http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3111/5/Andr%C3%A9%20Pereira%20Reinert%20Tokarski
Texto
(2) . ANDRÉ PEREIRA REINERT TOKARSKI . AS ATRIBUIÇÕES DA PETROBRAS NA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NO PRÉ-SAL À LUZ DO PROJETO CONSTITUCIONAL DE SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Bercovici SÃO PAULO 2017 .
(3) . . . T646a Tokarski, André Pereira Reinert. As atribuições da Petrobras na exploração do petróleo no pré-sal à luz do projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento / André Pereira Reinert Tokarski. – 2017. 108 f. ;; 30 cm Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. Orientador: Gilberto Bercovici. Referências bibliográficas: f. 103-108. 1. Direito econômico. 2. Petrobras. 3. Pré-sal. 4. Desenvolvimento. 5. Soberania. I. Título. CDDir 341.3785 .
(4) . . .
(5) . . Ao meu irmão Rafael que tem travado com firmeza a luta pela vida, mas “sem perder a ternura jamais” . .
(6) . AGRADECIMENTOS . À Faculdade de Direito e ao Programa de Pós-graduação em direito político e econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em nome de todos os professores e professoras, funcionários e funcionárias. Cordialmente ao Professor Gilberto Bercovici, pela oportunidade de ser por ele orientado nesse trabalho. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo e apoio em minha pesquisa por meio da bolsa Capes/Prosup. Ao amigo Julio Vellozo, grande incentivador dessa empreitada. Aos amigos e amigas: Fernando Borgonovi, Flávia Calé, Edilson Fialho e Monique Lemos, companheiros e companheiras de toda hora e de muitas jornadas;; a Mayana Nunes, pelos bons conselhos e incentivos a esse trabalho;; Ao Edson França por todo apoio emprestado. Aos diletos camaradas da direção do PCdoB e da combativa UJS. Muito obrigado pelo apoio. Aos meus queridos pais, Fábio e Edsaura. A Carolina, minha irmã, por toda disponibilidade em ler e criticar esse trabalho. Agradeço também ao apoio dos meus cunhados, Lucas e Bruno. Agradeço especialmente à Jadi. “A tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida” (V.M.), seu carinho e paciência foram um alento nesta difícil caminhada. . .
(7) . . “Em verdade, o projeto consubstanciando os pontos de vista nacionalistas na exploração de petróleo foi transformado em Lei. Por isso, não haveria razão para debater o assunto. Mas, em face da importância e da magnitude do problema do petróleo, é preciso que seja mantida constante vigilância em defesa dessa riqueza brasileira, impedindo que os gananciosos levem a melhor. Não há como negar que o petróleo está sendo cobiçado por nações mais fortes. De quando em vez surgem novas ameaças à execução da lei recentemente aprovada. Ainda agora, os trustes tomam posição por uma nova batalha, visando apoderar-se do petróleo brasileiro. Nós, patriotas, entretanto, estamos mobilizados e prontos para enfrentar os acontecimentos.” (Pronunciamento do ex-presidente e então deputado federal Arthur Bernardes, na sede da histórica UNE, na Praia do Flamengo, 132, Rio de Janeiro, em janeiro de 1955. Menos de um ano após a criação da Petrobras e após a vitoriosa campanha “O Petróleo é nosso!”) . .
(8) . RESUMO . A Constituição Federal de 1988 encampou um projeto de emancipação nacional e de superação do subdesenvolvimento. Estabeleceu que a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo são monopólios da União;; definiu a soberania nacional como um dos princípios da ordem econômica. A exploração e produção de petróleo estão, portanto, vinculadas aos objetivos e princípios previstos na ordem econômica da Constituição Federal e se relacionam com a garantia do desenvolvimento nacional. Essa dissertação, sob a perspectiva do direito econômico, se propõe analisar as atribuições e tarefas da Petrobras, diante das recentes mudanças no regime exploratório do pré- sal, e de que maneira elas se relacionam com o projeto constitucional da superação do subdesenvolvimento. Entende-se que as mudanças propostas, se consumadas, podem enfraquecer o papel da Petrobras como empresa pública destinada não apenas para explorar e produzir petróleo e seus derivados, mas também para coordenar parcela importante do desenvolvimento da indústria nacional, fundamental para a efetiva soberania e desenvolvimento do país. A Lei 13.365/2016 modificou o contrato de partilha e reduziu o papel da Petrobras na exploração do pré-sal. Podemos estar diante de mais uma tentativa de bloqueio das cláusulas transformadoras da Constituição e da entrega de nossas riquezas naturais aos interesses de empresas multinacionais e de outros países. Tal situação pode impor novas tarefas ao direito econômico, diante dos riscos e ameaças à soberania e à concretização da superação do subdesenvolvimento. Palavras-chave: Constituição econômica;; desenvolvimento;; direito econômico;; pré- sal;; Petrobras . . .
