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A fusão entre o horror e a ficção científica em At the Mountains of Madness

4 AS MULTIFACETAS DO MEDO CÓSMICO EM QUATRO CONTOS

4.3 A fusão entre o horror e a ficção científica em At the Mountains of Madness

A representação da realidade resulta do modelo do mundo que ele parte. Essa é uma forma de contrastar o mundo real e o mundo fantástico. Considerando que o mundo fantástico é semelhante ao nosso, a narrativa weird de Lovecraft apresenta características de ambientação inspiradas na realidade, com temáticas científicas pelas quais o autor se interessou tanto em sua vida. A narrativa segue para um objetivo que é satisfazer as demandas do realismo científico e a ambientação é um dos principais pontos de destaque no conto que analisaremos a seguir.

At the Mountains of Madness é uma novela em que Lovecraft apresenta o ápice da fusão

entre horror e ficção científica em sua narrativa. Klinger (2014) explica que a história foi escrita entre fevereiro e março de 1931. Foi publicada pela primeira vez, em três volumes, pela revista

Astounding Stories entre fevereiro e abril de 1936. Joshi (2001, p. 372)52 identifica o fracasso pelo qual Lovecraft passou com a publicação em três volumes, por ser uma de suas mais longas narrativas, sendo impossibilitada sua publicação em apenas um volume. Após estudar o seu próprio texto no terceiro volume da publicação em abril de 1936, o autor descobriu que a revista havia adulterado sua história. Dentre as diversas coisas que Lovecraft criticou em relação à atitude da revista, ele destacou que, após a aventura, as experiências dos personagens que fariam

52 “When he consulted the third and last instalment (April 1936), he discovered the serious tampering that the

Astounding editors had performed on the story, particularly the last segment. Lovecraft went into a towering rage: ‘[…] After all the adventure & detail before the encounter with the shoggoth in the abyss, the characters are shot up to the surface without any of the gradual experiences & emotions which make the reader feel their return to the world of man from the nighted aeon-old world of the Others […]’. (JOSHI, 2001, p. 372).

o leitor sentir como se estivesse na história, em relação às emoções e experiências apresentadas, foram prejudicadas.

Para Joshi (2001)53, essa situação mostra uma perspectiva do autor em que o efeito de sua escrita, que considera o lado emocional e psicológico necessário na narrativa weird, tinha como propósito contar sua história contendo conceitos filosóficos e científicos avançados. Mesmo com a correção do texto posteriormente, a história não foi bem recebida pelos leitores da revista, que foi logo em seguida duramente criticada pelos especialistas.

O interesse e o conhecimento de Lovecraft pelas ciências definem o tom da narrativa, que é retratada de uma forma tão fiel quanto se estivesse ocorrendo na realidade fora daquele mundo fantástico. A novela trata de uma expedição a Antártida em que seres criados pelos extraterrestres, conhecidos como Grandes Anciões (Great Old Ones), são encontrados nas gélidas montanhas do continente. Na narrativa, descobre-se que esses seres surgiram quando os Grandes Anciões vieram ao planeta milhões de anos antes e “criaram a vida na Terra como resultado de uma zombaria ou de um equívoco” (LOVECRAFT, 2015, p. 570), deixando uma cidade ciclópica como herança de sua presença. Uma equipe de cientistas, formada pelo narrador, professor Dryer (geólogo) e o professor Lake (biólogo), se reúnem para essa expedição. Em busca de fósseis e marcas que os professores esperam encontrar na expedição, a narrativa se desenvolve com viagens de avião há muitos quilômetros de distância do acampamento e diálogos por meio de rádio.

O diálogo que se forma entre o leitor e o narrador em Mountains é característico da estética lovecraftiana, quando se descobre quem é o narrador por meio de um outro personagem. Ele simplesmente não é revelado e não se identifica primeiramente, o que leva a estranheza do leitor em tentar desvendar quem é a pessoa em quem ele terá que confiar para que o pacto ficcional funcione e as verdades sejam aceitas sem desconfiança.

Diante das alusões presentes na novela, a referência direta a Narrativa de Arthur Gordon

Pym (1838) de Edgar Allan Poe é a mais clara. O narrador confidencia que: “Danforth era um

grande leitor de livros bizarros e havia falado um bocado a respeito de Poe. Eu mesmo fiquei interessado na cena antártica da única história longa de Poe – a perturbante e enigmática

53 “On top of this, the story itself was received relatively poorly by the readers of the magazine. This negative

response has perhaps been exaggerated by later critics, but certainly there were a sufficient number of readers who failed to understand the point of the tale or felt it inappropriate for Astounding” (JOSHI, 2001, p. 372).

