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Culpabilidade e individualização da pena

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 69-72)

3 PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1 Notas introdutórias

3.3 Princípios constitucionais orientadores do direito processual penal No âmbito do poder punitivo, tanto no que se refere ao direito penal como

3.3.10 Culpabilidade e individualização da pena

Pelo princípio da culpabilidade consagra-se no direito penal a responsabilidade penal subjetiva. Luiz Luisi verifica que, em tempos remotos a responsabilidade pela prática de uma infração penal tinha caráter objetivo. Demonstrado que o autor do fato causou o evento danoso, não se indagava se o dano causado foi produto de sua vontade250. Nas palavras de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, “todo direito penal primitivo caracteriza-se por responsabilizar fundamentalmente em razão da produção de um resultado e raramente dar importância ao aspecto subjetivo da conduta”251.

Eugenio Raúl Zaffaroni enfatiza que o princípio da culpabilidade é, na atualidade, o mais importante dos princípios que derivam do Estado de Direito, pois que sua violação representa o desconhecimento da essência do conceito de pessoa. Alguns doutrinadores seguem o mesmo entendimento:

Imputar um dano ou perigo ao bem jurídico sem a prévia constatação do vínculo subjetivo com o autor (ou impor uma pena baseada apenas na causação) equivale a rebaixar o autor à condição de coisa causante.252

Luiz Luisi aponta que o princípio da culpabilidade foi consagrado pela Constituição da República de 1988 por meio de seu artigo 5º, XVII (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória) e também pelo inciso XLVI (individualização da pena253). Conforme o autor, ao dar

relevância constitucional para o princípio da culpabilidade “o nosso ordenamento jurídico que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana põe como centro do nosso direito penal o homem, visto como um ser livre, ou seja, capaz de autodeterminar-se254.

Para Renê Ariel Dotti, o princípio da culpabilidade extrai-se da norma constitucional que consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro255.

250 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p.32. 251 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 5.ed. São Paulo: RT, 2004, p.497.

252 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro I. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.245.

253 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p.37. 254 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p.38. 255 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.136.

Diante das considerações anteriores, por um lado, a condenação ao cumprimento de uma pena pressupõe seja provada e declarada a culpabilidade de um agente autor ou partícipe de um fato típico e antijurídico. De outra parte, é “inquestionável que a individualização da pena, no seu aspecto judicial, ou seja, na aplicação da pena a um réu, tem como base fundamental a culpabilidade”256. Em

suma, é a culpabilidade que vai tornar viável a condenação, a escolha da pena, nos casos em que existem alternativas, e a sua quantificação.

Conforme o entendimento de Nilo Batista:

o princípio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve igualmente ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada causalmente a um resultado, lhe seja reprovável [...]. Para além de simples laços subjetivos entre o autor e o resultado objetivo de sua conduta, assinala-se a reprovabilidade da conduta como núcleo da ideia de culpabilidade, que passa a funcionar como fundamento e limite da pena.257

Desse modo, num primeiro plano, assiná-la o autor que o princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal, descabendo, na atual quadra histórica, a responsabilidade penal objetiva oriunda somente da associação entre uma conduta e o resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico258. E avança enfatizando que as consequências da responsabilidade penal remetem também à intranscendência e à individualização da pena:

A intranscendência impede que a pena ultrapasse a pessoa do autor do crime (ou, mais analiticamente, dos autores e partícipes dos crimes). A responsabilidade penal é sempre pessoal. Não há, no direito penal, responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva. Nada pode, hoje, evocar a infâmia do réu que se transmitia a seus sucessores [...]. Por individualização se entende aqui especialmente a individualização judicial, ou seja, a exigência de que a pena aplicada considere aquela pessoa concreta à qual se destina.259

Com base nas considerações de Nilo Batista, conclui-se que o princípio da culpabilidade também se extrai da norma constitucional que enfatiza: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado (artigo 5º, XLV)”.

256 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p.37. 257 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.103. 258 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.104. 259 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p.104- 105.

Em síntese, ao assinalarem que o princípio da culpabilidade se reveste de importância como princípio limitador da atividade punitiva estatal, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli acentuam que as violações a esse princípio (nullum crimen sine culpa) não se verificam apenas quando se pune uma conduta apenas em razão de ter causado um resultado (responsabilidade objetiva), mas também quando a pena é agravada pelo mesmo motivo260.

No contexto da temática abordada na presente pesquisa, a retomada do catálogo de princípios atinentes à atividade punitiva estatal mostra-se relevante especialmente porque, da forma como veremos no próximo Capítulo, no cenário brasileiro, em diversas ocasiões, esse quadro de princípios processuais penais vem sendo subvertido nos casos em que manifestações populares são considerados pelo Estado como condutas criminosas e não como exercício dos direitos de participação, de expressão, de reunião e de protesto.

260 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 5.ed. São Paulo: RT, 2004, p.498.

4 DIREITO AO PROTESTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 69-72)