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A pulsão de saber do expert

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Academic year: 2017

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Universidade

Católica de

Brasília

Pró-Reitoria de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Educação

Mestrado

A PULSÃO DE SABER DO

EXPERT

AUTORA:

Anna Carolina Mendonça Lemos

ORIENTADOR:

Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

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ANNA CAROLINA MENDONÇA LEMOS

A PULSÃO DE SABER DO EXPERT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

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Dissertação de autoria de Anna Carolina Mendonça Lemos, intitulada “A PULSÃO DE SABER DO EXPERT”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação da Universidade Católica de Brasília, em 28 de abril de 2010, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão Orientador

Profa. Dra. Marta Helena de Freitas Membro Interno

Profa. Dra. Albertina Mitjáns Martínez Membro Externo

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AGRADECIMENTOS

Ao meu noivo, Vinícius, pelo amor, paciência e companheirismo.

Aos meus amados pais, Ivaldo e Ivandir, a quem devo tudo, pelo infindável suporte, presença e estímulo, bem como pelo exemplo que deram ao serem modelos também como médicos. Destrinchando, agradeço especialmente à minha mãe, pelas vibrações a cada conquista e por ser indubitável e declaradamente a minha fã número um. Ao meu pai, sempre acompanhado de grandes valores, pela participação ativa neste trabalho, assim como pela força, conforto e incentivo que sempre me ofereceu enormemente.

Ao Prof. Afonso, pela fortuna de orientação e ensinamentos.

Ao meu irmão mais velho, Pedro, que me deu todo o resguardo logístico na área de sua expertise – a medicina –, sem o qual este estudo não poderia ter sido realizado da forma que foi.

Ao meu irmão do meio, Ivaldo, pelo carinho de sempre.

Às minhas cunhadas Francine, pelo apoio, e Cathryn, pelas necessárias traduções. E às futuras, Dominique e Paula.

Aos sobrinhos Jorge, Sofia e Mariana. Aos meus futuros sogros, Vicente e Antonia. Aos experts entrevistados, pela riqueza e presteza.

Aos professores da Católica, que muito me ensinaram, especialmente à Beatrice e ao Luis Síveres.

À Sheyla Mariana, pelo auxílio e amparo administrativo.

Ao Dr. Campos Menezes, a quem devoto o meu conhecimento psicanalítico. Aos meus analisantes, tão importantes na minha trajetória.

Às minhas sócias, Márcia, Marli e Telma, que sempre apoiam o prosseguimento da minha formação.

Aos amigos da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação do MPDFT, que tanto me incentivaram a iniciar o curso, especialmente à Márcia, Ana Luisa e Ana Paula.

Aos colegas da CAPES, que também acompanharam o desenrolar do curso. Aos colegas do mestrado, que vivenciaram comigo todas as alegrias e angústias típicas do curso, em especial à Belane.

À Lúcia Lemos, pela calma, compreensão e incentivo incondicionais.

Aos demais amigos e colegas do IPEA e da ARPI que sinceramente me apoiaram e ajudaram.

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RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo investigar, sob a ótica psicanalítica, características da pulsão de saber do expert e a sua relação com os aspectos afetivos construídos ao longo de sua história. Identificou-se as percepções que eles próprios possuem sobre a sua pulsão de saber, bem como sobre a participação da família no desenvolvimento dela. Ademais, explorou-se as características das funções paterna e materna no desenvolvimento da habilidade expert. Por fim, investigou-se, também, a relação entre objeto de conhecimento e objeto de desejo do

expert. Participaram da pesquisa cinco médicos cardiologistas com destacada expertise na área. Eles foram entrevistados em profundidade por meio da técnica da entrevista clínico-qualitativa. Resultados sugerem que, apesar das especificidades de cada relato, há características comuns que permitem avançar na compreensão do desenvolvimento do desempenho expert. Os cinco participantes, por exemplo, receberam as devidas funções paterna e materna, o que permitiu que a sua curiosidade epistemofílica construísse força suficiente para buscar o conhecimento que ansiavam. Todos apresentaram uma autorrresponsabilização em relação às obrigações escolares, bem como um desejo e uma facilidade para aprender desde cedo. Para eles, o saber sempre lhes foi muito prazeroso, tanto que esse prazer transpassa ao saber médico e ainda permanece presente em seus estudos diários, mantendo ativa a sua pulsão de saber. Essa busca permanente por conhecimento parece resultar de uma falta típica do sujeito incompleto, ou seja, daquele que conseguiu entrar no campo do desejo. A escolha pela cardiologia, por sua vez, apresentou-se oriunda de causas distintas, embora atualmente seja fonte de grande realização, haja vista que invade sobremaneira a vida pessoal de modo a desencadear até certo desequilíbrio. Ademais, todos eles se mostraram preocupados com o lado humano da profissão, descartando o tecnicismo puro da relação médico-paciente e o foco absoluto no retorno financeiro. Enfim, todos os

experts entrevistados neste estudo demonstraram que poderiam desenvolver expertise também em outras profissões, eis que o seu prazer está no saber, de um modo geral, que instiga a sua pulsão epistemofílica.

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ABSTRACT

This research aimed at investigating, from a psychoanalytic perspective, the features of experts’drive for knowledge and its relationship with affective aspects built up during their lives. Particularly, it was identified their own perceptions about their drive for knowledge, as well as their families’ role in it. Besides, it was explored the features of the parental function in their expertise development. Finally, the relationship between object of knowledge and object of desire of experts were also explored. Participants were five medical doctors (cardiologists) with acknowledged expertise in their field. They were interviewed at length by means of clinical qualitative interview. Results suggest that in spite of the specificities of each discuss, there are common characteristics which allow to advance understanding the development of expert knowledge. For example, all participants had received the necessary paternal and maternal support and attention, which motivated their epistemological curiosity to enable them seek the knowledge they so thirsted. All appeared to have been extremely diligent scholars with an inherent ability to learn quickly. For them knowledge had always been a source of pleasure, so much that this pleasure trespassed medical knowledge into other non-related subjects, sustaining the drive for knowledge. This permanent quest for knowledge seems to be the result of the typical fault of the incomplete subject, that is to say, he or she who succeeded in working in his or her field of desire. Moreover, although clearly a great achievement, the choice of cardiology was originated from distinct roots, and incessantly managed to invade their personal lives currently. All participants demonstrated concern with the humane side of the profession, disregarding cold scientific doctor-patient relationship and the pure focus of financial rewards. In summary, all the experts interviewed in this study demonstrated that they could additionally develop expertise in other professions, as knowledge is their end gratification and pleasure, which excites their drive for knowledge.

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INTRODUÇÃO __________________________________________________ 10

1 REVISÃO DE LITERATURA ____________________________________ 12

1.1 Expertise ___________________________________________________ 12

1.1.1 Expertise e Expert: Definição e Características ___________________________ 12

1.1.2 Expertise: Emoção e Família __________________________________________ 17

1.1.3 Aprendizagem Expert ________________________________________________ 20

1.2 Expertise e Psicanálise ________________________________________ 23

1.2.1 Pulsão _____________________________________________________________ 24 1.2.2 Sexualidade da Criança ______________________________________________ 35 1.2.3 Constituição da Subjetividade _________________________________________ 44 1.2.4 Sujeito de Linguagem________________________________________________ 53 1.2.5 Aprendizagem e Família _____________________________________________ 57

1.3 Expertise e Pulsão de Saber ___________________________________ 60

2 NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA ___________________ 67

2.1 Problema ___________________________________________________ 67

2.2 Justificativa_________________________________________________ 68

2.3 Objetivos ___________________________________________________ 69

2.3.1 Geral _____________________________________________________________ 69 2.3.2 Específicos _________________________________________________________ 69

2.4 Metodologia ________________________________________________ 70

2.4.1 Caracterização da Pesquisa ___________________________________________ 70 2.4.2 Participantes _______________________________________________________ 71 2.4.3 Instrumento de Coleta de Dados _______________________________________ 72 2.4.4 Procedimentos ______________________________________________________ 73 2.4.5 Estratégias de Análise de Dados _______________________________________ 73

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO ___________________________________ 75

