UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM DIREITO
Mestrado em Direito Internacional
Econômico
O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DISCRIMINATÓRIO COMO
COMBATE À CONCORRÊNCIA FISCAL PREJUDICIAL E A SUA
LEGITIMIDADE
Autor: Miguel Ângelo Maciel
Orientador: Dr. Ronaldo Lindimar José Marton
MIGUEL ÂNGELO MACIEL
O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DISCRIMINATÓRIO COMO
COMBATE À CONCORRÊNCIA FISCAL PREJUDICIAL E A SUA
LEGITIMIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Direito
Internacional e Econômico da Universidade
Católica de Brasília, como requisito para a
obtenção do Título de Mestre.
Orientador:
Prof. Dr. Ronaldo Lindimar José
Marton.
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação defendida e aprovada como requisito parcial para a obtenção
do Título de Mestre em Direito Internacional e Econômico, defendida e
aprovada em 17 de outubro de 2007 pela banca examinadora constituída
por:
_________________________________________________
Professor Doutor Heleno Taveira Tôrres
Examinador Externo
__________________________________________________
Professor Doutor Antônio de Moura Borges
Examinador Interno
__________________________________________________
Professor Doutor Ronaldo Lindimar José Marton
Orientador
Aos Professores
Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros,
Dr. Manoel Moacir Costa Macedo,
Dr. Maurin Almeida Falcão,
Dra. Mary Elbe Queiroz,
Dr. Ronaldo Lindimar José Marton,
Dr. José Eduardo Sabo Paes,
Dr. Roberto de A. Chacon de Albuquerque,
pela atitude superior em ensinar para a vida.
Aos colegas de academia,
em especial,
Eduardo e Radan pela mão estendida nos
momentos de dificuldade e de alegria;
Aldemário por ter feito do tema proposto
um desafio.
Aos colegas do Banco do Brasil, Gil Aurélio,
Antonio Rubem e Eudo Antônio
pela atitude maior em permitir que o
Mestrado acontecesse em condições
especiais.
Aos demais colegas que compreenderam e
colaboraram com o esforço pessoal.
RESUMO
O legislador brasileiro a partir do advento da Lei nº 9.430/96 estabelece critérios para identificar países de tributação favorecida, os chamados “paraísos fiscais”, e pela Lei nº 9.779/99 institui tratamento tributário mais gravoso para as remessas de rendimentos que tenham por beneficiário pessoa domiciliada ou residente em países de tributação favorecida. A adoção das medidas mencionadas se dá em claro alinhamento às orientações emanadas da OCDE na intenção de combater as práticas fiscais prejudiciais adotadas pelos países que se utilizam da flexibilização de seus sistemas tributários, não tributando ou tributando os rendimentos com uma alíquota efetiva reduzida, que tem como efeitos deletérios a erosão das bases tributárias internacionais e a alteração artificial dos fluxos de capitais e de investimentos diretos. Apesar de terem função extrafiscal, as medidas defensivas introduzidas pela combinação das leis ora mencionadas são portadoras de discriminação e por se utilizarem de instrumentos típicos de direito tributários como veículos de execução devem encontrar acomodação entre os princípios e valores enformadores do direito tributário nacional e internacional. O tema é tratado a partir da análise da globalização, fenômeno que intensificou as trocas internacionais por intermédio da revolução informática e das telecomunicações para, na seqüência, ao abordar a concorrência fiscal prejudicial oferecer informações que permitam a compreensão do problema no cenário mundial. A questão principiológica então é colocada para apresentar os limites impostos pelos fundamentos do Direito Tributário e na última parte se avalia especificamente a conformidade das alterações promovidas nas normas tributárias nacionais aos princípios tributários.
ABSTRACT
The brazilian lawmaker by the Federal Law nº 9.430/96 establish standards to identify countries with harmful tax practices, the “tax heavens”, and by Law nº 9.779/99 establish tax treatment more burden to sending of income to countries with no or low tax. This practice is in according with the OECD’s regards and defensive measure to curb the harmful tax competition. Despite the its extrafiscal aspects they contain discrimination and because it use tools of tax law it shall in harmony with the tax law principles. This issue its studied since the globalization analyses and subsequently the harmful tax competition is analyzed. The question about the principles its matter to evaluate its consonansce with de tax law standards and in the last part analyze if the brazilian tax law changes are in consonance with the tax principles and tax standards.
LISTA DE TABELAS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Abreviaturas
Amp. por ampliada Dec. por Decreto Ed. por edição G.n. por Grifo nosso L. por Lei
p. por página
IN por Instrução Normativa Op. Cit. por Opus Citatum Org. por organizador Ref. por reformulada Rev. por revista Trad. por tradução v. por volume
Siglas
ABRADT – Associação Brasileira de Direito Tributário
AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica, do inglês “International Atomic Energy Agency” ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, do inglês “International Banck for Reconstruction and Development”
CF – Constituição Federal
CFC - Corporações Estrangeiras Controladas, do inglês “Controlled Foreign Corporatinons” CTN – Código Tributário Nacional
ECOFIN – Conselho de Ministros das Finanças Europeus, do inglês “Economic and Financial Affairs” ESAF – Escola de Administração Fazendária
EU – União Européia, do inglês “European Union”
FAO – Organização para Comida e Agricultura, do inglês “Food and Agriculture Organization of the United Nations”
FDI – Investimento Estrangeiro Direto, do inglês “Foreign Direct Investment” FMI – Fundo Monetário Internacional
G7 – Grupo dos sete países mais industrializados
GATS – Acordo Geral sobre Tarifas e Serviços, do inglês “General Agreement on Trade an Services” GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, do inglês “General Agreement on Tariffs and Trade” GDP – Produto Interno Bruto, do inglês “Gross Domestic Product”
IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário IED – Investimento Estrangeiro Direto
IMF – Fundo Monetário Internacional, do inglês “International Monetary Fund” ITO – Organização Tributária Internacional, do inglês “International Tax Organization” MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MFN – Nação Mais Favorecida, do inglês “Most Favoureced Nation”
NAFTA – Acordo Norte-Americano para o Livre Comércio, do inglês “North American Free Trade Agreement” NMF – Nação Mais Favorecida,
