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As multifacetas do medo cósmico e o pacto ficcional Weird em H.P. Lovecraft

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM – PPGEL

KLEITON DA SILVA

AS MULTIFACETAS DO MEDO CÓSMICO E O PACTO FICCIONAL WEIRD EM H.P. LOVECRAFT

Natal – RN 2019

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KLEITON DA SILVA

AS MULTIFACETAS DO MEDO CÓSMICO E O PACTO FICCIONAL WEIRD EM H.P. LOVECRAFT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, área de concentração em Estudos em Literatura Comparada, para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem.

Orientadora: Profª. Dra. Wiebke Röben de Alencar Xavier

Natal – RN 2019

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Silva, Kleiton da.

As multifacetas do medo cósmico e o pacto ficcional Weird em H.P. Lovecraft / Kleiton da Silva. - Natal, 2019.

74f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Wiebke Röben de Alencar Xavier.

1. Medo cósmico - Dissertação. 2. Ficção weird - Dissertação. 3. Literatura fantástica Dissertação. 4. Narrador

Dissertação. 5. Leitor Dissertação. 6. H.P. Lovecraft -Dissertação. I. Xavier, Wiebke Röben de Alencar. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 821.111(73)-3

CCHLA

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DEDICATÓRIA

Dedico essa dissertação à minha mãe-tia Salete Cortez. Minha segunda mãe, que me ensinou a ler, a escrever, e que sempre com paciência, guiou-me pelos caminhos da educação. Agradeço por tudo. Te amo, tia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família por sempre me apoiar nos meus sonhos e participar de minhas conquistas, em especial para minha mãe, Josefa que me criou sabendo da importância que os estudos têm na vida de um filho.

A João Correia, por ser um companheiro compreensível e paciente com as crises diárias de insegurança na pesquisa, sempre torcendo, sofrendo comigo e ajudando sempre.

À Prof.ª Drª. Wiebke Xavier, que me orientou a percorrer os caminhos da literatura fantástica. Agradeço a preocupação comigo nos períodos de crise na escrita e por se empolgar com meu tema desde o projeto inicial.

À Prof.ª Drª. Rosanne Bezerra, por ter me inspirado a entrar no mundo dos estudos da literatura, ter sido a responsável por encontrar o tema comigo e por ter me ajudado a produzir o projeto inicial. Agradeço ainda por ter sido a prof.ª que me fez gostar de literatura na graduação e pelos ensinamentos de sempre.

À Prof.ª Luciane Alves, pela participação na minha banca como examinadora e por ter me acolhido tão bem em Mamanguape. É uma honra!

Aos ensinamentos dos professores doutores: Orison Marden, José Luiz Ferreira e da Prof.ª Drª Katia Aily Franco pelo aparato teórico para que esse momento fosse possível. E o professor Dr. Derivaldo dos Santos pela participação na qualificação e pelas sugestões para a pesquisa. Aos meus amigos do mestrado, à Débora e em especial à Tarcyene, minha incentivadora e torcedora número um. Seu apoio, suas palavras e incentivo me ajudaram muito nessa caminhada e eu só tenho a agradecer por tudo isso.

A todos os meus amigos que torcem por mim: Jordana, Ellen, Juliana, Caci, Laís, Lila, Carol, Gondim, Simone, Haroldo.

À minha psicóloga Melina.

A todos os meus amigos das escolas que torceram e me deram força, em especial aos mestres da Literatura Carol, Edson e Bruna; A Gille por estar sempre preocupado.

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RESUMO

O presente estudo analisa as multifacetas do medo cósmico, como elemento estilístico, nas narrativas What the Moon Brings (1922), The Colour Out of Space (1927), The Shadow Over

Innsmouth (1931) e At the Mountains of Madness (1931) do autor norte-americano Howard

Phillips Lovecraft (1890–1937). O discurso presente em narrativas da ficção weird leva ao medo cósmico por intermédio do pacto ficcional entre o narrador e o leitor e pelas categorias de análise que contribuem para a construção de uma atmosfera de medo e horror presente no enredo das narrativas propostas. A identificação desse pacto ficcional e dessas categorias de análise fornecem os procedimentos adotados pela escrita do autor para estabelecer o medo cósmico na configuração das narrativas pertencentes ao corpus. Tendo em vista esta literatura, o gênero weird aproxima-se do Fantástico por desestabilizar a realidade, diante das perspectivas de Roas (2014) e dos princípios teóricos de Todorov (2010). O trabalho investiga temas importantes na configuração e ambientação dos contos, assim como explora e observa o papel do narrador e das categorias do medo cósmico, como parte do universo da ficção weird e gênero próprio da literatura fantástica. Considera-se a temática do medo cósmico presente nas narrativas analisadas diante das teorias do conto weird, por Joshi (2003); do leitor, por Jauss (1979) e Iser (1979); do leitor modelo por Eco (1979); e do ponto de vista na ficção, por Friedman (1967). Assim, com enfoque no pacto ficcional entre o narrador e o leitor, as categorias de medo cósmico surgem por intermédio do discurso do narrador e do seu comportamento, dos personagens, do enredo e da linguagem, da forma e do corpo do texto, que integram o sentimento de horror na definição da realidade, frente a uma atmosfera que remete ao medo cósmico. Conclui-se que o medo cósmico é parte indispensável das narrativas weird. A sua percepção por parte do leitor faz-se presente no conto mediante a aceitação do que é apresentado pelo narrador, a estética textual, aos elementos que se mostram sob a forma de categorias, a capacidade de proporcionar a desestabilização da realidade conhecida pelo leitor a fim de que ele duvide dos fenômenos apresentados e que os personagens sejam recursos com os quais o leitor possa se identificar.

Palavras-chave: Medo cósmico. Ficção weird. Literatura fantástica. Narrador. Leitor. H.P.

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ABSTRACT

The present study analyzes many aspects of cosmic horror as a style in the narratives What the

Moon Brings (1922), The Color Out of Space (1927), The Shadow Over Innsmouth (1931) and At the Mountains of Madness (1931) by the American author Howard Phillips Lovecraft

(1890-1937). The discourse presented in the narratives of weird fiction leads to cosmic horror through the fictional pact between the narrator and the reader, plus the categories of analysis that contribute to the construction of an atmosphere related to fear and horror presented in the plot of the proposed narratives. The fictional pact and the categories of analysis provide the procedures accepted by the author’s writing to establish the cosmic horror through the configuration of the stories that take part of the corpus. In view of this, we approach this genre with the Fantastic literature, since it affects reality, considering the overview of Roas (2014) and Todorov’s (2010) theoretical principles. The work investigates important themes in the configuration and setting of the stories, as well as explores and observes the role of the narrator and the categories of cosmic horror, as part of the universe of weird fiction and genre of Fantastic literature. It is considered the theme of the cosmic horror presented in the narratives before the theories of the weird story, by Joshi (2003); the reader, by Jauss (1979) and Iser (1979); the role of the reader by Eco (1979); and from the point of view in fiction, by Friedman (1967). Thus, focusing on the fictional pact between the narrator and the reader, the categories of cosmic horror arise through the narrator’s discourse and his behavior, the characters, the plot and the language, the form and the body of the text, that integrate the feeling of horror when they are defining reality, before an atmosphere that refers to the cosmic horror. It has been concluded that cosmic horror is an essential part from the weird narratives. Its perception on the reader’s aspect is presented in the story through the acceptance of what is presented by the narrator, by the textual aesthetics, and by the elements that are shown in the form of categories, the ability to affect reality known, so that the reader may question the phenomenon presented and that the characters may be seen as resources by the reader.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 A PURA FICÇÃO WEIRD: UMA ATMOSFERA INEXPLICÁVEL ... 14

2.1 A narrativa estranha de H.P. Lovecraft ... 16

2.2 O fantástico e o conto weird ... 18

2.3 O legado de Providence: Uma apresentação da obra e da vida do autor... 27

3 PACTO FICCIONAL: O NARRADOR E O LEITOR WEIRD ... 32

3.1 O pacto ficcional entre o narrador e o leitor da ficção weird ... 35

3.2 O medo cósmico no limiar extremo do desconhecido ... 37

4 AS MULTIFACETAS DO MEDO CÓSMICO EM QUATRO CONTOS LOVECRAFTIANOS ... 42

4.1 O narrador sonhador em What the Moon Brings ... 43

4.2 O narrador confiável presente em The Colour Out of Space ... 46

4.3 A fusão entre o horror e a ficção científica em At the Mountains of Madness ... 54

4.4 A degeneração, a miscigenação e a construção da realidade em The Shadow Over Innsmouth ... 62

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 70

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1 INTRODUÇÃO

A literatura fantástica possui em seu sentido a modalidade literária bem definida, com traços que divergem e se assemelham em narrativas classificadas por alguns autores como gênero1 e por outros como subgênero, tais quais o romance gótico e o realismo mágico, por possuírem construções discursivas que permeiam o significado do que é real e não real.