3.1 Pulsão de Saber _____________________________________________ 75

3.1.1 Facilidade de Aprendizagem __________________________________________ 75 3.1.2 Dedicação aos Estudos _______________________________________________ 76 3.1.3 Prazer em Estudar __________________________________________________ 86

3.2 Participação da Família na Pulsão de Saber ______________________ 91

(10)

3.4 Objeto de Desejo e Objeto de Conhecimento _____________________ 101

4 CONCLUSÕES _______________________________________________ 118

REFERÊNCIAS ________________________________________________ 123

(11)

INTRODUÇÃO

A teoria psicanalítica entende que a pulsão de saber engloba um conjunto de aspectos relacionados ao processo de estruturação psíquica do sujeito, tais como as posições iniciais do bebê, a importância da função materna e paterna para a constituição da subjetividade, o desenvolvimento da sexualidade, a formação do inconsciente a partir da linguagem, as vicissitudes pulsionais, entre outros. Ocorre que esses mesmos fatores, quando não bem desenrolados, propiciam uma inibição inconsciente do saber (SANTIAGO, 2005; SOUZA, A., 2003), também denominada pela literatura como dificuldade ou transtorno de aprendizagem (BOSSA, 2000, 2002; FERNÁNDEZ, 1991, 2001b, 2001c, 2001d; LEMOS, 2007; PAÍN, 1985, 1999; SALVARI; DIAS, 2006; SOUZA, A., 2003).

Assim sendo, a dificuldade de aprendizagem, também não proveniente de uma única causa (CORDIÉ, 2005; FERNÁNDEZ, 1991), é tida como decorrente de algum entrave inconsciente que impede o sujeito, potencialmente capaz, de desenvolver um desejo pelo saber, impedindo-o de obter satisfação ao adquirir e buscar conhecimento.

Por outro lado, existem aqueles que conseguem, com êxito, relacionar-se significativamente bem com a aprendizagem, mantendo sua pulsão de saber ativa por vários anos, de modo, inclusive, a interagir e contribuir socialmente por meio de seus conhecimentos ímpares. Trata-se dos experts, definidos por Galvão (2003) como aqueles capazes de desempenhar particularmente bem uma tarefa específica de um domínio, adquirida por meio de prática ou estudo individual deliberado, ao longo de um período não inferior a uma década. São justamente esses experts que atualmente intrigam pesquisadores e pessoas comuns em razão dessa ligação demasiada com um objeto de conhecimento em um longo prazo (GALVÃO; GOMES, 2008).

Tanto assim que pesquisas sobre expertise se tornaram particularmente relevantes porque representam uma oportunidade de entender os mecanismos operacionais de eficiência máxima (CIANCIOLO et al., 2006). Algumas delas, contudo, apesar de fazerem referência à importância da participação dos pais no processo de aprendizagem de experts

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psicanalítico, de modo a investigar a função desenvolvida pelos Outros parentais para o surgimento da pulsão de saber daquele que desenvolveu uma performance superior.

Dessa forma, considerando que uma das grandes revoluções da psicanálise, segundo Souza A. (2003), foi demonstrar que o sujeito, desde a mais tenra idade, pesquisa e busca conhecer o mundo à sua volta, ou, mais detalhadamente, pesquisa no mundo os objetos ligados aos seus desejos (seu próprio corpo, seus pais, seus irmãos etc.), torna-se necessário investigar a pulsão epistemofílica do expert, a fim de entender sua relação com os vínculos familiares e com o objeto de conhecimento.

Os resultados deverão responder às seguintes questões: Qual a posição da família do expert em relação ao saber? Houve ativa participação parental nos estudos? Quais foram os incentivos recebidos pelos Outros parentais? Quais as características das funções materna e paterna recebidas? O que sustenta o desejo contínuo acerca do objeto de estudo? O que o faz se manter vinculado por tantos anos a um objeto de conhecimento? Há prazer em estudar? Enfim, a pesquisa objetiva relacionar a expertise com a pulsão de saber.

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1 REVISÃO DE LITERATURA

1.1

Expertise

1.1.1 Expertise e Expert: Definição e Características

Desde o início da civilização ocidental, existe particular interesse sobre o conhecimento superior que experts possuem em relação a uma área específica (ERICSSON, 2006a). Suas características peculiares as distinguem das dos não experts, despertando a curiosidade de investigação de cientistas e indivíduos em geral (ALENCAR; GALVÃO, 2007; CIANCIOLO et al., 2006; ERICSSON, 2006a; GALVÃO, 2003; GALVÃO; GOMES, 2008; GOMES, 2008). Tais investigações se iniciaram no final do século XIX, mas se intensificaram na segunda metade do século XX (BUCHANAN; DAVIS; FEIGENBAUM, 2006; VOSS; WILEY, 2006), com os trabalhos de De Groot (1965) e Chase e Simon (1973a, 1973b) sobre xadrez.

Cientistas, desde então, têm estudado experts nas mais variadas áreas (CLARK, 2008), tais como esporte (HODGES; STARKES; MacMAHON, 2006), medicina (NORMAN et al., 2006), música (GALVÃO, 2006; ERICSSON; LEHMANN, 1996; KRAMPE; ERICSSON, 1996; LEHMANN; GRUBER, 2006; SOSNIAK, 1985, 1990) e computação (SONNENTAG; NIESSEN; VOLMER, 2006). Todos eles tentando entender questões como “quem se torna um expert?” e “como é possível se tornar um expert?” (ACKERMAN; BEIER, 2003).

Experts, por definição, são indivíduos consistentemente capazes de exibir

performance superior em uma determinada área. Por exemplo, jogadores profissionais de xadrez (que sempre ganham quando jogam com jogadores amadores), médicos especialistas (que diagnosticam com melhor exatidão do que residentes) e músicos profissionais (que executam melodias não executáveis por músicos menos experientes) (ERICSSON, 2006a).

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incompreendida; a obra-prima ‘Ulisses’, de James Joyce, teve dificuldades para ser publicada – o que ocorreu em 1922 –, sendo que a obra fora proibida nos Estados Unidos, em razão de censura, até 1933; a obra de Vincent van Gogh, por sua vez, foi amplamente conhecida somente após a sua morte (WIKIPÉDIA, 2009).

Enfim, três tipos de estudos acerca da expertise são apontados por Ackerman e Beier (2003), a saber: 1) pesquisas psicológicas experimentais, que focam a descrição dos processos envolvidos na aquisição da performance superior; 2) Pesquisas psicológicas ‘diferenciais’, que focalizam as características individuais dos experts, distintas em relação a dos novatos, por exemplo; e 3) pesquisas interacionistas, atentas em construir representações que consideram tanto as diferenças, quanto as experiências da infância e da fase adulta, como aquelas capazes de desenvolver expertise. A pesquisa de ordem psicanalítica deve, de fato, começar a conquistar o seu espaço.

Ackerman e Beier (2003), posicionando-se, entendem o desenvolvimento da

expertise justamente como uma interação entre as características individuais (habilidades, personalidade, interesses etc.) e o meio externo, que conjuntamente influenciam as pessoas a construir – ou não – a expertise. Ademais, unido a tudo isso, para que tal desenvolvimento ocorra, é necessário o estudo deliberado (GALVÃO, 2006).

Assim sendo, investigações longitudinais em áreas variadas têm demonstrado convincentemente que diferenças nas primeiras experiências de vida, preferências, hábitos e, principalmente, estudo individual deliberado qualitativa e quantitativamente eficiente são os principais determinantes da obtenção da capacidade de desenvolvimento da expertise

(GALVÃO, 2003).

Segundo Galvão (2003), no entanto, a literatura não se preocupou exatamente em explorar uma definição de expertise, tendo, então, o autor a definido como a capacidade de desempenhar particularmente bem uma tarefa específica de um domínio, adquirida por meio de prática ou estudo individual deliberado. Nesse caso, em razão de tal dedicação, expert

é definido como aquele que possui um nível performático superior em relação aos outros (CIANCOLO et al., 2006).

A expertise não se refere, pois, a um alto conhecimento geral sobre todas as áreas, mas somente a um domínio específico (GOBET; SIMON, 1996), fruto de dedicação intensa e continuada durante vários anos a essa área singular. Portanto, o expert se esforça para se tornar um expert (HUNT, 2006).