Narrativa de Arthur Gordon Pym” (LOVECRAFT, 2015, p. 551)54. O leitor se familiariza com um nome conhecido como referência para a narrativa. Além disso, Lovecraft utiliza um poema de Poe para descrever a observação de lava no alto de uma encosta nevada e o uso da expressão

Tekeli-li como referência de algo que desperta o medo no narrador, ao ser pronunciando pela

criatura que o persegue:

[...] embora Danforth tenha mencionado estranhas ideias relativas a certas fontes ocultas que Poe talvez possa ter consultado enquanto escrevia Arthur Gordon Pym um século atrás. Todos devem recordar que nesta narrativa fantástica existe uma palavra de significado desconhecido, embora terrível e prodigioso, ligada à Antártida e eternamente gritada pelos gigantes pássaros espectrais que habitam os recônditos dessa região maligna. “Tekeli-li! Tekeli-li!” Essa foi a palavra exata que imaginamos ter ouvido nas vibrações do som repentino emitido por trás da névoa branca – o insidioso assovio musical com notas em várias frequências singulares (LOVECRAFT, 2015, p. 642)55.

Outra alusão diz respeito ao título da novela. Lovecraft resgata um dos seus escritores preferidos, o irlandês Lord Dunsany56 , que publicou Histórias de um Sonhador (A Dreamer’s

Tale) em 1910, sobre o “mistério que expulsou todos os homens de Bethmoora para o deserto”

(LOVECRAFT, 2007, p. 117) e que contém o conto The Hashish Man, sendo usado em seu corpo as Montanhas da Loucura para indicar um local em que o narrador enfrenta espíritos assustadores. No texto de Lovecraft evidenciamos essa alusão: “Montanhas longínquas pairavam no céu como cidades encantadas, e muitas vezes todo aquele mundo branco dissolvia- se no panorama de ouro, prata e matizes escarlate que remetia aos sonhos de Dunsany e a uma expectativa aventureira enfeitiçada pelo baixo sol da meia-noite” (LOVECRAFT, 2015, p. 554).

Na novela lovecraftiana, a descoberta das montanhas que abrigam os fósseis das criaturas extraterrestres é o motivo para que a ação ocorra e se desenvolva na narrativa. Visivelmente influenciando a fauna e a flora existente, humanos e animais surgem mortos e durante a investigação do personagem-narrador, Dyer, percebe que, particularmente, os seres

54 “Danforth was a great reader of bizarre material, and had talked a good deal of Poe. I was interested myself

because of the Antarctic scene of Poe’s only long story - the disturbing and enigmatical Arthur Gordon Pym” (LOVECRAFT, 2011, p. 727).

55 “[…] Danforth has hinted at queer notions about unsuspected and forbidden sources to which Poe may have had

access when writing his Arthur Gordon Pym a century ago. It will be remembered that in that fantastic tale there is a word of unknown but terrible and prodigious significance connected with the antarctic and screamed eternally by the gigantic spectrally snowy birds of that malign region’s core. “Tekeli-li! Tekeli-li!” That, I may admit, is exactly what we thought we heard conveyed by that sudden sound behind the advancing white mist-that insidious musical piping over a singularly wide range (LOVECRAFT, 2011, p. 799).

56 “Insuperável na feitiçaria da prosa cantante cristalina e supremo na criação de um mundo adorável e langoroso

de cenários exóticos e iridescentes. [...] Inventor de uma nova mitologia e criador de um folclore surpreendente. [...] como é inevitável num mestre do irreal triunfante, há toques ocasionais de pavor cósmico que se encaixariam perfeitamente na tradição autêntica” (LOVECRAFT, 2007, p. 115).

humanos são encontrados sem os tecidos e, pelo decorrer da narrativa, e pelas pistas que o narrador deixa, o leitor percebe que os responsáveis pelos acontecimentos são os Shoggoths57,

que possuem os arquétipos dos seres criados por Lovecraft.

