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Contraditório e ampla defesa

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 52-57)

3 PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1 Notas introdutórias

3.3 Princípios constitucionais orientadores do direito processual penal No âmbito do poder punitivo, tanto no que se refere ao direito penal como

3.3.2 Contraditório e ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa decorrem diretamente do princípio do devido processo e encontram-se disciplinados conjuntamente no artigo 5º, LV, da Constituição de 1988, que assim dispôs: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Quanto ao princípio do contraditório, revela-se como o exercício da democracia, da participação das partes, no âmbito processual. Para a resolução do conflito instalado entre o poder-dever de punir do Estado e o direito de liberdade do indivíduo, as partes atuam, numa relação dialética, expondo suas teses antagônicas177.

Marco Antonio Marques da Silva defende tratar-se de um princípio absoluto: qualquer violação leva à existência de nulidade processual; refere-se, num primeiro plano, ao direito a ter acesso à informação sobre o inteiro teor da imputação formulada pelo órgão da acusação, do que decorre também a possibilidade de ampla defesa178. E prossegue, esclarecendo que

[...] inexistente o conhecimento da acusação formulada, se determinaria ao réu, além de ausência de defesa, a impossibilidade de sequer opor uma versão diferente daquela apresentada pela acusação, visto ignorá-la.179

175 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.68.

176 ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos aplicada ao processo penal. 2.ed. Florianópolis: Empório do Direito e Rei dos Livros, 2015, p.62-64.

177 CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica v.I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.320.

178 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.18.

179 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.18.

A possibilidade de reação das partes atuantes no processo, de pleno e efetivo exercício do contraditório, nasce do acesso às informações constantes dos autos. O contraditório deve ser pleno, no sentido de que deve ser exercido durante todas as fases do processo penal, durante todo o seu desenrolar, até o encerramento. Deve também ser efetivo, dando-se às partes não a mera possibilidade formal de se pronunciar sobre as informações postas nos autos pela parte contrária, mas proporcionando os meios para que existam condições reais de contrariá-las, o que se dá mediante a paridade de armas entre as duas partes180.

Quanto à necessidade de disponibilização das informações postas no processo pela acusação, deve-se ter em mente que ao acusado deve ser dada a garantia de tomar delas conhecimento de modo explícito e efetivo. Nesse sentido, a imputação formulada deve ser certa, clara, expressa e completa, constando todas as informações sobre os dados históricos e as provas existentes, dando-se ao acusado a possibilidade de contrariar a acusação em espaço de tempo apto para promover sua defesa, o que inclui formular argumentos e produzir contraprova, visando convencer o órgão julgador181.

Marco Antonio Marques da Silva destaca, além disso, que dessa informação contida na formulação acusatória decorre uma limitação ao âmbito dos debates no curso do processo e no julgamento. Trata-se do princípio da correlação entre a acusação formulada e a sentença182.

Infere-se, assim, conforme os ensinamentos apresentados, que no Estado Democrático de Direito o princípio do contraditório, em síntese, relaciona-se a dois conteúdos centrais: o acesso à informação e à possibilidade de reação por ambas as partes, acusação e defesa.

Correlacionado ao princípio do contraditório está o princípio da ampla defesa, qualificado, conforme o texto constitucional, pela possibilidade de se utilizar todos os meios e recursos a ela inerentes.

180 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.52-53.

181 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.18-19.

182 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.19.

De acordo com Rogerio Lauria Tucci, por indicar o texto constitucional que o princípio se refere aos acusados em geral, inclui o indiciado, o acusado e também o condenado183. A esse respeito, conclui o autor:

[...] à evidência que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação de ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contraditoriedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou de execução, seja absolutória ou condenatória a sentença proferida naquele.184

O princípio da ampla defesa, contudo, é também uma garantia da própria justiça: tendo em vista a existência de um interesse público de que todos os réus sejam defendidos, apenas assim é assegurado o efetivo contraditório, sem o qual não se pode atingir uma solução justa185.

Sobre este princípio, Marco Antonio Marques da Silva destaca a peculiaridade de que deve ser exercida a ampla defesa do acusado por quem tenha formação técnico-jurídica, da mesma forma como se dá com o órgão da acusação, sob pena de violação do tratamento paritário entre as partes186.