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genética. Trata-se da construção de uma habilidade específica, no decorrer de um longo período – tanto assim, que crianças prodígios não são consideradas experts (SOSNIAK, 2006). Mesmo aquelas que possuem habilidades tidas como inatas precisam alcançar a

performance superior gradualmente, se compromissada com o estudo deliberado por vários anos (ERICSSON, 2006b).

Por tal razão, como é necessário um longo período para se chegar a um alto nível de expertise, é natural que tal conquista se realize na fase adulta. Se a performance superior for mantida, a expertise não se declinará em razão da idade da fase adulta, mas somente se as habilidades performáticas deixarem de ser exploradas, inclusive no sentido de diminuição do estudo deliberado (ERICSSON, 2000; HORN; MASUNAGA, 2006).

Isso posto, segundo Deakin, Côte e Harvey (2006), como o tempo é fator fundamental no estudo da expertise, preparação, práticas e tarefas constituem pré-requisitos essenciais para o seu desenvolvimento. Dessa forma, só é possível se tornar um expert por meio de estudo qualitativo de longo prazo, autorreguladolado e metacognitavemente eficiente (GALVÃO; GOMES, 2008), tanto que se confirma nas pesquisas, que, na maioria das vezes, são necessários pelo menos dez anos de estudo individual deliberado para alcançar a

expertise, a depender do conteúdo de domínio (ERICSSON, 1996a; GALVÃO, 2003; HUNT, 2006). Por exemplo, músicos instrumentistas e jogares de xadrez levam em torno de dez anos, enquanto que para a composição musical, pode demorar até vinte anos (HAYES, 1981). Essa regra de “dez anos”, segundo Ericsson (2006b), representa uma estimativa, sendo que a maioria dos pesquisadores afirmam que esse é o mínimo, não uma média.

As experiências de vida do sujeito, com destaque nas mais arcaicas, por sua vez, podem influenciar essas preferências, hábitos, oportunidades e desejo de estudar e se manter vinculado anos a fio a um objeto de conhecimento. Gomes (2008), por exemplo, aponta que a aquisição da habilidade de alto nível implica em um tipo de relação especial entre o indivíduo e seu objeto de conhecimento, razão pela qual se deve considerar as particularidades de cada sujeito para o exercício da performance superior. Por tal motivo, segundo a autora, o estudo da expertise deve retomar a investigação acerca dos primeiros estágios do desenvolvimento do expert, que apontam suas características individuais.

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sua vez, abalizam dois tipos de expertise contrastantes: a rotineira e a adaptativa, sendo que a rotineira soluciona problemas familiares relacionados à área de seu domínio; e a segunda envolve competências capazes de solucionais pendências de outras áreas (GALVÃO, 2003; GOMES, 2008). Portanto, a expertise adaptativa envolve uma flexibilização cognitiva maior em situações novas do que a rotineira (MARTIN et al., 2007).

Seja como for, é possível, enfim, inferir dois posicionamentos relacionados ao

expert: 1) é necessária intensa dedicação e estudo individual deliberado; e 2) o desejo do

expert relacionado ao objeto de conhecimento – construído ainda nas primeiras experiências pulsionais – é definidor para o desenvolvimento da expertise. Portanto, desejo e dedicação, conjuntamente, são as palavras-chaves para se tornar um expert.

Frisa-se, então, que a expertise não é adquirida por qualquer pessoa, bastando que se decida objetivamente por isso e se dedique ao estudo de certo domínio por um longo prazo. É necessário que haja um desejo do sujeito sobre determinado objeto de conhecimento, intrinsecamente relacionado com suas pulsões mais arcaicas. Galvão (2003) afirma, contudo, que é cada dia mais forte a crença de que qualquer pessoa pode se tornar um expert, haja vista que nada há nas pesquisas sobre expertise que indique ser tal capacidade específica de um seleto grupo de pessoas. Da mesma maneira, outros pesquisadores concluíram que a expertise

pode ser adquirida por qualquer sujeito, desde que foque em esforço e árduo trabalho – o denominado pela literatura de estudo deliberado (ERICSSON, 1996b; ERICSSON; CHARNESS, 1994; ERICSSON; LEHMANN, 1996; ERICSSON; TESCH-RÖMER; KRAMPE, 1993). Em suma, qualquer pessoa pode vir a adquirir expertise; todavia, só será possível manter acesa tal dedicação, se possuir o desejo que a ampare e a impulsione por tanto tempo.

Todo e qualquer desejo, de acordo com a teoria psicanalítica, é sempre de ordem inconsciente – tanto que há momentos em que se chega a falar em “umbigo”, onde não se pode mais avançar (FONSECA, 2002). Caso o desejo não esteja presente, dificilmente é possível conduzir uma jornada tão árdua de trabalho durante um longo período de tempo, em que a relação com o objeto, segundo Galvão e Gomes (2008), mistura-se com a própria trajetória de vida do expert.

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Ao analisar essa motivação sob uma ótica psicanalítica, Galvão e Gomes (2008) a entendem como tendo uma base no movimento do desejo inconsciente do sujeito. Ora, considerando que todo o comportamento do sujeito reflete um ato psíquico que envolve desejo e intencionalidade, tendo sido anteriormente uma condição inconsciente do sujeito (GALVÃO; GOMES, 2008), e, considerando que a motivação é aquela que mantém o sujeito constantemente atuando em determinado contexto, é possível inferir que motivação e desejo possuem a mesma sustentação inconsciente. Dessa forma, concluem os autores (p. 52) que “é na questão de desejo organizado subjetivamente pelo sujeito que está o interesse em descobrir a vinculação entre experts e conteúdos de expertise”.

Expertise em Medicina

Expertise em medicina, foco de estudo deste trabalho, requer domínio de uma diversidade de conhecimentos e habilidades – de ordem motora, cognitiva e interpessoal –, que, por tal razão, difere-se de outros campos de performanceexpert, tais como xadrez, jogo de cartas, programação de computador ou ginástica (NORMAN et al., 2006). Aliás, as diversas áreas médicas exigem habilidades diferenciadas. A cardiologia intervencionista, por exemplo, solicita uma destreza motora que a clínica não necessita, embora ambas exijam alto conhecimento teórico e habilidades interpessoais.

Ademais, embora em todas as áreas seja imprescindível que o expert continue se dedicando para que permaneça ou aumente o nível de sua performance, na área médica há ainda uma peculiaridade: o médico deve se manter ativamente dedicado porque a própria profissão, em razão de sua faceta extremamente dinâmica, exige-lhe uma constante atualização. A cada dia, por exemplo, são lançadas novas drogas, novos tipos de tratamento, que determinam a aquisição de novos conhecimentos.

Na verdade, sabe-se que o desenvolvimento do conhecimento médico se baseia em três tipos: causativo (essencial, baseado em mecanismos básicos), analítico (relação formal entre diagnóstico e características – sinais e sintomas – de variadas condições) e experimental (acumulação de um arsenal de casos baseados em experiências) (GRUPPEN; FROHNA, 2002; SCHMIDT; NORMAN; BOSHUIZEN, 1990).

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necessariamente esses tipos de conhecimento, haja vista se tratar de níveis cada vez mais refinados.

Em face de tal complexidade da área médica, Norman et al. (2006) afirmam que é necessário entre seis e nove anos de aprendizagem até que o sujeito se torne independente. Nota-se que, nesse caso, é referida a independência; não a expertise. Não a toa que a faculdade de medicina dura seis anos, em período integral, e a residência médica, pelo menos dois anos, dependendo da especialidade e sub-especialidade (WIKIPÉDIA, 2009). Dessa forma, intui-se serem necessários os mesmos mínimos dez anos – citados por Ericsson (1996a), Galvão (2003) e Hunt (2006) – para o desenvolvimento da expertise médica.

1.1.2 Expertise: Emoção e Família

Para que a expertise seja devidamente compreendida, é necessário fazer as devidas amarras com as questões familiares. Afinal, o desenvolvimento de uma performance

superior está necessariamente relacionado a questões emocionais, as quais estão vinculadas à subjetividade do expert, e essa, por sua vez, é fruto das vicissitudes arcaicas dos vínculos parentais. Portanto, expertise, cognição e emoção estão intimamente relacionadas.

