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Um Gramsci para o século XXI

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D O S S IÊ G R A M S C I

U M G R A M S C I P A R A O S É C U L O X X I

B a s e s te ó ric a s d a

c o n c e p ç ã o d a p o lític a e

d o E s ta d o m o d e rn o s

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

em Gramsci

LUCIO OllVER COSTILLA*

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir, com Gramsci e a partir de suas contribuições teóricas nos escritos do cárce-re, sobre três grandes temáticas: 1) as bases de uma con-cepção crítica da política e do Estado modernos; 2) a problemática da ampliação do Estado e da fórmula de hegemonia civil, assim como os novos elementos da ciên-cia política que trazem consigo e, 3) as peculiaridades da complexa noção de sociedade civil e de sociedade auto-regulada.

ABSTRACT

The objective of this article is to reflect on Grarnsci's theoretical contributions in the prison notes, on three major themes: 1. the bases for a critica I conception of polítics and modem state, 2. the state expansion and the civil hegemony formula, as well as, how new política I science reflections treated these themes and 3. the peculiarities of the complex notions of civil society and self-regulated society.

'Doutor em Sociologia, professor titular da Universidade Autônoma do México (UNAM) e Professor Visitante, no

Departamento de Ciências SociaisZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAI Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do

Ceará (2002-2004).

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

caderno especial 13 (Grarnsci, 2000, vol. III,

caderno 13), intitulado

"Breves notas sobre a

política de M aquiavel", é

dedicado, por inteiro, às questões da política e do

Estado m odernos. Nele,

Gram sci faz a crítica da política ocidental e estabelece

o estatuto teórico do Estado e da política na sociedade

m oderna.

Desde a prim eira nota

do caderno 13, Gram scí se

debruça sobre o significado

e o papel da vontade política na sociedade ocidental

m oderna, que, para ele, não é um fato dado, e

sim um processo: "o processo de form ação de

um a determ inada vontade coletiva, para um

determ inado fim político" (Ibid, p. 13). Analisam os alguns aspectos da nota para

dilucidar com o este autor com preende a política

e suas com plexidades na sociedade m oderna,

política que é espaço da iniciativa e da vontade

dos hom ens m odernos para conservar ou transform ar o m undo real.

Na nota m encionada, a m ais conhecida

obra de M aquiavel, O

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

P ríncipe, de inícios do século XVI, é posta por Gram sci com o exem plo

de um a proposta histórica de construção de um a

vontade, ao m esm o tem po m ítica, teórica e

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política: para criar um a

vontade coletiva nacional

popular, processo que, no

caso da criação de um Estado Nacional italiano, levou peito

de quatro séculos]. Na Itália

do século :XX, a referência a

O P ríncipe, de M aquiavel, era um a bandeira de luta

entre as diferentes forças políticas para construir um a

vontade política nacional de

superação conservadora ou

revolucionária da crise do Estado de com prom ísso-.

Sem considerar as

peculiaridades políticas-organízatívas- dessa vontade

política, é preciso esclarecer

que, para Gram sci, a

pro-curada vontade política

nacional popular só poderia

ser um a expressão das tendências históricas

concretas: a vontade com o 'consciência' da necessidade histórica", isto é, um a vontade que

opera 'de acordo' com as necessidades históricas.

Necessidades que, evidentem ente, para inícios do

século :XX, eram outras, se com paradas às da

época de M aquiavel".

Para Gram sci, tais necessidades histórica

teriam de ser encam inhadas no sentido de

superação radical da contradição entre Noite e

Sul, para construir um novo Estado unitário com unista e novas estruturas econôm íco-socíai

alternativas ao capitalism o, os quais não iriam

se im por com o resultado natural do m ovim ento

econôm ico, e sim precisavam da vontade política.

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- '- '

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Refletindo sobre a organização final que

ele gostaria de dar ao desenvolvim ento posterior

do Caderno 13, Gram sci diz:

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

U m a d a s p rim eira s p a rtesZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd e u e r ia p re-cisa m en te ser d ed ica d a à 'vo n ta d e co

-letiva ' a p resen ta n d o a q u estã o d o seg u in te m o d o : q u a n d o ép o ssível d i-zer q u e existem a s co n d içõ es p a ra q u e se p o ssa cria r e se d esen vo lver u m a u o n ta d e co letiva n a cio n a l-p o p u la r? (17)6. (Ele m esm o responde): A s co n d i-çõ es p o sitiva s d evem ser b u sca d a s n a existên cia d e g ru p o s so cia is u rb a n o s, a d eq u a d a m en te d esen vo lvid o s 110ca m -p o d a p ro d u çã o in d u stria l e q u e

te-n h a m a lca n ça d o u m d eterm in a d o n ível d e cu ltu ra h istó rico -p o lítico . Q u a

l-q u e r f o r m a ç ã o d e u m a vo n ta d e n a ci-o n a l p ci-o p u la r é im p o ssível se a s g ra n d es m a ssa s d o s ca m p o n eses cu ltiu a d o res não irro m p em sim u lta n ea m en te n a vid a p o lítica (1 8 ).

Chegam os, assim , ao ponto inicial de

debate: esclarecer por que Grarnsci dá tanta

im portância à questão de explicitar as características, condições e dificuldades do

processo de form ação de um a vontade coletiva

nacional popular, ao m esm o tem po ética e

política"? Evidentem ente, tudo parte da sua valoração da 'vontade', ela 'política' e ela "ética",

com o elem entos necessários, básicos, operosos na sociedade capitalista.

O que é a 'vontade', senão "um ato que

pode ser ou não praticado em obediência a um

im pulso ou a m otivos ditados pela razão'?". Para

se realizar a 'vontade' elos indivíduos e dos grupos sociais, tem que haver previam ente a possibilidade

da existência de tais atos na sociedade. Qual é

essa possibilidade, que estabelece o fundam ento

da vontade política? No final, a pergunta de fundo

é: o que é a política e a vontade política na sociedade m oderna e quais são seus fundam entos

e suas opçóesi"

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

PEF IÓDICOS

A preocupação do prisioneiro do fascism o é a superação desse Estado em crise e a

transform ação da sociedade capitalista italiana,

dos anos trinta do século XX, por m eio de um a política orientada para a fundação de um novo

Estado (que fosse um poder em vias de

dissolução) e de novas estruturas econôm icas e

sociais coletivistas. Para Gram sci, se não fosse

criada um a vontade coletiva nacional popular orientada para esse fim político, o m ovim ento

dos trabalhadores industriais poderia perm anecer

prolongadam ente -perm anentem ente - num nível

de força local 'econôrnico-corporativa', podendo chegar inclusive, pela própria dinâm ica de crise

contínua das relações sociais capitalistas, até o

nível geral de solidariedade de classe nacional,

em luta variegada contra o capital (Holloway,

2003), sem por isso os trabalhadores serem

capazes de se desenvolver com o classe dirigente

da sociedade e sem capacidade de dar a esta

um rum o alternativo. Daí a im periosa necessidade

da criação - histórica, política, ideológica - de LIm a "vontade política coletiva nacional popular"

capaz de alcançar o fim político de fundação

de um novo Estado e nova estrutura econôm

ico-social. Gram sci leva para o concreto da história

política do século XX um a tendência social já anteriorm ente definida por M arx, nas lutas

sócio-políticas do século XIX1O. E, nesse sentido,

Gram sci aprofunda histórica e politicam ente as

colocações de M arx , nas condições das sociedades européias de inícios do século XX.

