D O S S IÊ G R A M S C I
U M G R A M S C I P A R A O S É C U L O X X I
B a s e s te ó ric a s d a
c o n c e p ç ã o d a p o lític a e
d o E s ta d o m o d e rn o s
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
em Gramsci
LUCIO OllVER COSTILLA*
RESUMO
Este artigo tem como objetivo refletir, com Gramsci e a partir de suas contribuições teóricas nos escritos do cárce-re, sobre três grandes temáticas: 1) as bases de uma con-cepção crítica da política e do Estado modernos; 2) a problemática da ampliação do Estado e da fórmula de hegemonia civil, assim como os novos elementos da ciên-cia política que trazem consigo e, 3) as peculiaridades da complexa noção de sociedade civil e de sociedade auto-regulada.
ABSTRACT
The objective of this article is to reflect on Grarnsci's theoretical contributions in the prison notes, on three major themes: 1. the bases for a critica I conception of polítics and modem state, 2. the state expansion and the civil hegemony formula, as well as, how new política I science reflections treated these themes and 3. the peculiarities of the complex notions of civil society and self-regulated society.
'Doutor em Sociologia, professor titular da Universidade Autônoma do México (UNAM) e Professor Visitante, no
Departamento de Ciências SociaisZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAI Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará (2002-2004).
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
caderno especial 13 (Grarnsci, 2000, vol. III,caderno 13), intitulado
"Breves notas sobre a
política de M aquiavel", é
dedicado, por inteiro, às questões da política e do
Estado m odernos. Nele,
Gram sci faz a crítica da política ocidental e estabelece
o estatuto teórico do Estado e da política na sociedade
m oderna.
Desde a prim eira nota
do caderno 13, Gram scí se
debruça sobre o significado
e o papel da vontade política na sociedade ocidental
m oderna, que, para ele, não é um fato dado, e
sim um processo: "o processo de form ação de
um a determ inada vontade coletiva, para um
determ inado fim político" (Ibid, p. 13). Analisam os alguns aspectos da nota para
dilucidar com o este autor com preende a política
e suas com plexidades na sociedade m oderna,
política que é espaço da iniciativa e da vontade
dos hom ens m odernos para conservar ou transform ar o m undo real.
Na nota m encionada, a m ais conhecida
obra de M aquiavel, O
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P ríncipe, de inícios do século XVI, é posta por Gram sci com o exem plode um a proposta histórica de construção de um a
vontade, ao m esm o tem po m ítica, teórica e
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política: para criar um a
vontade coletiva nacional
popular, processo que, no
caso da criação de um Estado Nacional italiano, levou peito
de quatro séculos]. Na Itália
do século :XX, a referência a
O P ríncipe, de M aquiavel, era um a bandeira de luta
entre as diferentes forças políticas para construir um a
vontade política nacional de
superação conservadora ou
revolucionária da crise do Estado de com prom ísso-.
Sem considerar as
peculiaridades políticas-organízatívas- dessa vontade
política, é preciso esclarecer
que, para Gram sci, a
pro-curada vontade política
nacional popular só poderia
ser um a expressão das tendências históricas
concretas: a vontade com o 'consciência' da necessidade histórica", isto é, um a vontade que
opera 'de acordo' com as necessidades históricas.
Necessidades que, evidentem ente, para inícios do
século :XX, eram outras, se com paradas às da
época de M aquiavel".
Para Gram sci, tais necessidades histórica
teriam de ser encam inhadas no sentido de
superação radical da contradição entre Noite e
Sul, para construir um novo Estado unitário com unista e novas estruturas econôm íco-socíai
alternativas ao capitalism o, os quais não iriam
se im por com o resultado natural do m ovim ento
econôm ico, e sim precisavam da vontade política.
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- '- '
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Refletindo sobre a organização final que
ele gostaria de dar ao desenvolvim ento posterior
do Caderno 13, Gram sci diz:
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
U m a d a s p rim eira s p a rtesZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd e u e r ia p re-cisa m en te ser d ed ica d a à 'vo n ta d e co
-letiva ' a p resen ta n d o a q u estã o d o seg u in te m o d o : q u a n d o ép o ssível d i-zer q u e existem a s co n d içõ es p a ra q u e se p o ssa cria r e se d esen vo lver u m a u o n ta d e co letiva n a cio n a l-p o p u la r? (17)6. (Ele m esm o responde): A s co n d i-çõ es p o sitiva s d evem ser b u sca d a s n a existên cia d e g ru p o s so cia is u rb a n o s, a d eq u a d a m en te d esen vo lvid o s 110ca m -p o d a p ro d u çã o in d u stria l e q u e
te-n h a m a lca n ça d o u m d eterm in a d o n ível d e cu ltu ra h istó rico -p o lítico . Q u a
l-q u e r f o r m a ç ã o d e u m a vo n ta d e n a ci-o n a l p ci-o p u la r é im p o ssível se a s g ra n d es m a ssa s d o s ca m p o n eses cu ltiu a d o res não irro m p em sim u lta n ea m en te n a vid a p o lítica (1 8 ).
Chegam os, assim , ao ponto inicial de
debate: esclarecer por que Grarnsci dá tanta
im portância à questão de explicitar as características, condições e dificuldades do
processo de form ação de um a vontade coletiva
nacional popular, ao m esm o tem po ética e
política"? Evidentem ente, tudo parte da sua valoração da 'vontade', ela 'política' e ela "ética",
com o elem entos necessários, básicos, operosos na sociedade capitalista.
O que é a 'vontade', senão "um ato que
pode ser ou não praticado em obediência a um
im pulso ou a m otivos ditados pela razão'?". Para
se realizar a 'vontade' elos indivíduos e dos grupos sociais, tem que haver previam ente a possibilidade
da existência de tais atos na sociedade. Qual é
essa possibilidade, que estabelece o fundam ento
da vontade política? No final, a pergunta de fundo
é: o que é a política e a vontade política na sociedade m oderna e quais são seus fundam entos
e suas opçóesi"
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
PEF IÓDICOS
A preocupação do prisioneiro do fascism o é a superação desse Estado em crise e atransform ação da sociedade capitalista italiana,
dos anos trinta do século XX, por m eio de um a política orientada para a fundação de um novo
Estado (que fosse um poder em vias de
dissolução) e de novas estruturas econôm icas e
sociais coletivistas. Para Gram sci, se não fosse
criada um a vontade coletiva nacional popular orientada para esse fim político, o m ovim ento
dos trabalhadores industriais poderia perm anecer
prolongadam ente -perm anentem ente - num nível
de força local 'econôrnico-corporativa', podendo chegar inclusive, pela própria dinâm ica de crise
contínua das relações sociais capitalistas, até o
nível geral de solidariedade de classe nacional,
em luta variegada contra o capital (Holloway,
2003), sem por isso os trabalhadores serem
capazes de se desenvolver com o classe dirigente
da sociedade e sem capacidade de dar a esta
um rum o alternativo. Daí a im periosa necessidade
da criação - histórica, política, ideológica - de LIm a "vontade política coletiva nacional popular"
capaz de alcançar o fim político de fundação
de um novo Estado e nova estrutura econôm
ico-social. Gram sci leva para o concreto da história
política do século XX um a tendência social já anteriorm ente definida por M arx, nas lutas
sócio-políticas do século XIX1O. E, nesse sentido,
Gram sci aprofunda histórica e politicam ente as
colocações de M arx , nas condições das sociedades européias de inícios do século XX.