Assim sendo, ainda que não exatamente destinadas ao estudo da expertise

propriamente dita, há estudos que buscam relações entre a emoção e a cognição desde a filosofia de Platão, sendo retomadas posteriormente pelos cognitivistas do século XX (GALVÃO; GOMES, 2008). Para Platão, segundo Galvão e Gomes (2008), as emoções distorcem o modo verdadeiro de perceber as coisas, por se chocarem com a razão, enquanto que Aristóteles, Thomas Aquina e Descartes buscaram oferecer contribuições sobre as emoções relacionando-as com cognição e avaliação. Assim, para Lyons (1980), esta tradição filosófica, discutia a relação entre a cognição e as emoções, tais como causa-efeito.

A partir do final do século XIX, Galton (1869) considerou que a habilidade superior era naturalmente herdada, indicando o caráter hereditário da expertise. Subotnik e Arnold (1993), por exemplo, continuam afirmando que o caráter inato é essencial para o desenvolvimento da expertise. Essa abordagem inata, segundo Galvão (2003), ainda é influente, principalmente entre pessoas leigas.

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a emoção é o sentimento próprio das mudanças corporais enquanto ocorrem, ou seja, algum evento externo ao indivíduo produz respostas específicas de aproximação ou repulsa, que emergem juntas com revides do sistema nervoso.

No século XX, Freud (1915a) indicou que emoção interfere na cognição, inclusive nas atividades de memória. E Canon (1929) afirmou que o comportamento emocional ainda se encontrava presente quando as vísceras eram cirúrgica ou acidentalmente removidas.

A teoria cognitiva, por sua vez, retomou o tema somente quando Schachter (1971) concluiu que a excitação visceral era uma condição necessária para que a experiência emocional ocorresse, embora a qualidade da emoção dependesse da avaliação do mundo externo e dos estados internos da pessoa.

Há, ainda, pesquisas que afirmam que a avaliação cognitiva sempre precede uma reação afetiva, embora essa avaliação possa ser inconsciente (LAZARUS, 1982; SMITH; LAZARUS, 1993). Para Galvão e Gomes (2008), contudo, a avaliação pré-consciente – como desejam os pesquisadores cognitivistas, ou inconsciente, como nomeiam os psicanalistas – encontra tamanha resistência à aceitação em razão das dificuldades experimentais. Nesse foco, Bowers et al. (1990) concluíram que processamentos cognitivos podem não ser conscientes.

Várias investigações sobre expertise, então, passaram a participar do contexto científico mundial, sendo que algumas delas se ativeram a aspectos da primeira infância. Investigações longitudinais em áreas distintas, segundo Galvão (2003) têm demonstrado que diferenças nas primeiras experiências de vida são um dos determinantes principais para obtenção da capacidade performática do expert. Algumas delas enfatizaram a presença do apoio parental como capaz de estimular os filhos nos estudos (BROKAW, 1983; DAVIDSON et al., 1996; LEPPER; GREENE, 1975; MANTURZEWSKA, 1990; SPERTI, 1970).

A família, nos estudos de Sosniak (1990), por exemplo, foi apontada como a principal responsável por proporcionar recompensas pessoais e imediatas, enquanto que professores e demais adultos, ao promover atividades que estimulam o envolvimento do sujeito, acabam por sustentar o seu interesse inicial.

Ericsson, Tesch-Römer e Krampe (1990) e Sloboda e Howe (1991) também concluíram suas pesquisas afirmando que a motivação nos anos iniciais da prática musical tende a ser basicamente parental.

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Outros estudos sobre desenvolvimento demonstram a importância dos irmãos, tais como o de Berndt e Bulleit (1985), que apontaram certo comportamento professoral que o mais velho possui em relação ao mais novo; o de Dunn e Kendrick (1982), que mostraram a tendência do mais novo em tratar o mais velho como professor; e o de Davidson (1997), que indicou que os irmãos ofereciam influência neutra ou positiva.

Conclui-se então, que a motivação externa recebida dos pais e irmãos parece ser similar (GALVÃO, 1997b) e que a família possui sempre um importante papel no cultivo da

expertise (MIEG, 2006).

A sociedade, por sua vez, segundo HUNT (2006), também é capaz de encorajar o desenvolvimento de performance superior, principalmente na área de business, direito e medicina. Assim, segundo o autor, caso se precise de experts em determinado campo, é necessário motivar pessoas para adquirir a devida expertise e premiá-los quando a conseguir.

Por tal razão, uma das fases do processo de formação do expert é o que Galvão (2003) denominou de apoio externo, que se refere à estrutura ambiental na forma de pais, professores e escola que oferece apoio em termos físicos e na forma de pressões para que a rotina de estudo seja mantida. Isso porque o processo de aprendizagem continuada de experts

é influenciado por respostas essencialmente afetivas, que envolvem um compromisso emocional com o objeto de conhecimento e com pessoas-chave envolvidas nesse processo. Para Hunt (2006), por exemplo, é necessário – além dos anos de trabalho, obviamente –, que o sujeito tenha sucesso inicial, goste de seu trabalho e seja aceito no seu meio social.

Dessa forma, esses aspectos de ordem emocional podem estar na base do vínculo com o objeto de expertise desde o início do envolvimento com a aprendizagem do domínio específico (GALVÃO, 2000). A própria escolha do objeto de estudo já indica indícios do desejo do expert, já que, segundo Hunt (2006), em geral, pessoas se interessam mais por aquilo em que são boas – e se são boas é porque se dedicam, sentem-se atraídas – em detrimento àquilo em que têm dificuldade. Tanto assim, que desde a infância, experts sentem desejo em aprender determinado campo do conhecimento (BLOOM, 1985). Trata-se de um círculo.

O desejo, portanto, está diretamente relacionado ao processo de desenvolvimento da expertise, combinado com a dedicação do estudo individual deliberado. Logo, expertise

não é somente uma questão cognitiva, tampouco apenas emocional, e sim ambas conjuntamente.

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pesquisa sobre tal vinculação em contextos de aprendizagem, bem como a literatura de base psicanalítica que trate de aprendizagem expert.

Recentemente, Gomes (2008) estudou a relação entre o expert e seu objeto de domínio, na vanguarda dos estudos da expertise em uma abordagem psicanalítica, mas é necessário, ainda, unir mais consistentemente tais focos de modo a buscar respostas sobre a emoção (desejo) que mantém o expert, anos a fio, entrelaçado a um objeto de conhecimento – de modo a se confundir com ele, empregando-lhe sua força pulsional, de forma a garantir sua identidade enquanto sujeito expert de dado conteúdo (GALVÃO; GOMES, 2008).

1.1.3 Aprendizagem Expert

A expertise se refere à manifestação de habilidade e compreensão resultantes da acumulação de conhecimento em um domínio específico (CHI, 2006; VOSS; WILEY, 2006). Para entendê-la, então, segundo Chi (2006), é necessário compreender como o conhecimento é organizado e estruturado e como essas representações diferem daquelas dos não experts.

Atualmente, entende-se que o desenvolvimento da expertise passa por três fases interativas, a saber: apoio externo, transição e autorregulação (GALVÃO, 2003; GOMES, 2008), sendo a metacognição a base para a autorregulação (CLARK, 2008).

Trata-se, pois, segundo Galvão (2003) e Gomes (2008), de um processo trifásico correspondente à forma do sujeito de lidar com o objeto de estudo. Na etapa do apoio externo, pais, professores e escola fornecem o amparo necessário para que a rotina de estudo seja mantida. Na transição, há um decréscimo da pressão externa e aumento da organização do aprendizado, principalmente em termos de orientação de estudo individual deliberado. Por último, ocorre a fase da autorregulação, em que o sujeito exerce controle sobre o ambiente de aprendizagem e sobre os processos de organização do material a ser aprendido, que corresponde aos frutos da metacognição. Logo, a conquista de performance de alto nível se inicia com a obrigatoriedade de estudo, geralmente imposta pelos pais, e passa, gradativamente, para um estudo deliberado e, então, cada vez mais internalizado e alto-regulado pelo sujeito (GLASER, 1996; GOMES, 2008).

