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Giane Alvares Ambrosio Alvares

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Academic year: 2018

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Giane Alvares Ambrósio Alvares

Processo penal, direito ao protesto e democracia

Mestrado em Direito

São Paulo

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Processo penal, direito ao protesto e democracia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração Direito Processual Penal, sob a orientação do Professor Doutor Claudio José Langroiva Pereira.

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Giane Alvares Ambrósio Alvares

Processo penal, direito ao protesto e democracia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração Direito Processual Penal, sob a orientação do Professor Doutor Claudio José Langroiva Pereira.

Aprovada em: _____/____/____

Banca Examinadora

Professor Doutor Claudio José Langroiva Pereira (Orientador)

Instituição: _______________Assinatura_______________________________ Julgamento:______________________________________________________

Prof. Dr._________________________________________________________ Instituição: _______________Assinatura_______________________________ Julgamento:______________________________________________________

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Desde a conclusão da graduação em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2003, e especialmente depois de finalizar, em 2011, o curso de especialização em direitos humanos na Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, cresceu e se consolidou em mim o forte desejo de dar continuidade aos estudos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, instituição de ensino para a qual, em razão do protagonismo que exerceu e exerce na defesa da democracia e dos direitos humanos no país, os meus olhos sempre estiveram voltados.

Graças ao incentivo de muitas pessoas, em 2013, esse sonho se tornou realidade. Se atingi, agora, aos momentos finais dessa empreitada, foi também porque muitos contribuíram, de muitas formas, ao longo da elaboração da dissertação, com indicações e levantamento bibliográfico, com sugestões sobre o desenvolvimento do trabalho, com leituras atentas do texto, com observações e críticas estimulantes. Muitos foram amigos presentes e mostraram disposição para suportar o desaguar das angústias, dúvidas e contradições que foram surgindo.

Por todas essas razões, preciso agradecer a cada um.

Em primeiro lugar, ao meu orientador, Professor Claudio José Langroiva Pereira, por ter me recebido na PUC-SP e pela generosidade em todos os momentos. Desde o nosso contato inicial e ao longo do curso, foi um imenso privilégio desfrutar de sua companhia. Levarei sempre comigo os seus ensinamentos e a imagem do seu exemplo como ser humano que sabe expressar de modo irrestrito o valor da solidariedade. Obrigada por ter mostrado a existência de tantos caminhos que antes eu ignorava.

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trajetória. Devo dizer que seu compromisso com a democracia dá força e estímulo para todos ao seu redor.

Aos professores Roberto Archanjo Ferreira e Marcelo Erbella, agradeço pela imprescindível colaboração para o meu crescimento ao longo do curso e especialmente pelas críticas feitas por ocasião do exame de qualificação. Foi um momento difícil que me conduziu para algo melhor.

Ao professor Alvaro de Azevedo Gonzaga, agradeço pelas aulas de filosofia, pela imensa simpatia e pela amizade expressada.

A Amanda Mantovani, Manoela Cacho, Priscila Diniz, Renata Macedo, Emerson Ghirardelli, Gabriel Queiroz, Sandro Rollo e Vitor Mageski, obrigada por terem engrandecido o meu cotidiano na PUC-SP. Desejo que nossa amizade, forte e verdadeira, mantenha-se ao longo de nossas vidas. Aprendi muito com cada um de vocês.

Ao Rui de Oliveira e ao Rafael de Araújo, funcionários da PUC-SP, agradeço por terem sido sempre prestativos e atenciosos e por terem contribuído com dedicação e espírito fraterno para resolver todos os problemas que surgiram.

Eveline Denardi, muito obrigada pela correção do trabalho.

A Aton Fon Filho, Ney Strozake, Roberto Rainha, Magali Godoi e Wagner Chaves, com quem divido valiosos projetos de vida, agradeço por terem permitido a minha ausência constante no trabalho e por terem expressado toda a solidariedade durante o desenvolvimento desta pesquisa.

Agradeço de modo especial aos meus amigos que não apenas suportaram as minhas infinitas angústias, mas ofereceram de diversos modos ajuda para superá-las.

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Marcio Sotelo Felippe, Mauro Lima do Val, Patrick Mariano Gomes, Paulo Fernando Pereira de Souza e Rubens Casara, minha gratidão a vocês é imensa. Espero um dia poder retribuir a cada um por cada gesto de amizade que expressaram para mim.

Angélica Kuhn, Carla Guindani, Heloisa Aguiar, Julia Ávila Franzoni, Luciana Furquim Pivato, Marcio Sotelo Felippe, Ney Strozake, Patrick Mariano Gomes, Roberto Rainha e Rubens Casara, sem a colaboração específica de cada um de vocês eu não teria conseguido dar esse passo. Muito obrigada. Eu reflito sobre tudo que fizeram por mim e fico emocionada.

Mauro Lima do Val, Teresinha Maria Ambrósio, Merlyn Alvares, Raphael Alvares, Aton Fon Filho e Suzana Angelica Paim Figueredo, tenho sempre o pensamento em vocês e fico contente ao imaginar que sentirão orgulho de me verem chegar até aqui.