Para Gram sci, no capitalism o, os estados nacionais não aparecem configurados na história

com o conseqüência im ediata e autom ática do

desenvolvim ento das relações sociais capitalistas

m ercantis, m uito em bora se m anifestem com o

coisa 'natural', isto é, decorrente da necessidade de garantir, pela força e pelo consenso, o nexo

social m ercantil, o desenvolvim ento do m ercado interno capitalista e a ordem social capitalista.

Aqui é oportuno lem brar a argum entação teórica

de M arx, segundo a qual, no capitalism o,

o próprio desenvolvim ento das capacidades

produtivas dos hom ens e a contínua divisão do

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zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

trabalho m ercantil criam o (poder do) dinheiro e (do) Estado, com o 'com unidade abstrata,

ilusória e estranhada'

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(M arx, 1846, M arx 1857), opondo indivíduo m ercantil às relações sociais

que reproduzem o intercâm bio e a valorização

do valor. M as, para Gram sci, as relações m ercantis e as relações capitalistas podem

perm anecer prolongadam ente num nível de

fragm entação local e de poder 'econôm ico

corpora tivo ', se em um a dada sociedade

capitalista não se desenvolve em seu interior

um a vontade política ativa, orientada para a

criação de um Estado Nacional; isto é, para ele,

um a dada sociedade ca pitalista pode existir prolongadam ente no plano local ou regional e,

. e não conseguir criar esse estado nacional, esse

poder público particular que se constrói a partir ela vontade dos hom ens, essa dada sociedade

local pode ficar m uito atrás das outras sociedades

capitalistas - com o já aconteceu com a sociedade italiana anterior a 1875, dividida em m últiplos

principados, dom inados por forças tradicionais,

e. pecialrnente pelos latifundiários. Além disso,

com o a ordem social capitalista é intrinsecam ente

desarticulada e orientada à crise (Holloway, 2003), precisa de um Estado aciona Ique garanta

tal ordem l'o Governo é o órgão da sociedade para a m anutenção da ordem social'(M arx, 187')].

A consecução do Estado Nacional e de

novas estruturas sociais e nacionais está associada

à luta política dos cidadãos e das classes num a

determ inada realidade histórica nacional. Para

Gram sci, no entanto, a realidade 'efetiva' é um a

dada 'relação de forças'. Na nota 16, do m esm o

caderno 13, afirm a:

o

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p o lítico em . a toZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé u m cria d o r, u m su scita d o r, m a s n ã o cria a p a rtir d o

n a d a n em se m o ve n a va zia a g ita çã o d e seu s d esejo s e so n h o s. T o m a co m o b a se a rea lid a d e efetiua: m a s o q u e é

esta rea lid a d e efetiva? S erá a lg o está -tico e im ó vel, o u , a o co n trá rio , u m a relaçâo d e fo rça s em continuo m o

vi-m en to e m u d a n ça d e equilibrio? A p

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ca r a vo n ta d e à cria çã o d e u m n o vo eq u ilíb rio d a sfo rça s rea lm en te existen -tes e a tu a n -tes, b a sea n d o -se n a q u ela d e-term in a d a fo rça q u e se co n sid era p ro g ressista , fo rta lecen d o -a p a ra fa

zê-Ia triu n fa r, sig n ifica co n tin u a r m o ven -d o -se n o terren o d a rea lid a d e efetiva , m a s p a ra d o m in á -Ia e su p erá -Ia (3 5 ).

o

problem a, então, é entender porque e com o, para M arx e para Gram sci, a realidade

efetiva é um a relação de forças, e com o a caracterizam .

Para M arx, a atividade política na sociedade capitalista tem sua raiz na existência da pessoa

juridicam ente livre!' (M arx, 1867). A liberdade

jurídica é conseqüência da dissolução das relações

de dependência pessoal, do desm antelam ento

das relações feudais ou com unitárias, do

desenvolvim ento de novas forças produtivas e da divisão do trabalho social (M arx, 1857, Introdução).

Todavia, trata-se de um a liberdade econôm ica e

politicam ente lim itada e 'condicionada', em

prim eiro lugar, pelas próprias relações m ercantis

e capitalistas que dom inam os indivíduos, criando

o poder do dinheiro e do capital; nesse sentido,

pela própria existência do Estado com o poder social geral (neste caso, é o Estado com o

totalidade social) que os indivíduos geram com a

sua atividade, m as que não controlam e que se

opõe a eles; e, em segundo lugar, pelo Estado

político, Estado particular que se constrói

voluntariam ente com o poder público específico. Contudo, a liberdade, com o capacidade de agir

pela própria determ inação, sem constrangim entos

pessoais externos, com o autodeterm inação do

indivíduo nos distintos planos da sua vida privada

e pública, existe com o um fato real na sociedade, ainda que, nos interstícios da produção capitalista,

se transform e em um a 'não-liberdade', perante a

propriedade privada dos capitalistas e perante o

poder do capital de se apropriar do trabalho social

- dado que os trabalhadores não podem se

apropriar dos seus próprios produtos nem da m ais-valia criada por eles e vêem -se obrigados a

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srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

BCH-U

r:-''',

P E R iÓ D IC O

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

vender sua única propriedade, sua força de

trabalho, com o m ercadoria e com o base da acum ulação do capital. M as, de toda form a, a

liberdade existe no plano do direito e do Estado

político parcial: as leis do Estado estabelecem que todos os hom ens são iguais e livres perante

a sua propriedade e perante o próprio poder

político, em bora seja um poder particular que,

além de garantir o contrato e a ordem social, os

subm ete.

A liberdade política, com relação ao

Estado, é conseqüência da existência da liberdade

jurídica, liberdade perante as leis, dos hom ens

livres na sociedade m ercantil capitalista. No

entanto, a expressão passiva dessa liberdade está

na resistência à intervenção do Estado nos

assuntos privados; a liberdade tem esse aspecto,

de proteger civilm ente o indivíduo perante a potencial introm issão do Estado ou dos outros

indivíduos nos assuntos próprios de cada um ,

tais com o a sua propriedade e seguridade, nesse

sentido, a liberdade serve aos próprios capitalistas

para im pedir o Estado de se im iscuir na sua

propriedade, e serve aos trabalhadores para defender a propriedade da sua m ercadoria, força

de trabalho. Isto é, se trata de um a liberdade

política dentro das condições de um a

não-liberdade social do indivíduo contem porâneo.

M as a liberdade tem , tam bém , um lado ativo, que se m anifesta no sentido da possibilidade de

se usar essa liberdade para realizar a 'vontade'

política; usar a liberdade perante o Estado político

para definir seus fins: para influir nos assuntos

do Estado político, desse Estado que é parcialidade abstrata e lim itada perante o

verdadeiro Estado social - as relações sociais

m ercantis capitalistas - que, no entanto, é um

poder estranho e oposto, perante o qual o

indivíduo nào pode fazer nada, sendo o

capitalism o o m odo de produção prevalecente.

O indivíduo m oderno é livre e, no uso dessa sua liberdade, ele pode se associar com

outros indivíduos e desenvolver potencialidades

políticas e históricas para influir nos assuntos

do Estado político, para m odelar esse Estado

abstrato. M arx expressa assim a questão na crítica

ao Program a de Gotha:

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A liherdade consiste em converter o

E stado de órgão que está por cim a da sociedade em um órgão com pletam ente subordinado a ela (M arx, 1875);

no entanto, ele está consciente de que é im possível fazer isso plenam ente, se não alterar

as relações sociais fundam entais (o Estado social

total). Contudo, a existência da liberdade política

é resultado de um a conquista histórico-política durante os séculos XIX e XX, e não de um a

dádiva do poder.