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e relevantes; 2) determinar a melhor forma de alcançar o objetivo; 3) monitorar o progresso direcionado ao objetivo; e, 4) realizar ajustes, se necessário.

A autorregulação, então, de acordo com Galvão (2003), corresponde à habilidade de questionar, negociar e testar uma representação de modo a permitir que a aprendizagem ocorra e que novos níveis sejam alcançados. É necessário que o sujeito vá desenvolvendo seus próprios métodos individuais para adquirir a melhor performance (FELTOVICH; PRIETULA; ERICSSON, 2006), ou seja, a autorregulação implica em estabelecer um objetivo de estudo e controlar o próprio progresso, utilizando estratégias como monitoração, elaboração e gerenciamento de esforço (CORNO, 1989).

É diferenciado o modo como experts e não experts utilizam seus métodos de autorregulação (GOMES, 2008). Segundo Zimmerman (2006), os primeiros delimitam objetivos, selecionam estratégias tecnicamente e, portanto, possibilitam mais eficácia no relacionamento com o objeto de conhecimento – ao contrário dos últimos.

Portanto, Feltovich, Prietula e Ericsson (2006) afirmam que experts certamente não são aqueles que sabem mais, mas aqueles que sabem diferentemente, tanto que os autores não consideram a expertise como um mero domínio de determinado assunto, mas como uma complexa construção de adaptação da mente e do corpo, a qual é fruto de articulação cognitiva, possível pelas peculiaridades psíquicas do sujeito.

A expertise, então, é atingida por estudantes autorregulados e metacognitivamente eficiantes (GALVÃO, 2007b; GOMES, 2008), além, claro, do necessário esforço decorrente do estudo individual deliberado, definido por Ericsson e Smith (1991) como a forma de estudo na qual o aprendiz controla e manipula seu processo de aprendizagem em busca de um melhor desempenho.

O fator estudo deliberado, inclusive, está em concordância com uma das leis gerais da psicologia cognitiva (a lei geral da potência de aprendizagem), a qual transforma em equação matemática o ditado de que a prática traz a perfeição (GALVÃO, 2006). Tanto assim, que alguns trabalhos indicaram ser ele um hábito de vida inteira (ANDERSON, 1990; ERICSSON; TESCH-RÖMER; KRAMPE, 1993; GALVÃO, 2000; KRAMPE; CHARNESS, 2006; KRAMPE; ERICSSON, 1995; MANTURZEWSKA, 1990; WALSH; HERSHEY, 1993).

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1990; ERICSSON, 2003; ERICSSON; SMITH, 1991; ERICSSON; TESCH-RÖMER; KRAMPE, 1993; KRAMPE; CHARNESS; 2006; KRAMPE; ERICSSON, 1996; WALSH; HERSHEY, 1993).

Ademais, o processo de aprendizagem expert envolve também características de comportamento (GALVÃO, 2000). Pode-se afirmar, por exemplo, que experts sempre vão em busca de um entrelaçamento cada vez maior com seu objeto de conhecimento. Tanto, que, segundo Feltovich, Prietula e Ericsson (2006), revelam disposição para procurar professores fora do contexto de sala de aula, além de se envolverem em atividades de treinamento do conteúdo de seu interesse, o que demonstra que sua ligação com o conteúdo de domínio vai muito mais além do que mero estudo individual passivo.

Destaca-se, contudo, que estudos sobre o progresso inicial de experts indicaram que, enquanto crianças, não eram considerados promissores, tendo conquistado a expertise em razão da quantidade e qualidade desse estudo individual deliberado empreendido. O expert

não foi necessariamente o melhor aluno da turma enquanto criança ou adolescente, nem tampouco teve diagnóstico de altas habilidades.

Ericsson, Tesch-Römer e Krampe (1993) apontaram em suas pesquisas que melhores músicos apresentavam, durante a infância, juventude e início da vida adulta, o dobro de tempo de estudo individual do que músicos de menor capacidade. Ainda, afirmaram que a capacidade superior do expert tem como âncora um sólido conhecimento do conteúdo de domínio, adquirido pelo estudo qualitativo, que sobrevive a limitações motivacionais, ambientais e pessoais. Sloboda et al. (1996), por sua vez, apresentaram uma consistente correlação entre prática e sucesso de aprendizagem.

Essa visão, todavia, é contrariada pelos resultados de alguns estudos, tais como o de Sloboda e Howe (1991), que demonstraram que estudantes talentosos necessitavam de menos estudo deliberado; e o de Wagner (1975), que analisou que o aumento da quantidade de estudo não implicava em acréscimo do rendimento. Ackerman (1996), à sua ocasião, incluiu o talento como um item a mais para a aquisição da expertise, em união com a experiência e a motivação.

Seja qual for a orientação teórica sobre talento, Galvão (2007a) afirma que há amplo conhecimento do fato de que a aprendizagem é mais fácil e direta para alguns do que para outros, ou seja, uma minoria de pessoas possui uma capacidade natural para desenvolver habilidades em certas áreas, mesmo sem um esforço deliberado mais consistente.

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performance superior, o que implicaria em uma visão simplificadora e reducionista do processo de aprendizagem expert (GALVÃO, 2007a). Até porque, apesar de indispensável, tal estudo tende a ser desprazeroso, maçante e desestimulante (ERICSSON, 1996b; ERICSSON; TESCH-RÖMER; KRAMPE, 1993; GALVÃO, 2000; HALLAM, 1997; SLOBODA et al., 1996; SOSNIAK, 1985, 1990), o que leva a crer que o expert precisa desenvolver algum tipo de estrutura motivacional capaz de sustentar, no longo prazo, tal estudo focalizado (GOMES, 2008).

Assim, considerando que é necessário ter motivação para iniciar e persistir no processo de alcance de determinado objetivo (CLARK, 2008), ela é justamente conceituada como um mecanismo que possibilita ao expert se manter por longo prazo em um campo do conhecimento, em razão do um intenso envolvimento com a área de domínio (GALVÃO; GOMES, 2008).

Em síntese, a aprendizagem expert é definida por Galvão (2003) como aquela que envolve a metacognição, o comportamento e a motivação – ou desejo.

1.2 Expertise

e Psicanálise

Ao explorar a expertise em uma perspectiva psicanalítica, é necessário que se trabalhe inicialmente uma série de conceitos de suma importância para uma compreensão justa do desenvolvimento psíquico do próprio expert. Afinal, segundo Gomes (2008), voltar-se à constituição do sujeito enquanto expert possibilita entender as relações que se estabeleceram na sua primeira infância e que dizem respeito a sua relação com o conteúdo de

expertise.

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1.2.1 Pulsão

O conceito de pulsão possui grande destaque desde o seu aparecimento e desenvolvimento nos textos freudianos (1905, 1915b), como por psicanalistas sucessores, tal como Lacan (1964), que incluiu a pulsão no posto de um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, juntamente com o inconsciente, a repetição e a transferência. Não à toa, pois, que Garcia-Roza (1999) a considera como aquela que “desenha o horizonte do discurso psicanalítico”, eis que tudo no psiquismo está embasado por ela. Trata-se de um constructo, todavia, teórico, que se afasta da clínica por ser demasiadamente abstrato.

Na primeira tentativa de Freud (1905), a pulsão foi colocada como algo entre o físico e o psíquico, ou seja, originada no corpo e desenrolada pelo psiquismo. O corpo, para a psicanálise, é um corpo simbólico, que vai além de sua dimensão biológica, pois a imagem que cada um possui é construída na relação com os adultos que ocupam a função de pais (ZORNIG, 2008).

Esclarece-se que, em psicanálise, pai e mãe são aqueles que desempenham a função paterna e materna, respectivamente, razão pela qual não são equivalente a genitores, simplesmente, os quais estão ligados aos aspectos biológicos e sociais. Isso posto, o organismo é aquele geneticamente herdado; enquanto que o corpo é construído libidinalmente por esses “pais”, formado pela imagem inconsciente que o bebê cria a partir das simbolizações anteriores fornecidas pelo Outro (DOLTO, 2004). Para Lacan, o Outro (com inicial maiúscula) – também denominado de grande Outro – designa um lugar simbólico, que pode ser um significante, a lei, o nome, a linguagem, o inconsciente, que determinam o sujeito inter e intrasubjetivamente, em sua relação com o desejo. Dessa forma, o grande Outro impede que se perpetue a fusão diádica com a mãe, estabelecendo os limites (ZIMERMAN, 2001), inclusive corporais.