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expressa das liberdades de expressão do pensamento, de reunião e de associação (art. 5º, incisos IV, XVI e XVIII da Constituição da República de 1988), verifica-se ocasiões em que se dá a intervenção da atividade punitiva estatal contra participantes de manifestações, a quem são imputadas práticas de crimes comuns e de crimes constantes da Lei de Segurança Nacional. Com base na análise doutrinária e jurisprudencial dos elementos constitutivos do Estado Democrático de Direito brasileiro, nos princípios constitucionais que limitam e orientam a atuação do poder punitivo estatal e nos entendimentos que caracterizam o direito ao protesto como um direito fundamental e constata a realidade em que, em razão da participação em atos de protestos, indivíduos são acusados da prática de crimes, o objetivo do presente trabalho é o de refletir sobre as relações e tensões que se estabelecem entre processo penal, direito ao protesto e democracia. Sustenta-se que, nas ocasiões apontadas, a atividade punitiva estatal revelou-se como instrumento de censura contra o direito ao protesto, ferindo princípios constitucionais relativos ao processo penal e ocasionando a fragilização de pressupostos do Estado Democrático de Direito.

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In Brazil, although the right to protest is protected by the expressed rule of freedom of expression of the thought, of assembly and of association (5º article, items IV, XVI and XVIII of the 1988 Constitution), on some ocasions the states uses your punitive power against the protesters, wich are accused of common crimes and National Security Law crimes. Based on doctrinal and jurisprudencial analysis of the brazilian Democratic State components, on constitutional principles that limits and guides the use of the state punitive power, and also on the understanding that the right to protest is a fundamental right and the perception that the protesters are accused of commiting crimes just because they were part of a protest act, the goal of this scientific wok is to consider the relations e tensions between criminal proceedings, the right to protest and democracy. It is argued in this work that on the situation exposed the state punitive power was revealed as a censorship tool against the right to protest, blemishing constitutional principles of criminal proceedings and weakening the requirements of the Democratic State.

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1 INTRODUÇÃO 13

2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO 17 2.1 Direitos fundamentais e modelos de Estado 17 2.2 Princípios fundamentais do Estado brasileiro na

Constituição da República de 1988 25

2.2.1 Soberania 26

2.2.2 Cidadania 27

2.2.3 Dignidade da pessoa humana 29

2.2.4 Pluralismo 34

2.2.5 Valor social do trabalho e da livre iniciativa 36 2.3 Objetivos da República Federativa do Brasil 37 2.4 Direitos fundamentais e direitos humanos

na Constituição de 1988 37

3 PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 42

3.1 Notas introdutórias 42

3.2 Distinção entre regras e princípios 46

3.3 Princípios constitucionais orientadores do direito processual penal 48

3.3.1 Devido processo legal 50

3.3.2 Contraditório e ampla defesa 52

3.3.3 Licitude das provas 57

3.3.4 Publicidade 60

3.3.5 Juiz natural 61

3.3.6 Presunção de inocência 62

3.3.7 Fundamentação das decisões judiciais 65

3.3.8 Duplo grau de jurisdição 66

3.3.9 Duração razoável do processo 67

3.3.10 Culpabilidade e individualização da pena 69

4 DIREITO AO PROTESTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL 72

4.1 Sobre os direitos de liberdade 72

4.2 Liberdade de expressão do pensamento 74

4.3 Liberdade de reunião e de associação 80

4.3.1 Particularidades sobre o direito de reunião 83 4.3.2 Particularidades sobre o direito de associação 87 4.4 Direito ao protesto como direito fundamental 88 4.4.1 Direito de manifestação na Constituição Portuguesa de 1976 90 4.4.2 O direito ao protesto no âmbito da Organização das

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5.2 Movimentos sociais, protestos e a expansão da

democracia no Brasil 104

5.3 Movimentos sociais e protestos no Brasil: violência e

repressão no meio rural e urbano 111

5.3.1 Conflitos no campo 112

5.3.2 Protestos urbanos 117

5.4 Persecução penal de participantes de atos de protesto 119 5.4.1 Imputação de crimes comuns e prisão cautelar 121 5.4.2 Imputação de crimes políticos (Lei de Segurança Nacional) 126 5.5 Processo penal, direito ao protesto e democracia 133

5.6 Projetos de Lei sobre protestos 138

6 CONCLUSÃO 144

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1 INTRODUÇÃO

Encerrado o ciclo da ditadura militar que governou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985, a Constituição da República de 1988 estabeleceu entre nós o Estado Democrático de Direito e instituiu, como fundamentos do Estado brasileiro, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (artigo 1º).

No artigo 3º, a Lei Fundamental brasileira designou como objetivos fundamentais do país a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia ao desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Foram consagrados, além disso, um amplo rol de direitos individuais, coletivos e sociais.

Não obstante os fundamentos essenciais do Estado, os objetivos primordiais enumerados e a previsão constitucional de uma multiplicidade de direitos fundamentais, como herança histórica, persistem na sociedade brasileira problemas estruturais de exclusão e de profunda desigualdade social e econômica, com amplas camadas da população sobrevivendo em situação precária, sem condições mínimas de dignidade e privadas de direitos básicos, como, por exemplo, moradia, trabalho, alimentação, educação, saúde e assistência social.

Em face da sistemática negação de direitos e em busca da concretização das promessas estabelecidas pela Constituição da República de 1988, setores da sociedade – membros das camadas mais desfavorecidas economicamente, movimentos sociais, estudantes, trabalhadores rurais, trabalhadores sem moradia digna, trabalhadores sindicalizados, comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, mulheres e homossexuais, dentre outros – organizam-se e, por meio do exercício do direito ao protesto, procuram ser ouvidas e influenciar as decisões do Estado, apresentando reivindicações pela eficácia de direitos, por melhor distribuição das riquezas, diminuição das desigualdades e maiores oportunidades de participação social e política.

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da República de 1988), verifica-se, na realidade brasileira, ocasiões em que, mesmo em desacordo com os postulados constitucionais e com o regramento infraconstitucional do direito penal e do processo penal, dá-se a intervenção da atividade punitiva estatal contra participantes de manifestações, a quem são imputadas práticas de crimes comuns e de crimes constantes da Lei de Segurança Nacional.

