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O narrador sonhador em What the Moon Brings

4 AS MULTIFACETAS DO MEDO CÓSMICO EM QUATRO CONTOS

4.1 O narrador sonhador em What the Moon Brings

Em Notes on writing weird fiction (1937), Lovecraft explicita os motivos pelos quais escreve narrativa weird:

O motivo pelo qual eu escrevo histórias é me dar a satisfação de visualizar de forma mais clara, detalhada e estável as impressões vagas, indescritíveis e fragmentadas das maravilhas, belezas e expectativas aventureiras que me são transmitidas por certas visões (cênicas, arquitetônicas, atmosféricas, etc.), ideias, ocorrências e imagens encontradas na arte e literatura. (LOVECRAFT, 1937, p. 7, tradução nossa)31.

Dessa forma fica mais transparente as intenções com as quais o autor criou esse mundo fantástico sob a influência dos seus antecessores conterrâneos.

O conto que será analisado a seguir é uma narrativa que apresenta características visuais, que representa esse motivo citado no recorte acima. O estilo de escrita apresenta elementos sensoriais e joga com o visual de cores e a sensação de odores.

What the Moon Brings é o conto em que Lovecraft, mesmo utilizando-se do estilo

poético, se desenvolve por meio da prosa. O conto foi escrito em 5 de junho de 1922 e é sobre o terror inspirado pela lua, e de alguma forma incorpora o imaginário do sonho. A história foi publicada pela primeira vez no National Amateur, em maio de 1923. Ela faz parte da série de contos e novelas lovecraftianas conhecida como Dream Cycle, que se refere a um mundo que só pode ser acessado por meio dos sonhos. Esse mundo é a representação do local que abriga os monstros representados na mitologia lovecraftiana.

Utilizar o sonho como ambientação para a narrativa é uma característica comum da literatura fantástica do século XIX. Camarani (2014) nos apresenta que o sonho é, para Nodier, uma realidade transformada, uma forma de relato feito pela consciência à pessoa que está dormindo, e o que o surpreende.

Nodier, como já visto, além de ser o precursor da teoria literária do fantástico é também o iniciador francês da ficção fantástica, em que o sonho e a loucura

31 “The reason I write stories is to give myself the satisfaction of visualising more clearly and detailedly and stably

the vague, elusive, fragmentary impressions of wonder, beauty, and adventurous expectancy which are conveyed to me by certain sights (scenic, architectural, atmospheric, etc.), ideas, occurrences, and images encountered in art and literature” (LOVECRAFT, 1937, p. 7).

desempenham um papel importante; seu idealismo sentimental liga-se ao gosto pelo misticismo alemão e aos iluministas (ocultistas); a sobreposição entre a realidade e o sonho ou delírio ilustra o mito romântico do amor eterno: a evasão da vida real seria a condição primeira da felicidade. (CAMARANI, p. 37, 2014).

O conto trata de um sonho narrado em primeira pessoa. Conforme a tipologia de Friedman (2002), o narrador é caracterizado como narrador-protagonista. A história descreve um sonho surreal, no qual o narrador vagueia por um jardim, em uma noite sob a luz da lua e observa coisas e fatos estranhos. Esse jardim, que antes possuía paredes foi tomado por árvores, plantas, templos e ídolos de pedra. Os rostos mortos provocam o narrador durante o percurso de um córrego, por um rio até uma costa oceânica. A lua apresenta-se como espectadora de toda a narrativa, e é motivo de repulsa pelo narrador/personagem. Das profundezas do oceano, descoberto pelo narrador, surgem as ruínas de uma cidade antiga, que apresenta um ícone monstruoso. Então, abatido pelo desespero e medo, de que o ícone o avistasse, devido à luz da lua, o narrador se atira nas águas nas quais os vermes marinhos devoram os mortos.

Os narradores lovecraftianos são dotados de uma curiosidade em que se atraem pelo que é diferente, misterioso e estranho. Esses elementos são configurações para a construção da representação de cidades em ruinas, como bem observado no parágrafo anterior. Por serem limitados às suas sensações e pensamentos, o narrador permite que o leitor se identifique com ele, o que cria uma confiança no pacto ficcional. No caso da narrativa em questão, a curiosidade do narrador é a descoberta do lugar em que se encontra.