No plano da possibilidade dos indivíduos

participarem dos "assuntos do Estado", isto é,

dos assuntos da "com unidade ilusória" (M arx, 1846), a livre determ inação ideológica, a livre

associação, a organização autônom a e a

participação dos indivíduos e das classes no

assuntos do Estado são a expressão ativa dessa

liberdade dos indivíduos m odernos na, atual

sociedade de livre concorrência, já não subm etidos a relações de dependência pessoal

(M arx, 1857, Introdução). Desta form a, as classe'

e os indivíduos, com o cidadãos, podem definir

"politicam ente", isto é, no plano do Estado

"abstrato", a orientação dos assuntos do Estado. M as, de qual Estado? Do Estado do capital e do

dinheiro im possível, todavia, do Estado político, sim .

Tam bém para M arx, os assuntos do Estado

político estão sem pre determ inados por um a dada

'relação de forças', dentro da qual o Estado pode estar definido pela hegem onia dos capitalistas

ou, inclusive, no pólo oposto, pela hegem onia

dos trabalhadores. Só que no caso dos

trabalhadores, tanto para M arx com o para

Gram sci, o desenvolvim ento das suas lutas deveria levá-los a colocar em xeque o estado de

coisas e o poder político estranhado e abstrato.

O Estado é a 'com unidade política' da

sociedade capitalista m ercantil; sociedade que

para os indivíduos é abstrata, estranhada e ilusória; em bora, tal com unidade tenha que se

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construir na terra, existir com o com unidade

política concreta (isto é, com o Assem bléia

Constituinte, com o Constituição, com o Assem bléia

Leg islativa , com o Poder Executivo, com o burocracia civil e m ilitar), assim com o se assentar

num a dada "civilização". A com unidade do

dinheiro e do capital tom a corpo com o criação

de um a entidade política particular, a "sociedade política", definida pelos cidadãos e autônom a

em relação a eles, ainda que 'm ediada por eles'.

M as, os cidadãos são os m esm os indivíduos livres

do m undo m ercantil, participando dos assuntos gerais do Estado político - com unidade abstrata

e ilusória -, e eles protegem seus interesses particulares, a sua propriedade, a propriedade

privada, com o parte de sua existência vital, quase

natural, no m undo da produção m ercantil, e

tam bém no m undo do trabalho e da com pra e

venda de m ercadorias. Nesse sentido, o Estado

político desce até as próprias relações que regulam a duração da jornada de trabalho

Teixeira, 2004). Em bora, a com unidade abstrata

que se faz sociedade política concreta continue

endo um espaço separado da sociedade. A

. ociedade capitalista m ercantil não é diretam ente social, é, ao contrário, diretam ente privada;

inclusive, na produção capitalista os trabalhadores

não geram um produto social, e sim um produto

particular, apropriado pelos capitalistas, com o

valor que tem se valorizado, expressão de. envolvida da contradição entre valor de uso

e valor. Por isso, a sociedade política não pode

expressar o social coletivo - inexistente -, e sim

o interesse particularizado de indivíduos ou de classes particulares fragm entadas. As próprias

ela: ses só existem com o realidade social geral;

e. tritam ente falando, não existem com o tais no

m undo privado de indivíduos atornízados: só

existem com o desenvolvim ento 'político ideológico', ainda que seu fundam ento exista

na produção capitalista m ercantil; no entanto, aí

existem o trabalho assalariado e o capital. E, com o

desenvolvim ento político ideológico, as classes e constroem na instabilidade e desarticulação

próprias do m ovim ento do capitalism o e, na luta

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por hom ogeneizar-se, desenvolver a sua consciên . e sua auto-organização, num a determ inada relaçã

de forças com as outras classes, relação que em contínua transform ação. Daí que os intelectuais

e os políticos sejam tão im portantes para

construção das classes. Essas classes procuram

dar ao seu interesse particular um a universalização m as essa universalizaçào, construída ideológic;

e politicam ente por elas, não existe na realidade

Por isso, a sociedade política, ainda que sej

um a encarnação real, ela tam bém é um univer a;

com o ficção.

Com o pode o Estado estranhado com o com unidade ilusória e abstrata ser m odelado pelo

indivíduos e pelas classes? Até onde? Para M arx.

só até o ponto de essa com unidade estranhada se

transform ar num a com unidade política, abstraída

das relações sociais reais; com unidade que possa canalizar am plam ente os assuntos públicos e

privados diversos, sem contradizer os pressuposto

da sociedade capitalista m ercantil. Para ele, com o

para o Gram sci, a influência dos trabalhadores na com unidade política pode chegar até a colocar

em questão as bases privadas da sociedade, e,

portanto, até gerar um a crise política fundam ental .

Para Grarnsci, até o Estado político se ver num a

situação na qual a classe trabalhadora m ajoritária im ponha a esse Estado seu interesse particular

com o interesse coletivo universal. E qual é o

interesse particular da classe trabalhadora/!ê. Para

M arx, esse interesse histórico é o com unism o

'm ovim ento real que enfrenta e anula o atual estado

de coisas' (M arx, 1846); m ovim ento para abolir todas as form as sociais de dom inação, para criar a

produção diretam ente social e abolir a produção

m ercantil capitalista e a propriedade privada da grande indústria num plano m undial, para criar a

produção social dos indivíduos, a partir das potencialidades da pós-grande indústria inteligente

dos trabalhadores coletivos com binados e da cooperação com plexa (M arx, 1857; Teixeira, 2004),

processo que, segundo a história política européia, pode se realizar sob a form a de um Estado

não-Estado, com o a Com una de Paris, ou num Estado

com o os soviets, com o era no projeto de Lênin,

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zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

antes da presidência de Stalin e da deform ação do

processo socialista inicial; sendo que esse Estado

com una nào é o fim , e sim "a form a" dentro da

qual esse processo do com unism o pode se produzir

(M arx, 18')7;M arx, 1871; Lênin, 1917;Teixeira,2004), M as, a cidadania é histórica e contraditória. Por isso, o processo está associado tam bém à luta de

classes

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I:)e ao desenvolvim ento de um a concepção

progressista da cidadania, isto é, ao desenvo-lvim ento da participação dos indivíduos, com o

cidadãos, nos assuntos do Estado.

Para o G ram sci de 1932, atualizando o

argum ento de M arx, o interesse dos trabalhadores

na luta por m udar a correlação de forças da realidade efetiva está em desenvolver a

hegem onia operária ético-político, na sociedade

civil e na sociedade política, e apresentar seus

interesses, com o projeto universal, visando à criação de um Estado em processo de

desm antelam ento, dinam izado por um a sociedade civil auto-regulada (G ram sci, vol. III,

caderno

6

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

M iscelânea, nota 12, evol, III, caderno 6 M iscelânea, nota 88). Só assim a sociedade

pode ser livre, isto é, subordinar o Estado do

capital a si m esm a, transform ando, ao m esm o

tem po, as próprias relações sociais que dão origem ao Estado do capital.