Com base nos elementos constitutivos do Estado Democrático de Direito brasileiro, nos princípios constitucionais que orientam a atuação do poder punitivo estatal e nos entendimentos que caracterizam o direito ao protesto como um direito fundamental e na constatação de que, em razão da participação em atos de protestos, indivíduos são acusados da prática de crimes, o objetivo do presente trabalho é o de refletir sobre as relações e tensões estabelecidas entre processo penal, direito ao protesto e democracia.

Inicialmente, após a Introdução, no segundo capítulo, com ênfase a partir do surgimento dos Estados de Direito, o objetivo foi traçar um paralelo entre os elementos centrais que caracterizaram, no curso da História, os modelos de Estado, a evolução e o reconhecimento progressivo dos direitos fundamentais pelos ordenamentos jurídicos dos Estados, até a internacionalização dos direitos humanos.

Estabelecidas as premissas sobre as dimensões1 dos direitos fundamentais e dos modelos de Estado e fixado o entendimento de que o Estado Democrático de Direito é o modelo adequado para promover essa multiplicidade de direitos, buscou-se caracterizar os elementos centrais que configuram o Estado Democrático de Direito instituído no Brasil pela Constituição da República de 1988. Serão analisados, num plano geral, os objetivos fundamentais da República brasileira, o catálogo dos direitos fundamentais por ela consagrados e o tratamento reservado aos direitos humanos.

Tendo em vista que o processo penal, no Brasil, é orientado por um amplo catálogo de direitos e garantias consagradas pela Constituição da República de 1988 (artigos 5º e 93, IX), no terceiro capítulo, tem-se por objetivo analisar os princípios que estabelecem as bases sobre as quais a atividade punitiva do Estado

1 Conforme Paulo Bonavides, a palavra “’dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo

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pode desenvolver-se validamente, com a preservação da dignidade humana e dos direitos fundamentais dos cidadãos.

O quarto capítulo tem por finalidade demonstrar que, tanto no plano interno brasileiro como no âmbito internacional de proteção dos direitos humanos, o direito ao protesto é um direito fundamental. Para atingir esse desiderato, num primeiro momento serão apresentadas as características particulares que constituem os direitos relativos às liberdades de expressão do pensamento, de reunião e de associação, reconhecidos tanto no plano interno brasileiro, como por documentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

Em seguida, trazendo também a consideração de que a Constituição da República portuguesa de 1976 previu expressamente o direito de manifestação em seu catálogo de direitos fundamentais, discorreremos sobre os posicionamentos doutrinários, dos órgãos de direitos humanos da Organização das Nações Unidas, da Organização dos Estados Americanos e do Supremo Tribunal Federal, que sustentam a afirmação de que o direito ao protesto é um direito fundamental, cujo conteúdo decorre do reconhecimento e da consideração das liberdades de expressão do pensamento, de reunião e de associação. Por fim, sustentando-se que o exercício do direito ao protesto revela-se como um instrumento de evolução e de consolidação dos regimes democráticos, será demonstrada sua relação intrínseca com o pluralismo e a cidadania, e com o exercício democrático do direito à participação política nos Estados.

Com efeito, no quinto capítulo, inicialmente traremos um panorama dos movimentos sociais e dos atos de protesto na história recente do país, demonstrando que, em razão da luta pela concretização de direitos fundamentais, esses atores desempenham no Brasil o papel de agentes de fortalecimento da democracia. Além disso, brevemente serão apresentadas as circunstâncias recorrentes em que os integrantes desses movimentos sofreram indevida persecução penal pela acusação da prática de crimes comuns, como dano, esbulho possessório e formação de quadrilha.

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esses participantes de protestos a prática de crimes políticos constantes da Lei de Segurança Nacional (Lei nº7.170/83).

Diante destes casos emblemáticos, indagaremos: integrantes de movimentos sociais que postulam pela concretização de direitos postos na Constituição da República de 1988 colocam em risco a existência do Estado brasileiro? As ações por eles praticadas, ainda que com violência, possuem o poder de lesar ou expor a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito ou a pessoa dos chefes dos Poderes da União2? A motivação íntima dos participantes dos atos de protesto volta-se para qual finalidade? Lesionar o Estado ou postular por sua evolução?

Postas essas indagações, demonstraremos que a utilização do processo penal e da Lei de Segurança Nacional para reprimir demandas por direitos fundamentais e como ferramenta de intimidação contra participantes de atos de protesto fere o direito ao protesto e revela-se um instrumento de fragilização do Estado Democrático de Direito.

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2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO

2.1 Direitos fundamentais e modelos de Estado

No curso da História, a luta dos homens em busca de transformações e de justiça possibilitaram a evolução dos Estados e do reconhecimento dos direitos fundamentais.

O Estado estamental, próprio da Idade Média, no qual prevalecia a tutela dos direitos ou privilégios de grupos, corporações e categorias de indivíduos3 será

substituído, na Idade Moderna, por um Estado absoluto que, afirmando o princípio da soberania do príncipe, apesar de pretender-se legítimo, revelou-se tirânico4.

No século XVIII, contrapondo-se ao arbítrio e à demasiada concentração de poder destes Estados absolutos ainda vinculados ao regime agrário e feudal, a quem competia editar, aplicar e julgar as leis, surge uma nova concepção a respeito da organização política e social na Europa5. A nova classe em ascensão, a burguesia, postulará pela tutela de direitos universais, dos direitos do homem e do cidadão6 e, assim, conforme destacado por Marco Antonio Marques da Silva, em reação ao poder absolutista, a quota desprestigiada da população insurge-se em busca de uma ordem social justa, com melhores condições de vida e tratamento igualitário7.