Nesse ponto, trata-se da necessidade de que a defesa do réu seja técnica, realizada por advogado ou pela defensoria pública, atuando em todas as fases da persecução penal, incluindo-se, conforme Rogério Lauria Tucci, a fase pré- processual187, o que está em consonância com o artigo 5º, LXIII, da Constituição de

1988, com o seguinte teor: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Sobre a defesa técnica, nas palavras de Antonio Scarance Fernandes,

Não se pode imaginar defesa ampla sem defesa técnica, essencial para garantir a paridade de armas. De um lado, tem-se, em regra, o Ministério Público composto de membros altamente qualificados e que conta, para auxiliá-lo, com a Polícia Judiciária, especializada na investigação criminal. Deve, assim, na outra face da relação processual, estar o acusado

183 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.174.

184 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.175-176.

185 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.254.

186 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.19.

187 A Súmula vinculante 14, do Supremo Tribunal Federal preceitua que “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

amparado também por profissional habilitado, ou seja, por advogado.188

A defesa técnica, por conseguinte, deve ser plena, garantindo-se a contraposição à acusação, consubstanciada no contraditório por meio do acesso às informações, na garantia do direito à prova validamente obtida ou produzida189, na

participação presencial do advogado ou do defensor em audiência, na garantia do duplo grau de jurisdição e na necessidade inafastável de atuação do defensor nos momentos culminantes do processo, do que são exemplos as alegações finais, as razões ou contrarrazões recursais190.

Sobre o duplo grau de jurisdição, Afrânio Silva Jardim manifesta-se no sentido de ser renunciável o direito ao recurso. No entanto, essa renúncia deve vir acatada tanto pelo réu, quanto pelo defensor constituído. No seu dizer, “basta que um deles deseje a via recursal para que se abra o duplo grau de jurisdição para a defesa”191.

A defesa técnica deve, ainda, ser exercida de modo efetivo, sendo inadmissível e passível de ser anulado o processo no qual se verifique a deficiência de defesa manifestando prejuízo para o acusado192.

Ademais da defesa técnica, que é irrenunciável, o princípio da ampla defesa correlaciona-se, também, com a autodefesa. O papel da defesa técnica não exclui a participação do acusado nas atividades defensivas, que poderá apresentar a sua versão dos fatos e contribuir na formação dos elementos de prova. Por essas razões, Antonio Magalhães Gomes Filhos destaca a fundamental importância do interrogatório como instrumento de autodefesa e a presença do réu nos atos instrutórios do processo193.

Ainda quanto à autodefesa, que pode ser renunciada apenas pelo acusado, Aury Lopes Junior a classifica como uma atividade positiva, como no caso do interrogatório em que o réu se propõe a falar, ou como uma atividade negativa, nos casos em que o imputado se negar a falar e a produzir qualquer prova contra si,

188 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.252-253.

189 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.176.

190 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.254.

191 JARDIM, Afranio Silva; AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Direito processual penal: estudos e pareceres. 13.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p.410.

192 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.256. 193 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p.44.

como ocorre nas intervenções corporais, na reconstituição do fato, no fornecimento de material para exame grafotécnico194.

Por essas razões, o autor localiza o direito ao silêncio, previsto no artigo 5º, LXIII195, da Constituição da República de 1988, no conteúdo da ampla defesa (autodefesa negativa), destacando que é cabível tanto nos casos em que o sujeito esteja preso, como nos casos em que esteja respondendo à persecução penal em liberdade196.

O direito ao silêncio também está previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, que preceitua que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar- se culpada (artigo 8, 2, g).

Nesse sentido, a cláusula do direito ao silêncio ou do direito de não se autoincriminar decorre também do princípio da ampla defesa, não podendo o suspeito ou o acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo197.

Em consonância com o princípio da ampla defesa, estão os postulados constitucionais sobre a determinação de que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (artigo 5º, LXXIV), de que o advogado é indispensável para a administração da justiça (artigo 133198) e da defensoria pública como órgão essencial para a função jurisdicional do Estado (artigo 134199).

A par destas determinações constitucionais, Marco Antonio Marques da Silva enfatiza que a Defensoria Pública é de fundamental importância “para que o direito de acesso à justiça se concretize, dotando tanto os cidadãos carentes de recursos econômicos, quanto carentes de informação técnico-jurídica, de meio para

194 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.232.

195 BRASIL. Constituição Federal. (1988): LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

196 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.232-235.

197 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.261.

198 Artigo 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

199 Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do artigo 5º desta Constituição Federal.

conhecer e exercitar todos os direitos constitucionais ou ordinariamente garantidos”200.

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 52-57)