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial do Comércio ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PIB – Produto Interno Bruto
SRF – Secretaria da Receita Federal
UN – Nações Unidas, do inglês “United Nations”
UNITO – “United Nations International Tax Organisation”
SUMÁRIO
RESUMO ... VII ABSTRACT ...VIII LISTA DE TABELAS...IX LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ... X SUMÁRIO...XI
INTRODUÇÃO ... 13
CAPÍTULO 1. O CENÁRIO INTERNACIONAL GLOBALIZADO... 16
1.1A GLOBALIZAÇÃO... 17
1.1.1 A globalização como fenômeno multidisciplinar... 19
1.1.2 Globalização política e a crise da soberania do Estado ... 19
1.1.3 A evolução da globalização... 21
1.1.4 A globalização econômica... 23
1.1.4.1 Características da globalização econômica ...25
1.1.4.2 Da empresa multinacional para a corporação transnacional...27
1.1.5 A globalização tributária... 31
1.1.5.1 O Estado fiscal ...32
1.1.5.2 A soberania tributária...34
1.1.5.3 Elementos da globalização tributária ...39
CAPÍTULO 2. A “CONCORRÊNCIA FISCAL PREJUDICIAL” ... 43
2.1 CONCORRÊNCIA... 43
2.1.1 Concorrência fiscal ... 44
2.1.2 Concorrência fiscal prejudicial... 46
2.2 CRISE DO ESTADO SOBERANO FRENTE À ECONOMIA – CRISE PARADIGMÁTICA... 48
2.3 POR QUE SE INSTAURA A CONCORRÊNCIA? ... 53
2.3.1 A corrida ao fundo do poço ... 56
2.3.2 A liberdade de planejamento tributário... 57
2.4 É REAL A NECESSIDADE DE COMBATER TAIS PRÁTICAS?... 59
2.5 A HARMONIZAÇÃO DAS POLÍTICAS TRIBUTÁRIAS DENTRO E FORA DOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAIS... 62
2.6OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS E A TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL... 64
2.6.1 A OMC (GATT) ... 66
2.6.2 A ONU ... 73U 2.6.3 O FMI ... 75
2.7CÓDIGO DE CONDUTA DA UNIÃO EUROPÉIA... 76
2.8 A OCDE... 82
2.8.1 O Relatório da OCDE no combate à “Concorrência Fiscal Prejudicial”... 84
2.8.1.1 Paraísos fiscais ...86
2.8.1.2 Regimes Fiscais Preferenciais...88
2.8.1.3 As medidas defensivas ...90
2.9 COMPARATIVO ENTRE O RELATÓRIO OCDE E O CÓDIGO DE CONDUTA EUROPEU... 95
2.10 O ATUAL ESTÁGIO DA CONCORRÊNCIA FISCAL PREJUDICIAL... 96
CAPÍTULO 3. OS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS ... 101
3.1O TEMA NO DIREITO INTERNACIONAL TRIBUTÁRIO... 101
3.2 OS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS INTERNACIONAIS... 102
3.2.1 Princípios vinculados aos elementos de conexão (territorialidade e universalidade) ... 102
3.2.2 Princípio da Territorialidade ... 103
3.2.2.1 Sistema territorial puro...104
3.2.2.1.1 Critério da fonte...104
3.2.2.1.2 Fonte efetiva da renda (produção) ...105
3.2.2.1.3 Fonte do pagamento...106
3.2.2.3 Territorialidade em sentido formal...108
3.2.3 Do Princípio da Universalidade – elementos de conexão subjetivos ... 109
3.2.4 Dos princípio tributários relativos aos valores ... 112
3.2.5 Princípios internacionais ... 116
3.2.5.1 Princípio da Igualdade (ou da isonomia)...117
3.2.5.2 Igualdade jurídica versus igualdade econômica ...121
3.2.5.3 Princípio da Não-discriminação...123
3.2.5.4 Princípio da Capacidade Contributiva...126
3.2.5.5 Princípio da Progressividade (subprincípio da capacidade contributiva) ...130
3.2.5.6 Princípio da Neutralidade da Tributação (subprincípio da capacidade contributiva) ...130
3.2.5.7 Princípio da Livre Concorrência ...131
3.2.6 A extrafiscalidade como princípio... 132
3.3 PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS NO DIREITO BRASILEIRO... 134
3.3.1 Princípio da Igualdade, da Capacidade Contributiva e da Não-discriminação no Direito Brasileiro ... 135
3.3.1.1 Da igualdade ...135
3.3.1.2 Da Capacidade Contributiva ...136
3.3.1.3 Da Não-Discriminação...137
CAPÍTULO 4. O MODELO BRASILEIRO DE COMBATE À COMPETIÇÃO TRIBUTÁRIA PREJUDICIAL: A TRIBUTAÇÃO DE NÃO-RESIDENTES E A MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA PARA OS RESIDENTES EM PAÍSES E TERRITÓRIOS DE TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA ... 139
4.1 A ELISÃO: EXERCÍCIO DE UM DIREITO INDIVIDUAL OU OBRIGAÇÃO GERAL DE CONTRIBUIÇÃO FRENTE ÀS LACUNAS... 139
4.2O MODELO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO... 142
4.3 O BRASIL E A CONCORRÊNCIA FISCAL PREJUDICIAL... 143
4.4 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA... 144
4.5 PAÍSES DE TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA NA LEI... 145
4.6LEGITIMIDADE EM TRIBUTAR REMESSAS PARA NÃO-RESIDENTES... 148
4.6.1 Fonte de pagamento ou fonte de produção ... 148
4.7 CRITÉRIOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE PAÍSES DE TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA... 150
4.7.1 No mundo ... 151
4.7.2 No Brasil... 153
4.8 ALÍQUOTA NOMINAL OU ALÍQUOTA EFETIVA... 154
4.9 LISTA BRASILEIRA DE PAÍSES DE TRIBUTAÇÃO FAVORECIDA (BLACK LIST)... 156
4.9.1 A taxatividade ou exemplicidade das listas ... 157
4.9.2 A análise da taxatividade ou da mera exemplificatividade ... 160
4.9.2.1 Análise jurídica ...160
4.9.2.2 Análise pragmática...161
4.9.2.3 Nosso entendimento...163
4.10SUBSTITUTO OU RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO E O CONTRIBUINTE DE FATO... 163
4.11MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA NA LEI BRASILEIRA... 167
4.11.1 Apontamentos contrários à discriminação instituída ... 168
4.11.1.1 Critério de discrime...169
4.11.1.1.1 Nacionalidade ...169
4.11.1.1.2 Origem e destino...172
4.11.1.1.3 Residentes versus Não-residentes ...173
4.11.1.1.4 Não-residentes versus Não-residentes ...173
4.11.1.2 Afronta a valores e princípios ...174
4.11.1.3 Recomendações da OCDE ...175
4.11.1.4 Nova lista da OCDE...176
4.11.1.5 A insuficiência do interesse arrecadatório como motivação para a discriminação...177
4.11.1.6 Necessidade de conhecimento de lei estrangeira...178
4.11.1.7 Livre concorrência ...179
4.11.2 Apontamentos favoráveis à discriminação instituída ... 180
4.11.2.1 Função extrafiscal ...180
4.11.2.2 Livre concorrência ...182
4.11.2.3 Combate à evasão fiscal internacional e à alteração artificial do fluxo de alocação de investimentos financeiros e de capitais ...183
CONCLUSÃO ... 185
INTRODUÇÃO
O fenômeno referenciado comumente por “Globalização”
1trouxe consigo
incontáveis alterações aos padrões mundiais nos mais diversos setores das relações
internacionais como a implementação do modelo econômico neoliberal e a ocorrência de fatos
econômicos que importam à tributação de forma transnacional. Essa nova realidade
econômica mundial fundada na lógica da economia de mercado com relações comerciais
internacionais especialmente intensificadas a partir do advento do desenvolvimento
tecnológico da informática e das telecomunicações impõe aos Estados o desafio de adaptarem
seus sistemas tributários a uma economia globalizada.