Desse conflito entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo, na tentativa de impor freios à atividade estatal e aos próprios governantes, tem origem o Estado de Direito em sua primeira concepção, a liberal8, cujas características básicas

referiam-se à submissão ao império da lei, à divisão independente e harmônica entre os poderes executivo, legislativo e judiciário e o enunciado e garantia dos direitos individuais9.

3 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.14.

4 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.19.

5 HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Teixeira. 34.ed. São Paulo:

Paz e Terra, 2014, p.49-52.

6 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.14.

7 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.228.

8 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.228.

9 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014,

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Nesse ambiente de mudança de paradigma, fundadas nas ideias jusnaturalistas, contemplando o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à liberdade, surgiram a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, ambas de 1776, e a Declaração francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, de 178910. Essa última foi a mais expressiva porque, nas palavras de Paulo Bonavides, representou o primeiro momento em que esses direitos fundamentais adquiriram um caráter universal: não tinham por destinatário uma camada social privilegiada, mas o gênero humano11 .

Importante observar, segundo o autor, que o surgimento desses direitos fundamentais de primeira dimensão coincide com o período do surgimento do constitucionalismo ocidental12 e, por conseguinte, depois de consignados nas

declarações de direitos, esses direitos civis e políticos – os chamados direitos de liberdade – foram inseridos nas leis fundamentais dos respectivos Estados de Direito13.

Quanto aos direitos de liberdade, destacamos que

têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.14

Com o advento da Revolução Industrial, porém, vastas camadas populares da sociedade viram-se desprotegidas em face do sistema econômico e da exploração da força de trabalho. Tendo em vista que a abstenção do Estado liberal de intervir nos problemas sociais e econômicos existentes e acentuados na sociedade daquele período, no século XIX, o individualismo e o apoliticismo deste

10 Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Preâmbulo: Os representantes do povo

francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Artigo1º – Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Artigo 2º – A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.

11 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p.576. 12 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p.577.

13Como destacado por Jorge Miranda, “Tal como o conceito de Constituição, o conceito de direitos fundamentais

surge indissociável da ideia de direito liberal”. (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada, 1993, p.22.)

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modelo estatal já não se mostrava suficiente para “satisfazer a exigência de liberdade e igualdade reais dos setores sociais e economicamente menos

favorecidos”15 da sociedade.

Em decorrência das injustiças provocadas e mantidas por esse modelo de Estado, ante a insuficiência das liberdades burguesas, “os movimentos sociais do século passado e deste especialmente [...] permitiram que se tivesse consciência da

necessidade de justiça social”16.

Como destacado por Pedro Estevam Serrano,

Embora não se possa cogitar de rupturas estanques entre um modelo estatal e outro [...] é bem verdade que a concepção liberal foi sofrendo ao longo do século XIX profundas alterações, ocasionadas principalmente pela percepção de que sem o Estado não se poderia alcançar melhorias importantes e necessárias no âmbito social [...].17

Nesse contexto, nos séculos XIX e XX, contrapostos aos direitos de liberdade começaram a ser

reivindicados, e sucessivamente obtidos, direitos econômicos, sociais e culturais: direitos econômicos como garantia da dignidade no trabalho, direitos sociais como garantia de segurança na necessidade, direitos culturais como exigência de acesso à educação e à cultura [...].18

Nessas circunstâncias, para promover a redução das desigualdades e almejando atingir a justiça social, o Estado passa a intervir na ordem social e econômica originando o Estado Social19 e a segunda dimensão de direitos

fundamentais, cujo destinatário é “o conjunto dos grupos sociais esmagados pela

miséria, a doença, a fome e a marginalização”20.

Essa segunda dimensão de direitos, associados à igualdade e

“proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de

15 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.229.

16 SILVA, José Afonso da. Curso dedireito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.117. 17 SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Constituição. São Paulo: Estúdio, 2014, p.30.

18 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.22-23.

19 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.229.

20 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

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maneira clássica no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra”21.

Todavia, nessa segunda fase, apesar da promessa de criação de uma situação de bem-estar geral que garantisse o desenvolvimento dos indivíduos22, tendo em vista que a previsão de direitos econômicos e sociais nas leis fundamentais destes Estados Sociais não foi suficiente diante das interpretações contraditórias que o caráter social proporciona23, esse modelo de Estado tampouco atingiu a igualdade e a justiça social almejada e permaneceu como ideal abstrato e suscetível às variáveis ideologias políticas24.

Nada obstante, faltando ao “Estado de Direito um ingrediente fundamental que justificasse todo o equilíbrio desejado pela sociedade”25, não sendo possível a

simples somatória dos preceitos do Estado liberal e do Estado social, passa a ter relevo o “componente democrático ou de soberania popular, como garantia geral dos

direitos do ser humano”26. Na expressão de Jorge Miranda, tendo em vista que “não

basta enumerar, definir, explicitar, assegurar só por si direitos fundamentais”27,

mostrou-se imperioso que a organização do poder político e toda a organização constitucional estivessem orientadas para a sua garantia e a sua promoção28.

Desenvolve-se, assim, o Estado Democrático de Direito, modelo apto não só para o reconhecimento, mas para a promoção e a garantia dos direitos fundamentais em sua vasta multiplicidade.

A democracia, então, como elemento central desse tipo de Estado, traz em seu âmago o princípio básico de um regime de governo no qual o poder assenta-se na vontade do povo e assenta-se traduz em instrumento que possibilita a realização dos direitos fundamentais sempre em evolução no curso da história29.

21 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p.578.

22 SILVA, José Afonso da. Curso dedireito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.117. 23 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais: tipo, tipicidade e bem

jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.17.

