Internacionais e Direitos Humanos

-Uma Análise dos Casos Brasileiros na Organização dos Estados Americanos

MESTRADO EM DIREITO

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Organizações Internacionais e Direitos Humanos

-Uma Análise dos Casos Brasileiros na Organização dos Estados Americanos

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial à obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Econômicas Internacionais, sob a orientação do Professor Doutor Carlos Roberto Husek.

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Ao meu orientador, Prof. Carlos Roberto Husek, pela orientação precisa, por sua consideração, paciência, amizade e permanente dinamismo na busca pela consolidação do Direito Internacional.

Aos Prof. Vladmir Oliveira da Silveira, por compartilhar seu conhecimento de maneira decisiva nessa etapa de minha vida e por me fazer crer na minha capacidade.

Ao Prof. Wagner Menezes, por ter me introduzido a esse fascinante mundo do Direito Internacional, pela amizade e por todo incentivo, concedido desde sempre.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialmente aos colegas da Pós-Graduação de Direito das Relações Econômicas Internacionais, pelo apoio e incentivo nessa importante etapa de aperfeiçoamento pessoal, teórico e técnico.

Aos funcionários Rafael e Rui, pela paciência e prontidão para resolver todos os meus problemas e sanar minhas dúvidas nessa etapa que aqui se encerra.

Aos colegas e professores do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu

em Direito Internacional, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelas constantes e proveitosas discussões para a consolidação e efetivação do Direito Internacional.

Aos meus familiares – meus pais, minha avó e irmã –, que contribuem diariamente, cada um a seu modo, para que eu aperfeiçoe todo o conhecimento adquirido. Agradeço-lhes, também, pela bagagem cultural transmitida, por intermédio do incentivo ao novo e ao diferente, fazendo-me crer que o estudo dignifica e possibilita que cheguemos a lugares outrora considerados impossíveis.

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ANJOS, Priscila Caneparo dos. Organizações internacionais e direitos humanos: uma análise dos casos brasileiros na organização dos Estados Americanos.

O presente trabalho tem por objetivo o estudo dos principais casos de violações de direitos humanos, envolvendo o Estado brasileiro, levados ao âmbito do sistema interamericano de proteção de direitos humanos. Em última análise, destina-se esse estudo à investigação das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos nas referidas questões. Para a correta compreensão do tema, debateu-se sobre a necessidade do exame de alguns institutos de Direito Internacional, especificamente das organizações internacionais e dos direitos humanos. Nesse sentido, no que tange às organizações internacionais, examinou-se seus principais pontos, englobando seu desenrolar histórico, seu conceito, suas modificações de acordo com os reclames da sociedade e, por fim, sua correlação para com a proteção e efetivação dos direitos humanos. No que tange a esses últimos, viu-se a necessidade de discorrer sobre suas exponenciais questões, envolvendo seu desenvolvimento histórico, suas determinações conceituais, a necessidade de uma proteção a nível internacional e, em concordância com essa, seus sistemas de proteção, tanto universais (presente no quadro das Organizações das Nações Unidas), como regionais (sistema europeu, africano, árabe e interamericano). Por ali se encontrarem as questões cruciais do estudo, o sistema de proteção de maior valia fora o interamericano, consagrado na Organização dos Estados Americanos, mais especificamente em sua Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos. A jurisdicionalização do referido sistema encontra-se materializada em sua Corte, sendo que, para que um caso de violação chegue ao seu conhecimento, necessário se faz o crivo anterior da Comissão. Assim, de acordo com a pesquisa, entendeu-se ter o Brasil um papel crucial no desenvolvimento do sistema interamericano, mas, paradoxalmente, constitui-se como um grande violador dos direitos humanos. O Estado brasileiro, nesse sentido, fora demandado por cinco vezes na Corte Interamericana – nos casos Damião Ximenes Lopes (Caso 12.237); Gilson Nogueira de Carvalho (Caso 12.058); Arley José Escher e Outros (Caso 12.353); Sétimo Garibaldi (Caso 12.478); e Julia Gomes Lund e Outros (Caso 11.552) -, tendo sido condenado em todos eles, à exceção do caso Gilson Nogueira de Carvalho. Chegou-se à conclusão que, na internalização e cumprimento das referidas sentenças, o Brasil não se demonstrou um fervoroso defensor e protetor dos direitos humanos, pois veio cumprir apenas parte dos dispositivos das referidas sentenças. Finalmente, pôde-se concluir, com esse trabalho, que o sistema interamericano, obstante seu caráter de extrema importância na proteção dos direitos humanos, necessita aprimorar-se para que a efetivação se torne uma realidade nos Estados que dele fazem parte e, no caso brasileiro, deverá o Brasil tratar suas condenações com mais seriedade para que, de fato, venha a ser um Estado comprometido não apenas ao sistema interamericano, mas igualmente à proteção e efetivação dos direitos humanos de seus cidadãos.

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ANJOS, Priscila Caneparo dos. International organizations and human rights: an analysis of brazilian cases in the organization of American States.

This research aims to study the main cases of human rights violations involving the Brazilian state, driven to within the American system of protection of human rights. Ultimately, this study intended to investigate the decisions of the Inter-American Court of Human Rights on these issues. For the correct understanding of the issue, it was discussed the need to analyze some institutes of International Law, specifically international organizations and human rights. Accordingly, with respect to international organizations, the study examined its main points, covering its development history, its concept, its modifications according to the claims of society and, finally, its correlation to the protection and realization of human rights. Regarding the latter, the research needed to elaborate on their exponential issues involving its historical development, its conceptual determinations, the need for international protection and, in agreement with this, their systems of protection, both universal (present within the United Nations Organization) and regional (European, African, Arab and inter-American). Because of the main points of the study, the protection system of greater value was the inter-American system, enshrined in the Organization of American States, specifically in their Commission and Inter-American Court of Human Rights. The jurisdictionalization of this system is embodied in his Court, and, for a case of violation come to its attention, the Commission needs to understand that the Court’s decision is essential. Thus, according to the survey, it was considered Brazil has a crucial role in the development of inter-American system, but, paradoxically, it is a major violator of human rights. The Brazilian state, in this sense, was sued by five times in the Inter-American Court - Damião Ximenes Lopes (Case 12237); Gilson Nogueira de Carvalho (Case 12058); Arley Joseph Escher and others (Case 12353), Garibaldi (Case 12478), and Julia Gomes Lund and others (Case 11552). Just in case of Gilson Nogueira de Carvalho it has not demonstrated that Brazil violated human rights.The conclusion was that Brazil was not a strong supporter and protector of human rights in the internalization and enforcement of these sentences. Brazil has only fulfilled part of the sentences. Finally, the study concluded that the inter-American system needs to enhance, despite its character of extreme importance in the protection of human rights. In the Brazilian case, it should treat their sentences more seriously to become a committed state not only to inter-American system, but also to the protection and realization of human rights of its citizens.

