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Direito ao protesto, pluralismo, cidadania e participação política

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 96-100)

4 DIREITO AO PROTESTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL 1 Sobre os direitos de liberdade

4.5 Direito ao protesto, pluralismo, cidadania e participação política

Nos termos da Constituição da República de 1988, todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (artigo 1º, parágrafo único). De acordo com o texto constitucional, a soberania popular será exercida por meio do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, mediante a participação em plebiscitos, referendos e iniciativas populares (artigo 14)340.

Contudo, o direito de participação dos cidadãos na formação do poder e da vontade política dos Estados não se restringe ao exercício desses direitos políticos preconizados pelo artigo 14 da Constituição da República de 1988.

Como instrumento eficaz para o fortalecimento e consolidação dos regimes democráticos, o direito ao protesto revela-se como um direito que permite a participação dos cidadãos nos processos políticos estatais e é por meio dele que os cidadãos podem se expressar no curso dos mandatos eletivos, individual ou coletivamente, sobre seu descontentamento a respeito de decisões políticas dos governantes, apresentar suas reivindicações, transmitir apoio ou contestar as políticas adotadas pelo Estado.

338 CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Informe 2005. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/temas/social.asp>. Acesso em: 15 out.2015.

339 CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Informe 2005. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/temas/social.asp>. Acesso em: 15 out.2015.

340 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.701.

Por tais razões, o direito ao protesto, como instrumento de participação política, relaciona-se com o pleno exercício da cidadania, da soberania popular, do pluralismo político e da dignidade humana, fundamentos do Estado brasileiro.

Conforme palavras do Relator Especial sobre o Direito à Liberdade de Reunião Pacífica e Associação da Organização das Nações Unidas,

Democracia envolve mais do que o mero exercício do direito ao voto. Para que a democracia floresça, deve-se garantir às pessoas todo o espectro de direitos e liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de expressão e associação, como meios de influenciar as políticas públicas do Estado.341

No mesmo sentido, o posicionamento de António Francisco de Sousa:

As liberdades de reunião e de manifestação são, pois, direitos democráticos e de luta política fundamentais no moderno Estado de Direito Democrático. O estatuto ativo do cidadão livre permite-lhe participar do procedimento decisório por meio do exercício de direitos de participação e colaboração. Os direitos de reunião e de manifestação estão, pois, intimamente ligados ao processo de formação democrática da vontade. O cidadão tem o direito de participar na formação da vontade política não apenas por ocasião das eleições, mas de forma permanente. A liberdade de reunião e de manifestação é, pois, reflexo direto da soberania popular e apresenta-se como meio privilegiado para despertar o interesse e a participação no processo de formação da vontade política. Por conseguinte, as reuniões e manifestações são elementos vitais da democracia e sedes da soberania popular.342

Para Maria Lídia de Oliveira Ramos, a liberdade de manifestação é um dos meios de que os cidadãos dispõem para afirmarem as suas crenças e reivindicarem os seus direitos, através da prática da democracia direta343. Quanto ao

papel exercido pelo cidadão, observa Geraldo Ataliba,

Se o cidadão, cada cidadão, é dono de uma fração ideal da res publica, pode e deve aplicá-la nos fins que bem entender. Sendo todos iguais e livres [...] podem manifestar seus desejos e pensamentos em torno da coisa pública, como lhes aprouver. Daí que a verdadeira república democrática, assegurando o direito de opinião, de pensamento, de crença, de associação, de informação, etc. deva estender ao plano da cidadania, sem restrições, o direito de dissentir, divergir, discrepar da maioria.344

341 ARTIGO 19. As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015. São Paulo: Artigo 19, 2015, p.186.

342 SOUSA, António Francisco de. Reuniões e manifestações no Estado de Direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.43.

343 RAMOS, Maria Lídia de Oliveira. O direito de manifestação. Revista de História. v.IX, p.351-391. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989, p.362.

344 ATALIBA, Geraldo. O Judiciário e as minorias. Revista de Informação Legislativa. v.24, nº96, p.189-194, out.-dez. Brasília: Senado Federal, 1987, p.191.

Nesse sentido, como observa Antonio Francisco de Sousa, “a liberdade de reunião e de manifestação é o alimento indispensável à sobrevivência da sociedade democrática, verdadeira janela por onde se fazem ouvir as minorias que não gozam dos privilégios das maiorias”.345

Ao destacar que o específico direito fundamental da liberdade de expressão funciona como uma proteção da autodeterminação democrática da comunidade política e da preservação da soberania popular, Marco Aurélio Mello afirma que é por meio dela “que ocorre a participação democrática, a possibilidade de as mais diferentes e inusitadas óticas serem externadas de forma aberta, sem o receio de, com isso, contrariar-se a opinião do próprio Estado ou mesmo a opinião majoritária”346. Para o autor, a liberdade de expressão

Serve como instrumento decisivo de controle da atividade governamental e do próprio exercício do poder [...]. À proporção que se forma uma comunidade livre de censura, com liberdade para exprimir os pensamentos, viabiliza-se a crítica desimpedida, mesmo que contundente, aos programas de governo, aos rumos políticos do país, às providências da administração pública. Enfim, torna-se possível criticar, alertar, fiscalizar e controlar o próprio exercício dos mandatos eletivos.347

Debruçando-se sobre a específica análise do alcance da liberdade de reunião, Konrad Hesse enfatiza tratar-se de um meio de luta política que oferece a possibilidade de os cidadãos exercerem influência sobre o processo político e para o desenvolvimento de iniciativas e alternativas pluralistas ou, também, para a crítica ou o protesto348.

Conforme entendimento veiculado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº187/DF,

[...] há, entre as liberdades clássicas de reunião e de manifestação do pensamento, de um lado, e o direito de participação dos cidadãos na vida política do Estado, de outro, um claro vínculo relacional, de tal modo que passam eles a compor um núcleo complexo e indissociável de liberdades e de prerrogativas político-jurídicas, o que significa que o desrespeito ao direito de reunião, por parte do Estado e de seus agentes, traduz, na

345 SOUSA, António Francisco de. Reuniões e manifestações no Estado de Direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.43.

346 MELLO, Marco Aurélio. Liberdade de expressão, dignidade humana e Estado democrático de Direito. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.240.

347 MELLO, Marco Aurélio. Liberdade de expressão, dignidade humana e Estado democrático de Direito. In: (Coords.) SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.239.

348 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p.313.

concreção desse gesto de arbítrio, inquestionável transgressão às demais liberdades cujo exercício possa supor, para realizar-se, a incolumidade do direito de reunião, tal como sucede quando autoridades públicas impedem que os cidadãos manifestem, pacificamente, sem armas, em passeatas, marchas ou encontros realizados em espaços públicos, as suas ideias e a sua pessoal visão de mundo, para, desse modo, propor soluções, expressar o seu pensamento, exercer o direito de petição e, mediante atos de proselitismo, conquistar novos adeptos e seguidores para a causa que defendem.349

Desse modo, conforme manifestação de José Joaquim Gomes Canotilho, “ao pressupor a participação igual dos cidadãos, o princípio democrático entrelaça- se com os direitos subjetivos de participação e associação, que se tornam, assim, fundamentos funcionais da democracia.”350

349 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº187/DF. Relator: Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. Brasília, 15 jun. 2011. Diário da Justiça Eletrônico, n. 121, 27 jun. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2691505>. Acesso em: 15 ago.2015, p.14.

350 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p.280.

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 96-100)