24 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.229.

25 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais: tipo, tipicidade e bem

jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.36.

26 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais: tipo, tipicidade e bem

jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.37.

27 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.177.

28 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.177.

29 SILVA, José Afonso da. Curso dedireito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014,

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Conceitua-se a democracia como o regime de governo em que, em particular, “o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, da

maior parte”30 dos indivíduos. Ainda que se mostre “impossível imaginar um povo

permanentemente reunido em assembleia para ocupar-se dos assuntos públicos”31,

configura-se na doutrina da soberania popular32, ou, como na formulação de

Abraham Lincoln, como “governo do povo, para o povo, pelo povo”33.

Um regime democrático distingue-se dos demais pela atribuição do direito de colaborar direta ou indiretamente nas decisões coletivas “a um número muito

elevado de membros do grupo”34 e pela regra da deliberação majoritária35, o que não

se confunde com ditadura das maiorias, porque o exercício do poder se dá “por meio de uma representação e participação jurídica popular”36.

Nesse ponto, conforme José Joaquim Gomes Canotilho, denota-se que

A democracia tem como suporte ineliminável o princípio maioritário, mas isso não significa qualquer ‘absolutismo da maioria’ e, muito menos, o domínio da maioria. O direito da maioria é sempre um direito em concorrência com os direitos das minorias com o consequente reconhecimento de estas se poderem tornar maiorias.37

Segundo Geraldo Ataliba,

[...] só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissenção, crítica e veiculação de sua pregação [...]. Na democracia, governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo não pode oprimir a minoria.38

Com efeito, ao lado da compreensão de que a democracia se perfaz em razão da soberania popular, entendida como “a participação efetiva e operante do

30 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6.ed. São Paulo:

Brasiliense, 1994, p.7.

31 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social.Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: LPM, 2007, p.81. 32 BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política.8.ed. Brasília: UNB, 1995, p.325.

33 LINCOLN, Abraham. apud BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 22.ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2015,

p.288.

34 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra,

2011, p.31.

35 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra,

2011, p.31.

36 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais: tipo, tipicidade e bem

jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.37.

37 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.Coimbra: Almedina,

1998, p.311.

38 ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e as minorias. Revista de Informação Legislativa. v.24, nº96, p.189-194,

(22)

povo na coisa pública”39 e pelo reconhecimento, promoção e garantia dos direitos

fundamentais individuais, funda-se o Estado Democrático de Direito também na intrínseca finalidade “do pleno desenvolvimento dos cidadãos, através da superação das desigualdades sociais e do reconhecimento dos limites da esfera de intervenção

do Estado”40.

Ocorre, no entanto, conforme observa Jorge Miranda, que a evolução dos direitos fundamentais, “seja numa linha de alargamento [...] ou obnubilação, acompanham o processo histórico, as lutas sociais e os contrastes de regimes

políticos”41. No século XX, com os Estados autoritários na Alemanha, Itália e União

das Repúblicas Socialistas Soviéticas, entre outros, os direitos fundamentais sofreram profunda retração.

Em decorrência das atrocidades perpetradas no curso da Segunda Guerra Mundial, do que são exemplos o holocausto e as múltiplas violações aos direitos fundamentais cometidas pelo regime nacional-socialista, a comunidade internacional buscou dar ao ser humano o status de sujeito de direito internacional, implicando no reconhecimento de que a violação dos direitos fundamentais no plano interno impõe a responsabilização dos Estados no plano internacional42. Nessas circunstâncias, com o fim da Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos

Tornam-se uma legítima preocupação internacional [...], com a criação das Nações Unidas, a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da ONU, em 1948 e, como consequência, passam a ocupar um espaço central na agenda das instituições internacionais.43

Representando “a consciência histórica que a humanidade tem dos

próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX” 44, a Declaração

Universal de Direitos Humanos de 1948 apresenta-se nessa fase, então, como um marco da universalização dos direitos humanos. Como resultado do esforço

39 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.229.

40 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.229.

41 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.25.

42 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max

Limonad, 1997, p.33-34.

43 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max

Limonad, 1997, p.141.

44 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1992,

(23)

internacional por produzir “uma síntese do passado e uma inspiração para o

futuro”45, a Declaração de 1948 contém uma expressão de direitos fundamentais

inédita: consagra, de modo simultâneo, os valores do discurso liberal da cidadania e do discurso social46. Nesse sentido, elenca os direitos civis e políticos (artigos 3º a 21) e os direitos sociais, econômicos e culturais (artigos 22 a 28). Desse modo,

Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível.47

Os Estados, assim, passam a vincular-se não somente aos direitos fundamentais individuais e sociais previstos em suas legislações internas. A eles são impostos também limites jurídicos48 estabelecidos em documentos internacionais

sobre direitos humanos, do que são exemplos o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) de 1969, entre outros.

Jorge Miranda, a esse respeito, elucida que nesse contexto de universalização dos direitos fundamentais, passa-se da fase da proteção apenas no ambiente doméstico para a proteção internacional dos direitos do homem, podendo, os direitos fundamentais na atualidade, serem assegurados também por meio de instâncias internacionais49.

Reconhecidos os direitos fundamentais de primeira e de segunda dimensão, em face do processo de globalização, ainda no século XX, surgem novas dimensões de direitos fundamentais.

A terceira dimensão associa-se à ideia de fraternidade ou de solidariedade. Não se prestam à proteção do indivíduo ou de uma coletividade apenas, mas destinam-se ao gênero humano e referem-se a temas ligados ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum

45 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1992,

p.34.

46 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max

Limonad, 1997, p.158.

47 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max

Limonad, 1997, p.159.