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CADH - Pacto de São José da Costa Rica CAT - Comitê contra a Tortura

CCPR - Comitê de Direitos Humanos CDH - Comissão de Direitos Humanos CDI - Comissão de Direito Internacional

CEDAW - Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher CEMDP - Comissão Especial sobre Mortos de Desaparecidos Políticos CERD - Comitê para a Eliminação de Discriminação Racial

CESCR - Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais CIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos

CIJ - Corte Internacional de Justiça CJG - Centro de Justiça Global

CMW - Comitê sobre Trabalhadores Migrantes

COE - Conselho da Europa

CPIJ - Corte Permanente Internacional de Justiça CPT - Comissão Pastoral da Terra

CRC - Comitê dos Direitos das Crianças

CRPD - Comitê sobre os Direitos dos Deficientes DAW - Divisão para o Status da Mulher

DESA - Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Únicas

FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação GRIC - Grupo de Revisão da Implementação de Cúpulas

IASC - Comitê Permanente entre Organismos IEVE - Instituto da Violência do Estado

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MEM - Mecanismo de Avaliação Multilateral

MESECVI - Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará

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OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

OCHA - Escritório das Nações Unidas de Assistência Humanitária OEA - Organização dos Estados Americanos

OI - Organização Internacional

OIT - Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial da Saúde

ONG - Organização não governamental ONU - Organização das Nações Unidas

OSAGI - Escritório da Assessoria Especial em Questões de Gênero e Melhoria da Mulher

OUA - Organização da Unidade Africanos PCB - Partido Comunista Brasileiro

PCdoB - Partido Comunista do Brasil

PMDs - Países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos RENAAP - Rede Nacional de Advogados Autônomos Populares SISCA - Sistema de Acompanhamento das Cúpulas das Américas STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça SUS - Sistema Único de Saúde

TELEPAR - Empresa de Telecomunicações do Paraná TPI - Tribunal Penal Internacional

UA - União Africana

UNAIDS - Programa conjunto das Nações Unidas para HIV/Aids UNDP - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura UNFPA - Fundo de População das Nações Unidas

UNHCR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

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INTRODUÇÃO... 13

CAPÍTULO 1 - ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS... 17

1 HISTÓRICO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS... 17

2 CONCEITO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS... 26

3 A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS FRENTE À SOBERANIA ESTATAL... 35

3.1 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL... 40

3.2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS INTERGOVERNAMENTAIS E SUPRANACIONAIS ... 43

4 O PROCESSO DECISÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS... 45

4.1 OS ÓRGÃOS JURISDICIONAIS INTERNACIONAIS ... 51

4.2 SENTENÇAS INTERNACIONAIS X SENTENÇAS ESTRANGEIRAS ... 52

CAPÍTULO 2 - DIREITOS HUMANOS... 57

1 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS... 57

2 EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS... 62

2.1 OS DIREITOS HUMANOS NA ANTIGUIDADE - MOMENTOS PRÉ-AXIAL E PRÉ-AXIAL ... 63

2.2 OS DIREITOS HUMANOS NA IDADE MÉDIA ... 66

2.3 OS DIREITOS HUMANOS NA IDADE MODERNA ... 69

2.4 OS DIREITOS HUMANOS NA IDADE CONTEMPORÂNEA... 74

2.5 O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS... 78

2.5.1 Primeiro momento do processo de internacionalização – da metade do século XIX à 2.a Guerra Mundial... 78

2.5.2 O processo de internacionalização dos direitos humanos no pós-guerra... 80

2.5.3 Globalização e direitos humanos... 87

3 A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITO HUMANOS... 89

3.1 A PROTEÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ... 97

3.1.1 Formação e evolução do sistema de proteção universal... 98

(11)

3.1.3.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ... 104

3.1.3.2 A Comissão de Direitos Humanos ... 105

3.1.3.3 O Conselho de Direitos Humanos... 109

3.1.3.4 A Subcomissão para a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos ... 111

3.1.3.5 O Comitê Consultivo de Direitos Humanos... 112

3.1.4 Outros institutos da Organização das Nações Unidas envolvidos na proteção dos direitos humanos... 112

3.1.4.1 A Assembleia Geral ... 113

3.1.4.2 O Conselho Econômico e Social (ECOSOC)... 114

3.1.4.3 A Corte Internacional de Justiça ... 115

3.1.4.4 Agências e parceiros ... 116

3.2 A PROTEÇÃO REGIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ... 116

3.2.1 O Sistema Regional Europeu ... 118

3.2.1.1 O Conselho da Europa ... 118

3.2.1.2 A Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950... 120

3.2.1.3 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos ... 123

3.2.2 O Sistema Regional Africano... 126

3.2.2.1 Formação e evolução ... 127

3.2.2.2 Principais objetivos da União Africana... 129

3.2.2.3 Principais órgãos do Sistema Africano ... 130

3.2.2.4 Principais problemas na efetividade dos direitos humanos na África ... 131

3.2.3 O Sistema Regional Árabe ... 132

4 O SISTEMA REGIONAL INTERAMERICANO... 133

4.1 FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO... 134

4.2 A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA - CADH) E SEU PROTOCOLO ADICIONAL (PROTOCOLO DE SÃO SALVADOR)... 137

4.3 IMPORTÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS... 142

4.4 AS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS DOS ESTADOS MEMBROS DA OEA EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS ... 143

4.5 PRINCIPAIS ÓRGÃOS DO SISTEMA INTERAMERICANO ... 144

4.5.1 Comissão Interamericana de Direitos Humanos... 145

(12)

AMERICANOS: PRINCIPAIS CASOS ENVOLVENDO OS

DIREITOS HUMANOS... 158

1 O BRASIL NO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS... 158

2 CASO DAMIÃO XIMENES LOPES – CASO 12.237... 162

2.1 HISTÓRICO DO CASO ... 162

2.2 O CASO NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 165

2.3 A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 167

2.4 O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA INTERNACIONAL PELO BRASIL ... 169

3 CASO GILSON NOGUEIRA DE CARVALHO – CASO 12.058... 171

3.1 HISTÓRICO DO CASO ... 171

3.2 O CASO NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 175

3.3 O CASO NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ... 177

3.4 REPERCUSSÃO DA DECISÃO NO BRASIL ... 178

4 CASO ARLEY JOSÉ ESCHER E OUTROS – CASO 12.353... 179

4.1 HISTÓRICO DO CASO ... 180

4.2 O CASO NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 184

4.3 A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 187

4.4 O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA INTERNACIONAL PELO BRASIL ... 190

5 CASO SÉTIMO GARIBALDI – CASO 12.478... 191

5.1 HISTÓRICO DO CASO ... 192

5.2 O CASO NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 195

5.3 A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 197

5.4 O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA INTERNACIONAL PELO BRASIL ... 200

(13)

6.1.1 A Lei de Anistia (Lei n. 6.683/79) ... 208

6.2 O CASO NA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS... 212

6.3 O CASO NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ... 218

6.4 REPERCUSSÕES DA SENTENÇA INTERNACIONAL EM SOLOS BRASILEIROS ... 224

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 227

CONCLUSÃO... 232

REFERÊNCIAS... 242

ANEXO A - INVESTIGAÇÃO IN LOCO – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - OUT 1961-JAN 2010... 252

(14)

INTRODUÇÃO

O Direito Internacional que hoje se conhece traduz a complexidade, particularidade e interdependência que a sociedade apresenta, uma vez que seus conceitos e delimitações amplificam-se de acordo com as necessidades humanas.

Nesse sentido, torna-se impossível, quando se pretende a investigação de uma realidade social fática, o exame isolado de determinados temas de Direito Internacional, necessitando-se considerar as interligações que da situação advém, sob um prisma de multidisciplinaridade.

Debate-se, então, que esse trabalho – focando os casos de violações de direitos humanos, envolvendo o Estado brasileiro, na Organização dos Estados Americanos – debruçou-se na iminência do estudo de alguns institutos, para que o aporte da estrutura conceitual possibilitasse o encontro de delimitações, conclusões e possíveis soluções à realidade supramencionada. Dois deles demonstram-se essenciais na busca pelo real entendimento dessa pesquisa, quais sejam: as organizações internacionais e os direitos humanos.

Visando, em última análise, à posição brasileira nas violações de direitos humanos, frente à Organização dos Estados Americanos e sua resposta definitiva (por intermédio de sua Corte), imprescindível se julga a avaliação das organizações internacionais. Em decorrência, esse estudo tende a discutir alguns pontos primordiais relacionados às organizações internacionais, que permitam entender suas particularidades e sua interligação para com o objetivo final desse estudo.

Além dessa, seleciona-se, igualmente, o tema de direitos humanos. Uma vez que o cerne dessa pesquisa repousa em um tipo específico de violações, os direitos humanos abarcam quase que a totalidade de entendimentos que aqui deverão ser desenvolvidos. Acredita-se, igualmente, que quando um estudo versa sobre Direito Internacional Público – tal como este –, torna-se impossível não vir a tratar, em um dado momento, sobre os direitos humanos.