Para Gram sci, no capitalism o, os estados nacionais não aparecem configurados na história
com o conseqüência im ediata e autom ática do
desenvolvim ento das relações sociais capitalistas
m ercantis, m uito em bora se m anifestem com o
coisa 'natural', isto é, decorrente da necessidade de garantir, pela força e pelo consenso, o nexo
social m ercantil, o desenvolvim ento do m ercado interno capitalista e a ordem social capitalista.
Aqui é oportuno lem brar a argum entação teórica
de M arx, segundo a qual, no capitalism o,
o próprio desenvolvim ento das capacidades
produtivas dos hom ens e a contínua divisão do
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zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
trabalho m ercantil criam o (poder do) dinheiro e (do) Estado, com o 'com unidade abstrata,
ilusória e estranhada'
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(M arx, 1846, M arx 1857), opondo indivíduo m ercantil às relações sociaisque reproduzem o intercâm bio e a valorização
do valor. M as, para Gram sci, as relações m ercantis e as relações capitalistas podem
perm anecer prolongadam ente num nível de
fragm entação local e de poder 'econôm ico
corpora tivo ', se em um a dada sociedade
capitalista não se desenvolve em seu interior
um a vontade política ativa, orientada para a
criação de um Estado Nacional; isto é, para ele,
um a dada sociedade ca pitalista pode existir prolongadam ente no plano local ou regional e,
. e não conseguir criar esse estado nacional, esse
poder público particular que se constrói a partir ela vontade dos hom ens, essa dada sociedade
local pode ficar m uito atrás das outras sociedades
capitalistas - com o já aconteceu com a sociedade italiana anterior a 1875, dividida em m últiplos
principados, dom inados por forças tradicionais,
e. pecialrnente pelos latifundiários. Além disso,
com o a ordem social capitalista é intrinsecam ente
desarticulada e orientada à crise (Holloway, 2003), precisa de um Estado aciona Ique garanta
tal ordem l'o Governo é o órgão da sociedade para a m anutenção da ordem social'(M arx, 187')].
A consecução do Estado Nacional e de
novas estruturas sociais e nacionais está associada
à luta política dos cidadãos e das classes num a
determ inada realidade histórica nacional. Para
Gram sci, no entanto, a realidade 'efetiva' é um a
dada 'relação de forças'. Na nota 16, do m esm o
caderno 13, afirm a:
o
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p o lítico em . a toZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé u m cria d o r, u m su scita d o r, m a s n ã o cria a p a rtir d on a d a n em se m o ve n a va zia a g ita çã o d e seu s d esejo s e so n h o s. T o m a co m o b a se a rea lid a d e efetiua: m a s o q u e é
esta rea lid a d e efetiva? S erá a lg o está -tico e im ó vel, o u , a o co n trá rio , u m a relaçâo d e fo rça s em continuo m o
vi-m en to e m u d a n ça d e equilibrio? A p
li-112
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ca r a vo n ta d e à cria çã o d e u m n o vo eq u ilíb rio d a sfo rça s rea lm en te existen -tes e a tu a n -tes, b a sea n d o -se n a q u ela d e-term in a d a fo rça q u e se co n sid era p ro g ressista , fo rta lecen d o -a p a ra fa
zê-Ia triu n fa r, sig n ifica co n tin u a r m o ven -d o -se n o terren o d a rea lid a d e efetiva , m a s p a ra d o m in á -Ia e su p erá -Ia (3 5 ).
o
problem a, então, é entender porque e com o, para M arx e para Gram sci, a realidadeefetiva é um a relação de forças, e com o a caracterizam .
Para M arx, a atividade política na sociedade capitalista tem sua raiz na existência da pessoa
juridicam ente livre!' (M arx, 1867). A liberdade
jurídica é conseqüência da dissolução das relações
de dependência pessoal, do desm antelam ento
das relações feudais ou com unitárias, do
desenvolvim ento de novas forças produtivas e da divisão do trabalho social (M arx, 1857, Introdução).
Todavia, trata-se de um a liberdade econôm ica e
politicam ente lim itada e 'condicionada', em
prim eiro lugar, pelas próprias relações m ercantis
e capitalistas que dom inam os indivíduos, criando
o poder do dinheiro e do capital; nesse sentido,
pela própria existência do Estado com o poder social geral (neste caso, é o Estado com o
totalidade social) que os indivíduos geram com a
sua atividade, m as que não controlam e que se
opõe a eles; e, em segundo lugar, pelo Estado
político, Estado particular que se constrói
voluntariam ente com o poder público específico. Contudo, a liberdade, com o capacidade de agir
pela própria determ inação, sem constrangim entos
pessoais externos, com o autodeterm inação do
indivíduo nos distintos planos da sua vida privada
e pública, existe com o um fato real na sociedade, ainda que, nos interstícios da produção capitalista,
se transform e em um a 'não-liberdade', perante a
propriedade privada dos capitalistas e perante o
poder do capital de se apropriar do trabalho social
- dado que os trabalhadores não podem se
apropriar dos seus próprios produtos nem da m ais-valia criada por eles e vêem -se obrigados a
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srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
BCH-U
r:-''',
P E R iÓ D IC O
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vender sua única propriedade, sua força de
trabalho, com o m ercadoria e com o base da acum ulação do capital. M as, de toda form a, a
liberdade existe no plano do direito e do Estado
político parcial: as leis do Estado estabelecem que todos os hom ens são iguais e livres perante
a sua propriedade e perante o próprio poder
político, em bora seja um poder particular que,
além de garantir o contrato e a ordem social, os
subm ete.
A liberdade política, com relação ao
Estado, é conseqüência da existência da liberdade
jurídica, liberdade perante as leis, dos hom ens
livres na sociedade m ercantil capitalista. No
entanto, a expressão passiva dessa liberdade está
na resistência à intervenção do Estado nos
assuntos privados; a liberdade tem esse aspecto,
de proteger civilm ente o indivíduo perante a potencial introm issão do Estado ou dos outros
indivíduos nos assuntos próprios de cada um ,
tais com o a sua propriedade e seguridade, nesse
sentido, a liberdade serve aos próprios capitalistas
para im pedir o Estado de se im iscuir na sua
propriedade, e serve aos trabalhadores para defender a propriedade da sua m ercadoria, força
de trabalho. Isto é, se trata de um a liberdade
política dentro das condições de um a
não-liberdade social do indivíduo contem porâneo.
M as a liberdade tem , tam bém , um lado ativo, que se m anifesta no sentido da possibilidade de
se usar essa liberdade para realizar a 'vontade'
política; usar a liberdade perante o Estado político
para definir seus fins: para influir nos assuntos
do Estado político, desse Estado que é parcialidade abstrata e lim itada perante o
verdadeiro Estado social - as relações sociais
m ercantis capitalistas - que, no entanto, é um
poder estranho e oposto, perante o qual o
indivíduo nào pode fazer nada, sendo o
capitalism o o m odo de produção prevalecente.