48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.Coimbra: Almedina,

1998, p.225.

49 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

(24)

da humanidade. A quarta dimensão de direitos fundamentais, por sua vez, refere-se à universalização de direitos no campo institucional. Trata-se do direito à democracia, do direito à informação e do direito ao pluralismo50.

Considerando a evolução dos direitos fundamentais em todas as dimensões apontadas e sua relação com a atual fase de desenvolvimento do Estado, na precisa lição de José Afonso da Silva, observa-se que a democracia, conceito central do Estado Democrático de Direito e garantia institucional,

aponta para a realização dos direitos políticos, que apontam para a realização dos direitos econômicos e sociais, que garantem a realização dos direitos individuais, de que a liberdade é a expressão mais importante. Os direitos econômicos e sociais são de natureza igualitária, sem os quais os outros não se efetivam realmente. É nesse sentido que também se pode dizer que os direitos humanos fundamentais são valores da democracia. Vale dizer: ela deve existir para realizá-los, com o que estará concretizando a justiça social.51

Ainda sobre a relação entre direitos fundamentais e democracia, deve-se compreender, como na síntese de Flávia Piovesan, que não existem direitos humanos sem democracia e nem tampouco democracia sem direitos humanos52.

Observa-se, desse modo, que o valor da democracia e a proteção dos direitos humanos relacionam-se de modo interdependente, com vistas ao alcance da justiça social, com o pleno exercício dos direitos de liberdade e de igualdade, englobando todos os indivíduos.

A mera alusão à democracia e a incorporação dos direitos fundamentais ao catálogo de direitos previstos nos textos constitucionais não passam de uma promessa não realizada quando se observa, na realidade dos Estados, a existência de desigualdades sociais, a ausência de distribuição das riquezas e a repressão penal daqueles que manifestam publicamente seu descontentamento, reivindicando o cumprimento de direitos fundamentais consagrados pela ordem constitucional e pelo sistema internacional de direitos humanos.

Como valor fundante, a democracia implica, por fim, na plena eficácia dos direitos de participação dos cidadãos nos processos políticos dos Estados, o que não se dá apenas por meio do direito ao sufrágio, mas também pelo pleno exercício das liberdades de manifestação do pensamento, de reunião e de protesto.

50 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p.583-587. 51 SILVA, José Afonso da. Curso dedireito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.134. 52 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. Caderno de Direito

(25)

2.2 Princípios fundamentais do Estado brasileiro na Constituição da República de 1988

A consolidação da democracia real brasileira percorre um longo caminho. Marcada por retrocessos antidemocráticos e sucessivas quebras da ordem constitucional, desde 1824 até o ano de 1988 vieram a lume oito textos constitucionais53 que representaram um largo período de instabilidade e de

descontinuidade das instituições políticas nacionais54.

Como observa Luís Roberto Barroso, em pouco mais de duzentos anos, desde a chegada da Família Real em 1808, até os dias atuais, o Brasil transmutou-se de colônia para uma das dez maiores economias mundiais. De “Império, de viés autoritário, fundado numa Carta outorgada, converteu-se em um Estado constitucional democrático e estável, com alternância de poder e absorção

institucional das crises políticas”55.

Da história recente do país, desponta-se que a Constituição da República de 1988 representou a superação histórica do regime militar anterior (1964-1985)56, período antidemocrático, marcado pela contínua supressão dos direitos fundamentais, do que é exemplo o Ato Institucional nº557, denominado por José

Afonso da Silva como “o instrumento mais autoritário da história política do Brasil”58.

Na expressão de Geraldo Ataliba, viveu o Brasil, entre os anos de 1964 e 1985, “um regime autoritário que legislou contra as minorias políticas, sociais e

econômicas”59.

Iniciado o período de abertura política ainda no curso do regime autoritário, conforme destaca Flávia Piovesan, a sociedade civil se reorganizou e se mobilizou em prol do reestabelecimento da democracia e do refazimento de um novo

53 Constituições Brasileiras de 1824, 1891, 1934, 1937,1946, 1967, 1969 e 1988.

54 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.482.

55 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.482.

56 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max

Limonad, 1997, p.52.

57 O Ato Institucional n°5, de 13 de dezembro de 1968, estabeleceu, dentre outras medidas, a possibilidade de

suspensão dos direitos políticos de todos os cidadãos, a proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política (artigo 5º, III), a suspensão da garantia do habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular (artigo 10) e excluiu da apreciação do Poder Judiciário todos os atos praticados com fundamento no ato institucional em tela (artigo 11).

58 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.90. 59 ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e as minorias. Revista de Informação Legislativa. v.24, nº96, p.189-194,

(26)

pacto social60, o que culminou na promulgação da Constituição de 1988, documento jurídico que, nas palavras de Luís Roberto Barroso, catalisou o “esforço de inúmeras gerações de brasileiros contra o autoritarismo, a exclusão social e o

patrimonialismo”61.

Logo em seu preâmbulo, a Constituição da República de 1988 institui o

Estado Democrático de Direito, cuja finalidade é assegurar “o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça”62.

Assumindo o Estado Democrático de Direito como conceito-chave do regime adotado63, em seu artigo 1º, a Constituição da República de 1988

estabeleceu seus fundamentos na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político64.

Compreendidos como valores primordiais irrenunciáveis, esses fundamentos embasam o Estado brasileiro e orientam toda a atividade estatal, do governo e dos indivíduos.

2.2.1 Soberania

No que toca à análise específica desses fundamentos, cabe mencionar, quanto à soberania, que, na visão de José Afonso da Silva, por ser um conceito inerente ao Estado, não necessitaria constar no texto da Constituição como seu fundamento65.