(15)

Adentrando à investigação final que se pretende, qual seja, dos casos brasileiros de violações dos direitos humanos levados ao conhecimento da Corte Interamericana, imprescindível se demonstra um levantamento dos dados constantes, no sistema interamericano, sobre a questão e, igualmente, a posição brasileira no que tange ao cumprimento das determinações da Corte em plano interno.

Delimitados os pontos a serem tratados nesse estudo, expõe-se, brevemente, sua importância, sendo que a pretensão de analisar as supracitadas questões, acerca do Brasil e suas condenações em âmbito interamericano, adquire contornos essenciais no debate do referido Estado ser, de fato, um real defensor dos direitos humanos, a partir de sua posição no cumprimento de suas condenações nesse sistema.

Investiga-se, ainda, a real exigência na implementação de métodos para o cumprimento das condenações brasileiras em campo interamericano, tendo em vista que, reconhecida a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil desde 1998, o aludido cumprimento, em solos internos, torna-se, ao Estado, obrigação internacional. Discute-se a necessidade do exame das questões brasileiras levadas a conhecimento da Corte, com o consequente debate crítico se de fato, hoje, o Brasil tem cumprido com suas obrigações internacionais e, mais ainda, se tem feito valer sua titulação de Estado Democrático de Direito.

Na prática, as situações brasileiras que aqui pretendem serem julgadas, apontam, sobremaneira, ao entendimento de como o Estado brasileiro, quando condenado, tem cumprido as determinações em âmbito interno. Avalia-se, ainda, se esse cumprimento tem se demonstrado eficaz, estabelecendo, de acordo com os dados levantados, formas de como deveria o Brasil ter se posicionado em cada um dos casos finalizados pela Corte e se seria o momento de alterar sua legislação para fazer cumprir, mais facilmente e rapidamente, suas obrigações internacionais.

Para isso, utilizar-se-á do exame das cinco queixas de violações1, levadas

ao conhecimento da Corte, contra o Estado brasileiro, contando com o suporte dos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da decisão da Corte Interamericana, das repercussões dessa última em solos nacionais e das atitudes do governo para a efetivação de suas disposições. Identificam-se algumas dificuldades

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no acesso às atitudes governamentais, especialmente pela falta de publicidade elucidativa sobre tais.

Para ser possível a delimitação de algumas conclusões no sentido de aprimorar as ações brasileiras no quadro acima exposto, mostra-se latente a exigência de uma releitura, em conjunto com seu arcabouço jurídico, das realidades política e social em que o Brasil se encontra, tendo em mente que, quando condenado, o Estado brasileiro obriga-se em alterar sua realidade em termos gerais, e não apenas um de seus aspectos. Adentrando à escolha da metodologia e da delimitação do tema, sublinha-se a proposta de julgar a interligação entre as organizações internacionais e os direitos humanos na proteção e efetivação desses últimos em solos nacionais. De encontro com tais alusões, essa dissertação desenvolve-se mediante três pontos de estudos, quais sejam: (i) as organizações internacionais e suas particularidades; (ii) os direitos humanos e todo seu arcabouço teórico; e (iii) a influência Brasileira no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, a posição em suas demandas no âmbito interamericano e os esforços em internalizar e efetivar suas condenações advindas da Corte Interamericana.

Aborda-se, ainda, a utilização tanto do método dedutivo, como do indutivo (quando possível). O método dedutivo – cuja lógica caminha do particular para o geral, pesquisando-se diversas vezes algum fato e percebendo a repetição do mesmo resultado, podendo ser suspeitado como verdadeiro – será o de maior valia, pois se desenvolverá um raciocínio base, partindo da proteção internacional dos direitos humanos (especificamente, do caso brasileiro no sistema interamericano), para serem relacionados todos os outros pontos conexos ao entendimento de tal cerne conceitual. Quando se demonstrar possível a utilização de procedimentos de generalização das situações, então, paralelamente, operar-se-á com o método indutivo – caminhando do geral para o particular, considerando que se um fenômeno ocorre tal como vários os outros que acarretaram num mesmo resultado, então esse terá o mesmo resultado já descrito.

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mais atuais de ambos. Infere-se, nesse sentido, a sustentação basilar ao conteúdo central do estudo: violações de direitos humanos, cometidas pelo Estado brasileiro, levadas ao sistema interamericano.

Pretende-se demonstrar que a correlação entre as organizações internacionais e os direitos humanos materializa-se na proteção e efetivação desses referidos direitos, abrindo uma via jurisdicional internacional subsidiária aos cidadãos, caso os Estados, em plano interno, não respondam satisfatoriamente às violações de direitos humanos. E, finalmente, considerando o interesse extremo ao caso brasileiro, estima-se elencar as principais dificuldades e possíveis soluções no cumprimento das obrigações internacionais (elencadas, aqui, nas sentenças internacionais, frutos do sistema interamericano) do Brasil e, igualmente, identificar, em plano interno, quais as principais barreiras que impossibilitam, hoje, que o Estado tenha capacidade e estrutura para internalizar e efetivar os termos de suas condenações.

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CAPÍTULO 1

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

1 HISTÓRICO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

O início da análise das organizações internacionais coincide com o seu histórico, uma vez que é a partir deste que se pode adentrar ao seu conceito, âmbito de atuação e papel atual de tais.

Assim sendo, faz-se relevante dizer que as organizações internacionais – tais como hoje são conhecidas – surgem, basicamente, quando se amplia o âmbito dos sujeitos de Direito Internacional Público.2 Em outras palavras, pode ser entendido

que a origem das organizações internacionais coincide com a abertura dos sujeitos de direito internacional público para além dos Estados.

O que se pretende dizer é que, em um primeiro momento, apenas os Estados possuíam personalidade jurídica internacional, sendo que, apenas após sua consolidação e o alargamento do conceito de solidariedade é que as organizações internacionais foram passíveis de serem criadas. No que tange aos sujeitos de direito internacional público, diz Francisco Rezek:

Pessoas jurídicas de direito internacional público são os Estados soberanos (aos quais se equipara, por razões singulares, a Santa Sé) e as organizações internacionais em sentido estrito. Aí não vai uma verdade eterna, mas uma dedução segura daquilo que nos mostra a cena internacional contemporânea. Não faz muito tempo, essa qualidade era própria dos Estados, e de exclusiva. Hoje é certo que outras entidades, carentes de base territorial e de dimensão geográfica, ostentam também a personalidade jurídica de direito das gentes, porque habilitadas à titularidade de direitos e deveres internacionais, numa relação imediata e direta com aquele corpo de normas. A era das organizações internacionais trouxe à mente dos operadores dessa disciplina uma reflexão já experimentada noutras áreas: os sujeitos de direito, em determinado sistema jurídico, não precisam ser idênticos quanto à natureza ou às potencialidades.3

2 Entendem-se sujeitos de direito internacional público, neste trabalho, como sendo aqueles entes capazes de possuírem direitos e obrigações no plano internacional, características, inequivocamente, dos Estados e das organizações internacionais.