Partindo como base da literatura fantástica, a presente pesquisa trata do autor norte-americano, originário de Providence, Rhode Island, Howard Phillips Lovecraft (1890 – 1937). Conhecido por H.P. Lovecraft, o autor pertencia a um grupo seleto de escritores que tiveram suas histórias publicadas em revistas conhecidas como pulp2. Nessas revistas, o Lovecraft fundiu narrativas dos gêneros: gótico e horror, com ciência e realismo, caracterizando uma hibridização de gêneros da literatura fantástica conhecida por ficção weird.

Em janeiro de 2015, um artigo para O Globo, por Ronaldo Pelli, intitulado: Ignorada

por décadas, obra de H.P. Lovecraft renasce com novas edições no Brasil, mostra que algumas

das principais obras de Lovecraft começaram a ser traduzidas para o português. O artigo destaca, ainda, a inspiração do autor para alguns filósofos de vanguarda, como o norte-americano Graham Harman, um dos fundadores do movimento Realismo Especulativo.

Ainda segundo Ronaldo Pelli (O Globo, 2015), em sua obra Weird Realism, Harman (2012) diz que, apesar de toda a atual atenção para as obras de Lovecraft, considera-se que sua consagração na literatura fantástica ocorreu no ano de 2005, momento em que toda sua obra foi publicada pela coleção Library of America. Harman diz que o fato de Lovecraft ter sido considerado apto para esta inclusão fez muitas pessoas reconhecerem o seu valor.

Como crítico literário, em seu ensaio sobre a literatura fantástica: O Horror

Sobrenatural em Literatura (2007), Lovecraft se posiciona quanto à ficção weird. Ela se

caracteriza pelos diversos tipos de narrativas relacionadas ao sobrenatural, ao horror, condensa as diversas expressões literárias desde o folclore primitivo até as narrativas do século XX e herda o terror das literaturas antiga, medieval e renascentista.

1 No presente trabalho, a definição do fantástico como um gênero parte de Todorov, quando ele expõe que o

propósito do estudo das teorias de gêneros literários “é descobrir uma regra que funcione para muitos textos e nos permita aplicar a eles o nome de ‘obras fantásticas’, não pelo que cada um tenha de específico” (TODOROV, 2010, p. 8).

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As narrativas de Lovecraft possuem moldes estéticos do fantástico, como o elemento sobrenatural, que ocupa um dos principais pontos em seus enredos e utiliza esse elemento como forma estética em suas histórias. Nesse contexto, as narrativas apresentam as características do intergênero3 weird, pertencente à literatura fantástica.

Para elucidar a posição de Lovecraft na literatura fantástica, a presente dissertação visa analisar o pacto ficcional entre o narrador e o leitor e as categorias do medo cósmico, evidentes em quatro narrativas weird do autor norte-americano. Para tal, mesmo com algumas narrativas extensas no corpus, a quantidade escolhida se deu pelo fato de poder apresentar evidências em comum da narrativa weird. O medo cósmico apresenta-se como elemento principal apreendido na formação e na ambientação dos contos The Colour Out of Space (1927), The Shadow Over

Innsmouth (1931) e At the Mountains of Madness (1931) para que sejam estabelecidas relações

entre suas análises e as características das narrativas na ficção weird, inserida no contexto da literatura fantástica.

Esta pesquisa tem como objetivo explorar o pacto ficcional existente entre o narrador e o leitor na narrativa weird, diante das categorias do medo presentes no corpus composto por contos que fazem parte do universo lovecraftiano. Como forma de analisar o pacto ficcional e o medo cósmico, serão observados os elementos que contribuem para o seu surgimento presente no rico espaço descritivo das narrativas, propenso ao surgimento de sentimentos por parte do narrador, personagens, por meio da ambientação, e que podem ser apreendidos pela imaginação do leitor, provocando assim a concretização do conto4 weird nas obras de Lovecraft.

A primeira narrativa a ser analisada intitula-se The Colour Out of Space (1927). Foi publicada em setembro de 1927 na revista Amazing Stories, que é apresentada por Joshi (2001, p. 256) como a primeira revista autêntica de ficção científica em língua inglesa. A narrativa combina ficção científica e o horror característico da ficção weird. O medo cósmico se apresenta como uma ameaça a uma família que reside em New England, em uma locação rural da fictícia cidade Arkham, em Massachussets, que também é locação para outras narrativas de Lovecraft.

3 No presente trabalho, a narrativa weird é discutida como um intergênero, pela sua característica de hibridização

e intertextualidade com outros gêneros da literatura fantástica.

4 “A palavra ‘conto’ corresponde ao francês conte e ao espanhol cuento. Em inglês, concorrem short story, para as

narrativas de caráter literário, e tale, para os contos populares ou folclóricos. Em alemão, tem-se Novelle e

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A segunda narrativa é The Shadow Over Innsmouth (1931), que explora uma sombria vila em New England onde é lar de uma raça alienígena, e narra a trágica história de um narrador que é tanto testemunha, quanto protagonista. Suas descobertas incluem eventos que levam ao suspense e o uso de um dialeto comum na década de 1930, como recurso estilístico. Apesar do tema sobre o perigo da miscigenação possibilitar uma interpretação com ponto de vista racista de Lovecraft, para Klinger (2014, p. 573, tradução nossa), “o mal descrito é menos um resultado de miscigenação e mais um produto da ganância humana e desejo pela imortalidade5”.

A terceira narrativa do corpus em análise é At the Mountains of Madness (1931), Klinger (2014, p. 457, tradução nossa) observa que “não há dúvidas quanto ao ponto alto da narrativa

weird de Lovecraft com esse conto, principalmente na revelação sobre o lugar da humanidade

no universo6”. As formas estéticas do gênero ficção científicas são observadas, pelo fato de Lovecraft ter sido estudante de muitas ciências, especialmente pelo seu interesse por expedições polares. Seu conhecimento é de grande efeito na narrativa.

O quarto conto pertencente ao corpus é What the Moon Brings (1922). A narrativa foi escrita em 5 de junho de 1922. O conto, de certa forma nebuloso, e trata sobre o terror que a lua inspira. Existe uma sensação de ter sido inspirado por um sonho, ou de alguma forma incorpora esse imaginário. A história foi publicada em maio de 1923, e faz parte da série de contos e novelas conhecido como Dream Cycle, que diz respeito a um mundo acessível apenas por meio dos sonhos. Esse mundo é a representação do local que abriga os monstros representados na mitologia criada por Lovecraft.

A literatura lovecraftiana envolve estudos sobre a astronomia e o cosmo. Ela questiona o Macrocosmo (o mundo) e o Microcosmo (o humano), sempre aludindo à instabilidade do homem diante de seres extraterrestres divinos, visando uma melhor compreensão da relação entre o imaginário criado pelo autor e a realidade do leitor. Assim, é importante explorar a categoria analítica do medo cósmico mediante o narrador, os personagens, o enredo e a linguagem, de forma que a investigação será focada nos quatro pontos abaixo:

1 – No comportamento do narrador e dos personagens frente ao medo cósmico.

5 “Athough the theme of the danger of miscegenation may express Lovecraft’s personal racist views, ultimately

the evil depicted is less the result of mere miscegenation than the product of human’s greed and lust for immortality” (KLINGER, 2014, p. 573).

6 “There can be little doubt that in this short novel, Lovecraft’s work reached its zenith. […]it is no wonder its

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2 – Na forma como o corpo do texto de Lovecraft integra o sentimento de medo cósmico e horror no leitor.

3 – Na posição do fantástico diante da realidade do leitor, criando uma atmosfera de medo cósmico no desenvolvimento do enredo.

4 – Na dúvida da percepção da realidade por parte do leitor.