(9) . ABSTRACT . The Federal Constitution of 1988 set in motion a project of national emancipation and overcoming underdevelopment. It has established that the exploration and extraction of the petroleum deposits are monopolies of the Union;; defined national sovereignty as one of the principles of the economic order. The exploration and production of petroleum are therefore linked to the objectives and principles set forth in the economic order of the Federal Constitution and are related to the guarantee of national development. This dissertation, from the perspective of economic law, proposes to analyze the attributions and tasks of Petrobras in the face of recent changes in the exploratory regime of the pre-salt, and how they relate to the constitutional project of overcoming underdevelopment. It is understood that the proposed changes, if done, could weaken the role of Petrobras as a public company destined not only to explore and produce oil and its derivatives, but also to coordinate an important part of the development of the national industry, fundamental to the effective sovereignty and development. The Law 13.365 / 2016 modified the sharing agreement and reduced Petrobras' role in exploring the pre-salt. We may face another attempt to block the transforming clauses of the Constitution and the delivery of our natural wealth to the interests of multinational corporations and other countries. Such a situation can impose new tasks on economic law, given the risks and threats to sovereignty and the achievement of overcoming underdevelopment. Keywords: Economic Constitution;; development;; Economic Law;; pre-salt;; Petrobras . .
(10) . LISTA DE SIGLAS ADR . American Depositary Receipt . ANP . Agência Nacional do Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis . CENPES . Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello . CF/1988 . Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 . CNP . Conselho Nacional do Petróleo . CNPE . Conselho Nacional de Política Energética . COMIN . Comissão de Articulação com a Industria Nacional . DEM/PE . Democratas (Pernambuco) . EC . Emenda Constitucional . . EUA . Estados Unidos da América . FHC . Fernando Henrique Cardoso . MME . Ministério de Minas e Energia . NASA . Agência Especial Americana . ONU . Organização das Nações Unidas . OPEP . Organização dos Países Exportadores de Petróleo . P&D . Pesquisa e Desenvolvimento . PDP . Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) . PITCE . Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior . PL . Projeto de Lei . . PLS . Projeto de Lei do Senado . PMB . Plano Brasil Maior . PMDB/SP . Partido do Movimento Democrático Brasileiro (São Paulo) . PPSA . Pré-Sal Petróleo S.A. . PROMEF . Programa de Modernização e Expansão da Frota . REDUC . Refinaria de Duque de Caxias . SNCTI . Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação . .
(11) . SUMÁRIO . INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO I: O PETRÓLEO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................. 20 1.1 Especificidades do direito econômico do petróleo .......................................... 20 1.2 Projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento ........................ 30 1.2.1 Desenvolvimento como objetivo da República ........................................ 30 1.2.2 Finalidades da ordem econômica ............................................................ 32 1.3 O regime constitucional da atividade econômica petrolífera ........................... 35 1.3.1 O monopólio da União sobre o petróleo .................................................. 35 1.3.2 A emenda constitucional nº 9/1995, a flexibilização do monopólio econômico e a manutenção do monopólio jurídico da União ........................... 39 1.3.3 Inconstitucionalidades na Lei 9.478/1997 ................................................ 41 1.3.4 O abastecimento nacional de combustíveis e a política de preços ......... 46 CAPÍTULO II: PETROBRAS, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL ........................................................................... 50 2.1 Autonomia científica e o projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento ............................................................................................. 50 2.2 Petrobras, mercado interno e o desenvolvimento nacional ............................ 58 2.3 A experiência da indústria de petróleo na Noruega ........................................ 64 CAPÍTULO III: AS ATRIBUIÇÕES DA PETROBRAS NO REGIME JURÍDICO DE PARTILHA ................................................................................................................. 70 3.1 A Petrobras na exploração do pré-sal e áreas estratégicas (de acordo com a redação original da Lei nº 12.351/2010) ............................................................... 70 3.2 Alterações no regime de partilha decorrentes da Lei nº 13.365, de 29 de novembro de 2016 ................................................................................................ 75 3.3 A Petrobras e as ameaças ao projeto nacional de desenvolvimento ............. 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 84 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 91. .