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Deduz-se que a história dos organismos internacionais acompanha, basicamente, a história da própria cooperação e da solidariedade4 realizadas pelos grupos humanos

e, em última análise, pelos próprios Estados além de suas fronteiras nacionais. Essa noção leva em conta que, na conjuntura atual, tais organismos só podem vir a ser criados quando então essa for a vontade dos Estados, sendo que, para serem efetivos, necessitam do apoio e da concordância de três ou mais Estados5 ou outras

organizações internacionais que criam e submetem-se, no plano internacional, às regras previstas dessas organizações. A necessidade de três ou mais Estados faz alusão, especialmente, à noção de multilateralismo6, quando então se leva em conta

a opinião e a vontade de três ou mais entes, sendo que:

[...] um patamar superior de cooperação internacional foi alcançado quando três ou mais Estados decidiram trabalhar para atingir fins comuns. Passamos então do bilateralismo para o multilateralismo. Este vem a ser o traço fundamental da organização internacional contemporânea.7

Chega-se à conclusão, então, que os Estados necessitam de uma interação, no plano internacional, para o alcance de objetivos comuns e para a própria regulação, a partir do multilateralismo, da própria sociedade internacional, por intermédio do direito internacional que busca, a partir da sua institucionalização, a criação de regras de caráter universais, como bem ilustra Cançado Trindade:

4 Como bem pontua Menezes, há uma diferença entre solidariedade e cooperação, sendo que "a solidariedade passa a fundamentar todo o sistema normativo internacional dentro de uma perspectiva que vai além da que era praticada até então, de mera cooperação, e os Estados passam a agir pautados por uma aliança mais profunda, com relações normativas mais vigorosas, o que desencadeia a intensificação das relações internacionais em foros de participação política dos Estados, e a construção de uma sociedade internacional, mais voltada ao multilateralismo". (MENEZES, Wagner.

Direito internacional na América Latina.Curitiba: Juruá, 2007. p.259).

5 As relações bilaterais não mais atendiam às necessidades contemporâneas dos Estados, como se refere Cretella Neto: "Quando as relações bilaterais baseadas na existência de relações diplomáticas ou missões se revelaram inadequadas para lidar com situações mais complexas, derivadas de problemas que afetavam não apenas dois, mas muitos Estados, uma solução precisava ser encontrada para representar, no mesmo foro, os interesses comuns de todos os Estados". (CRETELLA NETO, José. Teoria geral das organizações internacionais. São Paulo: Saraiva, 2007. p.18).

6 Segundo Keohane, o multilateralismo é a "ação coletiva institucionalizada empreendida por um conjunto de Estados independentes estabelecidos de maneira inclusiva". (KEOHANE, Robert; MILNER, Helen (Eds.). Internationalization and Domestic Politics. Cambridge: Cambridge University Presse, 1996. p.56).

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A atuação e o dinamismo das organizações internacionais têm contribuído decisivamente para modificar a própria estrutura do ordenamento jurídico internacional. As organizações internacionais, além de impulsionar o multilateralismo, têm em muito contribuído à regulamentação internacional de novas áreas da atividade humana, e, por conseguinte, a fortiori, à gradual institucionalização e "constitucionalização" do ordenamento jurídico internacional. As organizações internacionais têm se ocupado de temas e questões que os Estados individualmente não teriam condições de tratar ou resolver satisfatoriamente, e que dizem respeito à humanidade como um todo; têm elas, por conseguinte, contribuído ademais à universalização do direito internacional contemporâneo.8

Apesar de toda essa explanação sobre a presença da cooperação e da solidariedade na sociedade moderna, entende-se que tais institutos, com altos e baixos, acompanham a humanidade em toda a sua história9, como bem pontua Seitenfus:

Sinais de solidariedade entre grupos humanos já se manifestam desde a antiga Grécia. Num primeiro momento, foram estabelecidas regras de arbitragem entre as cidades. Em seguida, no século V, surge a aplicação do princípio confederativo, segundo o qual cada cidade fazia-se representar no Conselho segundo um peso ponderado calculado através da importância de cada um de seus membros. Todavia as rivalidades entre as cidades, a predominância de Atenas e as guerras com os Persas e Macedônicos demonstram os limites da solidariedade no mundo helênico.

A Idade Média fez surgir, de fato, uma comunidade cristã. Mas não se trata de organizar as relações dentro do mundo cristão. Ao contrário, impõe-se a vontade de Roma. Neste sentido, não se busca uma organização internacional, mas somente procura-se estender o imperialismo romano para dominar o conjunto dos cristãos do Ocidente. A primazia do Papado é contestada e o final da Idade Média assiste ao surgimento de monarquias nacionais e de Estados laicos, colocando um ponto final às tentativas de cooperação.10

Argumenta-se que, mesmo estando presentes, a partir da Idade Média as tentativas de cooperação e solidariedade entre os povos começaram a falhar e já no século XVI, suas faltas colocaram em xeque a segurança e a possibilidade de permanência da paz. Neste mesmo momento, muitos filósofos e teóricos, tais como

8 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das organizações internacionais. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p.534.

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Pierre Dubois, questionaram-se sobre projetos para a manutenção da paz11, mas,

ainda, os ideais eram pouco representativos e o Estado soberano, com suas concepções nacionalistas e individualistas, ainda imperava.

Com o passar dos tempos e com a crescente necessidade dos Estados formarem alianças para defesa de interesses comuns, então, fora se criando um terreno favorável ao desenvolvimento dos organismos internacionais tais como hoje são concebidos. Discute-se que fora no século XIX que essas organizações, baseadas na cooperação e solidariedade entre os Estados, encontraram condições para seu florescer, uma vez que "o sentimento de solidariedade dos países vencedores de Napoleão fez surgir um processo de entendimento na Europa, baseado no princípio da monarquia legitimado no direito divino e do equilíbrio de poder entre seus integrantes"12.

Assim, no contexto europeu, já no ano de 1804, há o surgimento da primeira organização em moldes modernos, sendo ela a Administração Geral de Concessão de Navegação do Reno. O contexto histórico que lhe possibilitou fora o seguinte:

A primeira entidade que pode ser enquadrada na noção contemporânea de organização internacional de que se tem notícia foi a Administração Geral de Concessão da Navegação do Reno, criada pelo tratado celebrado entre a França e o Santo Império Romano-Germânico em 15.08.1804.

Portanto, na origem das organizações internacionais pode-se situar um movimento histórico bastante preciso, constituído por um longo período de (relativa) paz, que se seguiu à queda de Napoleão (1815-1914), bem como de um progresso tecnológico e científico sem precedentes, além de avanços incomparáveis nos meios de comunicação.13

Outro importante evento para o nascimento das organizações internacionais aos moldes de hoje, na Europa, fora o Congresso de Viena, que ocorrera entre os anos de 1814 e 1815, advindo da solidariedade dos países vencedores das guerras napoleônicas. Mesmo não possuindo as características e nem o formato de uma organização propriamente dita, fora essencial ao continente, uma vez que ali, traçaram-se ideias sobre um Concerto Europeu, onde os Estados realizariam consultas

11 Entende-se que uma alternativa para a guerra seria a união dos Estados na forma de um Império universal. Historicamente, a mais extensa e duradoura aproximação com esse Império fora o Império Romano, que existiu durante alguns séculos. Dante Alighieri disse ter sido essa a "época do ouro", considerando que a restauração de um Império aos moldes do Império Romano representaria a mais esperançosa aproximação para com a paz universal.

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diplomáticas e esforços para dirimir seus conflitos de forma pacífica, não se socorrendo da guerra para tal.