A imagem inconsciente do corpo, então, nas suas várias faces, requer um retorno narcisista da pulsão, já que se refere, além da diferenciação sexual (gestualidade, postura e movimento concordantes com a posição do sujeito na sexuação), também aos esquemas motores e aos traços de autorrreconhecimento (JERUSALINSKY, 2008).

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está junto com a pessoa – ainda que não visível –, da sua imagem inconsciente, do que está além da aparência, ou seja, do seu semblant (LACAN, 1970-71).

Isso firmado, afirma-se que a pulsão não é unicamente orgânica nem psíquica, mas a inconsciente união dos dois, cujo objetivo é se satisfazer, mantendo o aparelho psíquico funcionando. É conceitualmente definida, então, como uma representação psíquica de uma fonte de excitação corpórea (SHIRAHIGE; HIGA, 2004). Assim, segundo Souza A. (2007), o conceito freudiano de pulsão mostra que o corpo da criança é um corpo pulsional, de desejo, fonte de prazer – só podendo ser de desejo quando há a negatividade do mundo narcísico, ou seja, como aquilo para o que não há objeto de satisfação plena. Pressupõe a falta e, portanto, é proveniente da Lei (BATTAGLIA, 2007).

Exemplificando, Freud (1900) afirma que a amamentação é inicialmente uma necessidade fisiológica proveniente da fome, enquanto que o prazer que dela decorre, é efeito da satisfação psíquica. Assim, mesmo que a fome seja saciada, o prazer da sucção mantém o lactente ligado ao seio da mãe – e ao desejo vinculado a esse ato. Mais ainda, em alguns momentos o bebê pode solicitar a mamada sem sequer estar com fome, simplesmente pelo prazer que desfrutará. Assim sendo, considerando que se trata de um desejo de amamentação, esse objeto de satisfação não é completo, pois quanto mais o bebê mama, mais quer, eis que não consegue se satisfazer. Cai por terra, pois, uma errônea interpretação da pulsão como mero instinto.

Antes de prosseguir, deve-se esclarecer que o termo “pulsão” é muitas vezes descrito como “instinto”, em decorrência das primeiras traduções dos textos originais freudianos. Contudo, são conceitos eminentemente distintos (LAPLANCHE; PONTALIS, 2004; ZIMERMAN, 2001), eis que instinto é uma aprendizagem prefixada, típica das espécies animais, regido pela lei da necessidade – não do desejo – que lhes garante a conservação, o comportamento e a multiplicação (CHECCHINATO, 2007).

Já a pulsão é uma força constante, que visa unicamente a satisfação, modelada sempre segundo a linguagem. Não se trata de algo bom ou ruim, caracteristicamente, pois a sua moralidade depende de como o sujeito a encaminha para atingir seus objetivos – depende em tudo de quem a suporta e a baliza. Na verdade, ela só existe para o sujeito quando se transforma em representação (CHECCHINATO, 2007), em significante, ou seja, aquele que faz significar (ELIA, 2007).

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necessidades pulsionais porque está inserido em um contexto social, que o interdita e o reprime, impedindo-o de fazer o que bem entender. Assim sendo, cabe aos Outros parentais o auxílio ao filho nessa missão.

Pais sem firmeza, frouxos, sem autoridade, colocam a criança na angústia e na incerteza de seus impulsos internos. Ela se torna hiperativa, inquieta, agitada, intranquila, indisciplinada, não sabe o que fazer com o jorros de sua pulsões. Não consegue se disciplinar no horário de dormir, escovar os dentes, comer, tomar banho, ir para a escola. Torna-se agressiva, estúpida, violenta, quebra as coisas, dá pontapés em tudo e em todos. Numa palavra, torna-se uma criança envolta em sofrimento enorme, pois, desesperada, não sabe o que fazer com suas pulsões (CHECCHINATO, 2007, p. 98).

Para que os pais dêem conta de tal compromisso, é necessário que eles mesmos tenham suas pulsões marcadas pelo dedo da civilização – as quais, por sua vez, foram fruto do que receberam dos seus. Caso tenham suas pulsões desordenadas à solta, não terão capacidade de inserir a Lei nas pulsões desenfreadas do filho, gerando um círculo de sofrimento. As pulsões, que não ficam paradas, precisam de um balizamento, sendo que existe apenas um fator capaz de garantir essa normalização: a castração (CHECCHINATO, 2007).

Isso posto, cabe lembrar que Freud (1905) aponta quatro fatores essenciais das pulsões: fonte, finalidade, força e objeto. A fonte possui caráter puramente somático, não psíquico, ou seja, é o órgão-sede da excitação (GARCIA-ROZA, 1999; LAPLANCHE; PONTALIS, 2004). Provém das excitações corporais das zonas erógenas (LAPLANCHE; PONTALIS, 2004; NASIO, 1995a; ZIMERMAN, 2001).

A finalidade (meta ou objetivo), por sua vez, é o que atrai a pulsão (NASIO, 1995a), sustentada e orientada por fantasias (LAPLANCHE; PONTALIS, 2004). É a descarga da excitação para conseguir o retorno a um estado de equilíbrio psíquico, em busca sempre da satisfação – característica essa imutável (MEZAN, 2003).

A força (pressão ou impulso) é o que move a pulsão (NASIO, 1995a), determinando a quantidade de energia pulsional (ZIMERMAN, 2001). Trata-se do fator motor, cuja característica é a sua constância (LACAN, 1964).

Finalmente, o objeto, variável e mutável, é aquele capaz de satisfazer e apaziguar o estado de tensão psíquica proveniente das excitações corporais (ZIMERMAN, 2001). A pulsão se serve do objeto – coisa ou pessoa (eu ou o outro), sempre fantasiados – por meio do qual tenta chegar ao seu objetivo (NASIO, 1995a). Trata-se, pois, daquilo que precede a atração sexual (MEZAN, 2003).

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apresenta como imago recíproca a uma tal preestabelecida, mas sim com quem vem a trabalhar esse mal-estar do bebê na delimitação de uma fonte (corporal), direcionar sua força, articular a posição do objeto, em relação a um fim.

Posteriormente, Freud (1910a) teorizou sobre a oposição das pulsões de autoconservação (ou pulsões do eu) em relação às pulsões sexuais, propondo, então, o primeiro dualismo pulsional. As primeiras objetivavam a conservação do eu, a preservação da espécie; enquanto que as segundas – destacadas pelo autor – eram resultantes das pulsões parciais típicas das primeiras fases de vida, e visavam a satisfação, o prazer, e não a reprodução. Dessa forma, a pulsão sexual tem sua origem na infância e acompanha todo o aspecto perverso-polimorfo característico da criança, o qual, embora possua zonas erógenas preliminarmente autoconservativas (boca, ânus, genitais etc.), tornam-se zonas de prazer e satisfação sexual (MIGUELEZ, 2007). É por tal razão que o bebê vivencia muito fortemente um autoerotismo, tirando prazer das partes de seu próprio corpo.

A diferença entre as pulsões de autoconservação e as sexuais viria após um investimento objetal (FREUD, 1915b), ou seja, segundo Nasio (1999), as pulsões do eu antecipam a escolha do objeto, antes que a função sexual – que é a pulsão – tenha atingido sua função definitiva. Assim, nenhuma parte do corpo é considerada naturalmente sexual, mas pode vir a se tornar uma zona erógena (GARCIA-ROZA, 1999).

A seguir, Freud (1915b) postula as quatro vicissitudes possíveis da pulsão, a saber: reversão a seu oposto, retorno em direção ao próprio eu, recalque e sublimação. Esclarece-se que para os fins do presente trabalho, serão exploradas somente as implicações referentes ao recalque e à sublimação, pois expor todos os meandros referentes aos quatros destinos extrapolaria os limites deste estudo.