As categorias cujas observações foram realizadas no corpus compreendem uma combinação de elementos apreendidos por características da própria narrativa de Lovecraft, por elementos observados e categorizados por teóricos e estudiosos da literatura fantástica, e por elementos observados com a pesquisa, verificados nas leituras realizadas com a finalidade de observar as categorias analíticas que desenvolvem o medo cósmico em todo o processo de leitura da narrativa weird.

A voz do narrador é importante, considerando a abstração da história do livro que não pertence à realidade, apenas ao universo imaginário e é apenas conhecida por meio da obra. A narrativa, enquanto discurso, refere-se à fala real dirigida pelo narrador ao leitor. Por isso, tais referências de categorias reforçam a criação de um espaço que desenvolve o sentimento de medo nos personagens e no leitor.

Nas narrativas, utiliza-se a metalinguagem literária, são descritos objetos secretos, hieróglifos, em que Lovecraft usa documentos, manuscritos, relatos e periódicos, que reforçam o suspense e cativam a curiosidade do leitor. Assim, as características próprias da narrativa lovecraftiana se apresentam como categorias de análise do medo nesta pesquisa.

Para Lovecraft (2007) os heróis lógicos não são as pessoas. A ambientação apresenta-se como premissa da imaginação, da interpretação fantástica, dos instintos, das emoções humanas e das sensações dos fenômenos em que suas causas e efeitos eram desconhecidas.

Dessa forma, as categorias analíticas apresentam-se em diversas formas: pelo uso de adjetivos pelo narrador; a verossimilhança como recurso estilístico; símbolos, arquétipos e figuras de linguagem que podem ser usados para representar o medo cósmico; e, por fim, a voz do narrador, que por meio da narrativa enquanto discurso, é parte fundamental no pacto ficcional com o leitor.

Paralelo a tais categorias de análise do texto literário, se estabelecem relações entre as narrativas de H. P. Lovecraft, selecionados para análise, e teóricos da literatura fantástica, que servirão de base para fundamentação teórica das categorias analíticas. Sempre que possível,

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serão tecidas semelhanças e divergências entre Lovecraft e autores que teorizaram o universo literário fantástico.

As narrativas serão analisadas em língua inglesa, contudo as citações serão traduzidas para a língua portuguesa no corpo do texto da pesquisa, como forma de mantê-lo uniforme. Os trechos originais estarão disponíveis nas notas de rodapé. Qualquer situação de tradução para a manutenção do campo semântico de algum vocábulo será destacada, como forma de observar as adaptações da tradução para o português. Do mesmo modo, acontecerá com a discussão teórica, a fim de evitar termos com significados divergentes e de evitar generalização de conceitos que possam entrar em contradição ou fugir da originalidade teórica.

Para desenvolver a pesquisa buscou-se como fundamentação teórica referente ao mundo fantástico e a ficção weird, alguns estudiosos, tais quais: S.T. Joshi, na qualidade de principal especialista em Lovecraft, especialista em literatura sobrenatural e em ficção weird, com suporte em suas obras: A Dreamer and a Visionary: H. P. Lovecraft in his time (2001), The

Weird Tale (2003) e Lovecraft and a World in Transition (2014); David Roas, em A Ameaça do Fantástico (2014), teórico mais completo para o presente estudo na definição, na

caracterização e na classificação da literatura fantástica, em que se insere a ficção weird; Tzvetan Todorov, em Introdução à Literatura Fantástica (2010), pelo pioneirismo na discussão teórica acerca da importância de se caracterizar, categorizar e definir a literatura fantástica; e, por fim, o próprio H.P. Lovecraft, em Notes on Writing Weird Fiction (1937), O Horror

Sobrenatural em Literatura (2007) e Selected Letters.

Somado à temática de ficção weird, o pacto ficcional entre o narrador e o leitor diante do medo cósmico definido por Lovecraft em suas narrativas é o que interessa na presente pesquisa. Esta relação é evidenciada na atmosfera construída nos enredos, porém, só é experimentada, de forma material, pela interação da obra com o seu leitor. Assim sendo, a recepção das narrativas pelo leitor inevitavelmente será envolvida pela ambientação do medo. Dessa forma, destacam-se na teoria de como o leitor exerce seu papel de importância: Hans Robert Jauss (1979) e Wolfgang Iser (1979) e Umberto Eco (1979).

Além disso, foram considerados os trabalhos referentes ao medo em obras de Lovecraft, contudo, a maior parte dos estudos pesquisados referem-se à literatura fantástica no contexto brasileiro, ou configurando uma pesquisa que nos ajuda no âmbito teórico-metodológico. Durante o levantamento referencial, destacaram-se os trabalhos de Júlio França, que trata do medo como uma estética literária nos artigos: Fundamentos estéticos da literatura de horror:

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medo estético: anotações para uma ontologia dos monstros na narrativa ficcional brasileira

(2011); e, Medo e literatura (2017).

Tais teóricos serão auxiliados por aquilo que é pertinente ao trabalho, desenvolvido pela fortuna crítica já existente sobre Lovecraft. A fortuna crítica é bem perceptível quanto aos estudos referente às estruturas das narrativas de Lovecraft, discussão acerca da inserção do autor norte-americano na literatura fantástica, sua importância para a chamada cultura pop, influência em filmes, séries de TV, livros com temáticas sobrenaturais e jogos eletrônicos, de tabuleiros ou RPG (Role-playing Game).

No primeiro capítulo da referente pesquisa serão discutidos o intergênero da literatura fantástica weird fiction, ou ficção weird; a sua configuração estética e como os elementos podem ser elencados por meio do contexto histórico no gênero fantástico; e uma apresentação da vida e obra de Lovecraft, com foco na divulgação epistolar do weird que ele fez em sua época, por meio de ensaios críticos e correspondências pessoais com amigos escritores.

Na sequência, propõe-se uma discussão sobre o pacto ficcional entre o narrador e o leitor como parte importante no processo analítico; sobre a importância do medo cósmico e do leitor nessa configuração; e do papel do narrador lovecraftiano em meio as categorias do medo cósmico.

Na terceira parte, serão tecidas considerações sobre a proposta das análises relacionadas às multifacetas do medo cósmico em narrativas que pertencem ao corpus, a fim de identificar os traços desses vários aspectos do medo mediante o pacto ficcional entre o narrador e o leitor, junto às categorias analíticas.

Com o intuito de evidenciar as informações sobre o material de análises e referências, foram utilizadas edições recentes das obras que contêm o ensaio crítico, e que possuem as narrativas originais em inglês, bem como os traduzidos para a língua portuguesa.

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2 A PURA FICÇÃO WEIRD: UMA ATMOSFERA INEXPLICÁVEL

A estética do fantástico faz parte das narrativas de H.P. Lovecraft, que apresenta um tipo de literatura peculiar, somando elementos característicos de gêneros como o horror, sobrenatural, ficção científica, investigação, e destaca suas histórias de forma significativa no gênero da literatura fantástica conhecido por weird.

Como será discutido nos capítulos que seguem, a narrativa weird possui em suas características de composição formas peculiares que se tornam desafios para sua definição e sua classificação. Para fins de exemplificação, ao definir weird na tradução para o português do ensaio O Horror Sobrenatural em Literatura de Lovecraft, de 2008, a adaptação escolheu por transpor para a língua alvo o termo weird tale como história fantástica, o que causa dificuldade em discernir a literatura fantástica, como um campo da literatura bem mais amplo, da ficção

weird, que possui ramificações mais específicas. Na tradução para o português, vemos a

definição de weird tale, por Lovecraft, como:

A história fantástica genuína tem algo mais que um assassinato secreto, ossos ensanguentados, ou algum vulto coberto com um lençol arrastando correntes, conforme a regra. Uma certa atmosfera inexplicável e empolgante de pavor de forças externas desconhecidas precisa estar presente; e deve haver um indício, expresso com seriedade e dignidade condizentes com o tema, daquela mais terrível concepção do cérebro humano – uma suspensão ou derrota maligna e particular daquelas leis fixas da Natureza que são nossa única salvaguarda contra os assaltos do caos e dos demônios dos espaços insondáveis (LOVECRAFT, 2007, p.17) 7.

Nos recortes apresentados acima e na nota de rodapé, em inglês, o uso dos termos possui tradução diferente do campo semântico original. Uma versão de uma tradução para o português de 1987, do mesmo ensaio de Lovecraft, e traduzida para o português por João Guilherme Linke, mostra weird tale como “conto de horror”, e em alguns trechos como “conto místico”, mantendo uma tradução mais aproximada do significado original em língua inglesa.