(12) . INTRODUÇÃO A descoberta de jazidas de petróleo situadas na camada do pré-sal, em 2007, ensejou mudanças no regime jurídico de exploração do petróleo no Brasil. As reservas de óleo e gás estão a cerca de 7 mil metros de profundidade, sendo em média 2 mil metros abaixo da lâmina d’água e 5 mil metros abaixo de uma camada de rochas e de sal. A nova província petrolífera forma um polígono de aproximadamente 800 km de comprimento e 200 km de largura, situado entre Espírito Santo e Santa Catarina, envolvendo as bacias do Espírito Santo, Campos e Santos (ANP, 2011). Estima-se que as reservas nas jazidas do pré-sal possam chegar a 70 bilhões de barris, posicionando o Brasil entre as dez maiores reservas de petróleo do mundo. O anúncio das novas reservas de óleo e gás se deu pouco antes da realização da 9ª Rodada de Licitações de bloco exploratórios da Agência Nacional do Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis (ANP). Uma parte dos blocos que seriam licitados através do regime de concessão1 estava situada na província recém descoberta (ANP, 2011). Uma das justificativas utilizadas pelos defensores do modelo de concessão é a de que ele transfere o risco exploratório para a empresa que adquire a concessão para explorar determinado campo de petróleo. Com a descoberta das imensas reservas na camada do pré-sal o risco de perfurar o campo e não encontrar óleo praticamente desaparece. Após o anúncio oficial da descoberta das novas reservas, por determinação do então Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) editou a Resolução nº 6/20072 que determinou à ANP a exclusão de 41 blocos situados na área da província do pré-sal que estavam contidos na 9ª Rodada de licitações, e ao Ministério de Minas e Energia (MME) a elaboração de estudos visando a promoção de mudanças no marco legal do petróleo que salvaguardassem os interesses nacionais no melhor aproveitamento desses recursos energéticos recém-descobertos. 1. Modelo de contrato de concessão adotado pela Lei nº 9.478/1997, que transfere a propriedade do petróleo extraído para a concessionária. 2 Disponível em: <http://nxt.anp.gov.br/NXT/gateway.dll/leg/folder_resolucoes/resolucoes_cnpe/2007/rcnpe%206%20-%202007.xml> Acesso em: 5 out. 2015. .
(13) 12 . . As mudanças no marco legal de exploração de petróleo no Brasil se consumaram especialmente a partir de um conjunto de novas leis que passaram a organizar a atividade de exploração e produção de petróleo e gás na província do pré- sal. Destacamos, inicialmente, a Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, que cria o regime de partilha e o fundo social soberano;; a Lei nº 12.304/2010, de 2 de agosto de 2010, que cria a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que representa a União na gestão dos contratos de partilha;; a Lei nº 12.276/2010, de 30 de junho de 2010, que autoriza a União a ceder onerosamente à Petrobrás até 5 bilhões de barris de óleo equivalente em áreas do pré-sal e amplia a participação acionária da União na Petrobrás;; e, posteriormente, a Lei nº 12.858/2013, de 9 de setembro de 2013, que destina às áreas da educação e da saúde parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural. A grandeza das reservas descobertas gerou enorme expectativa sobre a viabilidade da extração do petróleo em condições extremamente adversas e quanto aos impactos econômicos e sociais decorrentes dessa atividade. O desenvolvimento tecnológico adquirido pela Petrobras foi decisivo para tal descoberta. Essa evolução técnica, ao longo de seus mais de sessenta anos de história, levou o Brasil a sair da condição de dúvida sobre a existência de petróleo em seu subsolo para a possibilidade de o País se tornar, em poucos anos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo (D’ALMEIDA, 2015). Com o projeto político3 que implementou em suas duas passagens pela presidência, Getúlio Vargas deixou um forte legado para o debate sobre a exploração do petróleo e o papel da indústria no desenvolvimento do País;; em 1953, assinou a criação da Petrobras sob forte tensão política favorável e contrária à criação da empresa (BERCOVICI, 2011). A Constituição Federal de 1988 (CF) traz em seu artigo 3º a incorporação de um programa de transformações econômicas e sociais a partir de uma série de princípios e objetivos fundamentais de política social e econômica que devem ser 3. Cf. ZAHLUTH, Pedro Paulo;; FONSECA, Pedro César Dutra (Org.) A Era Vargas: desenvolvimento, economia e sociedade. São Paulo: Unesp, 2012. . .