Assim, sinteticamente, Nasio (1995a) define o recalque como uma capa de energia que impede a passagem dos conteúdos inconscientes para o consciente. Muitas vezes é confundido com repressão, embora sejam conceitos distintos. A repressão situa-se no campo da consciência, enquanto o recalque, do inconsciente (ZIMERMAN, 2001). A amnésia infantil – fenômeno universal já observado por Freud em 1899 –, por exemplo, é efeito do recalque, pois permite que a criança deixe no inconsciente as memórias da grande maioria de suas experiências vividas até por volta de cinco anos de idade.

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importantes da criança, ligados principalmente ao período edípico); sendo assim, o esquecimento aqui [em psicanálise] será compreendido como uma solução de contradições inerentes ao desenvolvimento da sexualidade infantil ligadas ao complexo de Édipo (TELLES, 1997).

Enfim, o recalque lida com a satisfação sexual no nível do proibido (JORGE, 2002) – isso porque, segundo Nasio (1995a), a censura do recalque não é infalível e permite que certos elementos recalcados voltem à consciência (retorno do recalcado), ainda que de forma disfarçada e enigmática, tal como pelo chiste, sonho e ato falho. O seu objetivo é evitar o prazer que reina no inconsciente, censurando o risco do eu ao satisfazer a exigência pulsional de maneira direta e integral, que destruiria o equilíbrio do aparelho psíquico (NASIO, 1995a). Daí a afirmação de que toda a satisfação pulsional é sempre parcial.

Em contrapartida, o recalque só consegue prender no inconsciente o representante-representacional da pulsão (aquele que foi marcado libidinalmente por ela), mas não os afetos. Ou seja, o afeto é a libido solta – jamais recalcada –, que pode, portanto, transitar livremente entre o inconsciente e o consciente. No caso, por exemplo, de o afeto passar à consciência sem colar a algum representante pulsional, há o sentimento de angústia (LACAN, 1962-63). É por isso que o sujeito sente que está angustiado, mas não sabe o porquê. Diferentemente, afetos como raiva, amor, ódio, inveja podem ser nomeados porque passam à consciência vinculados a um representante pulsional que os motiva.

O constructo do recalque, como visto, também é absolutamente teórico – assim como o das pulsões –, mas, nas pesquisas experimentais de D’zurilla (1965) e Holmes (1972), há evidências dele. Todavia, segundo Galvão e Gomes (2008), sua associação com a teoria freudiana do termo ainda é controversa.

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A sublimação, portanto, só é destino da pulsão se houver desejo. Ou seja, ela não pode existir se a pulsão encontra satisfação no gozo imediato (CHECCHINATO, 2007). Em psicanálise, o gozo se refere àquilo que não é simbolizado pelo desejo, o qual, por sua vez, é introduzido pela Lei, pela castração paterna. Ao aceitar a castração, a criança despensa o gozo, ultrapassa a relação dual com a mãe e adquire subjetividade, entrando no mundo da linguagem com todas as suas vicissitudes (LONGO, 2006). Assim sendo, o gozo é algo do campo alienante da díade mãe-bebê, ausente de triangulação edípica, e, assim, faz do sujeito um ser improdutivo, inoperante – ao contrário do que gera o desejo. Logo, a sublimação é objeto somente do sujeito desejante.

De todo modo, para Fenichel (2005), a sublimação ocorre apenas no momento de latência, sendo muito pouco provável a existência de sublimação da sexualidade genital adulta. Ou seja, a sublimação é um subterfúgio da criança para controlar sua pulsão sexual, tendo, pois, os desejos pré-genitais como seu objeto.

Segundo Freud (1929), a pulsão sublimante pode ter três destinos: a ciência, a arte e a religião, isto é, é ela que permite às atividades psíquicas mais elevadas, que representam um papel de suma importância na vida dos seres civilizados. São esses três aviamentos que, de acordo com Checchinato (2007), são os destinos da sublimação porque mantêm a pulsão viva, frutífera e renovadora, em prol do avanço da civilização.

Destarte, o recalque e a sublimação constituem, segundo Jorge (2002) os dois pólos extremos das vicissitudes da pulsão, representando as duas formas mais importantes e inteiramente diversas de evitamento da realização sexual direta da satisfação pulsional.

Por último, Freud (1920) fornece a última elaboração acerca das pulsões, substituindo a primeira dualidade pulsional até então concebida, pela segunda, com o dualismo da pulsão de morte (Tânatos) versus pulsão de vida (Eros) – essa última reunindo em uma só as pulsões de autoconservação e as sexuais.

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Contudo, apesar dos alvos contraditórios, segundo Nasio (1995a), as duas possuem um traço comum: tendem a reproduzir e a repetir uma situação passada, agradável ou não. Isso induz ao conceito de repetição, em que a necessidade de repetir o passado é mais forte do que a exigência de buscar no futuro o acontecimento prazeroso. Assim, a compulsão de repetir é uma pulsão primária e fundamental – é a pulsão das pulsões (NASIO, 1995a).

Lacan (1964), em contribuição, oferece seus aportes à teoria pulsional freudiana ao propor a unificação dessas pulsões; ou seja, para ele só existe uma pulsão: a de morte, que se une à pulsão de vida. Há, portanto, uma pulsão única, com uma face de vida e outra de morte. O autor apresenta, então, uma remontagem da pulsão freudiana, especificada no circuito pulsional a seguir.

De acordo com o circuito, a pulsão sai de sua fonte (zona erógena), em busca do objeto a (objeto causa do desejo), circula (jamais adquirindo-o, por ser um objeto sempre parcial, que não oferece satisfação total) e volta ao sujeito. Por tal razão, Nasio (1999) afirma que a pulsão permanece insatisfeita por natureza, não existindo objeto que a satisfaça. Assim, o alvo não é outra coisa senão o retorno em circuito (LACAN, 1964).

Dessa forma, segundo Jorge (2002), a falta que constitui o objeto da pulsão é a mesma que constitui o núcleo real do inconsciente, sendo que é exatamente em torno desse núcleo real, de falta, que o inconsciente se estrutura, no simbólico, como uma linguagem. Por conseguinte, o que há de mais fundamental na pulsão não é a satisfação, mas o movimento no qual ela se estrutura (LACAN, 1964).

Circuito Pulsional (LACAN, 1964)

a: objeto a Aim: trajeto, força Borda: as bordas do corpo

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Não é por acaso, então, que a tripartição estrutural real-simbólico-imaginário (RSI), formulada por Lacan como um nó-borromeano, constitui um novo nome dado ao inconsciente freudiano (JORGE, 2002). Segundo a teoria inicial lacaniana, esses três registros são amarrados de tal forma, que a desarticulação de um deles implica a dissolução dos dois demais – caso da psicose –, haja vista que a realidade psíquica se refere aos três simultaneamente (BATTAGLIA, 2007; CESAROTTIO, 2007; VIVIANI, 2000). O psiquismo lacaniano, portanto, configura-se pela forma com que a pulsão gira em torno do objeto a, forma essa que se dá diferentemente pelos três elementos (BATTAGLIA, 2007).

Para Lacan (1964), o processo de simbolização ocorre da seguinte maneira: começa no real (tiquê – sem simbolização, sem sentido), passa pelo imaginário (registro psíquico de preparação para a simbolização) e termina no simbólico (simbolização propriamente dita, fruto do desejo). No caso da predominância de um deles, caracteriza-se, respectivamente, a psicose (resultante da foraclusão do Nome do Pai), a neurose (fruto do recalque) e a perversão (obra da denegação, ou seja, da falta da castração).

Posteriormente, Lacan (1975-76) acrescentou o quarto nó, que denominou de

sinthome (∑), cuja missão seria amarrar os outros três – tal como apresentado a seguir na figura.

Sinthome (LACAN, 1975-76)

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(RIGUINI, 2005) – o que implica também na ideia de que não há estrutura pura, mas estrutura formada pela predominância do R, S ou I

O sinthome, então, é a cadeia de significantes (automaton) que compõe a estrutura psíquica, formada a partir dos operadores constitutivos do sujeito, os quais, por sua vez, constituem-se em decorrência de todas as suas representações pulsionais reais, simbólicas ou imaginárias do sujeito. É, portanto, o próprio inconsciente, estruturado pela sexualidade, ou seja, pelos destinos da pulsão unificada. É, por fim, enigmático e único, só podendo ser armado na singularidade de cada sujeito (RODRIGUES, 2008).