O indivíduo m oderno é livre e, no uso dessa sua liberdade, ele pode se associar com
outros indivíduos e desenvolver potencialidades
políticas e históricas para influir nos assuntos
do Estado político, para m odelar esse Estado
abstrato. M arx expressa assim a questão na crítica
ao Program a de Gotha:
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A liherdade consiste em converter o
E stado de órgão que está por cim a da sociedade em um órgão com pletam ente subordinado a ela (M arx, 1875);
no entanto, ele está consciente de que é im possível fazer isso plenam ente, se não alterar
as relações sociais fundam entais (o Estado social
total). Contudo, a existência da liberdade política
é resultado de um a conquista histórico-política durante os séculos XIX e XX, e não de um a
dádiva do poder.
No plano da possibilidade dos indivíduos
participarem dos "assuntos do Estado", isto é,
dos assuntos da "com unidade ilusória" (M arx, 1846), a livre determ inação ideológica, a livre
associação, a organização autônom a e a
participação dos indivíduos e das classes no
assuntos do Estado são a expressão ativa dessa
liberdade dos indivíduos m odernos na, atual
sociedade de livre concorrência, já não subm etidos a relações de dependência pessoal
(M arx, 1857, Introdução). Desta form a, as classe'
e os indivíduos, com o cidadãos, podem definir
"politicam ente", isto é, no plano do Estado
"abstrato", a orientação dos assuntos do Estado. M as, de qual Estado? Do Estado do capital e do
dinheiro im possível, todavia, do Estado político, sim .
Tam bém para M arx, os assuntos do Estado
político estão sem pre determ inados por um a dada
'relação de forças', dentro da qual o Estado pode estar definido pela hegem onia dos capitalistas
ou, inclusive, no pólo oposto, pela hegem onia
dos trabalhadores. Só que no caso dos
trabalhadores, tanto para M arx com o para
Gram sci, o desenvolvim ento das suas lutas deveria levá-los a colocar em xeque o estado de
coisas e o poder político estranhado e abstrato.
O Estado é a 'com unidade política' da
sociedade capitalista m ercantil; sociedade que
para os indivíduos é abstrata, estranhada e ilusória; em bora, tal com unidade tenha que se
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construir na terra, existir com o com unidade
política concreta (isto é, com o Assem bléia
Constituinte, com o Constituição, com o Assem bléia
Leg islativa , com o Poder Executivo, com o burocracia civil e m ilitar), assim com o se assentar
num a dada "civilização". A com unidade do
dinheiro e do capital tom a corpo com o criação
de um a entidade política particular, a "sociedade política", definida pelos cidadãos e autônom a
em relação a eles, ainda que 'm ediada por eles'.
M as, os cidadãos são os m esm os indivíduos livres
do m undo m ercantil, participando dos assuntos gerais do Estado político - com unidade abstrata
e ilusória -, e eles protegem seus interesses particulares, a sua propriedade, a propriedade
privada, com o parte de sua existência vital, quase
natural, no m undo da produção m ercantil, e
tam bém no m undo do trabalho e da com pra e
venda de m ercadorias. Nesse sentido, o Estado
político desce até as próprias relações que regulam a duração da jornada de trabalho
Teixeira, 2004). Em bora, a com unidade abstrata
que se faz sociedade política concreta continue
endo um espaço separado da sociedade. A
. ociedade capitalista m ercantil não é diretam ente social, é, ao contrário, diretam ente privada;
inclusive, na produção capitalista os trabalhadores
não geram um produto social, e sim um produto
particular, apropriado pelos capitalistas, com o
valor que tem se valorizado, expressão de. envolvida da contradição entre valor de uso
e valor. Por isso, a sociedade política não pode
expressar o social coletivo - inexistente -, e sim
o interesse particularizado de indivíduos ou de classes particulares fragm entadas. As próprias
ela: ses só existem com o realidade social geral;
e. tritam ente falando, não existem com o tais no
m undo privado de indivíduos atornízados: só
existem com o desenvolvim ento 'político ideológico', ainda que seu fundam ento exista
na produção capitalista m ercantil; no entanto, aí
existem o trabalho assalariado e o capital. E, com o
desenvolvim ento político ideológico, as classes e constroem na instabilidade e desarticulação
próprias do m ovim ento do capitalism o e, na luta
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REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N.2por hom ogeneizar-se, desenvolver a sua consciên . e sua auto-organização, num a determ inada relaçã
de forças com as outras classes, relação que em contínua transform ação. Daí que os intelectuais
e os políticos sejam tão im portantes para
construção das classes. Essas classes procuram
dar ao seu interesse particular um a universalização m as essa universalizaçào, construída ideológic;
e politicam ente por elas, não existe na realidade
Por isso, a sociedade política, ainda que sej
um a encarnação real, ela tam bém é um univer a;
com o ficção.
Com o pode o Estado estranhado com o com unidade ilusória e abstrata ser m odelado pelo
indivíduos e pelas classes? Até onde? Para M arx.
só até o ponto de essa com unidade estranhada se
transform ar num a com unidade política, abstraída
das relações sociais reais; com unidade que possa canalizar am plam ente os assuntos públicos e
privados diversos, sem contradizer os pressuposto
da sociedade capitalista m ercantil. Para ele, com o
para o Gram sci, a influência dos trabalhadores na com unidade política pode chegar até a colocar
em questão as bases privadas da sociedade, e,
portanto, até gerar um a crise política fundam ental .
Para Grarnsci, até o Estado político se ver num a
situação na qual a classe trabalhadora m ajoritária im ponha a esse Estado seu interesse particular
com o interesse coletivo universal. E qual é o
interesse particular da classe trabalhadora/!ê. Para
M arx, esse interesse histórico é o com unism o
'm ovim ento real que enfrenta e anula o atual estado
de coisas' (M arx, 1846); m ovim ento para abolir todas as form as sociais de dom inação, para criar a
produção diretam ente social e abolir a produção
m ercantil capitalista e a propriedade privada da grande indústria num plano m undial, para criar a
produção social dos indivíduos, a partir das potencialidades da pós-grande indústria inteligente
dos trabalhadores coletivos com binados e da cooperação com plexa (M arx, 1857; Teixeira, 2004),
processo que, segundo a história política européia, pode se realizar sob a form a de um Estado
não-Estado, com o a Com una de Paris, ou num Estado
com o os soviets, com o era no projeto de Lênin,
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antes da presidência de Stalin e da deform ação do
processo socialista inicial; sendo que esse Estado
com una nào é o fim , e sim "a form a" dentro da
qual esse processo do com unism o pode se produzir
(M arx, 18')7;M arx, 1871; Lênin, 1917;Teixeira,2004), M as, a cidadania é histórica e contraditória. Por isso, o processo está associado tam bém à luta de
classes
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I:)e ao desenvolvim ento de um a concepçãoprogressista da cidadania, isto é, ao desenvo-lvim ento da participação dos indivíduos, com o
cidadãos, nos assuntos do Estado.
Para o G ram sci de 1932, atualizando o
argum ento de M arx, o interesse dos trabalhadores
na luta por m udar a correlação de forças da realidade efetiva está em desenvolver a
hegem onia operária ético-político, na sociedade
civil e na sociedade política, e apresentar seus
interesses, com o projeto universal, visando à criação de um Estado em processo de
desm antelam ento, dinam izado por um a sociedade civil auto-regulada (G ram sci, vol. III,
caderno
6
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M iscelânea, nota 12, evol, III, caderno 6 M iscelânea, nota 88). Só assim a sociedadepode ser livre, isto é, subordinar o Estado do
capital a si m esm a, transform ando, ao m esm o
tem po, as próprias relações sociais que dão origem ao Estado do capital.