A política, com o influência nos assuntos

do Estado político, m esm o que se expresse com o

influência dos cidadãos e com o luta entre diversas classes dirigentes na sociedade política e na

sociedade civil, nos fatos reais é luta entre os

grupos sociais fundam entais de um a dada sociedade, firm em ente enraizados nas relações

sociais de produção, m obilizados e projeta dos

ideológica e politicam ente.

(. ..) de fato, na política o elem ento volitivo tem um a im portância m uito m aior que na diplom acia. N as relações

internas de um E stado, a situação é

incom paravelm ente m ais favorável à iniciativa central, a um a vontade de com ando (G rarnsci, 2000, vol. III, ca-derno M iscelânea 6, nota 86: 241).

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ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

J

PERiÓDICOS

N esse sentido, a política não é a atividade

dos indivíduos num plano separado da vida

social e sem relação com a sua função na

econom ia. Pelo contrário, a política é a atuação de um a força social no plano do Estado político,

organicam ente vinculado com a econom ia,

dentro da totalidade da sociedade, com base na

própria força desse m esm o grupo social no

plano da produção. Por isso, G ram sci diz:

É no m ínim o estranha a atitude do

econom icism o em relação às

expres-sões de vontade, de ação e de iniciativa política e intelectual, com o se estas não

fossem um a em anação orgânica das

necessidades econôm icas, ou m elhor, a única expressão eficiente da econo-m ia ... Se a hegeecono-m onia é ético-política

não pode deixar de ser tam bém

eco-nôm ica, não pode deixar de ter seu

fundam ento na função decisiva que o

grupo dirigente exerce no núcleo deci-sivo da atividade econôm ica (48).

Pode um a classe social m oderna ser

dom inante no plano da produção, ou seja,

apropriar-se do trabalho social para seus interesses, e não interferir, isto é, deixar 'livre', o

plano político dos interesses gerais e da

consciência das sociedades? O u, pelo contrário,

essa possibilidade de se apropriar do trabalho social se expressa tam bém com o luta por m odelar

o Estado e por criar, no plano privado, um tipo de 'civilização' e um tipo de orientação do

interesse com um ?

o

conteúdo lógico da ciência política

poderia ser form ulado inclusive nos

períodos de pior reação. N ão é talvez a reação, tam bém ela, um ato constitutivo de vontade? E não é ato voluntário de conservação? P or que então, seria 'utó-pica' a vontade revolucionária ... e não

a vontade de quem pretende conservar o existente e im pedir o surgim ento e a

COSTILLA, LUCIO OUVER

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nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

organização de forças novas que

per-turbariam e subuerteriam

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o equtlibrio tradicional (vol. III, caderno 6 M

iscelâ-nea, nota 86: 241).

Acum ular capital é tam bém reproduzir a

sociedade estabelecida a partir da com pra e

venda de m ercadorias; sociedade dos indivíduos

livres, da qual são forçados a participar com o trabalho vivo social, a serviço da valorização do

valor. M as é tam bém lutar por obter e m anter a

direção dessa sociedade no plano da civilização,

da consciência e da política. Por isso, para os

próprios capitalistas, um a relação de forças favorável na estrutura econôm ica, no plano das

relações sociais objetivas, tem que se projetar

com lutas no plano da consciência e da política

para m oldar estes no m esm o sentido da

dom inação que se exerce na econom ia. Com o afirm a Gram sci na nota 17, dedicada a analisar

os diferentes níveis de relações de forças:

A questão particular do m al-estar ou do bem -estar econôm icos com o causa de novas realidades históricas é um as-pecto parcial da questão das relações deforça em seus vários graus. P odem -se produzir novidades ou porque um a situação de bem -estar é am eaçada pelo

egoísm o m esquinho de um grupo

ad-versário, ou porque o m al-estar se tor-nou intolerável e não se vê na velha

sociedade nenhum a força capaz de

m itigâ-lo e de restahelecer um a norm a-lidade através de m eios legais. P ode-se dizer. portanto. que todos estes elem en-tos são a m anifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto

das relações de força, em cujo terre-no uerifica-se a transform ação destas

relações em relações políticas de força, para culm inar na relação m ilitar

de-cisiva. Se não se uerifica este processo de desenvolvim ento de um m om ento a outro - e trata-se essencialm ente de um

116

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 35 N.2

processo que tem com o atores os

ho-m ens e a vontade e capacidade dos

hom ens -, a situação se m antém

inoperante e podem ocorrer desfecbos contraditórios: a velha sociedade resiste e garante para si um período de 'tom

a-da de fôlego', exterm inando fisicam en-te a elien-te adversária e aen-terrorizando as m assas de reserua; ou, então. verifica-se a destruição recíproca das forças em conflito com a instauração da paz dos cem itérios, talvez soh a vigilância de um sentinela estrangeiro (45).

Cabe a pergunta: qual é, afinal, a

im portância da política para os trabalhadores

m odernos poderem influir nos assuntos do

Estado político e, da luta intelectual para influir

na consciência da sociedade? A im portância, no

final, está dada porque é aí, no Estado e na fase da hegem onia, que se decide a m anutenção das

contradições da sociedade ou sua resolução:

E sta é a fase m ais estritam ente política, que assinala a passagem nítida da es-trutura para a esfera das superestrutu-ras com plexas ( ...) OE stado é certam ente concebido com o um organism o próprio de um grupo, destinado a criar as

con-dições favoráveis

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

à expansão m áxim a desse grupo, m as este desenvolvim ento

e esta expansão são concehidos e apre-sentados com o a força m otriz de um a expansão universal, de um desenvolvi-m ento de todas as energias nacionais; isto é. ogrupo dom inante é

coordena-do concretam ente com os interesses

gerais dos grupos suhordinados e a vida estatal é concehida com o um a contínua

form ação e superação de equilíhrios

instáveis (no âm hito da lei) entre os in-teresses do grupo fundam ental e os in-teresses dos grupos su b o rd in a d o s, equilíhrios em que os interesses do gru-po dom inante prevalecem , m as até um

(8)

D O S S IÊ G R A M S C I

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

determ inado ponto, ou seja, não até

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

estreito interesse econôm ico-corporatioo

(Gram sci, vo1.

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

III,cadem o 13, nota 17: 42).

Assim , Gra m sci destaca, em grande

coerência com M arx, a função da política na

sociedade capitalista: a política é o espaço da

consciência dos conflitos da sociedade m oderna e da luta para resolvê-los. Diz M arx, no Prefácio,

de 18'59, à C ontribuição

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

à C rítica a E conom ia política: [num a época na qual]

c..) as forças produtiuas m ateriais da

sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ... as form as jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resum o, as form as ideológicas (p.130); [são as

for-m as] pelas q u a is os hom ens tom am consciência deste conflito e lutam por resoluê-lo(ihid).

Pelo escrito anteriorm ente, podem os

concluir que M arx precisou fazer a crítica da

econom ia política para conhecer as leis do

m ovim ento da sociedade capitalista. No entanto,

Gram sci desenvolveu a crítica das form as ideológicas (incluídas as form as políticas) para

contribuir à luta dos trabalhadores para tom ar

consciência e resolver os conflitos desta

sociedade, superando-a.