Utilizar-se dos sonhos como forma de prever acontecimentos ruins também é utilizado em The Call of Cthulhu. A construção da linguagem presente na narrativa mostra o sonho como o meio para o chamado desconhecido “Cthulhu fhtagn, Cthulhu fhtagn” e para a percepção visual da cidade perdida de R’lyeh.

Em What the Moon Brings, o sonho apresenta-se também como um chamado para o narrador. E semelhante a Cthulhu, o narrador presencia uma cidade destruída. Os instintos e emoções do personagem servem como resposta ao ambiente, outrora um ambiente conhecido por ele. O real e o irreal se confundem no início da narrativa, devido à nostalgia e à familiaridade com o local, representado pelo jardim. A certeza de que a situação está acontecendo se apresenta, ao passo que a lua “ilumina cenas familiares e queridas, transforma-as em coisas estranhas e odiosas32” (LOVECRAFT, 2015, p. 53), tem-se a impressão da irrealidade dos fatos.

32 “I hate the moon- I am afraid of it - for when it shines on certain scenes familiar and loved it sometimes makes

O verão espectral evoca “os sonhos extravagantes e coloridos”. Aqui as cores representam a vida, pois o personagem ainda não tinha consciência de onde se encontrava. O vento opiáceo da noite trazia a representação da morte, por meio dos rostos mortos na forma de lótus brancos. Assim, as flores desempenham o papel de entorpecer os sentidos. As sensações são causadas por fenômenos nos quais suas causas e efeitos são desconhecidas.

Ao desenvolver o enredo, Lovecraft apresenta uma passagem de momentos da realidade para o irreal, mesmo que em um sonho, quando mostra o elemento água como forma de conduzir o personagem ao seu destino. A água, como córrego, rio e oceano, evolui à proporção que o narrador percebe seu trágico destino.

Por fim, o condor aparece para confirmar o destino do personagem. A curiosidade pelo pássaro evidencia a falta que o personagem sente da vida: “[...] ao ver um condor negro ao largo descer do firmamento para descansar em um enorme recife, senti vontade de interrogá-lo e perguntar sobre os que conheci ainda em vida33” (LOVECRAFT, 2015, p.54).

A luz da lua apresentava o destino, a descrição da cidade morta é apresentada pelo cheiro: “[...] minhas narinas tentavam bloquear a pestilência de todos os mortos do mundo34” (LOVECRAFT, 2015, p. 54). Então, o narrador cheio de sentimentos ruins como medo, horror, despede-se da situação mergulhando fatalmente de encontro ao seu destino: “[...] E para escapar a essa coisa medonha, atirei-me sem hesitar nas águas pútridas onde, entre muros cobertos de algas e ruas submersas, os túrgidos vermes marinhos devoram os mortos do mundo35” (LOVECRAFT, 2015, p. 54).

A narrativa é em primeira pessoa, mas não apresenta o caráter de realidade que as outras narrativas do corpus possuem. Por ser um sonho, existe a simbologia perante um pesadelo, no qual a morte inevitável se apresentará no final. A morte e sua inevitabilidade são representadas pelos acontecimentos no sonho do personagem: a falta que ele sente do que é real, do que conheceu, e o seu final, apresentado como a desistência pelo que é inevitável.

33 “Yet when I saw afar out in the sea a black condor descend from the sky to seek rest on a vast reef, I would fain

have questioned him, and asked him of those whom I had known when they were alive” (LOVECRAFT, 2011, p. 213).

34 “And as I watched, my nostrils tried to close against the perfume-conquering stench of the world's dead”

(LOVECRAFT, 2011, p. 213).

35 “And to escape this relentless thing I plunged gladly and unhesitantly into the stinking shallows where amidst

Por fazer parte da ficção weird, Lovecraft propõe sensações, por meio do simbolismo presente nas cores, na lua, na água, no cheiro, no pássaro, dentro de seu mundo mitológico, pois o conto é formado pela ambientação, que é característica de toda sua ficção weird.