A política, com o influência nos assuntos
do Estado político, m esm o que se expresse com o
influência dos cidadãos e com o luta entre diversas classes dirigentes na sociedade política e na
sociedade civil, nos fatos reais é luta entre os
grupos sociais fundam entais de um a dada sociedade, firm em ente enraizados nas relações
sociais de produção, m obilizados e projeta dos
ideológica e politicam ente.
(. ..) de fato, na política o elem ento volitivo tem um a im portância m uito m aior que na diplom acia. N as relações
internas de um E stado, a situação é
incom paravelm ente m ais favorável à iniciativa central, a um a vontade de com ando (G rarnsci, 2000, vol. III, ca-derno M iscelânea 6, nota 86: 241).
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JPERiÓDICOS
N esse sentido, a política não é a atividadedos indivíduos num plano separado da vida
social e sem relação com a sua função na
econom ia. Pelo contrário, a política é a atuação de um a força social no plano do Estado político,
organicam ente vinculado com a econom ia,
dentro da totalidade da sociedade, com base na
própria força desse m esm o grupo social no
plano da produção. Por isso, G ram sci diz:
É no m ínim o estranha a atitude do
econom icism o em relação às
expres-sões de vontade, de ação e de iniciativa política e intelectual, com o se estas não
fossem um a em anação orgânica das
necessidades econôm icas, ou m elhor, a única expressão eficiente da econo-m ia ... Se a hegeecono-m onia é ético-política
não pode deixar de ser tam bém
eco-nôm ica, não pode deixar de ter seu
fundam ento na função decisiva que o
grupo dirigente exerce no núcleo deci-sivo da atividade econôm ica (48).
Pode um a classe social m oderna ser
dom inante no plano da produção, ou seja,
apropriar-se do trabalho social para seus interesses, e não interferir, isto é, deixar 'livre', o
plano político dos interesses gerais e da
consciência das sociedades? O u, pelo contrário,
essa possibilidade de se apropriar do trabalho social se expressa tam bém com o luta por m odelar
o Estado e por criar, no plano privado, um tipo de 'civilização' e um tipo de orientação do
interesse com um ?
o
conteúdo lógico da ciência políticapoderia ser form ulado inclusive nos
períodos de pior reação. N ão é talvez a reação, tam bém ela, um ato constitutivo de vontade? E não é ato voluntário de conservação? P or que então, seria 'utó-pica' a vontade revolucionária ... e não
a vontade de quem pretende conservar o existente e im pedir o surgim ento e a
COSTILLA, LUCIO OUVER
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organização de forças novas que
per-turbariam e subuerteriam
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o equtlibrio tradicional (vol. III, caderno 6 Miscelâ-nea, nota 86: 241).
Acum ular capital é tam bém reproduzir a
sociedade estabelecida a partir da com pra e
venda de m ercadorias; sociedade dos indivíduos
livres, da qual são forçados a participar com o trabalho vivo social, a serviço da valorização do
valor. M as é tam bém lutar por obter e m anter a
direção dessa sociedade no plano da civilização,
da consciência e da política. Por isso, para os
próprios capitalistas, um a relação de forças favorável na estrutura econôm ica, no plano das
relações sociais objetivas, tem que se projetar
com lutas no plano da consciência e da política
para m oldar estes no m esm o sentido da
dom inação que se exerce na econom ia. Com o afirm a Gram sci na nota 17, dedicada a analisar
os diferentes níveis de relações de forças:
A questão particular do m al-estar ou do bem -estar econôm icos com o causa de novas realidades históricas é um as-pecto parcial da questão das relações deforça em seus vários graus. P odem -se produzir novidades ou porque um a situação de bem -estar é am eaçada pelo
egoísm o m esquinho de um grupo
ad-versário, ou porque o m al-estar se tor-nou intolerável e não se vê na velha
sociedade nenhum a força capaz de
m itigâ-lo e de restahelecer um a norm a-lidade através de m eios legais. P ode-se dizer. portanto. que todos estes elem en-tos são a m anifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto
das relações de força, em cujo terre-no uerifica-se a transform ação destas
relações em relações políticas de força, para culm inar na relação m ilitar
de-cisiva. Se não se uerifica este processo de desenvolvim ento de um m om ento a outro - e trata-se essencialm ente de um
116
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V. 35 N.2processo que tem com o atores os
ho-m ens e a vontade e capacidade dos
hom ens -, a situação se m antém
inoperante e podem ocorrer desfecbos contraditórios: a velha sociedade resiste e garante para si um período de 'tom
a-da de fôlego', exterm inando fisicam en-te a elien-te adversária e aen-terrorizando as m assas de reserua; ou, então. verifica-se a destruição recíproca das forças em conflito com a instauração da paz dos cem itérios, talvez soh a vigilância de um sentinela estrangeiro (45).
Cabe a pergunta: qual é, afinal, a
im portância da política para os trabalhadores
m odernos poderem influir nos assuntos do
Estado político e, da luta intelectual para influir
na consciência da sociedade? A im portância, no
final, está dada porque é aí, no Estado e na fase da hegem onia, que se decide a m anutenção das
contradições da sociedade ou sua resolução:
E sta é a fase m ais estritam ente política, que assinala a passagem nítida da es-trutura para a esfera das superestrutu-ras com plexas ( ...) OE stado é certam ente concebido com o um organism o próprio de um grupo, destinado a criar as
con-dições favoráveis
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à expansão m áxim a desse grupo, m as este desenvolvim entoe esta expansão são concehidos e apre-sentados com o a força m otriz de um a expansão universal, de um desenvolvi-m ento de todas as energias nacionais; isto é. ogrupo dom inante é
coordena-do concretam ente com os interesses
gerais dos grupos suhordinados e a vida estatal é concehida com o um a contínua
form ação e superação de equilíhrios
instáveis (no âm hito da lei) entre os in-teresses do grupo fundam ental e os in-teresses dos grupos su b o rd in a d o s, equilíhrios em que os interesses do gru-po dom inante prevalecem , m as até um
D O S S IÊ G R A M S C I
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
determ inado ponto, ou seja, não até
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
oestreito interesse econôm ico-corporatioo
(Gram sci, vo1.
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
III,cadem o 13, nota 17: 42).Assim , Gra m sci destaca, em grande
coerência com M arx, a função da política na
sociedade capitalista: a política é o espaço da
consciência dos conflitos da sociedade m oderna e da luta para resolvê-los. Diz M arx, no Prefácio,
de 18'59, à C ontribuição
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à C rítica a E conom ia política: [num a época na qual]c..) as forças produtiuas m ateriais da
sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ... as form as jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resum o, as form as ideológicas (p.130); [são as
for-m as] pelas q u a is os hom ens tom am consciência deste conflito e lutam por resoluê-lo(ihid).
Pelo escrito anteriorm ente, podem os
concluir que M arx precisou fazer a crítica da
econom ia política para conhecer as leis do
m ovim ento da sociedade capitalista. No entanto,
Gram sci desenvolveu a crítica das form as ideológicas (incluídas as form as políticas) para
contribuir à luta dos trabalhadores para tom ar
consciência e resolver os conflitos desta
sociedade, superando-a.