A esse respeito, Gram sci desenvolve um a

longa argum entação no caderno 10 (vol. I,

1932-193'), Sobre a Filosofia de Benedetto Croce),

destacando, justam ente, o papel ativo da

política na história, e o papel da filosofia da

práxis na política das classes trabalhadoras (ou

subalternas), na qualidade de um a teoria das

contradições da sociedade capitalista e dos m eios para enfrentá-Ias:

P ara a filosofia da p r â x is , as superes-truturas são um a realidade objetiva e operante, ela afirm a explicitam ente

que os hom ens tom am consciência da

sua posição social (e, conseqüentem en-te, de suas tarefas) no terreno das

ideo-logias, o que n ão é pouco com o

afirm ação de realidade; a própria

filo-sofia da práxis éum a superestrutura, é o terreno no qual determ inados gru-pos sociais tom am consciência do pró-prio ser social" da própria força, das próprias tarefas, do próprio d e o ir . . . . A

f ilo s o f ia da práxis ... não tende a

resol-ver pacificam ente as contradições exis-tentes na história e na sociedade, ou, m elhor, ela é a própria teoria de tais contradições; não é o instrum ento de

governo de grupos dom inantes para

ohter o consentim ento e exercer a

hegem onia sobre as classes subalternas, éa expressão destas classes subalternas,

que querem educar a si m esm as na

arte de governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis, e em evitar os enga-nos (im possíveis) da classe superior e,

ainda m ais, de si m esm as .... Se os

ho-m ens adquirem consciência de sua

posição social e de seus ohjetivos no ter-reno das superestruturas, isto significa que entre estrutura e superestrutura existe um nexo necessário e vital (vol. 1: 388-389),

Para os trabalhadores europeus e latino-am ericanos, desenvolver um a política independente

e autônom a, visando a transform ação do Estado político e a criação de novas estruturas econôm icas

e sociais, tem sido um a prática extrem am ente difícil

nos últim os dois séculos. A absoluta m aioria de

partidos e m ovim entos dos trabalhadores ficou

ancorada nas redes da ideologia dom inante, da

burocracia do poder, do reform ism o político, até o ponto de term inar fazendo parte das estruturas

ideológicas e políticas das classes dirigentes e

dom inantes capitalistas. Hoje, na fase atual da

produção pós-grande indústria, essa tendência de subordinação ideológica e de inclusão subordinada

COSTILLA, LUCIO OLlVER

117

(9)

D O S S IÊ G R A M S C I

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

dos trabalhadores fabris acentuou-se, em oposição

à situação de exclusão de um a nova m aioria de desem pregados, m igrantes ilegais, velhos, jovens.

Um resultado de tudo isso é o desencanto da

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

in tellig en tsiacrítica com a política (O liver Costilla, 2003), e a visão do Estado capitalista atual com o

fortaleza fechada aos trabalhadores independentes, esquecendo, com isso, que a política é um a relação

social de forças no Estado político, dentro dos

lim ites do Estado do capital. A burocratizaçào

crescente da sociedade política, ligada às leis e

aos com prom issos com a acum ulação do capital,

tem sido contornada com o espaço de dom ínio

quase absoluto da lógica do capital e do Estado

abstrato; daí que se o horizonte da luta social só fosse a sociedade política, estaríam os sim , perante

o verdadeiro fim da política com o relação aberta

de forças. Em bora, com o Gram sci esclarece na

nota 18 do Caderno 13, o Estado político não seja

só sociedade política; Estado é tam bém sociedade

civil, e, neste âm bito, a possibilidade de disputa

ideológica e política com a hegem onia dom inante está aberta.

Conform e referi no terceiro ponto deste artigo, no plano da sociedade civil os hom ens

têm a possibilidade de desenvolver a sua

liberdade com horizonte m ais am plo que na

ociedade política, justam ente porque, na

sociedade civil, os hom ens não estão lim itados diretam ente pelas regulam entações e pelas leis

político-jurídicas. No plano da vida privada, da

cultura, da m oral idade, os hom ens podem pensar,

lutar e se organizar para form arem um a

verdadeira com unidade pública de consciência,

cultura e decisão política. Nesse plano, o próprio

Gram sci já tinha experim entado vivências

m arcantes, em Turim , com os Conselhos de Fábrica, órgãos 'livres' dos trabalhadores nas

próprias fábricas para dirigir a produção em

oposição à direção dos próprios capitalistas.

esse m esm o plano da sociedade civil, os

trabalhadores da

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Rússia czarista criaram , em 1905 e logo no final da I guerra m undial, os Conselhos

Soviéticos, com o expressão autônom a da sociedade civil, num a situação de extrem a

118

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N.2

fraqueza do poder institucional do Estado político

capitalista; em 1917, perante a fraqueza do poder do Governo provisional de Kerenski, e, justam ente

por isso, Lênin (1917a), nas "Tarefas do

proletariado na nossa revolução" (Teses de Abril),

expressou que o trabalho político do partido

com unista, nos Conselhos Soviéticos, teria que

ser prim ordialm ente ideológico, isto é, convencer os trabalhadores de que esse órgão teria que ser

o verdadeiro Estado, em oposição ao Estado

form al do Governo provisional, e, ao m esm o

tem po, teria que ser um "Estado não-Estado",

ou seja, um Estado subordinado a um a sociedade em transform ação, livrem ente optante pelo

socialism o; Estado este que Gram sci cham ará

Estado da sociedade auto-regulada.

Vejam os, então, com Grarnsci, porque a

política não é um a utopia para as classes trabalhadoras:

A ciên cia p o lítica 'a b stra i' o elem en to 'vo n ta d e' e n ã o leva em co n ta ofim a

q u e u m a vo n ta d e d eterm in a d aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé a p li-ca d a . O a trib u to 'u tó p ico ' n ã o é p ró

-p rio d a vo n ta d e -p o lítica em g era l, m a s d a s vo n ta d es p a rticu la res q u e n ã o sa -b em lig a r o m eio a o fim e, p o rta n to , n ã o sã o n em m esm o vo n ta d e, m a s ve-leid a d es, so n h o s, d esejo s, etc. (vol, III, caderno 6 M iscelâ n ea , nota 86: 243).

Assim , um a questão fundam ental da contribuição de Gram sci para as ciências sociais

é a sua valoraçào crítica e, ao m esm o tem po

propositiva, da política e do Estado m odernoS.

Nesse sentido, bem poderia dizer-se que os Cadernos são um tratado crítico da ciência política

ocidental da sua época, assim com o o

desenvolvim ento de um a ciência política

alternativa, orientada a um novo fim político:

o da criação de um a sociedade auto-regulada,

na qual a política e o Estado vão se desm anchando

com o relações sociais coisificadas e estranhadas, para serem subsum idos pela própria sociedade

civil organizada.

(10)

D O S S IÊ G R A M S C I

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A política, no entanto, se produz tanto

nos espaços sociais com o nos espaços institucionais. Passem os. agora, a analisar com o

Gram sci entende a relação entre estes diferentes

espaços.

A tra n s fo rm a ç ã o d o E s ta d o m o d e rn o

n o s fin a is d o s é c u lo X IX e

n o in íc io d o s é c u lo X X

Na nota 7 do Caderno 13, Gram sci inova a

concepção de Estado ao esclarecer as profundas m udanças político-institucionaís que o Estado

ocidental sofreu no período posterior a 1870-71

(vol.Ill, Caderno 13, nota 7). Esta idéia fundam ental, infelizm ente não é desenvolvida

com profundidade pelo autor em outras notas, em bora faça referência a ela na nota 17 do m esm o

caderno, e na nota

16

do Caderno

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

M iscelânea 7, do vol. Ill. No entanto, na nota 7 m encionada,

Gram sci alude às profundas inovações nos

elem entos econôm icos, sociais, políticos e

culturais dos Estados m odernos!"; e na nota 138

do caderno

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

6

M iscelânea, do m esm o volum e

Ill, expressa que, com estas transform ações,

produziu-se

(. ..) a passagem da guerra de m ovim

en-to

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

àguerra de posição tam bém no cam -po -político', e "esta m e parece a questão

da teoria política m ais im portante pos-ta pelo período dopôs-guerra e a m ais

d ificil de resolver corretam ente (vol. 1Il, Caderno 6, nota 138: 255).