Comparando as outras narrativas presentes no corpus desse trabalho, At the Mountains

of Madness possui o padrão de estrutura diferente. O estilo se mantém em primeira pessoa, com

o narrador apresentando os eventos e descrevendo seus pensamentos, suas sensações e suas conclusões. Em um determinado momento os personagens trocam informações e se comunicam por rádio.

A novela apresenta predominantemente em sua história o que Joshi (2014b) observa como narrativa com duplo, ou múltiplos clímax. O primeiro clímax refere-se ao encontro dos fósseis dos Grandes Anciões: “[...] Orrendorf e Watkins encontraram o fóssil monstruoso de uma criatura desconhecida em forma de barril; [...] A disposição das partes lembra certos monstros da mitologia antiga e em especial as Coisas Ancestrais mencionadas no

Necronomicon” (LOVECRAFT, 2015, p. 563)58. A descoberta desperta nos personagens uma

surpresa diferente da que eles tiveram ao encontrar outros fósseis, por eles serem familiarizados com as características da fauna conhecidas pelos personagens. Contudo, a surpresa com a recém descoberta refere-se a um ser desconhecido, do qual eles tinham referência de um livro antigo que falava sobre criaturas extraterrestes.

O segundo clímax diz respeito a aparição do shoggoth, caçando Dryer e Danforth:

[...]Era uma coisa medonha, indescritível, maior do que qualquer trem de metrô – um aglomerado informe de bolhas protoplásmicas dotadas de tênue luminosidade com miríades de olhos temporários que surgiam e desapareciam como pústulas de luz esverdeada por toda a dianteira que avançou para cima de nós, esmagando os pinguins e deslizando pelo chão reluzente que aquilo e outras entidades semelhantes haviam privado de todo o entulho (LOVECRAFT, 2015, p. 646)59.

A preparação para o encontro dos personagens com a criatura foi formada por outros acontecimentos que deram pistas do que estava para acontecer. De fato, é clara a sensação de

57 “[...] aglomerados protoplásmicos multicelulares capazes de moldar os tecidos em toda sorte de órgãos

temporários quando sujeitos à sugestão hipnótica – escravos ideais para desempenhar o trabalho pesado na comunidade. Esses aglomerados viscosos eram sem dúvida o que Abdul Alhazred chamava aos sussurros de “shoggoths” no terrível Necronomicon [...]” (LOVECRAFT, 2015, p. 607).

58 “[...] Orrendorf and Watkins, working underground at 9:45 with light, found monstruous barrel-shaped fóssil of

wholly unknown nature; […] Arrangement reminds one of certain monsters of primal myth, especially fabled Elder Things in Necronomicon” (LOVECRAFT, 2011, p. 737).

59 “It was a terrible, indescribable thing vaster than any subway train - a shapeless congeries of protoplasmic

bubbles, faintly self-luminous, and with myriads of temporary eyes forming and un-forming as pustules of greenish light all over the tunnel-filling front that bore down upon us, crushing the frantic penguins and slithering over the glistening floor that it and its kind had swept so evilly free of all litter” (LOVECRAFT, 2011, p. 802).

que o leitor já previa o que iria acontecer, antes mesmo do “primeiro vislumbre da entidade que se aproximava quando lançamos um último olhar temeroso para trás [...] para escapar da perseguição” (LOVECRAFT, 2015, p. 644)60.

A construção da narrativa contribui para que o leitor acompanhe os eventos de uma forma que ele decifre as pistas que são deixadas. Não há dúvida construída pelo narrador, mas uma investigação dos fatos, por meio da observação de campo e dos dados científicos, trazendo veracidade para os acontecimentos de horror que os personagens presenciam. O medo se apresenta para o leitor como uma associação às atitudes que os personagens experimentam. A identificação com uma realidade que poderia ser real, pois o ambiente que está sendo explorado é desconhecido tanto pelos personagens, quanto pelo leitor.

Essa construção narrativa que nos leva a observar os dois principais clímax da história, e que desperta esse espírito investigativo no leitor, acompanha Dyer ao observar os eventos desde a descoberta dos mortos no acampamento de Lake, que foi destruído pelos Grandes Anciões, a constatação futura de que tudo realmente tinha acontecido. Dyer e o leitor compartilham o papel de observadores, pois o acesso à descoberta dos fósseis foi apresentado pelos boletins encontrados no acampamento. Mesmo sendo improvável prever o pensamento do leitor, ele tem a vantagem sobre o narrador e os personagens de não atribuir o acontecimento às questões climáticas, como Dyer faz, mas de desconfiar que, por estar lendo uma narrativa

weird, as criaturas são as mais prováveis de terem cometido o ato.