(14) 13 . realizados pelo Estado brasileiro. . Para Octaviani (2014, p.77), é possível identificar na Constituição Federal brasileira “um nítido projeto emancipatório, que inclui expressamente no texto constitucional as tarefas que o povo brasileiro entende como absolutamente necessárias para a superação do subdesenvolvimento e conclusão da construção da Nação”. O sentido da CF/1988 estaria vinculado à concepção da Constituição como um projeto de construção nacional. O uso dos recursos minerais, especialmente do petróleo, portanto, estaria constitucionalmente vinculado ao objetivo de superação do subdesenvolvimento. Por sua dimensão estratégica, as decisões que envolvem as fontes de energia, em especial o petróleo, estão inseridas no centro da política macroeconômica. O controle soberano do Estado sobre esse processo é a única forma de assegurar que a exploração do petróleo esteja a serviço dos interesses nacionais, sendo inevitável o surgimento de conflitos entre o interesse público e o capital privado. É nesse diapasão que se inserem os institutos jurídicos necessários para garantir a independência e prevalência do Estado frente ao mercado e aos interesses dos detentores do poder econômico (BERCOVICI, 2011). O direito econômico estabelece um referencial teórico e metodológico próprio para essa análise;; expressa, também, uma visão interdisciplinar que envolve elementos de política econômica, formação histórico-social e elaboração de normas jurídicas. À luz do programa econômico inscrito na CF/1988, que vincula a exploração do petróleo ao cumprimento das cláusulas transformadoras, especialmente de seu artigo 3º, o objetivo deste estudo é investigar a eficácia do regime jurídico de exploração do petróleo nas jazidas do pré-sal, especialmente quanto à destinação do excedente produzido e da promoção de políticas voltadas à superação do subdesenvolvimento, – marcadamente as políticas e programas de incentivo à industrialização nacional –, e confrontá-la com projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que visam modificá-lo e até mesmo extingui-lo. As forças que ora se levantam para propor a alteração do regime jurídico do pré-sal, especialmente a modificação e/ou extinção do regime de partilha, e retirar a obrigatoriedade da Petrobras atuar como operadora exclusiva dos campos de petróleo .
(15) 14 . . e gás na área do pré-sal (artigos 4º, 10, III, 'c', 19, 20 e 30 da Lei 12.351/2010), são as mesmas que promoveram as reformas constitucionais no Brasil, de corte neoliberal, a partir do início dos anos 19904. Com a justificativa de viabilizar a inserção do Brasil na economia globalizada, tais medidas visavam um alinhamento do Estado brasileiro ao chamado “Consenso de Washington”, programa formulado por instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que, dentre outras ações, propunha a liberalização do comércio, a liberalização dos investimentos estrangeiros e a privatização de empresas estatais (BERCOVICI, 2011). Apesar de não terem alcançado o programa máximo, que envolvia a privatização da Petrobrás, a Emenda Constitucional (EC) nº 9, de 9 de novembro de 1995, retirou do texto constitucional a Petrobras como executora do monopólio, mas manteve o monopólio da União sobre o petróleo, que passou a poder explorá-lo diretamente ou por meio de concessões a empresas estatais ou privadas. Nesse mesmo período a União vendeu 180 milhões de ações da Petrobras que estavam sob o seu controle e reduziu sua participação de 82% para cerca de 51% do total de ações com direito a voto (BERCOVICI, 2011). A maior parte das ações foi vendida a investidores internacionais. Tal medida, além de opor interesses estratégicos nacionais aos dos investidores internacionais, deixou a Petrobras exposta a normas e leis capciosas do mercado de capitais de países com os quais a empresa passou a negociar ações. Após a promulgação da EC nº 9/1995, foi aprovada a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, que instituiu o CNPE, a ANP e regulamentou as novas diretrizes sobre as atividades relativas ao monopólio do petróleo. No entendimento do professor Gilberto Bercovici (2011), ao qual acompanhamos, o artigo 26, caput da Lei nº 9.478/1997 é inconstitucional, pois viola o disposto nos artigos 20, IX e 177 da Constituição ao transferir a propriedade do petróleo, quando extraído, ao concessionário. . 4. Para ver mais sobre “neoliberalismo” vide: ANDERSON, Perry et al. A trama do neoliberalismo: Mercado, crise e exclusão social. In: GENTILI, Pablo;; SADER, Emir (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. pp. 139-180. . .