Em português, weird tale foi traduzido como “conto fantástico” e como “história fantástica”, pelo fato de que eles carregam elementos gerais de constituição teórica acerca da

7

“The true weird tale has something more than secret murder, bloody bones, or a sheeted form clanking chains according to rule. A certain atmosphere of breathless and unexplainable dread of outer, unknown forces must be present; and there must be a hint, expressed with a seriousness and portentousness becoming its subject, of that most terrible conception of the human brain— a malign and particular suspension or defeat of those fixed laws of Nature which are our only safeguard. against the assaults of chaos and the daemons of unplumbed space. (LOVECRAFT, 2011, p. 1043).

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literatura fantástica, remetendo às subdivisões desse gênero, como: o romance gótico, a narrativa fantástica e o realismo mágico, discutidas à luz das teorias de Todorov e Roas.

Ficção weird, ou conto weird, trata de uma discussão mais específica e relacionada ao gênero discutido e escrito por Lovecraft, cabendo assim, um conflito de significados com campos semânticos distintos. Para isso, a versão em língua inglesa é mantida, pelo aparato teórico que é tratado nesse capítulo e que serve de suporte para a análise do corpus.

Lovecraft (2007, p. 19) atribui o surgimento da ficção weird às emoções primitivas, quando o ingrediente para as baladas, as crônicas e os escritos sagrados mais arcaicos era o medo. O autor faz referência às tradições pré-históricas do Egito, como traços para o medo que transcende a literatura de horror encontrados até os dias atuais.

O medo se apresenta para o autor norte-americano como a emoção mais forte e mais antiga do homem, sobretudo o medo do desconhecido, que ele define como medo cósmico. Lovecraft (2007, p.13) diz que o medo cósmico expressa que poucos psicólogos irão contestar os fatos, pois a autenticidade e dignidade das narrativas weird e de horror devem firmar essa verdade como forma literária.

O cosmicismo, filosofia literária criada por Lovecraft, reconcilia a consciência em relação ao medo e à fascinação pelo mistério do universo. Lovecraft mostra à humanidade a impossibilidade de uma compreensão do universo. Esse mundo obscuro passou a ser conhecido como Mitos de Cthulhu. O que prende o leitor às narrativas do corpus e o que elas possuem em comum são: o extraterrestre da ficção científica, a literatura de horror, a investigação e o suspense. Essa combinação de estilos forma a estética da ficção weird.

O autor confere às próprias trevas da Idade Média a expressão da ficção weird no ocidente e no oriente, ao preservar o que ele chama de “herança sobrenatural” do folclore, magia e cabalismo. Contudo, Lovecraft reconhece a forma literária típica do conto weird mais tarde, no século XVIII. “O impulso e atmosfera são tão antigos quanto a humanidade, mas a história fantástica típica da literatura padrão é filha do século XVIII” (LOVECRAFT, 2007, p. 24). Assim, a novela gótica é considerada pelo autor norte-americano como a pioneira da narrativa

weird. A definição possui características da ficção weird, contudo, ainda não se referia ao

intergênero da literatura fantástica em sua forma natural.

Posicionar a ficção weird em um patamar diferente da história de horror sobrenatural é o propósito do autor. Para Lovecraft (2007, p. 17), é necessário que o medo cósmico, no conto

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características, tais quais: a atmosfera como o critério mais importante de autenticidade e a criação de uma determinada sensação. Essa característica do conto weird pode ser percebida no trecho de The Colour Out of Space destacado a seguir:

Ammi levou os companheiros até a porta dos fundos e guiou-os pelos campos até a pastagem de dez acres. Todos caminharam aos tropeções como em um sonho, sem coragem de olhar para trás enquanto não chegasse a um terreno mais elevado. Estavam felizes com o caminho, pois não teriam conseguido sair pela porta da frente, junto do poço. Foi ruim o bastante para passar pelo celeiro e pelos galpões cintilantes e pelas silhuetas distorcidas e diabólicas das árvores que resplandeciam no pomar; mas graças aos céus apenas os galhos mais altos se contorciam com maior fúria. A lua, escondeu-se atrás de nuvens muito escuras quando o grupo atravessava a rústica ponte sobre Chapman’s Brook, e a partir de então todos seguiram às apalpadelas em direção ao pasto aberto8 (LOVECRAFT, 2015, p. 131).

Assim, para a narrativa weird, desconsidera-se a intenção do autor, a mecânica do enredo, e considera-se apenas o nível emocional que a narrativa atinge. Só será uma narrativa

weird, se causar emoções no leitor na presença de fenômenos desconhecidos.

Dessa forma, a seguir, será considerada a ficção weird em uma discussão mais aprofundada, no que diz respeito à sua classificação como intergênero da literatura fantástica e quais são suas características mais importantes, versando ainda acerca dos principais autores do gênero.

2.1 A narrativa estranha de H.P. Lovecraft

Discutiu-se anteriormente a importância que o nível emocional pode atingir em uma narrativa weird, e os fenômenos como os influenciadores no gênero aclamado pelo autor. Lovecraft diz que: “Não existe outro campo além do weird em que eu tenha qualquer aptidão ou inclinação para a composição ficcional. A vida nunca me interessou o suficiente tanto quanto o ‘escapar da vida’9” (LOVECRAFT, 1971, p. 395, tradução nossa). Esse recorte presente em uma das cartas de Lovecraft para J. Vernon Shea, um de seus amigos correspondentes, em agosto de 1931, corrobora nosso argumento de que o flerte do autor com a literatura fantástica,

8 “Ammi showed them the back door and the path up through the fields to the ten-acre pasture. They walked and

stumbled as in a dream, and did not dare look back till they were far away on the high ground. They were glad of the path, for they could not have gone the front way, by that well. It was bad enough passing the glowing barn and sheds, and those shining orchard trees with their gnarled, fiendish contours; but thank Heaven the branches did their worst twisting high up. The moon went under some very black clouds as they crossed the rustic bridge over Chapman’s Brook, and it was blind groping from there to the open meadows” (LOVECRAFT, 2011, p. 613).

9 “There is no field other than the weird in which I have any aptitude or inclination for fictional composition. Life

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vai além do sobrenatural comum. Claro está que Lovecraft não foi o único autor de contos

weird, mas foi o seu principal representante. Para Miéville (2009, p. 510, tradução nossa), “a

ficção weird é comumente concebida como uma ficção macabra, ou um fantástico sombrio, que às vezes apresenta monstros alienígenas, assim como a ficção científica10”.

Miéville (2009, p. 510) lista os representantes norte-americanos e escritores do intergênero, do início do século XX, que mantinham uma rede de contato, mediante cartas, com a circulação de suas obras. Eram eles: Clark Ashton Smith, William Hope Hodgson, Algernon Blackwood, Arthur Marchen e H.P. Lovecraft. Lovecraft definiu o conto weird por meio de ensaios, discussões teóricas e nas cartas que permutava com o círculo de amigos também escritores das revistas pulp, conhecidas por Weird Tales e Amazing Stories.

Mesmo em seus ensaios, Lovecraft não esclarecia se o conto weird possuía as mesmas características do conto sobrenatural de horror, ou pertencia a algo mais abrangente, por sempre discutir os elementos em comum entre eles. Joshi (2003, p. 6, tradução nossa) acredita que “o conto weird inclui divisões, tais quais: fantasia, horror sobrenatural, horror não-sobrenatural e

quasi science fiction, terror psicológico e conto de terror11”. A seguir, observa-se essas divisões, com base nessa proposta, considerando o que cabe na discussão proposta.

A fantasia possui uma variedade de formas com ausência de ramificações metafísicas muito comum em alguns tipos de ficção weird. Na fantasia de um mundo imaginário não existe o horror sobrenatural, pois o mundo real e suas leis não existem.

O horror sobrenatural só pode existir no mundo real, pois as normas da vida diária formam a lei. Faz parte dessa divisão, a história de fantasma, que possui um tipo de narrativa independente. Aqui apresenta-se o fantástico “puro” no qual insere-se a ficção weird, ou de onde a ficção weird se desprende.

A quasi science fiction é um desenvolvimento do horror sobrenatural em que o mundo real e as leis naturais são ameaçadas por intrusos, esse impossível é racionalizado de alguma forma. Essa é uma divisão mais avançada, por implicar que o sobrenatural não é ontológico, mas epistemológico. Nossa ignorância sobre certas leis naturais que cria o sobrenatural. Podemos considerar essa como uma divisão que Lovecraft trabalhou.