A transnacionalização dos fatores de produção significou nova forma de
estruturação das empresas com distribuição de suas ramificações por diversos Estados ao
redor do planeta, conforme os diferenciais competitivos que esses ofereçam, de forma a
otimizar os custos, inclusive os fiscais. Atentos a essa realidade muitos Estados se lançaram a
competir pela atração dos investimentos internacionais oferecendo seus sistemas tributários
como diferencial atrativo ao deixar de tributar ou ao flexibilizar a tributação a níveis em que
carga fiscal resultante seja insignificante se comparada às praticadas normalmente pelos
___________________
1“A globalização desferiu um poderoso golpe na formação dos espaços jurídicos tradicionais. A crescente
Estados, prática conhecida como “concorrência fiscal prejudicial”
2que trás como uma das
suas conseqüências a erosão das bases de cálculo.
Nesse cenário internacional, brevemente descrito, se insere o Brasil disposto a
colaborar com o combate à erosão das bases tributáveis proporcionada pela concorrência
fiscal internacional. Essa propensão colaborativa se materializa em providências legais e
normativas internas, originadas no direito internacional, tais como a adoção da tributação em
bases universais, a instituição do controle dos preços de transferência, troca de informações
administrativas e outras práticas
3, dentre as quais, aquela que majora as alíquotas do Imposto
sobre a Renda Retido na Fonte incidente sobre as remessas de rendimentos para países
classificados como de tributação favorecida é tomada como o objeto principal desta avaliação.
Portanto, a adoção no direito interno de medidas fiscais originadas no direito
internacional como combate à tributação favorecida compõe o objeto do presente trabalho, em
especial, a avaliação da legitimidade (ou da falta dela) em que incorre o Brasil ao majorar a
alíquota do Imposto sobre a Renda incidente sobre as remessas para países que não tributam a
renda ou o fazem com alíquota inferior a vinte por cento frente aos princípios tributários
internacionais.
Para que possamos atingir o objetivo proposto analisaremos de forma
seqüencial:
a)
o fenômeno da “globalização”, com ênfase nos aspectos econômico
e tributário, cujo conhecimento se afigura necessário para a
compreensão do cenário em que está inserido o objeto do presente
estudo;
___________________
2 Internacionalmente referida por “
Harmful Tax Competition”.
3 CASTRO, Aldemário Araújo. As Repercussões da Globalização na Economia Brasileira. Dissertação
b)
a concorrência fiscal internacional, prática fiscal que a comunidade
internacional busca mitigar;
c)
os princípios que regem a tributação internacional de modo a
embasar a formação de opinião sobre os valores maiores buscados
pela sociedade por intermédio do processo tributário; e, por fim
d)
o modelo tributário brasileiro quanto ao tema proposto.
Trás como hipótese a falta de legitimidade
4na adoção pelo sistema tributário
brasileiro de tratamento diferenciado quanto às remessas de rendimentos para não residentes
pautado no critério da sua localização em países listados como de tributação favorecida, os
ditos “paraísos fiscais”.
Como metodologia de pesquisa se utiliza do método hipotético-dedutivo
focado essencialmente em referencial bibliográfico. Como forma está adequado ao padrão de
redação determinado pelo Manual para Apresentação de Monografias, Dissertações e
Teses da Universidade Católica de Brasília
5.
___________________
4 O termo legitimidade aqui é tomado em acepção semelhante ao termo ilicitude, utilizado por Machado: “Como
a lei não descreve todos os comportamentos, até porque isto é impraticável, faz-se então a distinção entre licitude e legalidade. O campo da licitude é mais amplo. Abrange todas as situações, todos os comportamentos, estejam ou não previstos em lei. Lícito ou ilícito dizem respeito à ordem jurídica, ao direito objetivo em geral. O campo da legalidade diz respeito apenas ao que está prescrito nas leis.” MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 21 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p.420.
5UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA. Manual para Apresentação de Monografias, Dissertações e
CAPÍTULO 1. O CENÁRIO INTERNACIONAL GLOBALIZADO
A concorrência fiscal prejudicial
6é uma das principais externalidades da
tributação numa economia globalizada. Expressão que se traduz numa ação e num adjetivo, a
concorrência fiscal diz respeito à tensão entre os Estados soberanos na tentativa de atrair
investimentos estrangeiros
7e capital especutalivo.
O adjetivo “prejudicial” é um juízo de valor atribuído por aqueles Estados
centrais, membros da OCDE, que possuem influência sobre os demais Estados periféricos
8.
Os Estados centrais, industrializados, estão experimentando uma erosão em
suas bases tributáveis provocadas pela perda de atratividade de investimentos internacionais e
até mesmo pela incapacidade de manter os investimentos existentes em seus territórios face à
migração dos fatores de produção e do capital especulativo em direção aos Estados que
oferecem vantagens comparativas, mormente os benefícios de ordem tributária, quer seja pela
baixa ou nenhuma tributação da renda, quer seja por intermédio de incentivos fiscais
oferecidos.
Esta dinâmica econômica toma relevância na atual economia integrada em
termos internacionais que favorece o livre deslocamento, em maior grau, dos investimentos
___________________6 Concorrência fiscal prejudicial é expressão utilizada pela OCDE para referenciar aquelas práticas utilizadas por
alguns estados para, ao alterar de forma artificial seus sistemas tributários, atrair investimentos financeiros e de capitais.
7 “Investimento de riqueza efetivo e desvinculado, com interesse de permanência, oriundo do exterior e de
propriedade de pessoa não residente, que tenha como finalidade a produção de bens ou serviços”. BAPTISTA, Luiz Olavo. Os Investimentos Internacionais no Direito Comparado e Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 32-33.
8 SANTOS, Boaventura de Souza. A Reinvenção Solidária e Participativa do Estado. Disponível em:
financeiros especulativos e, em menor grau, porém, mais relevantes, dos investimentos
estrangeiros entre os Estados.
Para compreensão do fenômeno intitulado concorrência fiscal prejudicial e das
conseqüências que dela decorrem começaremos o presente trabalho pelo estudo do fenômeno
da “globalização”.
1.1 A globalização
Iniciamos pelo tema globalização com objetivo de demonstrar e compreender o
universo em que está inserido o objeto do presente trabalho, a tributação internacional,
nominadamente, as práticas fiscais ditas prejudiciais e o seu combate.
Vivemos um novo período e um novo modelo de desenvolvimento social? Para
Boaventura
9, a intensificação das interações econômicas, políticas e culturais transnacionais
das três últimas décadas assumiu proporções tamanhas que nos permite tal questionamento.
A dinâmica das relações internacionais hoje vivenciada comporta atores os
mais diversos tais como Estados-nacionais, empresas transnacionais, organizações bilaterais e
multinacionais (ONU, FMI, BIRD, FAO, OIT, AIEA), narcotráfico, terrorismo, Grupo dos 7,
ONG
10e muitos outros.
No mundo atual, de relações intensificadas, os fatos acontecem como peças
11integrantes de uma única estrutura. Assim, ocorre a “compressão tempo-espaço” razão pela
___________________9 SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.)
Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.89.
10 IANNI, Octávio. Teorias da Globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 78.
11 “Vamos supor que estávamos apenas, ingenuamente, a procurar juntar as “peças” que representassem o
qual os fenômenos se aceleram e se difundem pelo globo
12. As conseqüências dos fatos
econômicos são sentidas em todo o mundo em tempo real.
Diante do sincronismo e imediatismo dos seus efeitos, os movimentos dos
agentes econômicos, corporações transnacionais, Estados ou sociedade, tendem a ser
previamente avaliados quanto aos prováveis impactos nas demais áreas de acontecimentos e
nos mais longínquos lugares
13.