Assim tam bém , na nota 7 m encionada,

assinala que

(. ..) as relações de organização inter-nas e internacionais do E stado tornam

-se m ais com plexas e robustas; e a

fórm ula da 'revolução perm anente',

própria de 1848, é elaborada e

supe-rada na ciência política com a fórm u-la de 'begem onia civil (ibid, p. 24).

Qual a argum entação para estas drásticas

afirm ações? E qual o conteúdo da fórm ula de 'hegernonía civil'? Por que, para Gram sci, a guerra

de posição é a questão da teoria política m ais

im portante, posta pelo período do pós-guerra?

Prim eiro, na sua argum entação, Gram sci

detalha com o eram a política e o Estado na Europa, antes de 1871, depois da Grande

Revolução Francesa de 1789:

C onceito político da cham ada 'revolu-ção perm anente' surgida antes de 1848 com o expressão cien tifica m en te elabo-rada das experiências ja c o b in a s de 1789 ao T erm idor ( ib id ) .

Aparentem ente, Gram sci faz referência à

noção desenvolvida na "M ensagem de 1850", do Com itê Central à Liga dos Com unistas, onde M arx

acunhou o conceito:

A s petições dem ocráticas não podem nunca satisfazer ao partido dop r o le t a

-r ia d o . T odavia, a dem ocrática pequena burguesia desejaria que a revolução ter-m inasse tão logo tenha visto as suas as-pirações m ais ou m enos s a t is f e it a s , nosso interesse e nosso dever é fazer a revolu-ção perm anente, m antê-Ia em m archa até que todas as classes possuidoras e dom inantes sejam desprouistas de seu poder, até que a m aquinaria governa-m ental seja ocupada pelo proletariado e, a organização da classe trabalhado-ra de todos os países esteja tão adianta-da, que toda rivalidade e concorrência entre ela m esm a tenha acabado e, até que as m ais im portantes forças de pro-dução estejam nas m ãos do proletaria-do. P ara nós, não é questão reform ar a propriedade privada, e sim acabar com ela; de m inorar os antagonism os de clas-se. e sim acabar com as classes. de m e-lhorar a sociedade, e sim estabelecer um a nova (M arx, 1850).

COSTILLA, tucio OLlVER

119

(11)

D O S S IÊ G R A M S C I

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

im portante observar que, na ótica do

M arx de 18S0, a luta social no capitalism o se

transform aria num a luta política quase

espontaneam ente, pelo contexto de contínua

instabilidade econôm ica, pela inevitabilidade

das crises econôm icas, e, portanto, pelo

aparecim ento, com o que natural, de um a

esperada crise política. M arx, no capítulo final

do texto

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A s lutas de classes na F rança, diz claram ente que, para ele, o governo poderia estar

m om entaneam ente estável, m as um a nova

revolução seria inevitável, pois um a nova crise

econôm ica tam bém o seria (M arx, 1849).

Assim , a via para enfrentar o governo

pequeno burguês triunfante, depois da esperada

queda do governo burguês reacionário, seria a continuação da revolução para que a classe

trabalhadora tom asse o poder, com o classe

independente.

Todavia, nas condições

histórico-político-institucionais da Europa de m eados do século

XIX (condições de pouca inserção

ideológico-política do governo - da sociedade política

-nas m assas), para que os trabalhadores pudessem

conseguir êxito na hora da crise, era necessário

trabalhar política e ideologicam ente antes, para

criar e desenvolver os clubes políticos operários

e, dentro deles, lutar por um a organização e

um a política próprias e independentes, dos

trabalhadores:

A fim de estar efetivam ente em

condi-ções de se oporZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà dem ocracia pequeno burguesa, é necessário, em prim eiro

lugar, que os trabalbadores estejam organizados em C lubes, que serão logo centralizados. A autoridade central, depois da queda do G overno existente. trasladará seus quartéis na prim eira ocasião à A lem anha; im ediatam ente reunirá um C ongresso e fará as neces-sárias proposições para a centralização dos C lubes de operários soh um C om i-tê E xecutiuo, que residirá no centro do m ovim ento. A rápida organização, ou,

120

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.

35

N.

2

pelo m enos o estabelecim ento de um organism o provincial de C lubes operá-rios, é um dos m ais im portantes pontos de nossas indicações para fortalecer e desenvolver o partido dos trabalhado-res. O resultado im ediato da queda do G overno existente será a eleição de um a representação nacional ( I b i d ) .

Na época da cham ada revolução perm

a-nente, a política se fazia num a situação de

instabilidade contínua, devido a que a nova

econom ia capitalista européia sofria de recorrentes 'crises econôm icas', que expressavam

as contradições da sociedade m ercantil junto a

novas oposições da relação capitalista, e

atentavam contra a estabilidade da acum ulação

e do consum o, das im portações, das exportações,

dos em pregos, dos salários, fato que, portanto,

criava um forte 'distanciam ento' na relação das

m assas com os governos isto é, um a 'crise'

política. Os protestos e a oposição se canalizavam

no sentido de um a luta de m ovim ento, isto é, no

sentido de um a m obilizaçào da população nas

ruas, dirigida pelos clubes políticos, líderes, jornais, para concitar as m assas a exigir, nas

praças, um outro Governo e a com bater com as

arm as e a presença da própria população, os bastiões do Governo vigente, para que um novo

Governo, m ais avançado, o substituísse. Depois

da luta, as m assas voltavam para a vida privada

não-política, ou seja, para a vida social privada,

caracterizada pela vida fam iliar e de bairro, pelo trabalho extenuante, pela vida religiosa, pelo

ócio ocasional e reduzido. Política, nesse

contexto, era a luta em ocasiões especiais de

crise, para concitar o apoio popular de m assa

em geral às exigências revolucionárias, o

m ovim ento de classes e setores de classes para um a ação política direta, no sentido de derrocar

o governo e colocar outro governo no poder. Prevaleciam condições que possibilitavam um a

ação serni-espontânea de m assas inconform ada .

que só precisavam da condução de pequeno.

grupos organizados em clubes, para procurar

(12)

D O S S IÊ G R A M S C I

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

um a luta exitosa. Inclusive, no caso do

funcionam ento norm al da Assem bléia Nacional

de França, de 1848-51, a luta entre partidos dentro

da assem bléia estava estreitam ente vinculada às

crises na sociedade e na política, à luta direta nas ruas das m assas, das classes e dos setores

de classe contra o governo. As econom ias eram

relativam ente fechadas nacionalm ente (os

Governos oscilavam entre o m ercantilism o e o

liberalism o), as instituições estatais e políticas eram precárias, exceto a burocracia; os

cam poneses, com poucos direitos políticos

reconhecidos perm aneciam expectantes, e o confronto se desenvolvia principalm ente pelas

classes urbanas, ora excluídas e ora incluídas

na política form al, contra pequenos exércitos

sernídesm oralízados e isolados, nas principais

cidades capitais (Paris, Berlim , Londres).