10 “Weird Fiction is usually, roughly, conceived of as a rather breathless and generically slippery macabre fiction,

a dark fantastic (‘horror’ plus ‘fantasy’) often featuring nontraditional alien monsters (thus plus ‘science fiction’)” (MIÉVILLE, 2009, p. 510).

11 “As I see, the weird tale must include the following broad divisions: fantasy, supernatural horror,

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O terror psicológico possui duas ramificações: o conto cruel e o pseudo-sobrenatural. O conto cruel não recebe a atenção de Lovecraft e é excluído de seu ensaio, por caracterizar-se de forma divergente da narrativa weird. No que se refere ao terror pseudo-sobrenatural, o fenômeno presente na história é sugerido e sua explicação está além do produto da consciência. Por fim, o conto de terror com situações ambíguas, em que a dúvida dos acontecimentos é mantida até o final da narrativa e os eventos podem ser sobrenaturais ou não.

Diante dessas classificações feitas por Joshi (2013), o ponto crucial do conto weird é algo que seja improvável de acontecer. Para ele:

O conto weird oferece oportunidades únicas para a especulação filosófica - pode-se dizer que o conto weird é um modo inerentemente filosófico na medida em que frequentemente nos impele de abordar questões diretamente fundamentais como a natureza do universo e o nosso lugar nele. Na verdade, isso pode estar colocando o carro diante do cavalo: alguns autores desenvolvem certos tipos de visões de mundo que os compelem a escrever ficção que leva os leitores a questionar, revisar ou refazer suas visões do universo; o resultado é o que nós (em retrospecto) chamamos de ficção

weird12 (JOSHI, 2003, p. 11, tradução nossa).

A importância em se discutir uma definição, ou mesmo classificação para a ficção weird reside no fato de ser o intergênero, que nos interessa para a análise do corpus, visto que as características e as formas dos contos de Lovecraft precisam de todo esse aparato para desenvolver a atmosfera necessária e causar as sensações e emoções no leitor, então, pode-se confirmar o medo como um elemento importante na categorização desse ramo da literatura fantástica.

A discussão teórica sobre a literatura fantástica será comentada a seguir, pois ela contribui para a compreensão do conceito que leva a definição da ficção weird.

2.2 O fantástico e o conto weird

O efeito do fantástico se ampara sobre o conflito existente entre o natural e o sobrenatural e Roas (2014) nos apresenta que as circunstâncias necessárias para esse fato surgiu

12 The weird tale offers unique opportunities for philosophical speculation— it could be said that the weird tale is

an inherently philosophical mode in that it frequently compels us to address directly such fundamental issues as the nature of the universe and our place in it. Actually, this may be putting the cart before the horse: certain authors develop certain types of world views that compel them to write fiction that causes readers to question, revise, or refashion their views of the universe; the result is what we (in retrospect) call weird fiction. (JOSHI, 2003, p. 11).

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em meados do século XVIII, pois, até então, as expectativas do leitor eram responsáveis pelo sobrenatural.

Para ele, o Iluminismo gerou mudanças na forma de se representar e de se compreender o sobrenatural. “Dominado pela razão, o homem deixa de acreditar na existência objetiva de tais fenômenos. A razão excluiu todo o desconhecido, provocando o descrédito da religião e a rejeição da superstição como meios para explicar e interpretar a realidade” (ROAS, 2014, p. 48). A literatura foi o meio de expressão pelo qual essa excitação emocional produzida pelo desconhecido não entrasse em conflito com a razão.

No momento em que os elementos existentes na literatura fantástica nos remetem ao romance gótico, a narrativa fantástica e ao realismo mágico, o contexto permite a manifestação do sobrenatural, ou do insólito. A literatura fantástica, no sentido moderno, se origina no período do romantismo europeu e são inúmeras as tentativas de posicionar esses elementos que a definem e os seus gêneros, ou os seus subgêneros.

Assim surgia a primeira manifestação literária do gênero fantástico: o romance gótico inglês, que apresenta características do sobrenatural medieval e o realismo do romance contemporâneo e possui uma atmosfera de terror, dentro de um mundo em que o inesperado pode acontecer. O gênero inicia sua trajetória com Castle of Otranto (1764), de Horace Walpole.

Com as diferentes perspectivas perante a discussão sobre o fantástico na literatura, considera-se que, independente da vertente, acredita-se que o gênero deve ser considerado como bem explicitado: “[...] em relação à qual o atributo de ‘fantástico’ deve ser entendido como sinônimo de excêntrico, mirabolante e exagerado, há ainda os contos fantásticos no sentido de ‘narrativas que exploram a temática do sobrenatural’” (VOLOBUEF, 1999, p. 199). E são essas narrativas que exploram a temática sobrenatural, que contêm dentro de seu perfil os atributos citados por Volobuef, caracterizando o romance gótico.

Gothic Novel, em inglês, ou Schauerroman, em alemão, é um ramo do romance que

nasceu na Inglaterra com a publicação em 1764 de The Castle of Otranto, de Horace Walpole. Por toda a Europa espalhou-se então o romance gótico, que se caracteriza pelas cenas de horror em castelos isolados, cemitérios, masmorras e outros lugares tenebrosos. Inicialmente, o horror era criado por meio do sobrenatural com o emprego de fantasmas, espíritos demoníacos etc.; mais tarde, o gênero passa a explorar o sobrenatural desvendado (explained supernatural), ou seja, os eventos aparentemente fantasmagóricos que acabam sendo explicados e reduzidos a ocorrências naturais (VOLOBUEF, 1999, p. 67).

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Como parte da literatura fantástica, o romance gótico apresenta temas que são comuns a esse tipo de narrativa. Desde o seu surgimento no século XVIII, o gênero apresentava características do sobrenatural medieval e o realismo do romance contemporâneo, acima de tudo, apresenta Klinger (2014), o romance gótico Castle of Otranto possuía uma ambientação de terror, um mundo em que o inesperado podia acontecer.

Algumas narrativas combinavam descrições românticas de lugares, histórias de amor, e terror gótico, sendo bastante populares no século XIX. Destaca-se então, Ann Radcliffe, com histórias focadas em jovens heroínas e confrontos em misteriosos castelos.

Os primeiros estágios do movimento Romântico no final do século XVIII produziram ícones do horror conhecidos pelo “monstro científico” e o vampiro. De acordo com Hume (1969, p. 282, tradução nossa13), assume-se que os romances góticos são os mesmos e sua forma é composta por narrativas com acontecimentos sobrenaturais, castelos assombrados e ambientação mal iluminada. O autor sugere que o romance gótico vai além disso, que há uma relação com a literatura do movimento romântico do período.

Assim, percebe-se a necessidade de olhar com mais cuidado a análise das características do romance gótico. Ao passo que a temática sobrenatural se destaca como modelo desse tipo de narrativa, várias histórias apresentam temáticas que dialogam com o inconsciente, memórias reprimidas, impulsos. Hogle (2002, p. 3, tradução nossa14) apresenta os conflitos de personagens centrais do romance gótico, que são atormentados por um segundo inconsciente de profundos dilemas sociais e históricos.

É necessário perceber o auge da literatura fantástica nos Estados Unidos, por intermédio do romance gótico. Os autores listados a seguir são pioneiros nas narrativas que tratam do medo cósmico, com elementos estéticos que caracterizam a ficção weird.

O romance gótico se apresentou nos Estados Unidos com foco no sobrenatural regional. Destacaram-se no gênero, autores como Washington Irving (1783 – 1859), autor de The Legend

of Sleepy Hollow e Rip Van Winkle, ambos de 1820; e Nathaniel Hawthorne (1804 – 1864), que

tratou de temas relacionados ao fascínio pela busca da imortalidade em Dr. Heidegger’s

13 “It is usually assumed that all Gothic novels are much the same, and that the form is defined by the presence of

some stock devices. These ‘Gothic trappings’ include haunted castles, supernatural occurrences (sometimes with natural explanations), secret panels and stairways, time-yellowed manuscripts, and poorly lighted midnight scenes” (HUME, 1969, p. 282).

14 “[…] At the same time, the conflicted positions of central Gothic characters can reveal them as haunted by a

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Experiment (1837), bem como Septimius Felton, ou The Elixir of life (1871), também possuíam

admiração por histórias estranhas e contos sobre o oculto.