Essa dinâmica retrata a globalização, fenômeno que, segundo Boaventura, é
"uma fase posterior à internacionalização e à multinacionalização, que delas se diferencia por
anunciar o fim do sistema nacional enquanto núcleo central das atividades e estratégias
humanas organizadas"
14.
A aparência inocente de que seja a globalização “um movimento espontâneo,
inelutável e irreversível que se intensifica e avança segundo uma lógica e uma dinâmica
próprias suficientemente fortes para se imporem a qualquer interferência externa” deve ser
combatida, segundo Boaventura, pois entende que “a transparência e simplicidade da idéia de
globalização são dispositivos ideológicos e políticos dotados de intencionalidades específicas
que resultam de um conjunto de decisões políticas identificadas no tempo e na autoria”
15,
quais sejam, aquelas políticas forjadas na filosofia econômica neo-liberal
16. Portanto, temos
que o objetivo do insigne professor lusitano seja o desejo de rechaçar o pensamento acerca da
globalização como um acontecimento natural.
seguramente, a “peça” que representa o mercado mundial – as exportações de bens e serviços...”.REIS, José. A Globalização como Metáfora da Perplexidade? Os processos geo-econômicos e o “simples” funcionamento dos sistemas complexos. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.) Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.108.
12 SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.)
Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.64.
13 “Giddens define globalização como “a intensificação de relações sociais mundiais que unem localidades
distantes de tal modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a muitas milhas de distância e vice versa””. GIDDENS, Francis apud SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.) Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.26.
14 Ibidem, p.26. 15 Ibidem, p. 49-50.
1.1.1 A globalização como fenômeno multidisciplinar
Autores como Boaventura de Sousa Santos
17, referem-se à globalização como
fenômeno de múltiplas faces, cujas dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais,
religiosas e jurídicas interagem de forma complexa.
Liszt Vieira menciona também outros aspectos tais como: "militar,
econômico-produtiva, financeira, comunicacional-cultural, religiosa, interpessoal-afetiva,
científico-tecnológica, populacional-migratória, esportiva, ecológico-ambiental, epidemiológica,
criminal-policial e política"
18.
Esses aspectos, que não o econômico e o tributário, importam para a presente
análise pois compõem, ao lado desses, o cenário em que se dão os acontecimentos que
apresentam conseqüências tributárias.
1.1.2 Globalização política e a crise da soberania do Estado
A globalização política traz por conseqüência maior, em seu viés político
pró-mercado, a compressão da autonomia política e da soberania dos Estados periféricos e
semiperiféricos pelos Estados hegemônicos, com uma intensidade sem precedentes, agindo
por si ou por intermédio das instituições financeiras multilaterais que dominam. Também,
___________________
17 SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.)
Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.26.
como tendência clássica da globalização atual, acontecem os acordos políticos interestatais,
tais quais a União Européia, o NAFTA e o Mercosul
19.
A nova economia, nascida das possibilidades geradas pela evolução
tecnológica, na informática e nas comunicações, assim como na liberalização das trocas
internacionais, arrebatou parcela significativa de poder antes concentrado nos Estados
20. Em
igual sentido, o pensamento de Gray
21, com apoio no discurso de Salvador Allende,
reconhece que atualmente as empresas são capazes de maior interferência nas políticas
internas dos Estados pela possibilidade de investimentos ou da sua retirada, diferindo do
período das economias fechadas (não de mercado), em que não tinham tamanha mobilidade.
___________________
Por seu turno, Faria
22pontua como efeitos da economia-mundo, em razão das
fortes pressões impostas pelo mercado de capitais integrado, as crescentes dificuldades dos
governos nacionais em controlar os circuitos financeiros e comerciais e em aplicar suas
políticas tributárias e fiscais. Assim, a soberania
23dos Estados centrais está fragilizada
19 “…como conseqüência da intensificação vertiginosa da transnacionalização da produção de bens e serviços e
dos mercados financeiros (...) concede condição de preeminência sem precedentes às empresas multinacionais como atores internacionais.” SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.) Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.35-36.
20 Idem. As tensões da modernidade. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/
boaventura4.html>. Acesso em: 03 jun 2006.
21 “A promessa de investimento interno direto e a ameaça de sua retirada têm grande influência nas opções
políticas dos governos nacionais. As empresas podem agora limitar as políticas dos Estados. Existem poucos precedentes históricos deste tipo de poder privado. GRAY, John apud LIMA, Abili Lázaro Castro de.
Globalização Econômica, Política e Direito. Análises das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 155.
22 “A geração de vastas e complexas redes de interesses interdependentes ao lado de espaços econômicos
exclusivos, os efeitos perversos da degradação dos preços dos produtos primários sobre a economia dos países exportadores, o impacto altamente corrosivo ocasionado pelas flutuações das taxas de juros na dívida externa dos países em desenvolvimento, as expressivas transferências de recursos financeiros destes países para os países desenvolvidos, os enormes problemas por estes enfrentados para implementar programas de geração de empregos e executar políticas sociais sem deflagrar um processo paralelo de expansão da liquidez internacional com amplas repercussões negativas sobre toda a economia, as crescentes dificuldades dos governos nacionais para controlar os circuitos comerciais e financeiros e os inúmeros obstáculos por eles enfrentados para aplicar políticas tributárias, fiscais, monetárias e cambiais autônomas que não sejam de caráter recessivo, por causa das fortes pressões de um mercado de capitais integrado em escala mundial, são apenas alguns dos exemplos desse padrão da estratificação da “economia-mundo”. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 95.
23 “O Estado, na concepção neoliberal extraída do Consenso de Washington23, deve ser um Estado fraco ou
enquanto detentores de poder político-econômico, especialmente por basearem sua influência
internacional no poder de suas economias. Para esses países desenvolvidos a independência
dos seus agentes econômicos no cenário globalizado lhes extirpa poder de interferência
internacional.
Esse quadro analítico retrata que a preocupação com a redução do poder
soberano sobre seus agentes econômicos, ou mesmo a preocupação com o deslocamento de
seus agentes econômicos em direção aos países de menor pressão fiscal, é quase assunto de
interesse exclusivo dos países industrializados.
Nos Países emergentes, com desenvolvimento econômico dependente do
financiamento externo, a soberania é afetada mais em razão da necessidade de atração de
investimentos diretos e capital financeiro, já que a necessidade de flexibilização do interesse e
da necessidade de arrecadação fazem parte das suas pautas econômicas a mais tempo
24.
1.1.3 A evolução da globalização
A globalização em sua perspectiva evolutiva
25pode ser vista como diversos
processos independentes, que se sucedem no tempo, com início no século XV, cujo
conhecimento nos permite entender o fenômeno.
estatal, dado que o estado é inerentemente opressivo e limitativo da sociedade. As principais ferramentas para atingir o Estado minimalista são – desregulamentação, as privatizações, a redução dos serviços públicos. E daí surge um contra-senso, o Estado para intervir no próprio Estado necessita de força. Então o Estado dever ser mínimo, mas forte o suficiente para operar as alterações em si mesmo para atender às imposições neoliberais. SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.) Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.41.
24 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de
transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.48-49.