Trazemos à luz da discussão o contexto e a discussão sobre humanidade, em que Lake, o biólogo, e os Grandes Anciões são postos perante situação semelhante. Joshi destaca que:

Para Lovecraft, alienígenas - extraterrestres em sua maior parte - naturalmente inspiram horror (no início, pelo menos) em grande parte por sua mera diferença física em relação aos seres humanos - tentáculos, cones rugosos e coisas do gênero. Mas Lovecraft reserva seu maior sentimento de aversão quando encontra alienígenas fazendo o tipo de coisa que só seres humanos deveriam fazer (JOSHI, 2003, p. 200, tradução nossa)61.

O que percebemos nesse recorte é que Lovecraft nos dá indícios para que o leitor se sinta horrorizado com seres extraterrestres fazendo atividades que só os humanos praticam.

60 “[…] so that we actually caught one first and only half glimpse of the oncoming entity as we cast a final,

desperately fearful glance backward […] in the hope of dodging pursuit (LOVECRAFT, 2011, p. 800).

61 “Aliens in Lovecraft— extraterrestrials for the most part— naturally inspire horror (at the outset, at any rate)

largely for their mere physical difference from human beings— tentacles, rugose cones, and the like. But Lovecraft reserves his greatest sense of loathing when he finds aliens doing the sort of thing only human beings should do” (JOSHI, 2003, p. 200).

Nesse contexto, destacamos que em At the Mountains of Madness Dyer e Danforth presenciam a situação do acampamento destruído e observam com aversão: “Eu afirmei que os corpos haviam sofrido mutilações terríveis. Devo agora acrescentar que alguns haviam sofrido incisões e subtrações estranhas e desumanas, feitas a sangue-frio. O mesmo sucedeu aos cães e aos homens” (LOVECRAFT, 2015, p. 582)62. Joshi (2003) destaca aqui a palavra “desumano”, atribuindo a mesma atitude de dissecação feita por Lake em uma das criaturas, e provoca que da perspectiva das criaturas a mesma atitude foi tomada.

Contudo, a semelhança entre os Grandes Anciões e os cientistas, não ficam no âmbito das atitudes consideradas desumanas, mas a busca por conhecimento também é vista como algo que eles possuem em comum. Até que os personagens cheguem as Montanhas da Loucura, eles descobrem que os Grandes Anciões buscavam conhecimento da mesma forma que a equipe de cientistas também buscava e assim ele declara:

[...] pobre Lake, pobre Gedney, pobres Anciões! Foram cientistas até o fim – pois acaso fizeram algo que não teríamos feito na mesma situação? Meu Deus, que inteligência, que persistência! Foi um confronto prodigioso, similar apenas ao dos familiares e antepassados que haviam descoberto coisas apenas um pouco menos incríveis! Radiários, plantas, monstros, crias estelares – não importa o que tenham sido, eram homens! (LOVECRAFT, 2015, p. 641)63.

Finalmente, o narrador chega à conclusão que, independente de seres extraterrestres, eles e os humanos tinham em comum a ciência. A questão apresentada mantém-se no fato de que a percepção inicial dos humanos em relação aos deuses alienígenas é a de que eles são ruins, contudo a ironia percebida nessa situação é a descoberta de que a raça humana é subproduto de um experimento biológico acidental, e não tem importância para os Anciões.

Os personagens confrontam o abjeto porque será a prova de que não estão loucos. Essa é uma situação comum em contos como Mountains, Colour e Innsmouth. No primeiro, a realidade baseia-se no choque da experiência em encontrar a cidade perdida, que parece ser uma miragem; na segunda, o testemunho de Ammi Pierce é considerado loucura pelos

62 “I have said that the bodies were frightfully mangled. Now I must add that some were incised and subtracted

from in the most curious, cold-blooded, and inhuman fashion. It was the same with dogs and men” (LOVECRAFT, 2011, p. 751).

63 “[…] poor Lake, poor Gedney... and poor Old Ones! Scientists to the last - what had they done that we would

not have done in their place? God, what intelligence and persistence! What a facing of the incredible, just as those carven kinsmen and forbears had faced things only a little less incredible! Radiates, vegetables, monstrosities, star spawn - whatever they had been, they were men!” (LOVECRAFT, 2011, p. 798).

habitantes da cidade; e na terceira, a estranheza dos acontecimentos leva a crer que o pior pode estar acontecendo, mas o narrador prefere acreditar na palavra de um bêbado.