Do outro lado do Atlântico, nas Américas, o clima também propiciou ao surgimento dos organismos internacionais, uma vez que os Estados, na iminência de uma reconquista espanhola de suas colônias, objetivando resguardarem sua atual independência, viram-se na necessidade de reunirem-se, em 1826, no Panamá. Em outras palavras:

Nas Américas, alguns eventos são dignos de nota, embora algo diverso do sistema europeu, como o sistema pan-americano, que organizou conferências em nível regional já em 1826, apesar de somente ter alcançado resultados mais significativos em 1885, com a Conferência de Washington. Essas conferências passaram a ser dotadas de um caráter periódico após essa data, e culminaram, muito mais tarde, com a criação da Organização dos Estados Americanos – OEA.14

Demonstra-se, em um enquadramento mais didático, que essas organizações, surgidas anteriormente aos movimentos consequentes da Primeira Guerra Mundial, são consideradas como sendo organizações internacionais de primeira geração, tendo as seguintes principais características:

a) sua criação resultou principalmente da necessidade lógica de superar obstáculos materiais e/ou políticos que dificultavam a realização em comum daquilo que Hauriou denominou "idéia de obra", projetada para o futuro, de construção de uma comunidade internacional onde reinasse a paz e a prosperidade socioeconômicas;

b) limitavam suas competências a compôs técnicos ou administrativos estreitos por transposição, ao plano internacional, do conceito rígido do direito interno de empresa pública;

c) não eram expressamente dotadas de personalidade jurídica internacional, ou seja, não tinham capacidade postulatória reconhecida perante as ainda embrionárias jurisdições internacionais;

d) dispunham de recursos financeiros e de pessoal bastante modestos, limitados, em regra, a um diretos e a uma pequena equipe de funcionários, que administravam um escritório central, realizando o que hoje seriam tarefas próprias da secretaria de uma organização internacional.15

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Percebe-se que, mesmo sendo um grande salto para o surgimento e aprimoramento dos organismos internacionais, sua primeira geração guarda falhas que impossibilitaram o real alcance dos objetivos de tais instituições. Mais do que isso: critica-se que o atraso do desenvolvimento do internacionalismo, de modo geral, presenciado pelos séculos anteriores ao XIX, fora resultado da falta de empenho dos Estados em colaborarem entre si, objetivando, apenas, a consolidação de sua soberania.

Demonstra-se, nesse quadro, que as organizações internacionais – aqui chamadas de organizações de primeira geração – enquadravam-se muito mais como uniões administrativas que organismos internacionais propriamente ditos, como se revela no seguinte trecho:

Surgidas a partir da primeira metade do século XIX, as primeiras organizações internacionais tiveram como finalidade criar condições favoráveis para a cooperação na solução de problemas comuns a mais de um Estado, como assegurar a liberdade de navegação nos rios Reno e Danúbio. Eram, em verdade, uniões administrativas, possuindo organização incipiente, em geral restrita a uma secretaria, e não tinham objetivos políticos. O procedimento decisório interno fundava-se no princípio da unanimidade, o que muitas vezes levava à morosidade administrativa, limitando sua eficácia.16

Para a correção de tal quadro, fora necessário que a humanidade passasse pela Primeira Guerra Mundial, onde se presenciou, mais do que nunca, o empenho de toda a sociedade civil para com a solidariedade entre os povos para o fim das atrocidades que ali se viveu.

Impulsionou-se, em outros termos, a criação de organismos internacionais que pudessem, de maneira efetiva e imparcial, assegurar a solução de controvérsias de maneira pacífica, sem a presença de uma nova guerra, mas, contando ainda, com o nacionalismo exacerbado dos Estados. Surgiram, então, as organizações internacionais de segunda geração. O maior exemplo fora a Liga das Nações que, mesmo tendo falhado no alcance de seus objetivos, teve sua importância na consolidação das organizações internacionais. Assim melhor explica-se esse período:

Antes da 2.a Guerra Mundial, portanto, pode-se falar dessas entidades então estabelecidas como "organizações internacionais de segunda geração", as quais surgiram em momento histórico pouco propício, caracterizado, de um lado, pelo desenvolvimento de modos diplomáticos de solução de controvérsias

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e por um renovado interesse na arbitragem interestatal, mas, de outro, pela continuidade do domínio das relações internacionais por uma concepção de soberania absoluta do Estado, repousando, em conseqüência, não em normas jurídicas internacionais, mas no equilíbrio militar entre as potências. Essa época foi cunhada como a do período do "nacionalismo do Direito Internacional", no qual as soberanias estatais estavam hiperatrofiadas, não deixando muito espaço para atividades de organizações internacionais, cujas funções poderiam desbordar os limites estreitos de uma cooperação técnica ou científica especializada.17

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, presenciando-se as maiores perdas humanas e a maior devastação já sentida pela sociedade, numa situação de mais puro caos, a humanidade – e consequentemente os Estados – chegou ao maior nível de cooperação e solidariedade que já se teve registros. Relativamente a este quadro, desenvolveram-se, de forma mais complexa, sensata e definitiva, os organismos internacionais, vindo a serem chamados, tais como hoje se conhecem, de organizações internacionais de terceira geração.18

A principal característica dessa classe é a divisão, agora, das organizações segundo suas especialidades, ou seja, segundo os interesses comuns e as imputações dadas, pelos Estados, a tais organismos. De acordo com os ensinamentos de Cretella Neto:

Depois de 1945, o insucesso político da Sociedade das Nações em evitar a guerra fez brotar a consciência da absoluta necessidade de mais profunda cooperação internacional, cujo teste de eficácia fosse prevenir a ocorrência de novos conflitos em escala mundial, criando uma colaboração duradoura entre os Estados. Do ponto de vista doutrinário, confirmou-se a necessidade de uma evolução do princípio da especialidade das organizações internacionais, pelo qual as competências dessas instituições deveriam ser exercidas em detrimento da exclusividade das soberanias nacionais e, em conseqüência, de uma revisão do conceito, ainda fortemente arraigado, da soberania estatal absoluta. Parece claro que até a metade do século XIX os Estados se mostravam relutantes em autorizar essa evolução.19

17 CRETELLA NETO, José. Teoria geral das organizações internacionais, p.30.

18 Aponta-se que, a partir do século XX, em decorrência da necessidade funcional, as organizações internacionais multiplicaram-se. Os Estados reconheceram que, por si só, não suportariam a obrigação de preservar as gerações futuras do flagelo das guerras, não podendo, ainda, exercerem determinadas funções públicas individualmente.

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Sublinha-se que, além da especialidade, as organizações internacionais contam, hoje, com uma postura de maior comprometimento dos Estados para com a suas normas e ditames, sendo que, tal caráter, só se demonstrou possível com a flexibilização do conceito de soberania estatal, pautada, especialmente, na paz e na soberania dos povos.20

Assim sendo, para concretizar seu papel no mundo contemporâneo, transcrevem-se os ensinamentos de Jónatas Machado, que assim entende:

Paralelamente, as OI's têm contribuído para a edificação de uma "res publica" internacional, por via da identificação de bens e interesses da comunidade internacional, no seu estatuto de civitas máxima, oponíveis aos próprios Estados, e da dinamização do diálogo e da deliberação à escala global, numa perspectiva de "autogoverno mundial". Deste modo, as OI's deram um contributo incontornável para a reconfiguração, alteração qualitativa e limitação quantitativa das prerrogativas da soberania estadual na sua acepção tradicional. Não obstante, as OI's revestem-se de uma importância fundamental para a vida dos Estados. Com efeito, a já assinalada dimensão transfronteiriça e mesmo planetária dos problemas humanos requer, mais do que nunca, a existência de plataformas internacionais para a sua discussão e resolução concertada. Além disso, as OI's, com particular relevo para aquelas que integram a vasta família das Nações Unidas, contribuem para atenuar as consequências negativas resultantes da impossibilidade fática, por parte da generalidade dos Estados, de manter relações diplomáticas bilaterais com todos os demais Estados. Acresce que as organizações internacionais asseguram uma consistência normativa e decisória nos domínios político e jurídico internacional, favorecendo a igualdade dos Estados, sendo que estes permanecem atores principais mesmo num mundo caracterizado pela proliferação de OI's.21

Para finalizar o histórico acerca das organizações internacionais, cabe ressaltar que muito de seu presente desenvolvimento guarda relações com a assinatura – e consequente comprometimento dos Estados, no plano internacional – da Carta das Nações Unidas, datada de 26 de junho de1945, em São Francisco, dando origem ao maior e mais representativo organismo internacional, qual seja, a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual será tratada em um momento posterior desse estudo. A partir de sua criação é que o desenvolvimento dos organismos internacionais se

20 Nos dizeres de Ferrajoli: "O paradigma, em todo caso, não pode ser senão aquele do Estado constitucional de direito, que nos foi consignado pela experiência das democracias modernas: ou seja, o da sujeição à lei dos organismos da ONU, de sua reforma em sentindo democrático e representativo, enfim, da instauração de garantias idôneas que visem a tornar efetivos o princípio da paz e os direitos fundamentais, tanto dos indivíduos quanto dos povos em seu relacionamento com os Estados". (FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.52).