Pulsão de Saber

A aprendizagem como tema específico, segundo Kupfer (2007) não foi abordada nos textos freudianos, mas, por sua própria posição frente ao conhecimento, Freud pensava nos determinantes psíquicos que levavam o sujeito a ser desejante de saber, incluindo os cientistas, que devotavam a vida a entender os porquês, e as crianças, que em dado momento borbardeiam seus pais com seus porquês para entender de onde vêem (vida) e para onde vão (morte).

Segundo Freud (1905), a complexa sexualidade na infância está diretamente relacionada à pulsão de saber (ou de pesquisa, ou epistemofílica, ou de investigação), cuja atividade, para Jorge (2002), emerge entre os três e cinco anos, coincidente com a fase fálica e o Édipo. Atraída intensamente pelos problemas sexuais – e talvez até despertada por eles (FREUD, 1905) –, a pulsão de saber corresponde às primeiras tentativas de autonomia intelectual da criança. Em concordância com as concepções freudianas, Klein (1921) aponta a pulsão epistemofílica como uma necessidade e busca pulsional de saber e compreender, sendo o primeiro objeto a mãe e seu próprio corpo – que, em um momento inicial, se confundem como um só.

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Essa curiosidade infantil caminha desde essas teorias sexuais (ou mesmo desde as primitivas descobertas da relação da criança com a mãe), em direção a uma possibilidade de exploração do mundo em geral, da aprendizagem ao trabalho, e de como tal exploração pode ser feita com prazer ou com ansiedade (SOUZA, A., 2003). O trabalho de inteligência, portanto, nutre-se do desejo de conhecer, da insatisfação, da falta, da necessidade de antecipar e de explicar os porquês (FERNÁNDEZ, 2001a).

Para Freud, essas primeiras investigações são sempre sexuais e não podem deixar de sê-lo, pois o que está em questão é a necessidade da criança de definir seu lugar no mundo, a princípio, situado em relação aos pais (KUPFER, 2007). Ela passa a ser investigadora desse enigma, pois a questão da procriação suscita uma insaciável sede de conhecimento, sendo as perguntas dirigidas a eles, sua fonte do saber (LEMÉRE, 1999).

Contudo, qualquer que seja a resposta deles recebida, jamais será satisfatória (LEMÉRE, 1999). Essa falta da resposta sobre a sexualidade apenas marca o lugar do saber que o Outro não dispõe. Por outro lado, segundo Souza A. (2003), os pais podem lhe ensinar que “é feio” perguntar sobre tais temas e acabam por lhe impor castigos em razão de sua curiosidade. Seja como for, segundo Aberastury (2007), a atitude consciente ou inconsciente dos pais frente à vida sexual de seus filhos tem influência decisiva na aceitação ou rejeição que a criança terá de suas necessidades pulsionais sexuais.

De qualquer maneira, a criança intui ser um saber proibido, guardado para si pelos adultos e formula suas hipóteses (LEMÉRE, 1999). Em razão da falta do Outro, o desejo sexual de saber se mantém ativo, pois é exatamente essa falta que instiga o desejo de saber (CHECCHINATO, 2007). A criança permanece com suas investigações pessoais (LEMÉRE, 1999; VIDAL, E., 1999) e continua com um prazer incansável em fazer perguntas (FREUD, 1910b). Passa a formular erroneamente suas teorias sexuais, embora todas elas, segundo Freud (1908), tenham um “fragmento de verdade”. A essas falsas teorias sexuais, neste momento, cabe somente renegar a presença de pênis nas meninas, fantasiar o coito sádico, em que o pai maltrata a mãe, imaginar que o bebê nasce ao ser evacuado como excremento ou nasce do umbigo da mãe, entre outras.

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sublimada, associada às pulsões de domínio e de ver. Portanto, o desejo de saber associa-se com o dominar, o ver e o sublimar.

A sublimação ocorre face à necessidade da criança de renunciar à força da sexualidade vivenciada no Édipo, bem como ao saber referente a ela. É por tal razão que ela inconscientemente desloca suas pulsões para alvos dessexualizados, mais valorados socialmente. O desvio, contudo, segundo Kupfer (2007), não descaracteriza a natureza sexual da pulsão.

A pulsão de domínio, por sua vez, foi inicialmente denominada por Freud como aquela que se associa à investigação sexual sublimada. Ele pensava que essa pulsão existia em todo sujeito, a qual, submetida às etapas da constituição do ser humano, transformar-se-ia em sadismo e agressividade. Seria um saber associado com o dominar, o destruir, o apropriar-se – razão pela qual Freud nela localizou a pulsão de morte (KUPFER, 2007).

Por último, o ver se relaciona com a imagem da cena primária – cena de relação sexual dos pais – que é o objeto de visão pela qual o sujeito fantasia a sua origem (KUPFER, 2007), ou seja, de ordem igualmente relacionada às suas investigações sexuais, embora escopicamente (real ou fantasística). Trata-se da curiosidade sexual infantil como expressão direta da pulsão voyerista e sua transformação ulterior em sede de saber (NASIO, 1997).

O importante a ser ressaltado na teoria freudiana, segundo Kupfer (2007), é a filiação da curiosidade intelectual à curiosidade sexual, à imagem fantasiada da cena primária. Santiago (2005), enfim, define a pulsão de saber como a modalidade de força pulsional que, trabalhando a serviço dos interesses sexuais, aciona a atividade intelectual, por despertar a ânsia de saber. Portanto, a mola propulsora do desenvolvimento intelectual é sexual, isto é, a matéria que alimenta a inteligência em seu trabalho investigativo é de ordem sexual.

Assim, a riqueza e a profundidade do pensamento do sujeito estão relacionadas à qualidade e à maleabilidade de sua vida sexual fantasística e de sua capacidade de submetê-la ao princípio de realidade (SEGAL, 1982; SOUZA, A., 2003). Ao ser impedida de fantasiar, em contrapartida, a criança passa a ter mutilado o seu potencial criativo e sua curiosidade sobre o mundo e sobre as coisas, o que abre espaço para a formação de inúmeros sintomas, dentre os quais, a dificuldade de aprender (NARVAZ; KOLLER, 2008).

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e, consequentemente, do desejo de aprender. Isso porque a aprendizagem se constrói somente na medida em que o conhecimento se conecta com o desejo de saber (FERNÁNDEZ, 2001a).

Segundo Cordié (2005), para que a criança aprenda, antes de mais nada, é preciso que ela queira, já que não é possível obrigar ninguém a desejar. “Por outro lado, aprender é um ato autônomo que o sujeito realiza sozinho graças a operações mentais que implicam em raciocínio e julgamento. Qualquer entrave a essa liberdade de pensamento provoca o fracasso” (p. 97).

Lemére (1999) relembra, então, a importância das funções parentais, haja vista que o desejo de saber só é exercido na margem de liberdade, amor e segurança que o Outro lhe permite. Tavares (2008) aponta a evidência da problemática que se introduz para sujeitos que não podem se indagar sobre suas origens, que precisam negar seu passado – tais como os casos de filhos adotivos por medo da perda do amor dos pais adotivos ou porque essa verdade sobre sua origem lhes é interditada.

Não é à toa, pois, que a teoria do pensar de Bion alega que o pensar e o conhecer surgem por meio do amor materno para ambos os sexos, expressado pela rêverie (DUPAS, 2008). Portanto, considerando que aprender é aprender com alguém (KUPFER, 2007), os Outros parentais são propiciadores do desenrolar ou inibir da pulsão epistemofílica, já que são eles mesmos os responsáveis para que a criança vivencie saudavelmente sua sexualidade e os restos sexuais dela presentes ao longo de sua vida.

1.2.2 Sexualidade da Criança

Antes de apresentar a sexualidade da criança em uma abordagem psicanalítica, é conveniente distinguir o que Freud entende por sexual, leigamente confundida com genital. A sexualidade genital, segundo Kupfer (2007), se refere à cópula e objetiva procriar ou obter prazer orgástico. A sexualidade, contudo, é muito mais ampla e inclui as preliminares do ato sexual, as perversões, as experiências da criança em relação ao seu próprio corpo e em contato com o corpo da mãe, tal como no momento da amamentação.

Referências

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