O destaque do estilo gótico é de um dos pioneiros e mais conhecidos escritores norte-americanos, Edgar Allan Poe (1809 – 1849). Poe é reconhecido por criar contos de investigação e histórias góticas. Fundiu essas histórias com ciência e realismo.

No capítulo dedicado a Poe, em seu ensaio O Horror Sobrenatural em Literatura, Lovecraft afirma que a década de 1830 foi uma aurora literária15, afetando a narrativa fantástica e a narrativa ficcional curta.

Lovecraft atribui a Poe uma obra de valor e a inauguração de novas trilhas artísticas. Ele considera que, “sejam quais forem suas limitações, Poe fez o que antes ninguém fizera ou poderia ter feito; e a ele devemos a moderna história de horror em seu estado final e aprimorado” (LOVECRAFT, 2007, p. 61). Suas histórias vão desde ficção científica, passando por mistério e horror, criando intensa experiência emocional, em que o narrador busca recuperar a sua humanidade, caindo no ostracismo por uma inexplicável existência. O recorte que segue, faz parte da novela The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket, com alusão à palavra

Tekeli-li, que Lovecraft fez uso em At the Mountains of Madness:

A certa altura notamos uma mudança total na sua atitude: de uma apatia total passaram ao mais alto grau de excitação; corriam de um lado para o outro desordenadamente até um certo ponto da pradaria, para fugirem logo a seguir, com as mais estranhas expressões de raiva, terror e ardente curiosidade estampadas na cara e vociferando com quanta força tinham Tekeli-li! Tekeli-li!16 (POE, 2011, p, 758, tradução nossa).

Percebe-se, até então, que a dicotomia existente entre o real e o sobrenatural foi a base para que se concretizasse a origem da literatura fantástica e mesmo que o fantástico tenha nascido com o romance gótico, o Romantismo é o momento responsável por sua maturescência. Roas (2014, p. 49) propõe que os escritores românticos discutiam sobre os aspectos da realidade e do que era inexplicável pela razão. Os românticos não rejeitaram as conquistas da ciência, alegaram que a razão era limitada e não se apresentava como o único instrumento disposto a reconhecer a realidade, dispondo ainda da intuição e da imaginação para isso. Eles adquiriram

15 O Movimento Simbolista europeu, como uma tendência estética fora da França, não obteve a mesma recepção

nas diversas partes do continente americano. O caso dos Estados Unidos está ligado muito mais ao ufanismo predominante no período, do que a autonomia estético-literária local.

16 “At length we observed a total change in their demeanour. From absolute stupor they appeared to be, all at once,

aroused to the highest pitch of excitement, and rushed wildly about, going to and from a certain point on the beach, with the strangest expressions of mingled horror, rage, and intense curiosity depicted on their countenances, and shouting, at the top of their voices, Tekeli-li! Tekeli-li!” (POE, 2011, p. 758).

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uma consciência dos aspectos de sua experiência, impossível de analisar ou explicar segundo a concepção mecanicista do homem e do mundo.

Importante para o movimento romântico do século XIX, o francês Charles Nodier (1780–1844), em 1830, apresenta-se com as primeiras características que levam ao pioneirismo na literatura fantástica. Três etapas foram apresentadas. Primeiramente, ele considerava que a humanidade percebia as sensações e a representação do mundo material por meio da poesia, remetendo à história do espírito humano, e à imaginação do homem. Posteriormente, o desconhecido se destacou, pois, o homem foi levado além dos limites materiais e fixou-se cada vez mais em si mesmo. Por fim, a mentira foi considerada como um procedente da imaginação. Para Nodier (2005), as três etapas acima caracterizam a origem do fantástico a partir do racional e do desenvolvimento da mente humana, excluindo a sugestão de origem a partir de mentes perturbadas, visionárias ou alucinadas. O ser humano, ao avançar em seu conhecimento do mundo, observou a ausência de elementos para se chegar a um conhecimento completo de seu ambiente, dessa forma, apresentou um conjunto de fenômenos que não se pode reconhecer completamente. Apresenta-se assim, o superstante, um mundo fantástico regido por uma hiperbolização das leis positivas.

Assim, a criação de um conceito e definição da literatura fantástica tem forma com características específicas, que teóricos com seus textos críticos vão discutir no século XX. Louis Vax, em 1965, começa a definir o fantástico por categorias e subgêneros de acordo com a definição do que é estranho. A sensação do estranho se dá pela consciência, sedução e horror. Para ele, o fantástico surge frequentemente de uma ruptura da constância do mundo receptivo. Falar sobre o fantástico como um gênero da literatura leva a uma ideia de que deve haver uma ligação com o sobrenatural. Para Roas (2014, p.52), a literatura fantástica é um gênero literário que não pode exercer sua função sem a presença do sobrenatural, que transita entre os limites das leis que organizam o mundo real, que não se explica e que não existe, de acordo com essas mesmas leis. O espaço criado pela narrativa deve ter uma criação com características semelhantes ao do leitor. Nesse espaço, ocorrerá o fenômeno que alterará sua estabilidade.

Pelas proposições da imaginação e interpretação fantástica, o narrador necessita da combinação de substantivos e adjetivos insólitos, de forma que eles intensifiquem sua sugestão, assim, a conotação substitui a denotação. Roas (2014, p. 57) fornece uma das características mais importantes do estilo narrativo lovecraftiano: o excesso de adjetivos na construção de

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oximoros ou paradoxos, que sugere uma impossibilidade na realidade, supondo um deslocamento do discurso racional.

Para Roas (2014, p.52), a verossimilhança é algo próprio do gênero fantástico. Não é apenas um recurso estilístico, há uma necessidade de construir satisfatoriamente a narrativa, que se apresenta como um evento real para que o leitor seja convencido da realidade análoga do fenômeno sobrenatural. Os símbolos e arquétipos, ou figuras de linguagem representam e expressam o medo cósmico descrito por Lovecraft.

Dessa forma, o sobrenatural sempre será uma ameaça à realidade, as suas leis são rigorosas e imutáveis e, nesse espaço, o leitor perde a segurança diante do mundo real. Roas (2014, p. 51) propõe que o gênero oferece uma temática com tendência a pôr em dúvida a percepção do real. Para a produção da ruptura é necessário que o texto apresente um mundo tão real quanto o do leitor, para que sirva de comparação com o fenômeno sobrenatural, e que pressuponha o choque de uma realidade cotidiana. Assim, o realismo se converte na necessidade estrutural do texto fantástico. O realismo como necessidade estrutural no texto fantástico pode ser apresentado nessa passagem do conto Dagon de Lovecraft, em que o narrador descreve a paisagem oceânica nos parágrafos iniciais e em seguida, por meio de adjetivos paradoxais, ele reflete a sensação de estranheza diante dos acontecimentos.

Quando por fim me vi livre, à deriva, eu tinha pouca ideia das minhas coordenadas. Sendo um navegador de poucas habilidades, eu só conseguia ter uma vaga noção, graças ao sol e às estrelas, de que estava ao sul do Equador. Quanto à longitude, não fazia a menor ideia, e não havia nenhuma ilha ou litoral à vista. O tempo manteve-se bom e, por dias incontáveis, fiquei à deriva sob o sol escaldante [...] e comecei a entrar em desespero com a solidão em meio à grandeza opressiva do infinito panorama azul. [...] Mesmo que se possa imaginar a minha reação de surpresa ante uma transformação tão prodigiosa e súbita no cenário, a verdade é que eu sentia mais terror do que espanto; pois no ar e no solo putrescente havia algo de sinistro que me enregelava até o âmago. O lugar fedia a restos pútridos de peixes em decomposição e de outras coisas indescritíveis que eu via erguerem-se do lodo asqueroso que recobria a infindável planície. [...] mas era a perfeição do silêncio e a constância do cenário o que me oprimia com um terror nauseante17 (LOVECRAFT, 2015, p. 17-18).

17 “When I finally found myself adrift and free, I had but little idea of my surroundings. Never a competent

navigator, I could only guess vaguely by the sun and stars that I was somewhat south of the equator. Of the longitude I knew nothing, and no island or coastline was in sight. The weather kept fair, and for uncounted days I drifted aimlessly beneath the scorching sun; […] and I began to despair in my solitude upon the heaving vastness of unbroken blue. […] Though one might well imagine that my first sensation would be of wonder at so prodigious and unexpected a transformation of scenery, I was in reality more horrified than astonished; for there was in the air and in the rotting soil a sinister quality which chilled me to the very core. The region was putrid with the carcasses of decaying fish, and of other less describable things which I saw protruding from the nasty mud of the unending plain. […] yet the very completeness of the stillness and the homogeneity of the landscape oppressed me with a nauseating fear” (LOVECRAFT, 2011, p. 23-24).