Em Mountains, o leitor lida com o fato de que a realidade é contestada, assim hesita e mantém-se entre ela e a ficção, como pode-se verificar a seguir:

Alguns tópicos da narrativa compelem o leitor implícito em direção à hesitação entre realidade e ficção; entre a sobreposição de um evento sobre o outro com a proposta de desnudar a realidade de uma e dar ênfase à existência da outra. Em Nas montanhas

da loucura, alguns tópicos aportam essas concatenações em uma relação mais madura

com o leitor implícito, figurando circunstâncias narrativas, por meio das quais Lovecraft problematiza as fronteiras entre ficção e realidade, recuperando o artifício de descrever eventos fantásticos por meio de uma narrativa verossímil (SILVA, 2017b, p. 142).

Nesse caso, Silva (2017b) apresenta que a descrição verossímil dos eventos fantásticos será utilizada no pacto ficcional entre o leitor e o narrador. O narrador explica os fenômenos por meio de seu conhecimento científico; os objetos são descritos em excesso; os personagens se surpreendem com a geografia do continente antártico e sempre que possível, os avisos sensatos tomam forma na narrativa.

Para justificar a hesitação do leitor, recorre-se a Roas (2014, p. 170): “A vontade de construir um mundo ficcional semelhante ao do leitor implica, como vimos, que o narrador ofereça uma descrição realista e detalhada desse mundo”. Na narrativa, alguns momentos ocorrem com a posição do narrador em relação ao fenômeno fantástico. Ocorre quando Dyer e Danforth preferem uma explicação racional para justificar a morte da equipe do biólogo Lake. Em um segundo momento, quando o narrador e Danforth se deparam com uma miragem, quando estão indo em direção à cidade perdida, o que faz o narrador questionar a sua ciência: “Talvez tenhamos até mesmo cogitado avistar uma miragem como a que tínhamos encontrado na manhã anterior ao nos aproximarmos daquelas montanhas da loucura. O fato é que devemos ter recorrido à alguma explicação racional quando nossos olhos varreram o interminável platô64 [...]” (LOVECRAFT, 2015, p. 589). Apesar de tentar manter o pensamento científico, as montanhas já o iniciam nos eventos fantásticos por meio da narrativa.

64 “Perhaps we even half thought the sight a mirage like that we had seen the morning before on first approaching

those mountains of madness. We must have had some such normal notions to fall back upon as our eyes swept that limitless, tempest-scarred plateau” [...] (LOVECRAFT, 2011, p. 757).

Dessa forma, ao dialogar com o texto, o leitor tem que se sentir ameaçado pelo fantástico. Isso acontece pelo “recuo racionalista” (SILVA, 2017b, p. 145) utilizado pelo narrador. Sobre esse fato:

Manter a sanidade, a partir de uma base intelectual, é um recurso constante dos narradores que adentram o cósmico da narrativa lovecraftiana. O conhecimento científico é utilizado como uma zona de conforto pelo narrador. É comum para o leitor lovecraftiano conhecer os eventos cósmicos a partir de narradores intelectualizados, geralmente professores ou cientistas. Essa caracterização do narrador revela uma tensão entre a crença científica de um tipo de leitor, recuperada pela personagem na diegese, e suas incertezas em relação às coisas ainda inexplicáveis pela ciência (SILVA, 2017b, p. 145).

Seres e objetos são mecanismos de conexão com os leitores. Utilizados por Lovecraft em seus textos, é uma forma de diminuir a linha entre realidade e ficção e, assim, causa o elemento do medo cósmico, que é de fundamental importância nessa pesquisa. A representação da realidade em At the Mountain of Madness, faz uso da narrativa para satisfazer o realismo científico e a ambientação é um elemento essencial nesse processo.

O efeito da escrita considera o lado emocional e psicológico dos personagens, com o intuito de fazer o diálogo do pacto ficcional entre o narrador e o leitor. O tom da narrativa, brinca, de certa forma, de empirismo científico com o leitor, pois para descobrir o nome do narrador, o leitor precisa ficar atento em outras formas de representar diálogos, a comunicação