25 “Mais tarde, especialmente no apogeu da hegemonia inglesa, entre o final do século XIX e o começo do século
Nesse sentido, Pinheiro
26cita Gérman Palácios, para ilustrar o seu
entendimento pela existência de outras ondas de globalizações. Para o autor citado, todas elas
teriam uma dimensão tecnológica:
a) a globalização mercantil27 se baseava no manejo dos ventos pelos marinheiros; b) a globalização do capitalismo28 liberal está associada ao desenvolvimento das empresas têxteis, da máquina a vapor, das ferrovias e do carvão; c) a globalização do Estado do bem-estar29 social está associada aos modelos fordistas de organização do trabalho, ao petróleo, e à aviação; d) a atual está associada às novas tecnologias de informática, biotecnologias e telecomunicações.
A sucessão dos eventos históricos, revistos sobre a ótica de quem estuda a
globalização como objeto de avaliação específica, demonstra que o domínio de tecnologias,
movimentação de matérias-primas, produtos acabados, produtos semi-acabados, capitais e serviços sobre as fronteiras nacionais, esse fenômeno se torna objeto de um intenso debate sobre o alcance da interconexão das economias relevantes; sobre as conseqüências da internacionalização dos fatores de produção e a homogeneização das estruturas capitalistas em nível mundial; sobre os novos papéis do capital financeiro; e sobre as implicações políticas e sociais do imperialismo econômico e territorialista.” FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 60.
26 PALÁCIOS, Gérman apud PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico
sobre preços de transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.44.
27 “Mercantilismo - O objetivo mais geral nos propósitos e mais generalizado quanto à difusão geográfica está
na superação de um dos pressupostos de Maquiavel não só não é necessário para a prosperidade do Estado que ele seja rico e os súditos, ao contrário, pobres, como é justamente a riqueza dos súditos que faz rico e poderoso o Estado. Eis, pois, reunidas duas exigências que se apresentam poderosas no alvorecer da época moderna, numa tentativa de síntese que um dia se revelará aberrante: a imposição, ao mesmo tempo, do absolutismo estatal e da empresa privada. Duas instâncias cuja confiituosidade vinha sendo atenuada por uma série de circunstâncias históricas decisivas, entre elas, antes de que qualquer outra, a necessidade de competir militar e economicamente com as demais potências. A primeira exigência pressupunha um Estado autoritário, a segunda uma estrutura comercial tanto mais ousada quanto melhor protegida. Uma e outra estreitamente interdependentes. Poder do Estado para defender o comércio com as armas e com as barreiras alfandegárias, comerciantes enriquecidos com a exportação de produtos acabados, que contribui para a acumulação de metais preciosos importados e mantém, dentro do território nacional, a produção de alimentos. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. ArqDigital, Brasília: UnB, 1 CD-ROM.
28 “Capitalismo - Na cultura corrente, ao termo capitalismo se atribuem conotações e conteúdos freqüentemente
muito diferentes, reconduzíveis, todavia, a duas grandes acepções. Uma primeira acepção restrita de capitalismo designa uma forma particular, historicamente específica, de agir econômico ou um modo de produção em sentido estrito ou subsistema econômico. Esse subsistema é considerado uma parte de um mais amplo e complexo sistema social e político para designar o que não se considera significativo ou oportuno recorrer ao termo capitalismo. Prefere-se usar definições deduzidas do processo histórico da industrialização e da modernização político-social. Fala-se, exatamente, de sociedade industrial, liberal-democrática ou de sociedade complexa, da qual o capitalismo é só um elemento, enquanto designa o subsistema econômico.Uma segunda acepção de capitalismo, ao contrário, atinge a sociedade no seu todo como formação social, historicamente qualificada, de forma determinante, pelo seu modo de produção. Capitalismo, nessa acepção, designa, portanto, uma‘relação social” geral. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. ArqDigital, Brasília: UnB, 1 CD-ROM.
29“O Estado do bem-estar (Welfare State), ou Estado assistencial, pode ser definido, à primeira análise, como
em cada período, impulsionou primeiro a globalização européia do mundo que,
modernamente, concorre com a globalização americana.
A divisão proposta permite realizar um exame da atualidade e perceber a
globalização atual a partir de um “novo regime global de acumulação”
30. No próximo
capítulo veremos a economia como o fio condutor da globalização
31.
1.1.4 A globalização econômica
Conforme leciona Vieira, os agentes mais dinâmicos da globalização não mais
são os governos, mas sim os conglomerados e empresas transnacionais que dominam a maior
parte da produção, do comércio, da tecnologia e das finanças internacionais
32.
Para uma melhor compreensão do fenômeno da globalização econômica
tomaremos a evolução dos fatos históricos, numa idéia de movimento no tempo, extraída da
leitura dos acontecimentos oferecida por Pinheiro
33. O autor observa o mercantilismo como
um primeiro produto da aproximação entre Estados e poder econômico nacional.
___________________
30 “Para Tilly, o que distingue a actual onda de globalização da onda que ocorreu no século XIX é o facto de esta
última ter contribuído para o fortalecimento do poder dos Estados centrais (Ocidentais), enquanto a actual globalização produz o enfraquecimento dos poderes do Estado. A pressão sobre os Estados é agora relativamente monolítica – o “Consenso de Washington” – e em seus termos o modelo de desenvolvimento orientado para o Mercado é o único modelo compatível com o novo regime global de acumulação, sendo, por isso, necessário impor, à escala mundial, políticas de ajustamento estrutural.” TILLY, Charles apud SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.) Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.36-37.
31 “Todavia, o viés econômico será o fio condutor da globalização, eis que o seu advento gerou, em todas as suas
dimensões, o fenômeno da globalização, frise-se, este compreendido como uma crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos no mundo.” LIMA, Abili Lázaro Castro de.
Globalização Econômica, Política e Direito. Análises das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 139.
32 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 3. tir. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 80.
33 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de
Em expressão de pensamento própria de Pinheiro
34, o “
big bang”
que gerou os
Estados territoriais foi o mesmo que originou o capitalismo como sistema mundial, o autor
enxerga nestes dois institutos a mesma “compulsão internacionalizante”. Somos de opinião
que as motivações da instituição dos Estados foram as mesmas que geraram o mercantilismo,
esse último, por sua vez, resultou no capitalismo. Para esse autor, o capitalismo tem feições de
uma “economia-mundo”, expressão com que identifica os processos de globalização
econômica, sintetizada pelo crescimento do capital a partir do século XV, com o advento das
grandes navegações.
Liszt Vieira
35, em uma leitura do fenômeno em bases mais atuais, situa o ponto
de partida da globalização na internacionalização da economia ocorrida no pós Segunda
Guerra Mundial, em que o crescimento do comércio e dos investimentos internacionais
ampliou o capitalismo impulsionado pelas empresas transnacionais, nos juros baratos do
eurodólar e na explosão da oferta petrolífera nos anos 70 e que, a partir dos anos 80, com o
advento da revolução informática e das comunicações que possibilita a descentralização
espacial da produção, alcança o desenho atual.
___________________
34 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de
transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.42-43.