Por outro lado, Alberto Silva Franco explica que

60 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max

Limonad, 1997, p.53-54.

61 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

construção do novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.482.

62 Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988: Preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro,

reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem -estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

63 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.114. 64 Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988: Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

(27)

Soberano é o Estado que, na ordem interna, não está limitado por nenhum poder político e, na ordem externa, está em pé de igualdade com outros Estados. A referência à soberania pode parecer, à primeira vista, de todo dispensável, se se levar em conta que está inserida na área de significado do conceito de Estado, a ideia de um poder político superior e independente. Mas, para efeito de identificação do tipo de Estado adotado, guarda especial relevância a menção ao titular dessa soberania. Sob essa ótica, o texto constitucional (parágrafo único do artigo 1º) é bastante explícito: o povo é o titular da soberania e o exercício desse poder político supremo depende de uma legitimação democrática.66

Desse modo, apresenta-se a soberania não apenas como uma qualidade do Estado, mas também do povo na relação com outros Estados. Além disso, tem o significado mais abrangente de identificação de uma individualidade cultural, política e social, representando uma distinção do Estado Democrático de Direito brasileiro67.

2.2.2 Cidadania

Em seu conceito histórico antecedente, remetendo à concepção que atualmente temos de nacionalidade, a cidadania significava a condição de membro de uma comunidade, daquele que recebia o status de cidadão dotado de privilégios

exercidos em troca de deveres e obrigações impostas pelos governantes68.

Em sua forma atual, uma vez observada a longa luta pela efetivação não somente dos direitos políticos, mas também de superação do “abismo entre a classe pobre de operários, sujeitos a condições desumanas de trabalho, com salários miseráveis, relegados à própria sorte, e a classe alta, [...] que concentrava as riquezas e demais direitos sociais69, conforme discorre Marco Antonio Marques da

Silva, a cidadania

implica o reconhecimento e exercício de extenso conjunto de direitos e deveres, cuja efetivação só se torna possível no Estado Democrático de Direito, que tem por fundamento o desenvolvimento social e econômico igualitário, de modo a promover a dignidade da pessoa humana [...]. Assim, o reconhecimento do Estado como instrumento posto à conformação social e do cidadão como seu elemento essencial, estabelece, como primazia, o dever de respeitar os direitos fundamentais e proporcionar as condições

66 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos.5.ed.São Paulo: RT, 2005, p.56.

67 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais: tipo, tipicidade e bem

jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.40.

68 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.232.

69 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

(28)

para o seu exercício.70

Nas palavras de Alberto Silva Franco,

Todo participante do convívio social deve ser um cidadão, não apenas no sentido de ser portador de direitos políticos (votar e ser votado), mas também e, principalmente, no de ser reconhecido como pessoa integrada na estrutura social. Um Estado será tanto mais democrático quanto mais cada cidadão otimize o grau de participação na vida e nas decisões societárias.71

Como conceito inerente ao Estado Democrático de Direito, da forma como observa José Afonso da Silva, o fundamento da cidadania foi posto na Constituição brasileira em seu sentido amplo, relacionando-se não somente com a consideração do cidadão como titular dos direitos políticos (sufrágio universal, direto e secreto, conforme artigo 14 da Constituição72), mas qualificando os participantes da vida do Estado, reconhecendo o indivíduo como pessoa integrada na sociedade, vinculando o funcionamento do Estado à vontade e a soberania popular73, conforme estipulado

no parágrafo único, do artigo 1º da Constituição74.

Somam-se, assim, ao conteúdo da cidadania, o atributo da nacionalidade, o exercício dos direitos políticos e de participação e dos demais direitos individuais e sociais necessários para uma vida digna e inerentes a todos os membros da comunidade internacional75.

Deve-se compreender, porém, que a plenitude da cidadania e dos direitos fundamentais a ela inerentes não se realiza somente em razão de sua previsão no texto constitucional. Tendo o Estado o dever de assegurá-los, a ele não incumbe exclusivamente sua concretização, tornando-se indispensável além da participação popular nas tomadas de decisões, “resgatar o que está implícito em sua estrutura

70 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.233.

71 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos.5.ed. São Paulo: RT, 2005, p.56.

72 Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988: Artigo 14. A soberania popular será exercida pelo

sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular.

73 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.106-

107.

74 Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

75 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

(29)

democrática, de conquistas através de lutas sociais”76, implicando nos deveres que a

convivência em sociedade impõem e na reivindicação de direitos.

2.2.3 Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito brasileiro. Centro valorativo dos direitos consagrados pela Constituição da República de 1988, veio prevista como fundamento do Estado (artigo 1º, III) e da ordem econômica, do planejamento familiar e do dever de amparo à pessoa idosa (artigos 170, 226, §7º, 23077).

A despeito do caráter compromissário da Constituição, na acepção de Jorge Miranda, a “unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais [...] repousa na dignidade da pessoa humana [...], na

concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”78.

Remontando a Roma antiga, à Idade Média e até o surgimento do Estado de Direito liberal, a dignidade da pessoa humana foi, num primeiro enfoque, um

conceito “associado ao status pessoal de alguns indivíduos ou à proeminência de

determinadas instituições”79. Nesse sentido primitivo, a concepção de dignidade

humana relacionava-se aos indivíduos de determinadas classes hierarquizadas, como a nobreza e o clero, ligando-se aos privilégios de categorias de indivíduos próprias de largo período histórico.

A construção da atual noção de dignidade humana não se relaciona com esse primeiro sentido exposto. Suas principais referências são fruto de conceitos da

76 SILVA, Marco Antonio Marques da. Cidadania e democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade

humana. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.234.