(16) 15 . . A Lei 12.351/2010 estabeleceu a aplicação exclusiva do regime de partilha nas áreas do pré-sal e em áreas consideradas estratégicas com baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo (artigos 1º, 2º incisos V e VI e artigo 3º da Lei 12.351/2010). Porém, não revogou o inconstitucional regime de concessão, instituído pela Lei nº 9.478/1997. O Brasil agora convive com dois estatutos jurídicos distintos no que diz respeito a exploração e produção de petróleo. Diante da crise atual em que a Petrobras foi envolvida tem surgido inúmeras propostas de reestruturação da empresa e de alterações nos ordenamentos jurídicos que organizam a exploração do petróleo no Brasil. Repetem os mesmos argumentos dos que se opunham à criação da Petrobras, em 1953, e dos que promoveram a quebra do monopólio do petróleo, em 1995, de que a empresa não teria condições financeiras de arcar com todos os investimentos necessários para a exploração do petróleo na província do pré-sal, que foi descoberta unicamente em virtude de seus investimentos e tecnologia própria5. Com o pretexto de defender os interesses da empresa, os que buscam retirar a Petrobras da exploração do petróleo no pré-sal podem, na realidade, enfraquecê-la. As imensas jazidas de petróleo localizadas na região do pré-sal permitem que a Petrobras planeje com segurança e garantia seus investimentos em exploração e produção de óleo e gás. Uma empresa produtora de petróleo vive de produzir petróleo e de buscar repor suas reservas (D’ALMEIDA, 2015). A exploração do petróleo nas jazidas do pré-sal deve alavancar investimentos em equipamentos, instalações, recursos humanos, pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovação e é a base da política de conteúdo local, que tem potencial de mobilização e articulação para criar um ciclo virtuoso de industrialização no País, promovendo o melhor aproveitamento do excedente econômico produzido com a exploração do petróleo no pré-sal. Entendemos, acompanhando o pensamento de Bercovici (2011), que não se pode abrir mão do papel do Estado na definição dos rumos da política energética e da política sobre a exploração do petróleo e dos recursos minerais. 5. BERCOVICI, Gilberto. O ataque ao Pré-sal. Conversa Afiada, 5 fev. 2016. Disponível em: <http://www.conversaafiada.com.br/economia/pre-sal-nem-o-entreguismo-do-cerra-nem-a-esperteza- do-braga>. Acesso em: 5 fev. 2016. . .
(17) 16 . . Neste estudo partimos da hipótese de que o regime de partilha, para a exploração das jazidas de petróleo no pré-sal e em áreas estratégica, em sua versão original (Lei 12.351/2010), reforçaria o papel do Estado brasileiro na definição dos rumos da política energética e da cadeia produtiva da indústria do petróleo – em aproximação ao projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento. Ao reconhecermos o Estado como promotor do desenvolvimento e das transformações sociais, e não apenas regulador da atividade econômica, buscamos analisar de que forma a exploração do petróleo na bacia do pré-sal estará inserida na mitigação de desigualdades sociais históricas e na realização de um novo projeto nacional de desenvolvimento, voltado a superação do subdesenvolvimento (Artigo 3º, inciso II e III da Constituição Federal) (BRASIL, 1988). Assim, o objetivo principal deste estudo é analisar as mudanças institucionais estabelecidas a partir da descoberta das jazidas de petróleo no pré-sal6 e a possibilidade de relacioná-las aos objetivos fundamentais da República, inscritos no art. 3º da Constituição Federal, especialmente o inciso II, que preconiza a garantia ao desenvolvimento nacional. Buscamos, também, inserir neste tópico uma revisão e análise crítica dos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que visam modificar o regime jurídico do pré-sal, nomeadamente o Projeto de Lei do Senado (PLS) 131/2015, de autoria do senador José Serra (PSDB/SP), que propõe a retirada da Petrobras da condição de operadora única do pré-sal. Para tal, são objetivos acessórios deste trabalho: i) analisar os dispositivos constitucionais que tratam da propriedade do subsolo e dos recursos minerais (artigos 20, IX e 176, caput) e da exploração do petróleo (art. 177);; ii) analisar os dispositivos constitucionais que compõe a ordem econômica (artigos 170, II, III, IV, V, VI, e IX, 172, 173, §4º, 174, 179, entre outros) e a direção do processo econômico geral (artigos 21, VII, VIII e IX, 164, 170, VII e VIII, 176, 177, 192, entre outros);; iii) relacionar a política de exploração do petróleo, especialmente as diretrizes e obrigações quanto à política 6. Notadamente as Leis: nº 12.351/2010 (cria o regime de partilha e o fundo social soberano), a Lei nº 12.304/2010 (cria a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que representa a União na gestão dos contratos de partilha), a Lei nº 12.276/2010 (autoriza a União a ceder onerosamente à Petrobrás até 5 bilhões de barris de óleo equivalente em áreas do pré-sal e amplia a participação acionária da União na Petrobrás) e a Lei nº 12.858/2013 (destina para as áreas de educação e saúde parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural). . .