35 “O ponto de partida da globalização é o processo de internacionalização da economia, ininterrupta desde a
Segunda Guerra Mundial. Por internacionalização da economia mundial entende-se um crescimento do comércio e do investimento internacional mais rápido do que o da produção conjunta dos países, ampliando as bases internacionais do capitalismo (incorporação de mais áreas e nações) e unindo progressivamente o conjunto do mundo num circuito único de reprodução das condições humanas de existência. A pré-história da globalização situa-se na década de 60, quando as áreas periféricas da economia mundial começaram a ser sacudidas pela expansão da empresa transnacional, pela “nova divisão internacional do trabalho”, os empréstimos bancários “baratos” do mercado do eurodólar e o boom petroleiro mundial. Na década de 80, após a grande crise de
meados dos 70/80, inicia-se uma nova história: o mundo industrial é sacudido por uma profunda reestruturação capitalista, sustentada tecnicamente na revolução informática e das comunicações, tornando possível a descentralização espacial dos processos produtivos. A nova tecnologia influi em todos os campos da vida econômica e revoluciona o sistema financeiro, pela conexão eletrônica dos distintos mercados”. VIEIRA, Liszt.
1.1.4.1 Características da globalização econômica
Como já foi visto, cada perspectiva de olhar para a globalização possui
características específicas e com a globalização econômica ocorre da mesma forma.
Para Boaventura, os seguintes aspectos que compõem a globalização
econômica possuem maior relevância:
a) a prevalência do princípio do mercado sobre o princípio do Estado; b) a financeirização da economia mundial; c) a total subordinação dos interesses do trabalho aos interesses do capital; d) o protagonismo incondicional das empresas multinacionais; e) a recomposição territorial das economias e a conseqüente perda de peso dos espaços nacionais e das instituições que antes os configuravam, nomeadamente, os Estados nacionais; e f) uma nova articulação entre a política e a economia em que os compromissos nacionais são eliminados e substituídos por compromissos com atores globais e com atores nacionais globalizados36.
Para Vieira
37, as características individualizadoras da globalização econômica
seriam as seguintes:
a) privatizações, desregulamentação e flexibilização dos mercados; b) agudização da concorrência internacional entre capitais privados e capitalismos nacionais; c) aceleração da internacionalização; d) crescente unificação dos mercados financeiros internacionais e nacionais num circuito único de mobilidade de capital; e) a acelerada regionalização do espaço econômico mundial; f) a generalização de associações entre as corporações transnacionais de diferente base nacional; e g) a necessidade de coordenação das principais políticas econômicas nacionais, traduzida na criação do G-738.
As definições acerca do que seja a globalização econômica se confundem por
muitas vezes com o conceito da própria globalização eis que o viés econômico é aquele que
___________________
36 SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.)
Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.76.
37 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 3. tir. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 77.
38 “É claro que os atores são diversos e desiguais quanto a sua força, sua posição estratégica, sua amplitude de
atuação, seu monopólio de técnicas de poder. O Grupo das 7 nações dominantes, compreendendo os Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Canadá, inegavelmente dispõe de meios e modos para influenciar diretrizes não só de Estados dependentes, periféricos, do sul ou do Terceiro Mundo, como também organizações bi e multilaterais, compreendendo a ONU, o FMI, a OIT, a AIEA, entre outras.” IANNI, Octávio.
prepondera sobre os demais. Pode-se dizer que o capitalismo, subsistema de um sistema
sócio-político neoliberal
39, é o indutor das demais transformações.
Todavia, a observação dos traços identificadores da globalização econômica,
oferecidos por Boaventura e Vieira, nos permitem observar a complementariedade entre as
classificações propostas. O primeiro explora a substituição do Estado-nacional e de todas as
políticas que o acompanharam no período liberal pela preponderância das políticas voltadas
aos interesses do mercado. O segundo está mais focado na interferência das economias
transnacionais sobre as economias nacionais em seus aspectos de coordenação e
interdependência.
A globalização econômica traz em si mesma uma dicotomia. A economia
encontra autonomia, num processo em que os agentes econômicos pregam a
desregulamentação estatal e, ao mesmo tempo, dependem do Estado para a defesa de seus
interesses privados. Por intermédio de seus institutos internacionais, a economia intervém nos
Estados, para que estes promovam a desregulamentação e, se auto-reduzam a um mínimo
suficiente para garantir o funcionamento do mercado
40.
___________________
39 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. ArqDigital,
Brasília: UnB, 1 CD-ROM.
40 “O Estado é inerentemente ineficaz, parasitário e predador, por isso a única reforma possível e legítima
Como elemento chave da globalização econômica temos a empresa
transnacional, ou empresa multinacional como preferem alguns. Este ator protagoniza o papel
central nas transformações que a globalização econômica promove no cenário internacional.
Devido a importância que lhe é conferida trataremos do tema no tópico seguinte.
1.1.4.2 Da empresa multinacional para a corporação transnacional
A classe capitalista transnacional que hoje emerge, segundo Boaventura,
mantém a sua principal característica constitutiva consubstanciada na empresa multinacional.
Todavia, essas empresas já não possuem as mesmas características das empresas existentes
em períodos anteriores, atualmente concentram um terço da produção industrial mundial,
condição que lhes confere prevalência na economia mundial que aliada ao seu grau de
eficácia na direção centralizada, às distingue das formas constitutivas que as precederam
41.
Pinheiro procura evidenciar a mudança ocorrida no perfil das empresas que
atuavam no cenário internacional até o fenômeno da globalização econômica do perfil das
empresas que atuam dentro da nova realidade globalizada, que até podem ser as mesmas
empresas. Concentra-se na transmutação ocorrida em sua essência e atribui a expressão:
a) empresa multinacional - para aquelas empresas que atuavam a partir de um Estado de origem, o qual lhe fornecia suporte financeiro e político, na busca da maximização dos seus resultados operacionais por intermédio da fruição das vantagens comparativas obtidas em outros Estados; b) corporação transnacional - empregada para referenciar o novo aspecto comportamental das empresas com atuação internacional em que a globalização permitiu a independência dessas empresas, ou melhor, desses investimentos.42
___________________
41 SANTOS, Boaventura de Sousa. Linha de Horizonte. In: A Globalização e as Ciências Sociais. (org.)
Boaventura de Sousa Santos, 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.32.
42 “Preferiu-se neste trabalho, a expressão corporação transnacional a “empresa multinacional” pelas seguintes
Nesse período passa a ocorrer a desvinculação dessas corporações
transnacionais do Estado de origem as quais passam a possuir existência própria fora do
conceito tradicional de Estado-território
43.
A estruturação das corporações transnacionais lhes permite a divisão do
processo de produção e a sua distribuição por diversos locais do mundo de acordo com as
vantagens competitivas encontradas, tais como impostos, sistemas regulamentadores, mercado
de trabalho e infra-estrutura
44. Surge daí, segundo Pinheiro
45, “que a relação de
complementaridade que sempre existiu entre o poder político dos Estados e o
desenvolvimento do capitalismo foi golpeada”, no mesmo sentido se manifesta Ianni
46.
