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O pacto ficcional entre o narrador e o leitor da ficção weird

Para efeito do texto literário, por conseguinte, o texto fantástico, é importante destacar o pacto ficcional com o leitor. Retoma-se com Roas (2014), que ao aceitar a presença do texto fantástico, as regras de verificação da veracidade somem, e por meio da verossimilhança, o efeito é alcançado. O discurso do narrador desse texto é realista, ao apresentar um mundo em que a história se desenvolve. Ele utiliza-se de recursos como ser vago, ou impreciso, fazendo sugestões a partir de comparações, metáforas e neologismos.

Roas dialoga com Eco (2011), quando este distingue o texto de outros tipos de expressão devido à complexidade. Para ele o que não é dito representa os movimentos cooperativos da parte do leitor. São “os espaços brancos, de interstícios a serem preenchidos, e quem o emitiu previa que esses espaços e interstícios seriam preenchidos e os deixou brancos por duas razões” (ECO, 2011, p. 37). O autor afirma que o texto vive da valorização de sentido e que ele quer deixar a interpretação ao leitor. O sentido do real no texto fantástico é colocado como verdade e é aceito pelo leitor no pacto ficcional.

Apresenta-se então a discussão sobre o tipo de leitor weird, considerando as discussões teóricas que perpassam a importância do leitor no processo de criação de um texto fantástico. Discutiu-se que é necessário pontuar que a relação entre o leitor e a narrativa fantástica ocorre quando se aceita como verdade os eventos do texto. O leitor-modelo de Eco (2011) está presente quando referenciado como destinatário dos traços gramaticais apresentados pelo texto, por meio de pronomes pessoais que, implícitos ou não, identificam o destinatário da estratégia textual.

Para tal, ao observar-se o pacto ficcional, é interessante identificar o narrador da história

weird, que tem como objetivo fazer com que a estratégia textual do autor seja satisfatória. Para

a pesquisa, foi adotada a classificação de narrador por Friedman (2002).

Ao resumir o fundo estético do ponto de vista na ficção, Friedman (2002) destaca que o problema do narrador diz respeito à transmissão apropriada ao leitor. Assim, ao classificar quem

fala ao leitor, de qual posição a história é contada, por meio de quais canais de informação e a que distância se encontra do leitor, o autor se posiciona quanto os caminhos necessários para chegar à uma transmissão apropriada.

Os tipos de narradores presentes no corpus desta pesquisa, considerando Friedman (2002), são:

1 - O narrador-testemunha, que é personagem da história, mais ou menos envolvido na ação, assim como familiarizado com os personagens e que fala ao leitor na primeira pessoa. Esse narrador, tem acesso aos estados mentais dos outros, por meio de cartas, diários. Nesse caso, o leitor é considerado periférico-nômade, pois possui o ponto de vista, os pensamentos, sentimentos e a percepção do narrador-testemunha. Presencia-se esse tipo de narrador em The

Colour Out of Space, em que o narrador-testemunha na verdade é um personagem secundário.

O narrador principal reproduz o que foi lhe foi informado. Nesse caso, o acesso aos estados mentais é verificado na narrativa por meio de diálogos entre os personagens narradores. O leitor tem que confiar no narrador principal, visto que ele fez o mesmo em relação ao personagem que em momentos da narrativa, se torna o principal. Ao fim da história o narrador declara:

Duvido que Ammi tenha mentido para mim e não acredito que o relato tenha origem nas alucinações causadas pela loucura, conforme haviam me prevenido na cidade. Algo terrível chegou aos vales e às colinas naquele meteoro, e algo terrível – embora eu não saiba em que proporção – permanece lá. Para mim vai ser uma alegria ver as águas chegarem. No meio-tempo, espero que nada aconteça com Ammi. A visão que teve da coisa foi completa demais – e as consequências foram insidiosas. [...] Ammi é um homem bom – quando a equipe da represa começar as obras eu preciso escrever para o engenheiro-chefe e pedir que fique de olho nele. Eu detestaria pensar no velho fazendeiro como a monstruosidade cinzenta, retorcida e quebradiça que insiste em atormentar meu sono28 (LOVECRAFT, 2015, p. 135).

Duas situações são percebidas nesse recorte em relação aos personagens narradores. A primeira é que o narrador principal confiou totalmente no relato do personagem Ammi. A segunda é que, o fato de ter confiado, levou o narrador a se preocupar com o personagem, visto que ele imagina a monstruosidade com detalhes da mesma forma que foi descrita a ele.

2 - O narrador-protagonista é o segundo tipo de narrador que é apresentado nas narrativas do corpus. Esse tipo de narrador se envolve diretamente na ação. Está limitado aos

28 “I doubt very much if Ammi consciously lied to me, and I do not think his tale was all a freak of madness as the

townsfolk had forewarned. Something terrible came to the hills and valleys on that meteor, and something terrible - though I know not in what proportion - still remains. I shall be glad to see the water come. Meanwhile I hope nothing will happen to Ammi. He saw so much of the thing - and its influence was so insidious. […] Ammi is such a good old man - when the reservoir gang gets to work I must write the chief engineer to keep a sharp watch on him. I would hate to think of him as the grey, twisted, brittle monstrosity which persists more and more in troubling my sleep” (LOVECRAFT, 2011, p. 616).

seus próprios pensamentos, sentimentos e percepções. Esse narrador se apresenta em The

Shadow Over Innsmouth e At the Mountains of Madness. Nas duas narrativas, Lovecraft ilustra

tal ponto de vista com narradores que são em última análise simpatizantes dos alienígenas, apesar do perigo que estes representam ao narrador e a qualquer coisa que eles já conheceram. Diferentemente de Colour, em que o narrador principal não teve contato com a ameaça alienígena, nessas duas narrativas, os narradores encontram seres extraordinários.

O fato de conhecer a narrativa weird faz com que o leitor sinta que já conhece o mundo criado por Lovecraft. A capacidade do leitor em identificar as referências encontradas nas diversas narrativas, que fazem parte do mesmo mundo fantástico, altera o sentido do texto. As expectativas que o leitor desse intergênero coloca na história o transforma em um leitor especial, o “leitor lovecraftiano” (DUTRA, 2017, p. 329). O leitor “neófito” não experimentará o processo de leitura da mesma forma e assim que esse leitor entrar em contato com outras obras de Lovecraft, a sua percepção sobre a obra do autor mudará.

O pacto ficcional é importante na narrativa weird para que desperte a principal característica de suas histórias, de acordo com Lovecraft. As sensações produzidas na narrativa, devem ultrapassar o limite do real, da hesitação e que o leitor possa acreditar que o sentimento do medo cósmico não esteja apenas no campo do ficcional.