A esse respeito, Gram sci desenvolve um a
longa argum entação no caderno 10 (vol. I,
1932-193'), Sobre a Filosofia de Benedetto Croce),
destacando, justam ente, o papel ativo da
política na história, e o papel da filosofia da
práxis na política das classes trabalhadoras (ou
subalternas), na qualidade de um a teoria das
contradições da sociedade capitalista e dos m eios para enfrentá-Ias:
P ara a filosofia da p r â x is , as superes-truturas são um a realidade objetiva e operante, ela afirm a explicitam ente
que os hom ens tom am consciência da
sua posição social (e, conseqüentem en-te, de suas tarefas) no terreno das
ideo-logias, o que n ão é pouco com o
afirm ação de realidade; a própria
filo-sofia da práxis éum a superestrutura, é o terreno no qual determ inados gru-pos sociais tom am consciência do pró-prio ser social" da própria força, das próprias tarefas, do próprio d e o ir . . . . A
f ilo s o f ia da práxis ... não tende a
resol-ver pacificam ente as contradições exis-tentes na história e na sociedade, ou, m elhor, ela é a própria teoria de tais contradições; não é o instrum ento de
governo de grupos dom inantes para
ohter o consentim ento e exercer a
hegem onia sobre as classes subalternas, éa expressão destas classes subalternas,
que querem educar a si m esm as na
arte de governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades, inclusive as desagradáveis, e em evitar os enga-nos (im possíveis) da classe superior e,
ainda m ais, de si m esm as .... Se os
ho-m ens adquirem consciência de sua
posição social e de seus ohjetivos no ter-reno das superestruturas, isto significa que entre estrutura e superestrutura existe um nexo necessário e vital (vol. 1: 388-389),
Para os trabalhadores europeus e latino-am ericanos, desenvolver um a política independente
e autônom a, visando a transform ação do Estado político e a criação de novas estruturas econôm icas
e sociais, tem sido um a prática extrem am ente difícil
nos últim os dois séculos. A absoluta m aioria de
partidos e m ovim entos dos trabalhadores ficou
ancorada nas redes da ideologia dom inante, da
burocracia do poder, do reform ism o político, até o ponto de term inar fazendo parte das estruturas
ideológicas e políticas das classes dirigentes e
dom inantes capitalistas. Hoje, na fase atual da
produção pós-grande indústria, essa tendência de subordinação ideológica e de inclusão subordinada
COSTILLA, LUCIO OLlVER
117
D O S S IÊ G R A M S C I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dos trabalhadores fabris acentuou-se, em oposição
à situação de exclusão de um a nova m aioria de desem pregados, m igrantes ilegais, velhos, jovens.
Um resultado de tudo isso é o desencanto da
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
in tellig en tsiacrítica com a política (O liver Costilla, 2003), e a visão do Estado capitalista atual com o
fortaleza fechada aos trabalhadores independentes, esquecendo, com isso, que a política é um a relação
social de forças no Estado político, dentro dos
lim ites do Estado do capital. A burocratizaçào
crescente da sociedade política, ligada às leis e
aos com prom issos com a acum ulação do capital,
tem sido contornada com o espaço de dom ínio
quase absoluto da lógica do capital e do Estado
abstrato; daí que se o horizonte da luta social só fosse a sociedade política, estaríam os sim , perante
o verdadeiro fim da política com o relação aberta
de forças. Em bora, com o Gram sci esclarece na
nota 18 do Caderno 13, o Estado político não seja
só sociedade política; Estado é tam bém sociedade
civil, e, neste âm bito, a possibilidade de disputa
ideológica e política com a hegem onia dom inante está aberta.
Conform e referi no terceiro ponto deste artigo, no plano da sociedade civil os hom ens
têm a possibilidade de desenvolver a sua
liberdade com horizonte m ais am plo que na
ociedade política, justam ente porque, na
sociedade civil, os hom ens não estão lim itados diretam ente pelas regulam entações e pelas leis
político-jurídicas. No plano da vida privada, da
cultura, da m oral idade, os hom ens podem pensar,
lutar e se organizar para form arem um a
verdadeira com unidade pública de consciência,
cultura e decisão política. Nesse plano, o próprio
Gram sci já tinha experim entado vivências
m arcantes, em Turim , com os Conselhos de Fábrica, órgãos 'livres' dos trabalhadores nas
próprias fábricas para dirigir a produção em
oposição à direção dos próprios capitalistas.
esse m esm o plano da sociedade civil, os
trabalhadores da
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Rússia czarista criaram , em 1905 e logo no final da I guerra m undial, os ConselhosSoviéticos, com o expressão autônom a da sociedade civil, num a situação de extrem a
118
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N.2fraqueza do poder institucional do Estado político
capitalista; em 1917, perante a fraqueza do poder do Governo provisional de Kerenski, e, justam ente
por isso, Lênin (1917a), nas "Tarefas do
proletariado na nossa revolução" (Teses de Abril),
expressou que o trabalho político do partido
com unista, nos Conselhos Soviéticos, teria que
ser prim ordialm ente ideológico, isto é, convencer os trabalhadores de que esse órgão teria que ser
o verdadeiro Estado, em oposição ao Estado
form al do Governo provisional, e, ao m esm o
tem po, teria que ser um "Estado não-Estado",
ou seja, um Estado subordinado a um a sociedade em transform ação, livrem ente optante pelo
socialism o; Estado este que Gram sci cham ará
Estado da sociedade auto-regulada.
Vejam os, então, com Grarnsci, porque a
política não é um a utopia para as classes trabalhadoras:
A ciên cia p o lítica 'a b stra i' o elem en to 'vo n ta d e' e n ã o leva em co n ta ofim a
q u e u m a vo n ta d e d eterm in a d aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé a p li-ca d a . O a trib u to 'u tó p ico ' n ã o é p ró
-p rio d a vo n ta d e -p o lítica em g era l, m a s d a s vo n ta d es p a rticu la res q u e n ã o sa -b em lig a r o m eio a o fim e, p o rta n to , n ã o sã o n em m esm o vo n ta d e, m a s ve-leid a d es, so n h o s, d esejo s, etc. (vol, III, caderno 6 M iscelâ n ea , nota 86: 243).
Assim , um a questão fundam ental da contribuição de Gram sci para as ciências sociais
é a sua valoraçào crítica e, ao m esm o tem po
propositiva, da política e do Estado m odernoS.
Nesse sentido, bem poderia dizer-se que os Cadernos são um tratado crítico da ciência política
ocidental da sua época, assim com o o
desenvolvim ento de um a ciência política
alternativa, orientada a um novo fim político:
o da criação de um a sociedade auto-regulada,
na qual a política e o Estado vão se desm anchando
com o relações sociais coisificadas e estranhadas, para serem subsum idos pela própria sociedade
civil organizada.
D O S S IÊ G R A M S C I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A política, no entanto, se produz tanto
nos espaços sociais com o nos espaços institucionais. Passem os. agora, a analisar com o
Gram sci entende a relação entre estes diferentes
espaços.
A tra n s fo rm a ç ã o d o E s ta d o m o d e rn o
n o s fin a is d o s é c u lo X IX e
n o in íc io d o s é c u lo X X
Na nota 7 do Caderno 13, Gram sci inova a
concepção de Estado ao esclarecer as profundas m udanças político-institucionaís que o Estado
ocidental sofreu no período posterior a 1870-71
(vol.Ill, Caderno 13, nota 7). Esta idéia fundam ental, infelizm ente não é desenvolvida
com profundidade pelo autor em outras notas, em bora faça referência a ela na nota 17 do m esm o
caderno, e na nota
16
do CadernonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M iscelânea 7, do vol. Ill. No entanto, na nota 7 m encionada,Gram sci alude às profundas inovações nos
elem entos econôm icos, sociais, políticos e
culturais dos Estados m odernos!"; e na nota 138
do caderno
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
6
M iscelânea, do m esm o volum eIll, expressa que, com estas transform ações,
produziu-se
(. ..) a passagem da guerra de m ovim
en-to
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
àguerra de posição tam bém no cam -po -político', e "esta m e parece a questãoda teoria política m ais im portante pos-ta pelo período dopôs-guerra e a m ais
d ificil de resolver corretam ente (vol. 1Il, Caderno 6, nota 138: 255).