Implica dizer que o processo de produção de riquezas, ora materializado pelas
corporações transnacionais, não mais é fiel ao Estado de origem que o fazia forte. Agora
migra livremente ou o mais próximo que desta realidade possa chegar, pelas infovias
47em
busca das maiores vantagens competitivas que lhes sejam ofertadas pelos Estados, dentre as
quais se evidencia a flexibilização das regras tributárias.
inovações tecnológicas deste fim de século, a multinacionalização das empresas passou a dar lugar a um processo de transnacionalização, com as seguintes características: i) mundialização de estilos, usos e costumes através da uniformização de produtos e massificação cultural; ii) capacidade de movimentação instantânea e planetária de elevadas somas de investimento; iii) concentração empresarial através de fusões, alianças e redes em escala global, resultando desse processo politico um poder transnacional, representado pela capaciadade de imprimir profundas modificações nas estruturas politico-administrativas dos Estados nacionais. PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.4-5.
43 “Quando se dá a internacionalização propriamente dita do capital, este descola-se das nações, dos subsistemas
econômicos nacionais. Ainda que guarde alguns traços importantes de sua origem ou enraizamento nacional, adquire significados que transcendem as fronteiras desta ou daquela nação.” IANNI, Octávio. Teorias da Globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 68.
44 GRAY, John apud LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Análises das
mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 155.
45 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de
transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.42.
46 “...corporações simultaneamente localizadas e desterritorializadas. Enraízam-se nos mais diversos e distantes
lugares, mas também se movem de um a outro todo o tempo, de acordo com a dinâmica das forças produtivas, segundo as exigências da concentração e centralização do capital, concretizando a reprodução ampliada do capital em moldes crescentemente globais.”IANNI, Octavio. Teorias da Globalização apud LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Análises das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 147.
47 [Neo.]. Via de informação. Modo de se referir à rede de computadores que compõe a Internet. Disponível em:
O quadro a seguir transcrito, elaborado pela empresa de consultoria Ernest &
Young
48, demonstra como empresários internacionais avaliam a questão de alocação de seus
investimentos:
Tabela 1: Elementos de influência na alocação de investimentos
Ordem de
Importância Motivo
Percentual que o considera como barreira
lº Instabilidade Política 89% 2° Registro Financeiro 85% 3° Infraestrutura legal 79%
4° Burocracia 77%
5° Controle de câmbios 77%
6° Inflação interna 68%
7º Regime Tributário 64%
8° Limites ao mov. estrangeiro 58% 9° Barreiras alfandegárias 50% 10° Proteção de Patentes 47%
Esse quadro demonstra que os motivos classificados em 2º, 3º, 7º, e 8º lugares,
segundo a ordem de importância, têm, em especial, ligação com as práticas tributárias
internacionais prejudiciais, melhor analisadas adiante.
No intuito de identificar a origem do poder das corporações transnacionais
Lima cita a relação oferecida por Ulrich Beck
49, que ora mencionamos de forma tópica:
a) possibilidade de exportação de postos de trabalho; b) possibilidade de desmembramento dos produtos e dos serviços e sua repartição pelo mundo; c) possibilidade de servir-se dos Estados nacionais e dos centros de produção individuais contra eles mesmos; e d) possibilidade de distinção entre lugar de inversão, lugar de produção, lugar de declaração fiscal e lugar de residência. ___________________
48 SILVEIRA, Eduardo Teixeira. A Disciplina Jurídica do Investimento Estrangeiro no Brasil e no Direito
Internacional. São Paulo. Juarez de Oliveira. 2002, p. 86. Também em Investment in Emerging Markets apud
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 60.
49 “Em primeiro lugar, podemos
exportar postos de trabalho ali onde são mais baixos os custos laborais e as
cargas fiscais e a criação de mão-de-obra. Em segundo lugar, estamos em condições (por causa das novas técnicas de informação, que chegam até os últimos rincões do mundo) a desmembrar os produtos e as prestações de serviços, assim como de repartir o trabalho por todo o mundo, de maneira que as etiquetas nacionais e empresariais nos possam induzir facilmente a erro. Em terceiro lugar, estamos em condições de servir-nos dos Estados nacionais e dos centros de produção individuais contra eles mesmos, e, deste modo, conseguir ‘pactos globais’ com vistas a umas condições impositivas mais suaves e umas infra-estruturas mais favoráveis; assim mesmo, podemos ‘castigar’ os Estados nacionais quando se mostram ‘caros’ ou pouco amigos de nossas inversões’. Em quarto, e último, lugar, podemos distinguir automaticamente em meio dos excessos – controlados – da produção global entre lugar de inversão, lugar de produção, lugar de declaração fiscal e lugar de [sic]resistência, o que supõe que os quadros dirigentes poderiam viver e residir onde lhes resulte mais atrativo e
pagar os impostos ali onde lhes resulte menos gravoso.”BECK, Ulrich apud LIMA, Abili Lázaro Castro de.
Como se pode observar, as corporações transnacionais tornaram-se flexíveis de
tal monta que podem assumir as mais diversas configurações estruturais, de modo a
influenciar, ou mesmo manipular, as políticas dos Estados para obtenção de benefícios sob
pena da reorganização dos fatores de produção implicar abandono desse ora enfraquecido ator
internacional, o Estado.
No dizer de Ianni cabe "reconhecer que a soberania do Estado não está sendo
simplesmente limitada, mas abalada pela base a ponto de anular suas possibilidades de
projetos de capitalismo nacional e socialismo nacional"
50.
Nesse sentido Faria
51escreve que em virtude da nova divisão do trabalho, que
permite a articulação das decisões, produção e comercialização em escala global, as
corporações transnacionais impõem condições às economias nacionais e seus Estados.
Como medida reativa os Estados buscam o concerto internacional (OCDE, EU,
OMC, ONU...), pelo qual se estabelecerão critérios mínimos de tributação, na tentativa de
anular o efeito das vantagens oferecidas pelos demais Estados.
___________________
50 “Cabe reconhecer, no entanto, que a soberania do Estado-nação não está sendo simplesmente limitada, mas
abalada pela base. Quando se leva às últimas conseqüências “o princípio da maximização da acumulação do capital”, isto se traduz em desenvolvimento intensivo e extensivo das forças produtivas e das relações de produção, em escala mundial. Desenvolvem-se relações, processos e estruturas de dominação política e apropriação econômica em âmbito global, atravessando territórios e fronteiras, nações e nacionalidades. Tanto é assim que as organizações multilaterais passam a exercer as funções de estruturas mundiais de poder, ao lado das estruturas mundiais de poder constituídas pelas corporações transnacionais. É claro que não apagam o princípio da soberania nem o Estado-nação, mas são radicalmente abalados em suas prerrogativas, tanto que se limitam drasticamente, ou, simplesmente anulam, as possibilidades de projetos de capitalismo nacional e socialismo nacional. IANNI, Octávio. Teorias da Globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 40.41.
51 “Essa mudança radical nas formas de atuação do sistema financeiro internacional e das corporações
transnacionais, viabilizando a articulação de suas decisões de investimento, produção e comercialização em escala global com exigências impostas às economias nacionais e aos seus respectivos Estados, é um dos fatores mais decisivos para o declínio das instituições, mecanismos e “senso comum” jurídicos do Estado-nação e para a consolidação das estruturas e procedimentos jurídicos surgidos no âmbito de uma economia globalizada (dos quais se destacam a legislação produzida por organismos multilaterais, o advento de padrões inéditos de contratualidade jurídica, o surgimento de um “direito privado interorganizações”, a reemergência da Lex Mercatoria e outras formas de soft law, em cujo âmbito os processos de elaboração normativa se dão no plano
Para que se possa compreender melhor o fenômeno da globalização econômica
importa explorar o universo do capitalismo em sua transição de liberal para neoliberal. Nos
tópicos que seguem nos empenharemos em explorar a globalização sob a ótica das teorias
econômicas.