(18) 17 . . de conteúdo local, com os dispositivos expressos nos artigos 219 (caput e parágrafo único), 219-A e 219-B (caput)7, que visam a valorização do mercado interno como instrumento de desenvolvimento cultural e socioeconômico e a busca da autonomia científica e tecnológica do país;; iv) analisar os limites e possiblidades de uma política industrial associada à exploração do petróleo nas jazidas do pré-sal. O direito econômico oferece um referencial teórico e metodológico próprio para o desenvolvimento desta dissertação. Permite uma análise ampla e multidisciplinar capaz de relacionar a atividade econômica de exploração do petróleo com a formação histórico-social e jurídica do País. A metodologia adotada se baseará na revisão bibliográfica, de artigos científicos, legislações e jurisprudências relacionadas ao pré- sal e ao desenvolvimento econômico. Este estudo, organizado em três capítulos, buscará analisar as atribuições conferidas à Petrobras nos marcos do novo regime jurídico adotado para a exploração do petróleo nas áreas do pré-sal e em áreas estratégicas, e sua eficácia social frente à vinculação desta atividade ao projeto constitucional de superação do subdesenvolvimento nacional. O capítulo 1 contextualiza as diretrizes constitucionais para a exploração do petróleo no Brasil. O estudo do direito econômico do petróleo envolve várias dimensões investigativas, especialmente a dimensão histórica, dogmática, institucional e sua eficácia social. Um breve panorama situa os termos da especificidade do direito econômico no Brasil e alerta, desde o início, para a permanente e dura batalha travada ao longo dos anos, sobre os rumos da política de exploração de petróleo no Brasil. 7. Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei. Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação. . .
(19) 18 . . A CF/1988 encarna um projeto nacional de desenvolvimento e bem-estar social e vincula a atividade de exploração do petróleo à consecução deste projeto. O artigo 3º da CF/1988 converteu fins econômicos e sociais em jurídicos. O caput do art. 170 da CF/1988 define, com meridiana clareza, que a finalidade da ordem econômica deve estar voltada para a promoção da justiça social. Diante da relevância para a segurança nacional e o interesse coletivo a CF/1988 dispôs que o petróleo e os recursos do subsolo são bens da União e constituem monopólio do Estado. A EC nº 9/1995 retirou o monopólio econômico da Petrobras, mas preservou o monopólio estatal do petróleo. O Estado continua detentor do monopólio jurídico do petróleo, mas passa a poder contratar empresas privadas ou a própria Petrobras para a exploração econômica desta atividade. A Lei nº 9.478/97 regulamentou o fim do monopólio da Petrobras, estabeleceu o regime de concessões e transferiu, inconstitucionalmente, o produto da lavra do petróleo para as empresas concessionárias. O capítulo 2 trata da relação entre a Petrobras, a política de ciência, tecnologia e inovação e o desenvolvimento nacional. A Constituição de 1988 estabeleceu diretrizes e atribuições ao Estado na promoção de políticas de ciência, tecnologia e inovação e definiu o mercado interno como patrimônio nacional. Tais definições se relacionam com a busca da autonomia científica e a inserção soberana do Brasil na comunidade internacional. A Petrobras detém a maior carteira de encomendas para a indústria nacional. A exploração do petróleo e a busca pela autonomia científica estão constitucionalmente vinculadas à ideia de um projeto nacional de desenvolvimento, e este só se realizará com o fortalecimento da indústria nacional. Portanto, procuraremos relacionar a constitucionalidade das políticas de conteúdo local na indústria do petróleo diante da busca pela autonomia científica e da proteção e valorização do mercado interno (art. 219 da Constituição Federal). O último item do capítulo discute a experiência da indústria do petróleo na Noruega (após a descoberta de grandes reservas de petróleo em águas ultraprofundas). O capítulo 3 visa debater as atribuições da Petrobras no pré-sal e áreas estratégicas. Analisa o processo que levou à criação do regime de partilha e contextualiza as recentíssimas mudanças na Lei da partilha, com a sanção da Lei nº .