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efetivou e trouxe consigo vastas mudanças no próprio direito internacional, como assim se analisa:

Em suma, as organizações internacionais, de índole e características as mais diversas, têm efetivamente modificado a estrutura do direito internacional: puseram fim ao monopólio estatal da personalidade jurídica internacional e dos privilégios e imunidades, expandiram a capacidade de celebrar tratados, alteraram as regras da sua própria composição, passaram a participar em procedimentos judiciais internacionais, e ampliaram consideravelmente as vias de cooperação internacional e da integração regional e sub-regional. Este fenômeno, que já era notado nas décadas de sessenta e setenta, pode ser hoje adequadamente apreciado, em perspectiva histórica, no âmbito do direito das organizações internacionais.22

Não se pode perder de vista, numa análise inicial da representatividade da ONU, que tal organismo internacional trouxe para seu âmbito de atuação algumas responsabilidades que, somente os Estados, não estavam suportando – vise as duas guerras –, tais como as questões envolvendo a paz e a segurança Internacional. Segundo os ensinamentos de Wagner Menezes:

Este órgão avocou para si a responsabilidade de ser um foro conjunto de discussão dos problemas mundiais, com o propósito de manter a paz e a segurança internacionais, desenvolver relações amistosas entre as nações, augariar a cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e ser um centro destinado a harmonizar as ações dos Estados para a consecução desses objetivos comuns.23

Assim tendo sido estudado, diz-se, de maneira conclusiva, que por mais que as organizações internacionais tenham pilares estruturais anteriores24, fora no século XIX

que seu desenvolvimento se dera de maneira mais efetiva e, mais tarde, no século XX, que sua consolidação se demonstrou uma realidade na sociedade moderna. Hoje,

22 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das organizações internacionais, p.536. 23 MENEZES, Wagner. Ordem global e transnormatividade. Ijuí: Editora Unijuí, 2005. p.44.

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pode-se entender que elas são um fenômeno já corriqueiro e seu número, de acordo com os interesses da sociedade – representados pelo comprometimento dos Estados em um plano internacional – não pára de crescer, sendo que uma delimitação real seria impossível, uma vez que o amanhã guarda necessidades distintas e, consequentemente, uma nova organização internacional surgirá.

2 CONCEITO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Tendo sido analisado todo o seu desenrolar histórico, passa-se, nesse momento, à análise do próprio conceito acerca das organizações internacionais.

O mais amplo e aceito conceito de organização internacional refere-se ao fato de caracterizá-la como uma livre associação entre Estados, por intermédio de um tratado internacional, em concordância com as normas de Direito Internacional. Além disso, diz-se ser ela uma entidade de caráter estável, com personalidade jurídica, ordenamento jurídico e órgãos próprios, com fins comuns aos seus membros, conferindo-lhe, em seu pacto constitutivo, a realização de certas funções e determinados exercícios.25

Entende-se, também, de acordo com os ensinamentos de Carlos Roberto Husek, que os organismos internacionais "são criados por meio de tratados e passam a ter personalidade internacional independentemente de seus membros"26.

Mas, para entender seu conceito e todas as suas variáveis, necessário se demonstra que alguns aspectos sejam, previamente, abordados.

Dessa maneira, é importante pontuar que o sistema internacional, como um todo, é composto, basicamente, de Estados nações – e das consequentes interações entre esses –, das organizações internacionais e dos seus atores privados – hoje,

25 REUTER, Paul. Institutions Internationales.8.ed. Paris: Thémis-Puf, 1975.

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com uma atenção especial voltada às organizações não governamentais (ONGs) e às empresas transnacionais.27

Nessa gama de relações, exprimem, as organizações internacionais, uma função primordial, uma vez que são elas quem proporcionam, de maneira mais enérgica, a busca pela paz, preservação da segurança e estabilidade mundial.28

Argumenta-se, ainda, que as organizações são imprescindíveis para o atendimento dos problemas mundiais em um mundo globalizado, os quais, de maneira exemplificativa, podem ser assim descritos:

As organizações internacionais são imprescindíveis para resolver alguns dos principais problemas que a humanidade enfrenta. A paz e a segurança, a equidade nas relações comerciais, o auxílio financeiro às nações pobres, a preservação do meio ambiente e a previsão de regimes internacionais que promovam o desenvolvimento, distribuam a riqueza mundial e eliminem as enormes desigualdades de poder estão entre os temas que demandam a atuação das organizações internacionais. Numa época de enorme complexidade, jamais vista em outro momento histórico, em que os destinos humanos parecem estar indissoluvelmente entrelaçados, elas se tornaram essenciais para manter a ordem, assegurar a paz e obter a justiça.29

Também, segundo a compreensão de Wagner Menezes, relatam-se as seguintes características de tais organismos:

As organizações internacionais passam a desempenhar o papel de legisladoras globais, propondo normas e regras que passam a ser adotadas pelos Estados e, transcendendo a eles, a outros sujeitos do Direito Internacional e até mesmo aos indivíduos.30

Apesar do desempenho primordial nas relações internacionais, não se pode perder de vista que tais organizações são criadas a partir da vontade suprema dos

27 Investiga-se o conceito de empresas transnacionais por intermédio dos ensinamentos de Husek: "inexistem definições sobre empresa transnacional. Apontam-se critérios – as capazes de influenciar na economia de diversos países ou as sociedades comerciais cujo poder está disperso nas subsidiárias, ou, ainda, aquelas que atuam no estrangeiro por meio de subsidiárias ou filiais –, bem como se apontam características – grande empresa e enorme potencial financeiro ou administração internacionalizada, ou, ainda, unidade econômica e diversidade jurídica. A ONU consagrou a expressão empresa 'transnacional': empresa que atua além das fronteiras – mas se entende que as expressões 'transnacional' e 'multinacional' se equivalem". (HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público, p.227).

28 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional.Campinas: Bookseller, 2002. 29 AMARAL JR., Alberto do. Introdução ao direito internacional público, p.169.

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Estados em atingir objetivos conexos – daí porque serem chamadas, também, de organizações intergovernamentais. Em outras palavras, as organizações internacionais são vistas, de um lado, como a emergência de um governo global e, por outro, como resultado do exercício de cooperação entre os Estados soberanos.31

Segundo entendimento doutrinário, a referência à terminologia "organização internacional", em concordância com seu emprego após o século XIX, objetiva uma alusão à situação de relações ordenadas entre as nações.

Deduz-se, então que, como sujeitos clássicos de Direito Internacional, os Estados e as organizações internacionais diferem-se em muito em seu surgimento e, consequentemente, em seus conceitos.

Primeiramente, no que condiz ao Estado, este depende apenas de certos fatores para ser assim classificado – e não da vontade de outros sujeitos. Tais fatores, primordialmente, abarcam seus elementos constitutivos, quais sejam: seu território, sua esfera temporal de validade, seu povo, seu poder (traduzido em sua composição governamental) e, por último, sua soberania.32

Além disso, como muito bem esclarece Carlos Roberto Husek, os Estados não dependem de um tratado constitutivo para que surjam no cenário mundial, sendo que sua criação é, de fato, um ato unilateral. Em suas palavras, traduz-se:

Os Estados são sujeitos primários da ordem internacional, sendo seu nascimento um fato histórico. O reconhecimento do Estado é ato unilateral pelo qual um Estado declara ter tomado conhecimento da existência do outro, como membro da comunidade internacional. Assim, por ser, o nascimento do Estado, um fato, o reconhecimento não passa de um simples ato de constatação – teoria declarativa.33

Igualmente, diferentemente dos Estados, as organizações internacionais, para serem criadas e possuíram capacidade jurídica internacional, necessitam, primordialmente, da vontade dos Estados, segundo pilares de cooperação e solidariedade, em se

31 BENNETT, Alvin Leroy. International Organizations: principles and issues. 6th ed. New Jersey: Prentice Hall, 1995. p.2.