1.1.5 A globalização tributária
Qualquer que seja a terminologia utilizada, globalização, segundo a escola
anglo-americana ou mundialização
52como quer a escola francesa
53, temos que o fenômeno da
internacionalização das atividades econômicas
54, desde a expansão comercial,
originariamente, até as modernas trocas e migrações de capitais, alterou o panorama no qual
os Estados foram forjados
55, em especial, transformou a realidade econômica moldada no
pós-guerra.
___________________
Essa alteração produz efeitos sobre a sistemática tributária vigente, orientada,
em sua gênese, para atuar nas economias domésticas, eis que as trocas comerciais e o fluxo de
52 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de
transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.p 178.
53 “O termo de origem francesa ‘mundialização’ (mondialisation) encontrou dificuldades para se impor, não
apenas em organizações internacionais, mesmo que supostamente bilíngües, como a OCDE, mas também no discurso econômico e político francês. Isso deve-se, claro, ao fato de que o inglês é o veículo lingüístico por excelência do capitalismo e que os altos executivos dos grupos franceses estão intupidos dos conceitos e do vocabulário em voga nas busines schools. Mas também, com certeza, ao fato de que o termo ‘mundialização’
tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos ‘global’ e ‘globalização’. A palavra ‘mundial’ permite introduzir, com muito mais força que o termo ‘global’, a idéia de que, se a economia se mundializou, seria importante construir depressa instituições políticas capazes de dominar o seu movimento”. CHESNAIS, François apud LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Análises das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 143-144.
54 TANZI, Vito. Taxation in an Integrating World. Washington, D.C.: The Brookings Institution.1994, p. 5. 55 “As transformações ocorridas no pós-guerra repercutiram significativamente nos sistemas tributários
tradicionais. Com a construção da nova ordem, tivemos a retomada da globalização e advento do multilateralismo e do regionalismo... Essa perspectiva permitiu o surgimento da harmonização tributária como instrumento essencial à consolidação do diálogo político da integração e como meio capaz de permitir a abolição das fronteiras.” F ALCÃO, Maurin Almeida. Definição e Limites da Harmonização Tributária. In.:
capitais estavam naturalmente limitados pelas barreiras físicas e político-geográficas
56.
Importa dizer que a estrutura jurídica em que está inserido o direito tributário já não mais está
adequada à realidade econômica, a economia hoje tem características transnacionais enquanto
os sistemas tributários continuam essencialmente nacionais.
1.1.5.1 O Estado fiscal
“A passagem dos tributos de realidades esporádicas e excepcionais para
expedientes recorrentes e gerais é uma das características da transição do Estado Patrimonial
para o Estado Fiscal”
57. Essa definição é apresentada por Godoi para ilustrar a dinâmica em
que os homens livres se obrigaram com prestações patrimoniais periódicas para a realização
das despesas do Estado, sem se confundir com a situação dos escravos e dos servos,
abdicando do direito à espontaneidade contributiva que caracterizava a filosofia de liberdade
da época, constituindo a noção do “livre consentimento do sacrifício do tributo”.
Para Pinheiro
58o Estado de direito nasceu ao mesmo tempo em que o Estado
fiscal, ambos alicerçados na igualdade e na liberdade, direitos que limitam o poder tributário.
Para este autor, o Estado fiscal se apresenta diferente conforme o Estado político – liberal ou
social. No Estado de direito liberal assume a forma mínima, limitado a recolher apenas os
tributos necessários à garantia das liberdades individuais. No Estado de direito social
(bem-___________________
56 “...o sistema tributário de diversos países foi criado num tempo em que o comércio internacional era
extremamente controlado e limitado por políticas econômicas protecionistas. A movimentação de capitais (...) quase inexistia”. ZILVETI, Fernando Aurélio. Conjuntura Econômica e Tributação. In: Segurança Jurídica na Tributação e Estado de Direito. II Congresso Nacional de Estudos Tributários, presidido por Paulo de Barros Carvalho e coordenado por Eurico Marcos Diniz de Santi, São Paulo: Noeses, 2005, p. 179.
57 GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999, p.
174-175.
58 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de
estar) se destina, além de proteger as liberdades individuais, à promoção do bem estar por
intermédio de políticas redistributivas com respeito à capacidade contributiva dos cidadãos.
Em um breve relato do que Drucker
59nos oferece acerca daquilo que definiu
como “o Estado Fiscal”, temos a evolução do modelo fiscal, em que o Estado descobriu, por
intermédio das duas grandes guerras, que a capacidade arrecadatória praticamente não possuía
limites, nessa configuração, a renda nacional pertence ao governo e é o Estado quem permite
ao cidadão que fique com a parcela que o julgue apropriado.
Trata-se de uma maneira peculiar de observar o fenômeno da soberania
tributária a manifestada por Drucker. A unilateralidade observada é um traço característico
dos sistemas tributários de um Estado-fiscal, porém, que se encontra mitigada pela
___________________
59 “As duas guerras mundiais deste século transformaram a nação-Estado em um “Estado-fiscal”. Até a Primeira
globalização, pois não mais consegue se impor com tamanha força sobre parcela significante
da economia, nomeadamente, os investimentos produtivos e o capital financeiro, ambos
transnacionais. A visão sobre o futuro declarada por Costa é de que:
...a concorrência fiscal internacional vem forçando os Estados a adoção de soluções impostas pelo mercado internacional tendencialmente globalizado, implicando perda de parcela significativa de suas soberanias. Nasce dessa pressão a necessidade da cooperação interestatal, um problema que exige reflexão sobre a necessidade de se instituir bases para a constituição de um direito que contemple o dever de pagar impostos num Estado fiscal supranacional. Há que lançar as fundações da construção de um Estado fiscal supranacional simultaneamente democrático e social, ou, por outras palavras, um Estado fiscal social que, ultrapassando os limitados territórios nacionais, ofereça uma cobertura jurídico-constitucional adequada às amplas zonas de integração econômica que o mercado vai engendrando60.
As palavras de Costa são complementares às declinadas por Drucker e a
percepção evolutiva extraída dos textos dos autores ora mencionados prepara a próxima etapa
na qual se disporá sobre a soberania tributária.
1.1.5.2 A soberania tributária
Este tópico discorrerá sobre os efeitos do movimento globalizante sobre a
soberania tributária, enquanto que para eventual interesse acerca do conteúdo e alcance da
“soberania tributária internacional” é recomendada a leitura do Capítulo III, Delimitação da
Competência Tributária Internacional, contido na bem lançada obra Convenções sobre Dupla
Tributação Internacional
61, do Professor Antônio de Moura Borges.
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60 COSTA, Elisabete Mansa Pinto da. Concorrência Fiscal Internacional: Um desafio à escala mundial. Tese
de Pós-Graduação em Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Porto Ano 2004/2005, p. 29, Disponível em: <http://www.direito.up.pt/cije_web/Site/documentos/trabalhos/Costa_Elisabete.pdf>. Acesso em: 07 set. 2006.
61 BORGES, Antônio de Moura. Convenções sobre Dupla Tributação Internacional. Teresina: Editora da