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A visão do fantástico de Roas (2014, p. 36) apresenta diferentes concepções sobre literatura fantástica, produzindo intergêneros de acordo com cada aspecto apresentado pela narrativa. O realismo maravilhoso, que sugere a convivência do real e do sobrenatural sem problemas. O maravilhoso cristão, no qual os fenômenos sobrenaturais são explicados de forma religiosa. Já o fantástico tradicional, discutido por Todorov, põe em pauta regras para definir esse tipo de literatura. Para ele somente a hesitação pode definir o fantástico, o que reduz a definição entre os gêneros estranho e maravilhoso, e o que é verdadeiramente fantástico situa-se na divisão entre eles.

Todorov (2010) procura adequar uma regra de apropriação que possa, por meio de textos, discutir sua definição. Ele propõe que a não explicação de acontecimentos por meio das leis do nosso mundo, em um outro igual ao nosso, nos leva a duas soluções: primeira, a ilusão dos sentidos, produzida pela imaginação, que mantém as leis do nosso mundo; segunda, a ocorrência do acontecimento faz parte da realidade, mas nesse caso as leis que regem esse mundo são desconhecidas.

O autor inicia, então, uma discussão sobre o conceito do fantástico, perpassando diferentes teorias, e afirma que a “hesitação do leitor” é o início dessa condição fantástica, pois ao sair do mundo dos personagens, o leitor retoma seu papel e o contexto do fantástico passa a ser da interpretação textual.

Dessa forma, ele considera três condições para completar a definição do fantástico: primeiramente, por meio do texto, a consideração de que o mundo dos personagens é um mundo de criaturas vivas e há hesitação entre uma explicação natural e sobrenatural dos acontecimentos. Posteriormente, um leitor tem a possibilidade de possuir a mesma hesitação do personagem; e por fim, essa hesitação mostra-se como representação do sentimento do leitor e como tema da obra.

O papel é do leitor na decisão se o que é percebido depende ou não da realidade. Todorov expõe que, ao se optar por uma, ou outra solução, ele sai do fantástico. “Se ele decide que as leis da realidade permanecem intactas e permitem explicar os fenômenos descritos, dizemos que a obra se liga a um outro gênero: o estranho” (TODOROV, 2010, p. 48). Nesse caso, se ele decidir que é possível admitir novas leis da natureza, onde um fenômeno é explicado, o gênero é o maravilhoso.

O fantástico leva, pois, uma vida cheia de perigos, e pode se desvanecer a qualquer instante. Ele antes parece se localizar no limite de dois gêneros, o maravilhoso e o estranho, do que ser um gênero autônomo. Um dos grandes períodos da literatura

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fantástica, o do romance negro (the Gothic novel) parece confirmá-lo. Com efeito, distinguem-se geralmente, no interior do romance negro, duas tendências: a do sobrenatural explicado (do “estranho”, poderíamos dizer); [...] e o do sobrenatural aceito (ou do “maravilhoso”) [...]. Não existe aí o fantástico propriamente dito: somente gêneros que lhe são vizinhos (TODOROV, 2010, p. 48).

O autor refuta, a partir de então, a existência do fantástico como um gênero autônomo, ele provoca que no sentido do que foi discutido, o fantástico seria um gênero que se localiza no limite entre o maravilhoso e o estranho.

Essa mesma tendência para definição do fantástico também é pontuada por Roas. O sobrenatural aceito ficou conhecido na literatura hispano-americana do século XX como “realismo maravilhoso” (ou realismo mágico), no qual Roas “propõe a coexistência não problemática do real e do sobrenatural em um mundo semelhante ao nosso” (ROAS, 2014, p. 36).

Um dos representantes do realismo mágico é o argentino Jorge Luis Borges, que prestou homenagem à Lovecraft dedicando o conto There Are More Things18 ao escritor norte-americano. A homenagem, com epígrafe dedicada à Lovecraft, é perceptível ainda quando se refere ao estilo de escrita e a curiosidade, que é um recurso característico comum do narrador-personagem lovecraftiano.

Como seria o habitante? Que podia buscar neste planeta, não menos atroz para ele do que ele para nós? De que secretas regiões da astronomia ou do tempo, de que antigo e agora incalculável crepúsculo, teria chegado a este arrabalde sul-americano e a esta precisa noite?

Senti-me um intruso no caos. Fora, a chuva tinha cessado. Olhei o relógio e vi com assombro que eram quase duas. Deixei a luz acesa e empreendi cautelosamente a descida. Descer por onde havia subido não era impossível. Descer antes que o habitante voltasse. Conjecturei que não fechara as duas portas porque não soubera fazê-lo.

Meus pés tocavam o penúltimo lanço da escada quando algo ascendia pela rampa, opressivo e lento e plural. A curiosidade pôde mais que o medo, e não fechei os olhos (BORGES, 2009, p.50).

O estilo de Lovecraft está presente no conto quando o narrador faz alusão a corpos celestes, à insignificância humana perante uma ameaça desconhecida; o uso de adjetivos como: “incalculável”, “precisa”, “intruso”, “assombro”, “impossível” e expressões paradoxais tais quais: “descer por onde havia subido” e “a curiosidade pôde mais que o medo”. Assim, quando

18 “O destino que, segundo a fama, é inescrutável, não me deixou em paz enquanto não perpetrei um conto

póstumo de Lovecraft, escritor que sempre julguei um parodista involuntário de Poe. Acabei por ceder, o lamentável fruto se intitula There are more things” (BORGES, 2009, p. 43).

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o narrador investiga quem foi o estranho responsável pela compra da casa, que é herança de sua família, percebe-se a semelhança de estilo de escrita de Lovecraft.

Isto posto, a participação ativa do leitor é fundamental para a existência do fantástico. “A história narrada deve estar em contato com o âmbito do real extratextual para determinar se uma narrativa pertence ao gênero. O fantástico, portanto, vai depender sempre do que considerarmos real, e o real depende diretamente daquilo que conhecemos” (ROAS, 2014, p. 45).

Com o fantástico perpassando características para sua definição que expandem o domínio de seu campo de abrangência, alguns gêneros se apresentam de forma que a categorização existente necessita de uma consideração especial para fazer parte do fantástico. A ficção científica19 é um exemplo de que, dentro da literatura fantástica os acontecimentos narrados são “impossíveis”, o que difere de “sobrenatural”, mas considera que os acontecimentos têm explicação racional, com base em futuros avanços científicos ou tecnológicos, sejam eles de origem humana ou extraterrestre. Todorov classificou como “maravilhoso instrumental”, ou “maravilhoso científico” e para ele “o sobrenatural é explicado de uma maneira racional [sic] mas a partir de leis que a ciência contemporânea não reconhece” (TODOROV, 2010, p. 63).

Para Roas (2014, p. 93), o termo “sobrenatural” está ligado ao significado religioso, referente à presença de forças de origem que transcendem a realidade humana. Afinal, uma narrativa em que não se apresenta fantasmas, assombrações, demônios, vampiros, zumbis, rompe com a característica apresentada, mas ainda assim, ela pode apresentar a característica principal que define a literatura fantástica: a percepção do real.

Com base nessa premissa da imaginação e da interpretação do que é real, nos instintos e nas emoções humanas como resposta ao ambiente, bem como nas sensações causadas por fenômenos nas quais as causas e efeitos eram desconhecidas, Roas dialoga com Lovecraft, quando este levanta a possibilidade da existência do que ele conceitua como literatura de medo cósmico, que se distancia do medo no âmbito psicológico, “a literatura do simples medo físico e do horrível vulgar” (LOVECRAFT, 2007, p.16).

19 Sci-fi is a literary genre or verbal construct whose necessary and sufficient conditions are the presence and

interaction of estrangement and cognition, and whose main device is an imaginative framework alternative to the author’s empirical environment. (SUVIN, 1988. p. 37).

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Os argumentos de Roas para definição da literatura fantástica são os que mais se aproximam à narrativa weird. Ele sugere que na narrativa fantástica, assim como vimos na ficção weird, os acontecimentos ultrapassam o que temos como referência do que é real. O leitor, pela descrição dos fatos narrados, imagina o inimaginável. A respeito do leitor e narrador, as categorias serão discutidas no capítulo dois.