32 Utiliza-se, aqui, a concepção desenvolvida por Hans Kelsen sobre o Estado. Outros autores podem adicionar mais elementos para com o reconhecimento de um Estado como tal, mas a visão clássica reduz-se a tais elementos aqui transcritos.

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unirem em torno de um instituto comum, sendo tal, a organização internacional. Assim, esse organismo não depende apenas de fatores intrínsecos a sua estrutura, mas também da vontade dos Estados para sua criação, como se confirma no seguinte trecho:

Diferentemente dos Estados, cada um dos quais deve sua existência apenas a si próprio, a organização internacional é uma "criatura", na medida em que somente passa a existir quando Estados se reúnem com o propósito de estabelecer uma entidade à qual são confiadas uma ou mais funções específicas, descritas em seu ato constitutivo, ou "constituição". Desse particular resulta que suas atividades são estabelecidas por forças exteriores, sobre as quais não exercem controle.34

Para composição do conceito de organizações internacionais, então, deve ser entendido que elas decorrem da vontade dos Estados, como muito bem exposto acima. Precisa-se, então, que os Estados manifestam sua vontade na criação e no desenvolvimento de uma organização internacional através da ratificação de um tratado, que é, ao mesmo tempo, para uma organização internacional, seu motor de criação e sua própria "constituição" por assim dizer.

Traça-se, dessa forma, que o tratado constitutivo de uma organização internacional pretende expor quais são as delimitações, a especificidade e o papel dessa e, ao mesmo tempo, comprometer, num misto de limitação e compartilhamento de soberania, os Estados à submissão internacional, segundo o disposto em tal tratado. Como bem escreve Seitenfus:

O tratado constitutivo de uma organização internacional objetiva estabelecer os direitos e obrigações dos Estados membros com a organização internacional e, muitas vezes, entre os Estados membros. Portanto, a criação e o funcionamento de uma organização internacional depende do tratado constitutivo, como dele também depende o respeito aos direitos e deveres dos Estados membros em suas relações recíprocas.35

Outro ponto que merece ressalva é que, ao contrário dos Estados, sua criação está sujeita à existência de um tratado, devendo respeitar aquilo que já fora acordado,

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em âmbito internacional, acerca de tais instrumentos. Em outros dizeres, o tratado constitutivo de uma organização internacional deve submeter-se à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, sempre ressalvados os objetivos da organização, sejam eles de caráter universal ou específico.

Demonstrado o papel relevante do Estado no surgimento de uma organização internacional, julga-se esta última como sendo sujeito de direito internacional mediato, secundário ou derivado.36

Estabelecida a criação de uma organização internacional através da conjunção de Estados em torno de um tratado, vale, agora, discorrer sobre algumas de suas características para delimitação de seu conceito. Em suma, do ponto de vista jurídico, três são suas principais, quais sejam: institucionalização, permanência e multilateralidade. Adentrando ao que condiz à institucionalização, pressupõe-se, por sua vez, a existência de três elementos primordiais, sendo eles a jurisdicionalização das relações internacionais (o que pressupõe um fórum para discussão e solução de controvérsias dos Estados), dimensão coletiva de certos aspectos que, anteriormente, eram ligados exclusivamente à soberania dos Estados (o que, aqui, caracteriza-se como sendo o compartilhamento de soberanias) e a existência de um secretariado administrativo, o qual pode vir a ser interestatal (prevalecendo, ainda, a rotatividade dos Estados membros da organização) ou, ainda, em moldes mais recentes, supranacional (impondo decisões aos Estados e monitorando o seu cumprimento).37

Esse processo decisório das organizações internacionais foi evoluindo ao longo dos tempos e, cada vez mais os Estados percebem que sua submissão – ou até mesmo a concordância – aos órgãos decisórios de tais organismos merecem ser levados a sério, como bem explica Cretella Neto:

Uma característica marcante do desenvolvimento das organizações internacionais desde 1945 foi a mudança do lócus dos processos de decisão relativos a um amplo espectro de matérias, antes exclusivamente governamentais, de governos nacionais para organizações internacionais. Essa mudança foi gradual e pouco notada no início, pois as organizações agiam de forma cautelosa no exercício de seus limitados poderes, e, quando adotavam decisões que pudessem vincular os Estados-membros, procuravam primeiro obter consentimento dos Estados para assumir as obrigações. Contudo, esse panorama institucional está evoluindo bastante rapidamente, pois as organizações,

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cada vez mais, interpretam seus poderes – inclusive de forma vinculante – e os aumentam, fazendo com que o consentimento prévio e individual dos Estados perca importância. O processo apresenta-se como uma via de mão dupla: os Estados também, de forma crescente, vêm conferindo cada vez mais amplos poderes de governança às organizações internacionais.38

No que concerne à permanência, diz-se que uma determinada organização é criada com o objetivo de durar indefinidamente e, também, conta com um secretariado permanente, com sede fixa e dotado de personalidade jurídica própria. Mais precisamente, assim sintetiza-se o caráter permanente das organizações internacionais:

Estrutura organizada estável, sede fixa, serviços de apoio permanente (marcas de estabilidade). Órgãos próprios no quadro de uma estrutura institucional mais ou menos complexa, estabelecidas em sede permanente localizada no território de um Estado (geralmente, mas não necessariamente, de um Estado-membro) e dispondo dos meios de ação indispensáveis à prossecução, numa base de continuidade, das respectivas finalidades estatutárias.39

Já o conceito de multilateralidade merece um pouco mais de atenção, uma vez que delimita o âmbito de atuação de uma organização, podendo ser ela universal ou regional. A especial diferença entre ambas é que enquanto as organizações de âmbito regional guardam certas delimitações comuns em seus membros – sejam elas físicas, geográficas, desenvolvimentistas, entre outras –, as universais não estabelecem parâmetros para a adesão de um Estado. Nesse ponto, uma ressalva merece ser feita:

os compromissos assumidos pelos Estados em âmbito regional não podem ser incompatíveis com os firmados na organização universal. Portanto, esta condiciona tanto os acordos regionais passados quanto os futuros à estrita observância dos termos do tratado de âmbito universal.40

Ainda dentro do debate da multilateralidade, pode ser entendido o caráter de especialidade dos organismos internacionais, quando sua criação debruça-se na busca de um objetivo comum entre os países. Acontece que, nas organizações de caráter universal, tal especialidade é mais difícil de ser observada, uma vez que – como a

38 CRETELLA NETO, José. Teoria geral das organizações internacionais, p.40.

39 CAMPOS, João Mota de. Organizações internacionais.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p.38.

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Organização das Nações Unidas – acaba por abarcar muitos assuntos, mas sempre focada da manutenção da paz, segurança e estabilidade das relações internacionais.

Há diversas maneiras de se classificar as organizações internacionais, mas, neste trabalho, elege-se a classificação proposta por Carlos Roberto Husek, que delimita-as entre seu objeto, sua estrutura jurídica e seu âmbito territorial de ação ou de participação, sendo da seguinte maneira explicadas:

As organizações internacionais podem ser classificadas da seguinte forma: a) quanto ao seu objeto; b) quanto à sua estrutura jurídica; e c) quanto ao seu âmbito territorial de ação ou de participação.

a) Quanto ao seu objeto – Atende ao objetivo social de cada organização e está dividido em organizações de fins gerais e organizações de fins especiais. [...]

b) Quanto à sua estrutura jurídica – Atende à estrutura jurídica das organizações. Duas espécies devem ser consideradas: organizações intergovernamentais e organizações supranacionais. [...]

c) Quanto ao âmbito de sua participação – Atende ao critério de maior ou menor dimensão no âmbito de sua atuação e, assim, temos: as organizações parauniversais e as organizações regionais, estas últimas segundo critério geográfico e segundo critério ideológico ou geopolítico.41

Do ponto de vista político, o conceito de organização internacional fora desenvolvido a partir de três blocos: o primeiro deles formado pelos países ocidentais (mais Japão, Austrália e Nova Zelândia); o segundo composto pelos países que compunham a antiga URSS; e o terceiro, pelos países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos (PMDs).42

O primeiro bloco tratou logo de conceituar e desenvolver as organizações de cunho universalista, onde com a crescente onda de descolonização, os países mais influentes modificaram o sistema de votação no interior de tais organismos, passando da maioria absoluta para o sistema de consenso, garantindo seu direito de veto. Com isso, também, desenvolveram-se organizações regionais entre esses Estados.