Grarnsci caracteriza a situação assim :

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A fórm ula - revolução perm anente -

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

é própria de um período histórico em

que não existiam ainda

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

osgrandes par-tidos políticos de m assa eosgrandes

sin-dicatos econôm icos, e a sociedade ainda estava sob m uitos aspectos, por assim dizer, 110 estado de fluidez: m aior

atraso do cam po e m onopólio quase com -pleto da e f ic iê n c ia político-estatal em poucas cidades ou até m esm o num a só (P aris, para F rança), aparelho estatal

relativam ente pouco desenvolvido e

m aior autonom ia da sociedade civil em relação à atividade estatal, determ ina-do sistem a dasforças m ilitares e do ar-m aar-m ento nacional, m aior autonom ia

das econom ias nacionais em face das

relações econôm icas do m ercado m un-dial, etc.(vol. 3, Caderno 13, nota 7: 24).

Institucionalm ente, o Estado nessa época

era constituído na sua totalidade pela sociedade política. E a política institucíonal tinha poucas

ligações estruturais com as m assas, recentem ente

saídas da situação de servidão. Por exem plo, na

França de Luís Felipe de Orleans, de 1830 até 1847, a população que participava da política

eleitoral e parlam entar, população que fazia

política propriam ente dita, era form ada por 250

m il cidadãos, de um total de 30 m ilhões de

habitantes (M arx, 1849, prim eiro capítulo),

em bora, hoje, possam os dizer que a m aioria tinha sido já m odelada, ideologicam ente, pelo m enos

na França, pelas lutas da revolução de

1789-1793, e pelo Código Napoleônico, isto é, pelos ideais gerais de igualdade e liberdade. No entanto,

a adesão das m assas aos governos não era

política nem institucional, e sim ideológica, religiosa ou tradicional. Com um ente, se tratava

de m assas excluídas da política, ou seja,

'a políticas'.

No decorrer do século XIX, foi se

desenvolvendo o capitalism o im perialista com o

m odo de produção nacional e internacional, junto a um a am pla burocracia civil e m ilitar que se

apoderava de todas as funções estatais e

com unitárias, e junto às form as

jurídico-institucionais de m ediação política, herdadas das m onarquias constitucionais, cada vez m ais

definidas pelo predom ínio crescente do sufrágio

universal m asculino (França m eados do século

XIX, Alem anha finais de século XIX, Inglaterra,

inícios de século XX; M éxico, Brasil, Argentina, inícios de século XX). Com isso, foi se criando

a sociedade privada dos indivíduos ideológica e

politicam ente organizados, e a participação das

m assas na vida política foi se desenvolvendo

com o luta perm anente de um a população

privada, isto é, independente dos funcionários do Estado e dos governos I').Assim , foi-se criando

um a com plexa rede burocrática e política de

m ediação e participação político-institucional das

m assas, a partir do sufrágio universal. Junto à

transform ação da população pela divisão do trabalho na sociedade e novas form as de

articulação entre cam po e cidade'", apareceram

os partidos políticos de m assas, com atividade

perm anente; os sindicatos de m assas, tam bém

organizados perm anentem ente; os jornais com leitores perm anentes; o sistem a m assificado de

COSTILLA, LUCIO OLlVER

121

(13)

D O S S IÊ G R A M S C I

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

escolas e sistem as de educação. Tudo isso gerou

m udanças nas Constituições e na vida política,

na regulam entação e na existência da

partici-pação político-eleitoral; se fortaleceram e se desenvolveram as liberdades e os direitos de

opinião, reunião, organização, agrupam ento político, ete., a regulam entação do trabalho

assalariado e a vida privada com eçou a ter relação

direta com a vida pública. Todo esse quadro foi

criando um novo espaço social e político assentado no privado, a sociedade civil

-conjunto de associações da vida civil, espaço

com form as diversas de existência organizada perm anentem ente - dernandante e fiscalízadora

de serviços e direitos públicos, articulada ao

desenvolvim ento do Estado político, sujeito e

objeto de novos direitos e novas obrigações

definidas, garantidas e articuladas pelo Estado.

Foi se cornplexificando e desenvolvendo o que Hegel já tinha tratado teoricam ente com o "a tram a

privada do Estado":

nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A doutrina de H egel sobre

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ospartidos e as associações com o tram a

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

" p r iu a d a " do

E stado. E la derivou historicam ente das experiências políticas da R evolução

F rancesa e devia servir para dar um

caráter m ais concreto ao constitucio-nalisrno. G overno com o consenso dos governados, m as com o consenso orga-nizado, não genérico e vago, tal com o se afirm a no m om ento das eleições: o E stado tem e pede oconsenso, m as tam -bém 'educa' este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém . são organism os privados, deixa-dos à iniciativa privada da classe diri-gente. A ssim , em certo sentido, H egel já

supera o puro constitucionalism o e

teoriza o E stado parlam entar com seu regim e dos partidos. Sua concepção de associação não pode deixar de ser ainda vaga e prim itiva, entre o político e o

econôm ico, segundo a experiência

histórica da época, que era m uito

res-122

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N.

2

trita ... M arx não podia ter experiências históricas superiores às de H egel (ao m enos m uito superiores), m as tinha o sentido das m assas, por sua atividade

jornalistica e de agitação. M arx ainda perm anece preso aos seguintes

elernen-tos: organização profissional. clubes jaco hinos. conspirações secretas de pe-quenos grupos, organização jornalistica (Gram sci, 2000, vol. III, Caderno M isce-lânea 1, nota 47: 119),

Com o desenvolvim ento da sociedade civil

e da sociedade política, m uda institucional e

politicam ente o Estado: de estar configurado

pelos dirigentes políticos e funcionários dos

governos, nesse m om ento 'sociedade política',

únicos autorizados para m andar em nom e da totalidade da população [Durkheim : o Estado é

o único autorizado para m andar e é o cérebro

da política (Durkheim , 1983, quarta Iiçãoj], o Estado am plia-se, para incluir a 'tram a privada',

a sociedade civil (sociedade form ada por

associações de cidadãos ativos perm anentem ente,

em bora estes nào sendo funcionários, nem

políticos institucionais, ou burocratas, isto é, são apenas cidadãos 'privados'). Antes, a política se

referia ao funcionam ento e às políticas dos

governos ou das personalidades da sociedade

política; agora, incluindo a sociedade civil, esta

retribui ao Governo com seu apoio ou rejeição,

com seu consenso ou dissenso, e, pelo m esm o, é sustento ou oposição política e ideológica dos

Governos, dos funcionários e das políticas.

Assim , foi se desenvolvendo, durante sessenta anos (1871 até 1931), um espaço novo da

sociedade que Gram sci caracterizou com o

sociedade civil ou 'tram a privada' do Estado. O

m undo político anterior era o dos eleitos com o funcionários ou burocratas, com o qual, depois

das eleições, a m assa passava a ser m assa apolítica,

longe das atividades políticas e ideológicas.

Com a queda m ilitar de Bonaparte, a Com una de Paris foi a últim a tentativa européia

exitosa de revolução perm anente. Nessa

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D O S S IÊ G R A M S C I

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experiência ficou dem onstrado que ainda que

um m ovim ento possa ganhar o governo, não

consegue se sustentar firm em ente, se não tem o apoio perm anente, ideológico e político, da

m aioria da população nacional e se não cria

um a civilização que expresse um a forte unidade

entre a sociedade política e a sociedade civil.l".