Assim tam bém , na nota 7 m encionada,
assinala que
(. ..) as relações de organização inter-nas e internacionais do E stado tornam
-se m ais com plexas e robustas; e a
fórm ula da 'revolução perm anente',
própria de 1848, é elaborada e
supe-rada na ciência política com a fórm u-la de 'begem onia civil (ibid, p. 24).
Qual a argum entação para estas drásticas
afirm ações? E qual o conteúdo da fórm ula de 'hegernonía civil'? Por que, para Gram sci, a guerra
de posição é a questão da teoria política m ais
im portante, posta pelo período do pós-guerra?
Prim eiro, na sua argum entação, Gram sci
detalha com o eram a política e o Estado na Europa, antes de 1871, depois da Grande
Revolução Francesa de 1789:
C onceito político da cham ada 'revolu-ção perm anente' surgida antes de 1848 com o expressão cien tifica m en te elabo-rada das experiências ja c o b in a s de 1789 ao T erm idor ( ib id ) .
Aparentem ente, Gram sci faz referência à
noção desenvolvida na "M ensagem de 1850", do Com itê Central à Liga dos Com unistas, onde M arx
acunhou o conceito:
A s petições dem ocráticas não podem nunca satisfazer ao partido dop r o le t a
-r ia d o . T odavia, a dem ocrática pequena burguesia desejaria que a revolução ter-m inasse tão logo tenha visto as suas as-pirações m ais ou m enos s a t is f e it a s , nosso interesse e nosso dever é fazer a revolu-ção perm anente, m antê-Ia em m archa até que todas as classes possuidoras e dom inantes sejam desprouistas de seu poder, até que a m aquinaria governa-m ental seja ocupada pelo proletariado e, a organização da classe trabalhado-ra de todos os países esteja tão adianta-da, que toda rivalidade e concorrência entre ela m esm a tenha acabado e, até que as m ais im portantes forças de pro-dução estejam nas m ãos do proletaria-do. P ara nós, não é questão reform ar a propriedade privada, e sim acabar com ela; de m inorar os antagonism os de clas-se. e sim acabar com as classes. de m e-lhorar a sociedade, e sim estabelecer um a nova (M arx, 1850).
COSTILLA, tucio OLlVER
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D O S S IÊ G R A M S C I
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
im portante observar que, na ótica doM arx de 18S0, a luta social no capitalism o se
transform aria num a luta política quase
espontaneam ente, pelo contexto de contínua
instabilidade econôm ica, pela inevitabilidade
das crises econôm icas, e, portanto, pelo
aparecim ento, com o que natural, de um a
esperada crise política. M arx, no capítulo final
do texto
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A s lutas de classes na F rança, diz claram ente que, para ele, o governo poderia estarm om entaneam ente estável, m as um a nova
revolução seria inevitável, pois um a nova crise
econôm ica tam bém o seria (M arx, 1849).
Assim , a via para enfrentar o governo
pequeno burguês triunfante, depois da esperada
queda do governo burguês reacionário, seria a continuação da revolução para que a classe
trabalhadora tom asse o poder, com o classe
independente.
Todavia, nas condições
histórico-político-institucionais da Europa de m eados do século
XIX (condições de pouca inserção
ideológico-política do governo - da sociedade política
-nas m assas), para que os trabalhadores pudessem
conseguir êxito na hora da crise, era necessário
trabalhar política e ideologicam ente antes, para
criar e desenvolver os clubes políticos operários
e, dentro deles, lutar por um a organização e
um a política próprias e independentes, dos
trabalhadores:
A fim de estar efetivam ente em
condi-ções de se oporZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà dem ocracia pequeno burguesa, é necessário, em prim eiro
lugar, que os trabalbadores estejam organizados em C lubes, que serão logo centralizados. A autoridade central, depois da queda do G overno existente. trasladará seus quartéis na prim eira ocasião à A lem anha; im ediatam ente reunirá um C ongresso e fará as neces-sárias proposições para a centralização dos C lubes de operários soh um C om i-tê E xecutiuo, que residirá no centro do m ovim ento. A rápida organização, ou,
120
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35
N.2
pelo m enos o estabelecim ento de um organism o provincial de C lubes operá-rios, é um dos m ais im portantes pontos de nossas indicações para fortalecer e desenvolver o partido dos trabalhado-res. O resultado im ediato da queda do G overno existente será a eleição de um a representação nacional ( I b i d ) .
Na época da cham ada revolução perm
a-nente, a política se fazia num a situação de
instabilidade contínua, devido a que a nova
econom ia capitalista européia sofria de recorrentes 'crises econôm icas', que expressavam
as contradições da sociedade m ercantil junto a
novas oposições da relação capitalista, e
atentavam contra a estabilidade da acum ulação
e do consum o, das im portações, das exportações,
dos em pregos, dos salários, fato que, portanto,
criava um forte 'distanciam ento' na relação das
m assas com os governos isto é, um a 'crise'
política. Os protestos e a oposição se canalizavam
no sentido de um a luta de m ovim ento, isto é, no
sentido de um a m obilizaçào da população nas
ruas, dirigida pelos clubes políticos, líderes, jornais, para concitar as m assas a exigir, nas
praças, um outro Governo e a com bater com as
arm as e a presença da própria população, os bastiões do Governo vigente, para que um novo
Governo, m ais avançado, o substituísse. Depois
da luta, as m assas voltavam para a vida privada
não-política, ou seja, para a vida social privada,
caracterizada pela vida fam iliar e de bairro, pelo trabalho extenuante, pela vida religiosa, pelo
ócio ocasional e reduzido. Política, nesse
contexto, era a luta em ocasiões especiais de
crise, para concitar o apoio popular de m assa
em geral às exigências revolucionárias, o
m ovim ento de classes e setores de classes para um a ação política direta, no sentido de derrocar
o governo e colocar outro governo no poder. Prevaleciam condições que possibilitavam um a
ação serni-espontânea de m assas inconform ada .
que só precisavam da condução de pequeno.
grupos organizados em clubes, para procurar
D O S S IÊ G R A M S C I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um a luta exitosa. Inclusive, no caso do
funcionam ento norm al da Assem bléia Nacional
de França, de 1848-51, a luta entre partidos dentro
da assem bléia estava estreitam ente vinculada às
crises na sociedade e na política, à luta direta nas ruas das m assas, das classes e dos setores
de classe contra o governo. As econom ias eram
relativam ente fechadas nacionalm ente (os
Governos oscilavam entre o m ercantilism o e o
liberalism o), as instituições estatais e políticas eram precárias, exceto a burocracia; os
cam poneses, com poucos direitos políticos
reconhecidos perm aneciam expectantes, e o confronto se desenvolvia principalm ente pelas
classes urbanas, ora excluídas e ora incluídas
na política form al, contra pequenos exércitos
sernídesm oralízados e isolados, nas principais
cidades capitais (Paris, Berlim , Londres).