77 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 170. A ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]. Artigo 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. [...] Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem -estar e garantindo-lhes o direito à vida.

78 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.166.

79 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

(30)

tradição religiosa judaico-cristã, do Iluminismo e da reação da comunidade internacional aos horrores da Segunda Guerra Mundial80.

Nessa linha evolutiva, do ponto de vista da tradição judaico-cristã,

[...] as ideias centrais que estão no âmago da dignidade humana podem ser encontradas no Velho Testamento, a Bíblia Judaica: Deus criou o ser humano à sua própria imagem e semelhança (imago Dei) e impôs sobre cada pessoa o dever de amar o seu próximo como a si mesmo.81

Dessa semelhança entre o homem e Deus brota, necessariamente, a dignidade que é característica de ambos. Nesse sentido, como observa Jorge Miranda, com o advento do Cristianismo “todos os seres humanos, só por o serem e sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente

valor”82. Assim, dada a larga influência que a tradição judaico-cristã exerceu na

civilização ocidental, nada obstante o processo de constante secularização da sociedade, enfatiza-se a importância desses postulados para a formação da atual concepção de dignidade humana83.

Do ponto de vista filosófico, colocando o homem no centro do mundo e associando-o à razão e à capacidade de tomar decisões morais, em 1486, ainda que com profundas referências religiosas, veio a lume a Oração Sobre a Dignidade do Homem, de Pico della Mirandola. Considerado marco fundador do humanismo renascentista84, dizia o manifesto:

Decretou o ótimo Artífice que àquele ao qual nada de próprio pudera dar, tivesse como privativo tudo quanto fora partilhado por cada um dos demais [...]. As outras criaturas já foram prefixadas em sua constituição pelas leis por nós instituídas. Tu, porém, não estás coarctado por amarra nenhuma. Antes, pela decisão do arbítrio, em cujas mãos depositei, hás de determinar a sua compleição pessoal. Eu te coloquei no centro do mundo, a fim de poderes inspecionar daí, de todos os lados, da maneira mais cômoda, tudo que existe.85

80 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.14.

81 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.15.

82 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada,

1993, p.17.

83 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.16.

84 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.17.

85 MIRANDOLA, Pico della. A dignidade do homem. Tradução de Luiz Feracine. Campo Grande: Solivros;

(31)

Expressão também dessa visão de mundo pela qual o ser humano e a razão possuem um lugar e um papel central no universo, Immanuel Kant (1724-1804), um dos mais importantes filósofos do Iluminismo, exerceu larga influência na filosofia moral e jurídica do Ocidente. De suas reflexões são extraídas noções elementares para a compreensão do sentido e do alcance da dignidade humana tal como se apresenta nos dias atuais.

Em síntese, como apontado por Luís Roberto Barroso,

Para Kant, o indivíduo é governado pela razão, e a razão é a representação correta das leis morais, sendo que o princípio supremo da moralidade consiste em cada indivíduo dar a si mesmo uma lei que poderia se tornar universal, uma lei objetiva da razão, sem nenhuma concessão a motivações subjetivas. A dignidade, por sua vez, dentro da visão kantiana, tem por fundamento a autonomia. Em um mundo no qual todos pautem a sua conduta pelo imperativo categórico – no ‘reino dos fins’ [...] tudo tem um preço ou uma dignidade. As coisas que tem preço podem ser substituídas por outras equivalentes. Mas quando uma coisa está acima de todo preço e não pode ser substituída por outra equivalente, ela tem dignidade. Assim é a natureza singular do ser humano.86

Desse modo, da máxima kantiana “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outra, sempre e

simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”87, decorre a

obrigação de jamais considerar o ser humano como coisa, objeto ou instrumento para atingir qualquer finalidade. Isto, porque, por ser dotado dessa específica singularidade, o ser humano “possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição

especial no universo”88.

A respeito dessa natureza particular, consoante Fabio Konder Comparato, destaca-se que:

[...] todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais.89

86 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.71.

87 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução portuguesa. Coimbra, 1960, p.76

apud MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos fundamentais. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.173.

88 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.14.

89 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

(32)

Como ressalta Jorge Miranda, importante notar que é apenas a partir do século XVIII que o conteúdo da dignidade humana aparece relacionado aos direitos

fundamentais. Todavia, a “ligação jurídico-positiva” entre direitos fundamentais e

dignidade humana inaugura-se apenas com o surgimento do Estado Social e, mais rigorosamente, a partir das constituições e dos documentos internacionais surgidos no segundo pós-guerra90.

Nesse sentido, a reação da comunidade internacional em face das atrocidades praticadas pelos regimes autoritários do século XX, como acentuado por Luís Roberto Barroso, resultou na caracterização da dignidade humana em “uma das bases para uma longamente aguardada era de paz, democracia e proteção dos

direitos humanos”91. A dignidade humana, desse modo, foi incorporada não

somente no discurso político das nações vitoriosas, mas também aos textos constitucionais e a documentos internacionais sobre direitos humanos.

No plano dos documentos internacionais, destaca-se a previsão contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que reconhece, logo em seu artigo 1º, a dignidade humana como inerente a todos os seres humanos: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade92.

Também em seu preâmbulo, a Declaração de 1948 destaca “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Diversas Constituições ao redor do mundo adotaram em seus textos os postulados do reconhecimento e da proteção da dignidade humana. Como exemplos, Luís Roberto Barroso apresenta os casos de países como Alemanha, Itália, Japão, Portugal, Espanha, África do Sul, Suécia e Brasil, entres outros,

90 MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos humanos. In:

(Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.168.

91 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.18-19.

92 Muitos outros documentos internacionais consagraram a dignidade humana: Carta da ONU de 1945,

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