Com a fundação da Terceira República, a partir de 1871, ficaria ainda m ais difícil um a política

de revolução perm anente:

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O corre na arte política o que ocorre na arte m ilitar: a guerra de m ovim

en-to en-torna-se cada vez m ais guerra de

posição; e pode-se dizer que um E

sta-do vence um a guerra quando a

pre-para de m odo m inucioso e técnico no tem po de paz. A estrutura m aciça das dem ocracias m odernas, seja com o or-ganizações estatais, seja com o

conjun-to de associações na vida civil, constitui para a arte política algo sim ilar às

'trin-cheiras' e às

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f o r t if ic a ç õ e s perm anentes da frente de com hate na guerra de

po-sição: faz com que seja apenas 'P arci-al' oelem ento do m ovim ento que antes constituía 'toda' a guerra, etc.(voI. III, Caderno 13, nota 7: 24).

D epois de 1871, o Estado m oderno

ocidental desenvolveu ainda m ais o conjunto de

associações da vida civil; a hegem onia, com o direção ideológica e política dessas associações,

tornou-se definitiva para a estabilidade do Estado

e para o exercício da dom inação. (?) Estado: hegem onia passa a ser desde então a unidade

de 'com ando e direção'; porque Estado deixa de

ser só força sobre a sociedade, para ser tam bém consenso, adesão da sociedade. U nidade e

diferença, hegem onia ético-político.

P elo m enos no que se refere aos E stados m ais avançados, onde a 'sociedade civil' tornouse um a estrutura m uito com -plexa e resistente às 'interrupções'

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catastróficas do elem ento econôm ico im ediato (crises, depressões, etc.), as

su-perestruturas da sociedade civil são

com o as trincheiras na guerra m oder-na. A ssim com o nesta últim a ocorria que um im placável ataque de artilha-ria parecia ter destruí do todo osistem a defensiuo do adversário (m as, na reali-dade, só ohavia destruído na superfície externa, e, no m om ento do ataque e do avanço, os assaltantes defrontauam -se com um a linha defensiua ainda eficien-te), algo sim ilar ocorre na política du-rante as grandes crises econôm icas: nem as tropas atacantes, por efeito da crise, organizam -se de m odo fulm inante no tem po e no espaço, nem m uito m enos adquirem um espirito agressivo; do ou-tro lado, osatacados tam pouco se

des-m oralizades-m , nem abandonam suas

defesas, m esm o entre as ruínas, nem perdem a confiança na própria força e

no próprio futuro. É claro que as coisas

não perm anecem tais com o eram ; m as tam bém é certo quefalta oelem ento da rapidez, do tem po acelerado, da m ar-cha progressiva, tal com o esperariam que ocorresse,osestrategistas do cada r-nism o político. O últim o fato deste gê-nero na história da política foram os

acontecim entos de 1917. E les assinala-ram um a reviravolta decisiva na histó-ria da arte e da ciência da política. T rata-se, portanto, de estudar com 'pro-fundidade' quais são os elem entos da

sociedade civil que correspondem aos

sistem as de defesa na guerra de posição

(vol, IlI, Caderno 13, nota 24: 73).

N a nova época do Estado,

independente-m ente das eleições, existe um a m assa "política e ideologicam ente ativa", e esse é o sentido da

luta política dos trabalhadores com o luta pela

'hegernonia civil'. Por isso, G rasm ci fala da

sociedade civil com o tram a privada de Estado.

COSTILLA, LUCIO OLlVER

123

(15)

D O S S IÊ G R A M S C I

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um sentido, sociedade civil é cidadania, só que um tipo específico desta: cidadania com

direitos e deveres e cidadania organizada

perm anentem ente, isto

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é, cidadania politica-m ente atuante e exigente nos sindicatos,

associações civis, partidos, instituições culturais

e científicas, jornais, etc .. Sociedade vigilante. M as, o fenôm eno da sociedade civil não é

sem pre um novo fenôm eno político ativo; às

vezes, trata-se de um a sociedade civil passiva,

um a m aioria silenciosa legitim adora, um novo

fenôm eno de civilização adaptada às condições da produção da grande indústria. Ou seja, a

estabilidade política dos governos com eçou a

depender, tam bém , da identificação dos

cidadãos com um a form a social ele vida e com

as necessidades da produção econôm ica, com

a transform ação do trabalhador em apêndice

da m áquina, com o m ercado capitalista, com o

poder do dinheiro.

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(. ..) tarefa educatiua eform ativa do E

s-tado,

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c u jo f im é sem pre o de criar novos e m ais elevados tipos de civilização, de

adequar a "C ivilização' e a m oralidade das m ais am plas m assas populares às necessidades do contínuo desenuolin-m ento do aparelho econôdesenuolin-m ico de pro-dução. e, portanto, de elaborar ta m b ém , fisicam ente tipos novos de hum anidade

(vol. III, Caderno 13, nota 7).

Assim , o terreno ela ideologia passou a

ser um espaço fundam ental da luta das forças

que atuam na história e na política. O

desenvolvim ento da luta pelo Estado passou a ter relação direta com o m om ento ideológico

político, com a fase na qual as forças têm que

prevalecer por

(...) toda a área social, determ inando,

além da unicidade dos fins econôm i-cos e polítii-cos, tam bém a unicidade in-telectual e m oral (vol. I1I, Caderno 13, nota 17, p. 41).

124

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.

35

N.2

A conquista da sociedade civil passou a

ser obrigatória para os grupos sociais que

procuravam o governo e o dom ínio do Estado,

assim com o tal conquista se constitui num a

necessidade do Estado para adaptar os trabalhadores às novas condições fordistas de

produção de m ercadorias. A universalização da

dom inação passou a ser tam bém hegernonia,

isto é direção intelectual e m oral da sociedade. Pôr todas as questões em torno das quais ferve

a luta, não no plano corporativo, m as num plano

'universal', criando assim a hegem onia de um

grupo social fundam ental sobre um a série de

grupos subordinados.

Convém aprofundar, então, o que significa esse novo eixo da política: a sociedade civil para

o Estado m oderno e para a luta transform adora dos trabalhadores.

A s p e c u lia rid a d e s d a s o c ie d a d e c iv il

c o m o n o v o e s p a ç o p ú b lic o n ã o

-b u ro c rá tic o e tra m a p riv a d a d o E s ta d o

São várias as notas e cadernos nos quais

Gram sci desenvolve a sua noção de sociedade civil

e tenta estudar e expor im portância da m esm a

para a política. Trata-se de aproxim ações diversas

para tentar determ inar esse novo espaço social ativo e atuante no Ocidente, próprio de sociedades

com um a im ensa 'superestrutura' jurídica, política

institucional, relacionada, organicam ente, com a

expansão ela grande indústria m onopolista e

im perialista e com o desenvolvim ento das sua contradições e suas oposições:

N o O riente, o E stado era tudo, a socie-dade civil era prim itiva e gelatinosa; no O cidente, havia entre oE stado e a soci-edade civil um a justa relação e, ao os-cilar o E stado, podia-se im ediatam ente reconhecer um a robusta estrutura da sociedade civil. O E stado era apenas um a trincheira avançada, por trás da qual se situava um a robusta cadeia de fortalezas e casam atas: em m edida

Referências

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