Grarnsci caracteriza a situação assim :
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A fórm ula - revolução perm anente -
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é própria de um período histórico em
que não existiam ainda
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
osgrandes par-tidos políticos de m assa eosgrandessin-dicatos econôm icos, e a sociedade ainda estava sob m uitos aspectos, por assim dizer, 110 estado de fluidez: m aior
atraso do cam po e m onopólio quase com -pleto da e f ic iê n c ia político-estatal em poucas cidades ou até m esm o num a só (P aris, para F rança), aparelho estatal
relativam ente pouco desenvolvido e
m aior autonom ia da sociedade civil em relação à atividade estatal, determ ina-do sistem a dasforças m ilitares e do ar-m aar-m ento nacional, m aior autonom ia
das econom ias nacionais em face das
relações econôm icas do m ercado m un-dial, etc.(vol. 3, Caderno 13, nota 7: 24).
Institucionalm ente, o Estado nessa época
era constituído na sua totalidade pela sociedade política. E a política institucíonal tinha poucas
ligações estruturais com as m assas, recentem ente
saídas da situação de servidão. Por exem plo, na
França de Luís Felipe de Orleans, de 1830 até 1847, a população que participava da política
eleitoral e parlam entar, população que fazia
política propriam ente dita, era form ada por 250
m il cidadãos, de um total de 30 m ilhões de
habitantes (M arx, 1849, prim eiro capítulo),
em bora, hoje, possam os dizer que a m aioria tinha sido já m odelada, ideologicam ente, pelo m enos
na França, pelas lutas da revolução de
1789-1793, e pelo Código Napoleônico, isto é, pelos ideais gerais de igualdade e liberdade. No entanto,
a adesão das m assas aos governos não era
política nem institucional, e sim ideológica, religiosa ou tradicional. Com um ente, se tratava
de m assas excluídas da política, ou seja,
'a políticas'.
No decorrer do século XIX, foi se
desenvolvendo o capitalism o im perialista com o
m odo de produção nacional e internacional, junto a um a am pla burocracia civil e m ilitar que se
apoderava de todas as funções estatais e
com unitárias, e junto às form as
jurídico-institucionais de m ediação política, herdadas das m onarquias constitucionais, cada vez m ais
definidas pelo predom ínio crescente do sufrágio
universal m asculino (França m eados do século
XIX, Alem anha finais de século XIX, Inglaterra,
inícios de século XX; M éxico, Brasil, Argentina, inícios de século XX). Com isso, foi se criando
a sociedade privada dos indivíduos ideológica e
politicam ente organizados, e a participação das
m assas na vida política foi se desenvolvendo
com o luta perm anente de um a população
privada, isto é, independente dos funcionários do Estado e dos governos I').Assim , foi-se criando
um a com plexa rede burocrática e política de
m ediação e participação político-institucional das
m assas, a partir do sufrágio universal. Junto à
transform ação da população pela divisão do trabalho na sociedade e novas form as de
articulação entre cam po e cidade'", apareceram
os partidos políticos de m assas, com atividade
perm anente; os sindicatos de m assas, tam bém
organizados perm anentem ente; os jornais com leitores perm anentes; o sistem a m assificado de
COSTILLA, LUCIO OLlVER
121
D O S S IÊ G R A M S C I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
escolas e sistem as de educação. Tudo isso gerou
m udanças nas Constituições e na vida política,
na regulam entação e na existência da
partici-pação político-eleitoral; se fortaleceram e se desenvolveram as liberdades e os direitos de
opinião, reunião, organização, agrupam ento político, ete., a regulam entação do trabalho
assalariado e a vida privada com eçou a ter relação
direta com a vida pública. Todo esse quadro foi
criando um novo espaço social e político assentado no privado, a sociedade civil
-conjunto de associações da vida civil, espaço
com form as diversas de existência organizada perm anentem ente - dernandante e fiscalízadora
de serviços e direitos públicos, articulada ao
desenvolvim ento do Estado político, sujeito e
objeto de novos direitos e novas obrigações
definidas, garantidas e articuladas pelo Estado.
Foi se cornplexificando e desenvolvendo o que Hegel já tinha tratado teoricam ente com o "a tram a
privada do Estado":
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A doutrina de H egel sobre
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ospartidos e as associações com o tram aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
" p r iu a d a " doE stado. E la derivou historicam ente das experiências políticas da R evolução
F rancesa e devia servir para dar um
caráter m ais concreto ao constitucio-nalisrno. G overno com o consenso dos governados, m as com o consenso orga-nizado, não genérico e vago, tal com o se afirm a no m om ento das eleições: o E stado tem e pede oconsenso, m as tam -bém 'educa' este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém . são organism os privados, deixa-dos à iniciativa privada da classe diri-gente. A ssim , em certo sentido, H egel já
supera o puro constitucionalism o e
teoriza o E stado parlam entar com seu regim e dos partidos. Sua concepção de associação não pode deixar de ser ainda vaga e prim itiva, entre o político e o
econôm ico, segundo a experiência
histórica da época, que era m uito
res-122
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N.2
trita ... M arx não podia ter experiências históricas superiores às de H egel (ao m enos m uito superiores), m as tinha o sentido das m assas, por sua atividade
jornalistica e de agitação. M arx ainda perm anece preso aos seguintes
elernen-tos: organização profissional. clubes jaco hinos. conspirações secretas de pe-quenos grupos, organização jornalistica (Gram sci, 2000, vol. III, Caderno M isce-lânea 1, nota 47: 119),
Com o desenvolvim ento da sociedade civil
e da sociedade política, m uda institucional e
politicam ente o Estado: de estar configurado
pelos dirigentes políticos e funcionários dos
governos, nesse m om ento 'sociedade política',
únicos autorizados para m andar em nom e da totalidade da população [Durkheim : o Estado é
o único autorizado para m andar e é o cérebro
da política (Durkheim , 1983, quarta Iiçãoj], o Estado am plia-se, para incluir a 'tram a privada',
a sociedade civil (sociedade form ada por
associações de cidadãos ativos perm anentem ente,
em bora estes nào sendo funcionários, nem
políticos institucionais, ou burocratas, isto é, são apenas cidadãos 'privados'). Antes, a política se
referia ao funcionam ento e às políticas dos
governos ou das personalidades da sociedade
política; agora, incluindo a sociedade civil, esta
retribui ao Governo com seu apoio ou rejeição,
com seu consenso ou dissenso, e, pelo m esm o, é sustento ou oposição política e ideológica dos
Governos, dos funcionários e das políticas.
Assim , foi se desenvolvendo, durante sessenta anos (1871 até 1931), um espaço novo da
sociedade que Gram sci caracterizou com o
sociedade civil ou 'tram a privada' do Estado. O
m undo político anterior era o dos eleitos com o funcionários ou burocratas, com o qual, depois
das eleições, a m assa passava a ser m assa apolítica,
longe das atividades políticas e ideológicas.
Com a queda m ilitar de Bonaparte, a Com una de Paris foi a últim a tentativa européia
exitosa de revolução perm anente. Nessa
D O S S IÊ G R A M S C I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
-
--
-::experiência ficou dem onstrado que ainda que
um m ovim ento possa ganhar o governo, não
consegue se sustentar firm em ente, se não tem o apoio perm anente, ideológico e político, da
m aioria da população nacional e se não cria
um a civilização que expresse um a forte unidade
entre a sociedade política e a sociedade civil.l".
