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CAPÍTULO 1. O CENÁRIO INTERNACIONAL GLOBALIZADO

1.1 A GLOBALIZAÇÃO

1.1.5 A globalização tributária

1.1.5.1 O Estado fiscal

“A passagem dos tributos de realidades esporádicas e excepcionais para

expedientes recorrentes e gerais é uma das características da transição do Estado Patrimonial

para o Estado Fiscal”

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. Essa definição é apresentada por Godoi para ilustrar a dinâmica em

que os homens livres se obrigaram com prestações patrimoniais periódicas para a realização

das despesas do Estado, sem se confundir com a situação dos escravos e dos servos,

abdicando do direito à espontaneidade contributiva que caracterizava a filosofia de liberdade

da época, constituindo a noção do “livre consentimento do sacrifício do tributo”.

Para Pinheiro

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o Estado de direito nasceu ao mesmo tempo em que o Estado

fiscal, ambos alicerçados na igualdade e na liberdade, direitos que limitam o poder tributário.

Para este autor, o Estado fiscal se apresenta diferente conforme o Estado político – liberal ou

social. No Estado de direito liberal assume a forma mínima, limitado a recolher apenas os

tributos necessários à garantia das liberdades individuais. No Estado de direito social (bem-

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56 “...o sistema tributário de diversos países foi criado num tempo em que o comércio internacional era

extremamente controlado e limitado por políticas econômicas protecionistas. A movimentação de capitais (...) quase inexistia”. ZILVETI, Fernando Aurélio. Conjuntura Econômica e Tributação. In: Segurança Jurídica na

Tributação e Estado de Direito. II Congresso Nacional de Estudos Tributários, presidido por Paulo de Barros

Carvalho e coordenado por Eurico Marcos Diniz de Santi, São Paulo: Noeses, 2005, p. 179.

57 GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1999, p. 174-

175.

58 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.21-23.

estar) se destina, além de proteger as liberdades individuais, à promoção do bem estar por

intermédio de políticas redistributivas com respeito à capacidade contributiva dos cidadãos.

Em um breve relato do que Drucker

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nos oferece acerca daquilo que definiu

como “o Estado Fiscal”, temos a evolução do modelo fiscal, em que o Estado descobriu, por

intermédio das duas grandes guerras, que a capacidade arrecadatória praticamente não possuía

limites, nessa configuração, a renda nacional pertence ao governo e é o Estado quem permite

ao cidadão que fique com a parcela que o julgue apropriado.

Trata-se de uma maneira peculiar de observar o fenômeno da soberania

tributária a manifestada por Drucker. A unilateralidade observada é um traço característico

dos sistemas tributários de um Estado-fiscal, porém, que se encontra mitigada pela

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59 “As duas guerras mundiais deste século transformaram a nação-Estado em um “Estado-fiscal”. Até a Primeira

Guerra Mundial, nenhum governo na história havia conseguido – mesmo em tempo de guerra – obter do seu povo mais que uma pequena fração da renda nacional do país, talvez 5 ou 6 por cento. Mas na Primeira Guerra Mundial todos os beligerantes, inclusive os mais pobres, descobriram que praticamente não havia limites para aquilo que o governo pode extrair da população. (...) a maior parte dos governos precisou de mais uma lição: a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, desde então todos os países desenvolvidos e muitos em desenvolvimento se tornaram “Estados fiscais”. Todos passaram a acreditar que não há limites econômicos para aquilo que o governo pode taxar ou tomar emprestado e, portanto, não há limites econômicos para aquilo que ele pode gastar. Schumpeter salientou que desde que existem governos, o processo orçamentário se iniciava com uma avaliação das receitas disponíveis. Depois, os gastos tinham que ser ajustados a essas receitas. E como o suprimento de “boas causas” é inesgotável, e portanto a demanda por gastos infinita, o processo orçamentário consistia, em sua maior parte, em decidir a respeito do que dizer não. Como se sabia que as receitas eram limitadas, os governos, quer se tratasse de democracias ou de monarquias absolutas coma a Rússia czarista, operavam sob fortes restrições, as quais impossibilitavam que o governo agisse como agência social ou econômica. Mas desde a Primeira Guerra Mundial – e mais perceptivelmente desde a Segunda Guerra – o processo orçamentário tem significado, na verdade, dizer sim a tudo. Tradicionalmente o governo, a sociedade política, tinha à sua disposição os meios concedidos pela sociedade civil, e mesmo assim somente uns poucos pontos percentuais da renda nacional, os quais constituíam tudo o que podia ser monetizado. Somente essa quantia podia ser convertida em impostos e empréstimos e, consequentemente, em receitas do governo. Pela nova distribuição, a qual assume que não há limites econômicos para as receitas que ele pode obter, o governo se transforma no senhor da sociedade civil, capaz de moldá-la e lhe dar forma. Acima de tudo, através de impostos e gastos, o governo pode redistribuir a renda da sociedade. Através do poder do dinheiro, ele pode moldar a sociedade à imagem do político. Mas pela nova distribuição também é muito fácil ver a renda nacional como pertencente ao governo, com as pessoas tendo o direito de ter somente aquilo que o governo lhes permite. Antes de 1914 – ou melhor, de 1946 – ninguém falava em “buracos fiscais”. Supunha-se antigamente que tudo pertencesse aos indivíduos, com exceção daquilo que houvesse sido expressamente transferido ao governo pelos representantes políticos dos contribuintes, quer se tratasse de um governo absolutista ou parlamentar. Entretanto, a expressão “buraco fiscal” significa que tudo pertence. E que aquilo que os contribuintes retêm só pode ser retido porque o governo, em sua sabedoria e generosidade, está disposto a permitir que eles o façam. É claro que isto tornou-se explícito somente nos países comunistas. Mas mesmo nos Estados Unidos, especialmente durante o governo Kennedy, o critério predominante em Washington, particularmente entre os burocratas, era que toda renda pertence ao governo, exceto aquela que se permite, de forma expressa e explícita, que fique com o contribuinte.” DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-capitalista. 6. ed. Trad. Nivaldo Montingelli. São Paulo: Pioneira, 1997, p. 90-92.

globalização, pois não mais consegue se impor com tamanha força sobre parcela significante

da economia, nomeadamente, os investimentos produtivos e o capital financeiro, ambos

transnacionais. A visão sobre o futuro declarada por Costa é de que:

...a concorrência fiscal internacional vem forçando os Estados a adoção de soluções impostas pelo mercado internacional tendencialmente globalizado, implicando perda de parcela significativa de suas soberanias. Nasce dessa pressão a necessidade da cooperação interestatal, um problema que exige reflexão sobre a necessidade de se instituir bases para a constituição de um direito que contemple o dever de pagar impostos num Estado fiscal supranacional. Há que lançar as fundações da construção de um Estado fiscal supranacional simultaneamente democrático e social, ou, por outras palavras, um Estado fiscal social que, ultrapassando os limitados territórios nacionais, ofereça uma cobertura jurídico- constitucional adequada às amplas zonas de integração econômica que o mercado vai engendrando60.

As palavras de Costa são complementares às declinadas por Drucker e a

percepção evolutiva extraída dos textos dos autores ora mencionados prepara a próxima etapa

na qual se disporá sobre a soberania tributária.