O segundo grupo, em sentido contrário, viram as organizações internacionais com desconfiança e criaram um sistema intrabloco, vindo, após a desintegração da URSS, abrir-se às organizações (como bem se observa, mais tardiamente que o primeiro bloco de países).

41 HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público, p.111-113.

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Finalmente, os Estados que compunham o terceiro grupo, logo aderiram às organizações universais desenvolvidas por aqueles do primeiro bloco, numa tentativa frustrada de mudança, do vertical para o horizontal43, dos poderes dos Estados na

sociedade internacional.

Em realidade, tal desenvolvimento político do conceito das organizações internacionais serviu para consolidar seus principais componentes, quais sejam: caráter de permanência, constituição por ato jurídico internacional próprio (tratado), realização de objetivos comuns aos seus membros (especialidade), órgãos próprios (especialmente seu secretariado permanente) e vontade, também, própria (por mais que seja, em realidade, uma concepção teórica, a organização internacional possui independência para com a vontade governamental interna de seus membros).

Entendidos tais aspectos conceituais das organizações internacionais, faz-se de extrema relevância, também, diferenciá-las das organizações não governamentais (ONGs).44 Em uma breve comparação, pode ser dito que enquanto as organizações

internacionais contam com estrutura e normas próprias, as ONGs se valem de regras internas de um Estado, desempenhando um papel representativo na sociedade internacional, não configurando – tal como os organismos internacionais – como sujeitos de direito internacional.45 Confirma-se o contraste entre tais na seguinte passagem:

Distinguem-se, habitualmente, as organizações internacionais governamentais das não governamentais – ONGs, estas últimas sujeitas às normas jurídicas de um único Estado, segundo seu local de constituição ou funcionamento, e que não se confundem com as primeiras, objeto de nosso estudo. Em regra, as ONGs não possuem finalidade lucrativa, e exercem suas atividades tanto no plano interno quanto no internacional.46

É relevante entender também, que ambas as organizações, tanto internacionais, quanto não governamentais, guardam importantes papeis no desempenho de funções

43 Esclarece-se nesse ponto, que poderes verticais seriam aqueles encabeçados por um ente superior, numa escala de hierarquia de poder, enquanto que poderes horizontais contariam com a igualdade entre os poderes de determinados entes.

44 Como bem explica Husek, "as ONGs, de certa forma, cristalizam o novo paradigma centrado no ser humano e no meio ambiente e são foros de realização da 'cidadania internacional'". (HUSEK, Carlos Roberto. A nova (des)ordem Internacional ONU: uma vocação para a paz.Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. p.113).

45 Avalia-se que, classicamente, sujeitos de direito internacional são as organizações internacionais e os Estados, ambos sendo destinatários de normas de direito internacional, com direitos e obrigações em âmbito internacional.

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no âmbito internacional. Acontece que, sendo um sujeito de direito internacional, a organização internacional atua de forma mais enérgica e tende a possuir um papel de relevância, talvez, tão acentuada quanto a de um Estado soberano, mas nunca tomando o papel desse. Para confirmar tais afirmações, cita-se Cretella Neto:

O fenômeno da organização internacional representa um processo de institucionalização da sociedade internacional, embora esse processo não tenha tomado o lugar do Estado soberano, já que a sociedade internacional não perdeu seus princípios constitutivos de liberdade, igualdade e independência das entidades políticas autônomas que se situam na base, os Estados soberanos, nem seu caráter predominantemente descentralizado e paritário. Um amplo processo histórico de mais de cem anos trouxe consigo vasto leque de organizações internacionais nas quais a soberania dos Estados parece haver cedido em muitos campos não políticos; convém, no entanto, não superestimar estes resultados, parciais e fragmentários, enquanto permanece ausente, na vida internacional, uma instância de autoridade política internacional, superior aos Estados. E na falta dessa autoridade política internacional superior aos Estados, as organizações internacionais colocam à disposição do Direito Internacional amplo leque de positividade e de transformação, pois permitem maior efetividade das normas jurídicas. Sua atuação provoca amplo processo de mudanças e de alcance de suas funções e finalidades na ordem internacional.47

Estudadas todas as características estruturais do conceito das organizações internacionais, diz-se que elas são segundo sua perspectiva jurídica, uma coletividade de Estados, estabelecidas mediante tratados, dotadas de órgãos comuns e com competências atribuídas para o alcance de seus objetivos e fins.48

Por fim, combinados todos os elementos terminológicos que compõem o conceito das organizações internacionais, precisam-se as características primordiais de tais organismos, sendo que, sem sua presença, está-se diante de outro fenômeno que não o presente estudado. Assim, tais características são assim arroladas:

Destas definições depreendem-se características essenciais de uma organização internacional, assim consideradas: 1) são associações livres entre Estados; 2) surgem a partir de uma convenção internacional; 3) dispõem de personalidade jurídica internacional; 4) possuem um objeto de trabalho próprio de definido; 5) têm um ordenamento jurídico próprio que regula a sociedade de Estados; 6) possuem órgãos próprios para executar seus objetivos; 7) são dotadas de uma estrutura que se distingue da estrutura dos Estados-membros.49

47 CRETELLA NETO, José. Teoria geral das organizações internacionais, p.51.

48 CARRIÓN, Alejandro J. Rodríguez. Lecciones de Derecho Internacional Público.4.ed. Madrid: Tecnos, 2002. p.103.

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Identificados tais elementos, prova-se a existência das organizações internacionais como sujeitos autônomos de Direito Internacional Público.

3 A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS FRENTE À SOBERANIA ESTATAL

Como já fora julgado anteriormente, os sujeitos clássicos de Direito Internacional são os Estados soberanos – considerados como sendo sujeitos primários de Direito Internacional – e as organizações internacionais – sujeitos secundários de Direito Internacional.50

Mais uma vez, não se pode perder de vista que a principal característica, quando então da criação de uma organização internacional, é a necessidade dos Estados, mediante sua livre vontade, compartilharem parcela de sua soberania em prol de um objetivo comum, materializado no tratado constitutivo de uma organização internacional. Dessa forma, acaba por ser impossível desassociar a criação de uma determinada organização internacional da soberania estatal, sendo essa última assim conceituada:

A noção de soberania está intimamente ligada ao Estado, à plenitude do Poder Público, ao exercício do mando. Vem do latim superomnia, ou superanus, ou, ainda, de supremitas, caráter dos domínios que não dependem senão de Deus [...].

[...] Intimamente ligada ao Estado, a soberania e este formam um binômio – Estado/soberania – que está na origem dos grandes acontecimentos mundiais.51

O que se pode entender, em um primeiro momento, é que os Estados se viram na necessidade de cooperarem e coordenarem-se entre si para atingirem fins e objetivos comuns, não sendo mais possível a atitude individual de cada qual. Nesse sentido, necessitou-se o compartilhamento de sua soberania para a criação

50 A distinção básica entre os sujeitos de Direito Internacional é que as organizações internacionais, criadas por intermédio de tratados constitutivos, não são pessoas primárias de Direito Internacional, enquanto que os Estados caracterizam-se justamente por serem pessoas primárias de Direito Internacional.

Referências

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