2.3 A O legado de Providence: Uma apresentação da obra e da vida do autor

O contexto biográfico de H.P. Lovecraft, com ênfase no contexto da literatura norte-americana no qual ele se insere, será posicionado considerando o autor diante da política literária em que suas obras circulavam, e do seu pensar estratégico para divulgar a narrativa

weird, intermediada por suas correspondências com outros escritores e por suas publicações nas

revistas pulp.

A principal característica de Lovecraft como escritor é a narrativa weird. O que para o autor é estranho, serve de premissa para o desenvolvimento de suas histórias. É pertinente aqui separar o autor de sua obra, no sentido de que diante da premissa de suas narrativas sobrenaturais, identificar a posição do autor norte-americano diante da reunião de elementos culturais e intelectuais na América do século XX e sua resistência à Modernidade.

Para Silva (2017), essa resistência do autor à Modernidade é incorporada em personagens que resistem ao impacto da mudança na sociedade sobre sua identidade. A identidade do sujeito social do final do século XIX, perante suas crenças e valores após um quadro de mudanças em que ideias como a evolução das espécies de Darwin, o estudo do inconsciente por Freud e a posição da Inglaterra como centro econômico e militar do mundo foram motivos para essa crise identitária.

As origens de Lovecraft remontam à Providence, Rhode Island, e por ser descendente de imigrantes ingleses, o autor nutria uma admiração pela Inglaterra e sua cultura. Criado pela mãe, era

altamente sensível, tímido, introspectivo e envolvido com doenças físicas e psicológicas, tinha apenas uma educação formal altamente esporádica, remediada por imensas leituras em sua biblioteca familiar. Ele ganhou um interesse precoce tanto nas ciências quanto na literatura, e o primeiro pode ter um significado ainda maior do que o segundo20. (JOSHI, 2014a, p. 9036, tradução nossa).

20 “Lovecraft, highly sensitive, shy, introspective, and beset with physical and psychological maladies, had only a

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O gosto de Lovecraft pelo estranho aconteceu cedo e ele começou a escrever histórias a partir dos seis anos. Joshi (2014a, tradução nossa21) confidencia que, aos oito anos, Poe já era lido pelo autor. Lovecraft possuía um conhecimento enciclopédico da literatura weird anterior à sua época, mas desconsiderava muitas histórias com temáticas fantasmagóricas, assim, como o autor lia Poe, ele aproveitou a leitura de outros escritores, que seguiam um trabalho altamente imaginativo, tais quais: Ambrose Bierce, Lord Dunsany (ambos descobertos em 1919), Arthur Machen (descoberto em 1923), Algernon Blackwood (descoberto em 1924).

A fama de Lovecraft como um escritor de ficção weird não se separa da ascensão das revistas pulp de sua época. A ironia que se associa a esse processo é que, ao se vangloriar por ter sido um leitor clássico da literatura e criticar jornais da época, ele foi obrigado a escrever nas revistas pulp. Joshi destaca:

Há uma ironia pungente na associação de Lovecraft com as pulps - notavelmente

Weird Tales - já que ele próprio, como uma espécie de esnobe literário, se vangloriava

de seu aprendizado clássico. Ele afirmava resolutamente seu status como um autor-cavalheiro, que escrevia apenas pelo amor à escrita e que, implacavelmente (e com precisão), se referiu a maioria dos jornais como lixo não-literário. Contudo, Lovecraft foi obrigado a publicar nas pulps por causa das condições de mercado muito específicas e imprevisíveis, que impediam o seu trabalho de ser considerado aceitável para os mercados mais tradicionais. O fato de Lovecraft ser, tanto durante, quanto depois de sua vida, desprezado justamente por escrever para as pulps, só aumentava a ironia22 (JOSHI, 2014a, p. 8977, tradução nossa).

Uma das abordagens que versa sobre a obra de Lovecraft, desde a quantidade de estudos sobre o autor, refere-se à abordagem psicológica, em que os estudos focam no passado do autor e na decadência da Modernidade. Dessa forma, conforme Silva (2017b) as obras de Lovecraft

in both the sciences and in literature, and the former may be of even greater significance than the latter” (JOSHI, 2014a, p. 9036).

21 “Lovecraft’s taste for the weird was also of early development, and he was writing stories as early as the age of

six. By the age of eight he had discovered Poe, an author whose work permanently coloured his entire approach to weird fiction. Lovecraft ultimately came to have an encyclopaedic knowledge of the weird literature prior to his day […]” (JOSHI, 2014a, p. 9036).

22 “But Lovecraft’s emergence as a weird writer cannot be separated from the rise of the pulp magazines in the

decades before, during, and after his time. There is a pungent irony in Lovecraft’s very association with the pulps— notably Weird Tales— since he himself, as something of a literary snob who boasted of his classical learning, resolutely asserted his status as a gentleman-author who wrote only for the love of writing and who relentlessly (and accurately) condemned most pulp writing as subliterate rubbish, but was compelled to publish in the pulps because of very specific and timebound market conditions that prevented his work from being deemed acceptable to more mainstream markets. That Lovecraft was then, both during and after his lifetime, held in disdain precisely because of his appearance in the pulps only heightened the irony” (JOSHI, 2014a, p. 8977).

(30)

representam a sua visão, que exaltava os séculos anteriores ao que ele viveu, e somando-se a isso: “A crítica de Lovecraft ao estrangeiro, visto como elemento estranho no ambiente em que vivia, seu sentimento preconceituoso com certas raças e etnias, assim como sua resistência ao processo de modernização, são os elementos de ligação entre a vida e a obra do autor (SILVA, 2017b, p. 40). Não é o objetivo da pesquisa adentrar nos conceitos que levam a essa abordagem psicológica, mas é interessante saber que existem estudos que se preocupam com essa parte da vida do autor. Segue um trecho do conto Cool Air (1926), uma narrativa sobrenatural que evoca a modernidade da metrópole, e o narrador mora em Manhattan.

A senhoria, uma espanhola vulgar e quase barbada que atendia pelo nome de Herrero, não me aborrecia com fofocas nem com críticas a espeito da luz que permanecia acesa até o avançado da noite em meu quarto no terceiro andar; e os demais inquilinos eram tão quietos e indiferentes quanto se podia desejar, sendo a maioria deles espanhóis só um pouco acima da maior grosseria e da maior vileza23 (LOVECRAFT, 2015, p.

55-56).

Silva (2017a) destaca que a América dos Estados Unidos, no século XIX, teve como manifestação mais visível da Modernidade a imigração. Os estrangeiros serviram como mão de obra para a indústria e para a infraestrutura norte-americana, como também foram considerados ameaças à sociedade por não compartilharem das mesmas crenças culturais e religiosas dos norte-americanos. A repercussão dessa situação, um século depois, causou a fase mais produtiva da carreira de Lovecraft. Em 1926, após um período de quatro anos vivendo em Nova Iorque, o autor apresentou críticas à Modernidade por meio de narrativas em que os narradores e os personagens conhecem a ameaça de seres extraterrestres e têm suas vidas afetadas por esse contato. Para ele, a tradição tem importância, principalmente se olhar para o legado deixado pelos antigos.

[...] “bom” é uma qualidade relativa e variável, dependendo da ascendência, cronologia, geografia, nacionalidade e temperamento individual. Em meio a essa variabilidade só existe uma âncora de fixidez que podemos aproveitar como o pseudo-padrão de trabalho de “valores” que precisamos para nos sentirmos acomodados e contentes - e essa âncora é a tradição, o potente legado emocional deixado a nós pela experiência maciça de nossos antepassados, individuais ou nacionais biológicos ou culturais. Tradição não significa nada cosmicamente, mas significa tudo localmente e pragmaticamente porque não temos nada mais para nos proteger de um sentimento devastador de “perda” em tempo e espaço infinitos. Hoje em dia não podemos acreditar como nossos antepassados fizeram, mas podemos compartilhar alguns de

23 The landlady, a slatternly, almost bearded Spanish woman named Herrero, did not annoy me with gossip or with

criticisms of the late-burning electric light in my third-floor front hall room; and my fellow-lodgers were as quiet and uncommunicative as one might desire, being mostly Spaniards a little above the coarsest and crudest grade. Only the din of street cars in the thoroughfare below proved a serious annoyance (LOVECRAFT, 2011, p. 348-349).

Referências

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