(20) 19 . . 13.365, de 29 de novembro de 2016, que, entre outras coisas, retira a condição da Petrobras de operadora única no pré-sal. O último item do capitulo traz uma abordagem sobre a articulação da Petrobras ao Projeto Nacional de Infraestrutura e as ameaças recentes a esse projeto. Por fim, procedemos às considerações finais do estudo. . . .
(21) 20 . CAPÍTULO I O PETRÓLEO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 1.1 Especificidade do direito econômico do petróleo . É oportuno apresentarmos desde o início desta dissertação uma explicação pontual sobre o referencial teórico e metodológico adotado para o estudo do direito econômico e, particularmente, o direito econômico do petróleo. Dadas as peculiaridades e especificidades que envolvem o estudo do direito econômico, compreendemos que o método mais adequado na interpretação e análise das relações econômicas a partir do direito é o que toma o direito econômico como a economia política da forma jurídica. Esse caminho teórico e metodológico implica, necessariamente, a adoção de várias dimensões investigativas, como explicam Bercovici e Octaviani (2014): A primeira é a dimensão histórica. Outra dimensão é a dogmática, ou seja, o manuseio dos textos normativos, com seus objetivos constitucionalmente determinados, os autores atuantes no sistema e os instrumentos jurídicos disponíveis para a consecução desses objetivos. A dimensão da eficácia social diz respeito às possibilidades de o sistema estruturado dogmaticamente, com suas condicionantes históricas, apresentar uma grande variedade de resultados, não necessariamente bem sucedidos, sendo apreendido e apropriado de formas diversas pelos vários atores sociais envolvidos (o caráter contrafático do direito). Finalmente, a dimensão prospectiva, de imaginação e construção institucional, que entende que essa estrutura social analisada pode ser transformada, particularmente no sentido da dimensão emancipatória inscrita no artigo 3º da Constituição Federal de 1988 (BERCOVICI;; OCTAVIANI, 2014, p. 77). . . Na clássica definição de Comparato (1965), “o direito econômico engloba o conjunto de técnicas jurídicas utilizadas pelo Estado na realização de sua política econômica”. E a CF/1988 define, com meridiana clareza, que sua política econômica é a política econômica que visa a superação do subdesenvolvimento, especialmente a partir da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II) e da finalidade de assegurar a todos existência digna (art. 170, caput). O direito econômico, portanto, não é mero reflexo das relações econômicas dominantes, ele é dotado de um caráter contrafático, institucionaliza as relações econômicas, mas também busca transformá-las (BERCOVICI;; OCTAVIANI, 2014). .
Outline
Documentos relacionados
Determinar o efeito de compostos das classes dos pirazóis, isoxazóis e isoxazolinonas sobre a atividade da enzima AChE cerebral de ratos nas seguintes estruturas cerebrais:
99 Figura 71 – Erro da simulação computacional do modelo matemático em relação aos pontos experimentais com o trator de pequeno porte em primeira marcha e acelerador no nível
(transferência de oficio), que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe um dos campi desta Universidade, ou para localidade mais próxima. A regra do caput
É por esta razão que, neste trabalho, busca-se estudar as conexões existentes entre as manifestações artísticas e a Filosofia do Direito, baseados na afirmação de que a análise
No momento da construção deste trabalho, foi lançada a versão 13.1 da IDE IntelliJ IDEA com suporte para cinco das refatorações propostas neste trabalho, as quais serão apresentadas
Assim, no item 4.1 O ideal da família moderna, apresento uma caracterização do modelo de família que prevalece enquanto ideal hegemônico em nossos tempos, pontuando as suas
a)surgimento de desertos verdes: o agronegócio proporcionou uma alteração surpreendente no ambiente natural, eliminando a biodiversidade de boa parte do planeta. A
Attributes of family and community guidance had lower score in child health care based on assessment of users of primary care services.. The service did not reach its