Com a fundação da Terceira República, a partir de 1871, ficaria ainda m ais difícil um a política
de revolução perm anente:
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O corre na arte política o que ocorre na arte m ilitar: a guerra de m ovim
en-to en-torna-se cada vez m ais guerra de
posição; e pode-se dizer que um E
sta-do vence um a guerra quando a
pre-para de m odo m inucioso e técnico no tem po de paz. A estrutura m aciça das dem ocracias m odernas, seja com o or-ganizações estatais, seja com o
conjun-to de associações na vida civil, constitui para a arte política algo sim ilar às
'trin-cheiras' e às
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f o r t if ic a ç õ e s perm anentes da frente de com hate na guerra depo-sição: faz com que seja apenas 'P arci-al' oelem ento do m ovim ento que antes constituía 'toda' a guerra, etc.(voI. III, Caderno 13, nota 7: 24).
D epois de 1871, o Estado m oderno
ocidental desenvolveu ainda m ais o conjunto de
associações da vida civil; a hegem onia, com o direção ideológica e política dessas associações,
tornou-se definitiva para a estabilidade do Estado
e para o exercício da dom inação. (?) Estado: hegem onia passa a ser desde então a unidade
de 'com ando e direção'; porque Estado deixa de
ser só força sobre a sociedade, para ser tam bém consenso, adesão da sociedade. U nidade e
diferença, hegem onia ético-político.
P elo m enos no que se refere aos E stados m ais avançados, onde a 'sociedade civil' tornouse um a estrutura m uito com -plexa e resistente às 'interrupções'
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cucatastróficas do elem ento econôm ico im ediato (crises, depressões, etc.), as
su-perestruturas da sociedade civil são
com o as trincheiras na guerra m oder-na. A ssim com o nesta últim a ocorria que um im placável ataque de artilha-ria parecia ter destruí do todo osistem a defensiuo do adversário (m as, na reali-dade, só ohavia destruído na superfície externa, e, no m om ento do ataque e do avanço, os assaltantes defrontauam -se com um a linha defensiua ainda eficien-te), algo sim ilar ocorre na política du-rante as grandes crises econôm icas: nem as tropas atacantes, por efeito da crise, organizam -se de m odo fulm inante no tem po e no espaço, nem m uito m enos adquirem um espirito agressivo; do ou-tro lado, osatacados tam pouco se
des-m oralizades-m , nem abandonam suas
defesas, m esm o entre as ruínas, nem perdem a confiança na própria força e
no próprio futuro. É claro que as coisas
não perm anecem tais com o eram ; m as tam bém é certo quefalta oelem ento da rapidez, do tem po acelerado, da m ar-cha progressiva, tal com o esperariam que ocorresse,osestrategistas do cada r-nism o político. O últim o fato deste gê-nero na história da política foram os
acontecim entos de 1917. E les assinala-ram um a reviravolta decisiva na histó-ria da arte e da ciência da política. T rata-se, portanto, de estudar com 'pro-fundidade' quais são os elem entos da
sociedade civil que correspondem aos
sistem as de defesa na guerra de posição
(vol, IlI, Caderno 13, nota 24: 73).
N a nova época do Estado,
independente-m ente das eleições, existe um a m assa "política e ideologicam ente ativa", e esse é o sentido da
luta política dos trabalhadores com o luta pela
'hegernonia civil'. Por isso, G rasm ci fala da
sociedade civil com o tram a privada de Estado.
COSTILLA, LUCIO OLlVER
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D O S S IÊ G R A M S C I
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um sentido, sociedade civil é cidadania, só que um tipo específico desta: cidadania com
direitos e deveres e cidadania organizada
perm anentem ente, isto
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é, cidadania politica-m ente atuante e exigente nos sindicatos,associações civis, partidos, instituições culturais
e científicas, jornais, etc .. Sociedade vigilante. M as, o fenôm eno da sociedade civil não é
sem pre um novo fenôm eno político ativo; às
vezes, trata-se de um a sociedade civil passiva,
um a m aioria silenciosa legitim adora, um novo
fenôm eno de civilização adaptada às condições da produção da grande indústria. Ou seja, a
estabilidade política dos governos com eçou a
depender, tam bém , da identificação dos
cidadãos com um a form a social ele vida e com
as necessidades da produção econôm ica, com
a transform ação do trabalhador em apêndice
da m áquina, com o m ercado capitalista, com o
poder do dinheiro.
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(. ..) tarefa educatiua eform ativa do E
s-tado,
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c u jo f im é sem pre o de criar novos e m ais elevados tipos de civilização, deadequar a "C ivilização' e a m oralidade das m ais am plas m assas populares às necessidades do contínuo desenuolin-m ento do aparelho econôdesenuolin-m ico de pro-dução. e, portanto, de elaborar ta m b ém , fisicam ente tipos novos de hum anidade
(vol. III, Caderno 13, nota 7).
Assim , o terreno ela ideologia passou a
ser um espaço fundam ental da luta das forças
que atuam na história e na política. O
desenvolvim ento da luta pelo Estado passou a ter relação direta com o m om ento ideológico
político, com a fase na qual as forças têm que
prevalecer por
(...) toda a área social, determ inando,
além da unicidade dos fins econôm i-cos e polítii-cos, tam bém a unicidade in-telectual e m oral (vol. I1I, Caderno 13, nota 17, p. 41).
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REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35
N.2A conquista da sociedade civil passou a
ser obrigatória para os grupos sociais que
procuravam o governo e o dom ínio do Estado,
assim com o tal conquista se constitui num a
necessidade do Estado para adaptar os trabalhadores às novas condições fordistas de
produção de m ercadorias. A universalização da
dom inação passou a ser tam bém hegernonia,
isto é direção intelectual e m oral da sociedade. Pôr todas as questões em torno das quais ferve
a luta, não no plano corporativo, m as num plano
'universal', criando assim a hegem onia de um
grupo social fundam ental sobre um a série de
grupos subordinados.
Convém aprofundar, então, o que significa esse novo eixo da política: a sociedade civil para
o Estado m oderno e para a luta transform adora dos trabalhadores.
A s p e c u lia rid a d e s d a s o c ie d a d e c iv il
c o m o n o v o e s p a ç o p ú b lic o n ã o
-b u ro c rá tic o e tra m a p riv a d a d o E s ta d o
São várias as notas e cadernos nos quais
Gram sci desenvolve a sua noção de sociedade civil
e tenta estudar e expor im portância da m esm a
para a política. Trata-se de aproxim ações diversas
para tentar determ inar esse novo espaço social ativo e atuante no Ocidente, próprio de sociedades
com um a im ensa 'superestrutura' jurídica, política
institucional, relacionada, organicam ente, com a
expansão ela grande indústria m onopolista e
im perialista e com o desenvolvim ento das sua contradições e suas oposições:
N o O riente, o E stado era tudo, a socie-dade civil era prim itiva e gelatinosa; no O cidente, havia entre oE stado e a soci-edade civil um a justa relação e, ao os-cilar o E stado, podia-se im ediatam ente reconhecer um a robusta estrutura da sociedade civil. O E stado era apenas um a trincheira avançada, por trás da qual se situava um a robusta cadeia de fortalezas e casam atas: em m edida