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TUTELA PREVENTIVA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL MESTRADO EM DIREITO

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

RODRIGO GOMES DE MENDONÇA PINHEIRO

TUTELA PREVENTIVA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

RODRIGO GOMES DE MENDONÇA PINHEIRO

TUTELA PREVENTIVA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Olavo de Oliveira Neto.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Banca Examinadora

____________________________________

____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço ao Professor Doutor Olavo de Oliveira Neto, meu orientador, pelo indispensável auxílio e pelas valiosíssimas contribuições dadas para a confecção desta pesquisa e para a elaboração da presente dissertação. Encerro este ciclo com a convicção de que cresci do ponto de vista acadêmico e profissional e grande parcela desta evolução deve-se, indubitavelmente, a tudo que aprendi nesta relação de parceria, de confiança e de transmissão de conhecimento.

Também registro meus mais sinceros agradecimentos a todos os professores que me acompanharam durante este projeto, iniciando-se pelo incentivo e apoio dado pelo Professor Doutor Rogério Licastro Torres de Melo antes mesmo do início do processo de seleção, pela entrevista de ingresso ao curso de mestrado, conduzida com franqueza pela Professora Doutora Arlete Inês Aurelli, passando pelos créditos em que tive o prazer de aprender com juristas do porte de Antônio Carlos da Ponte, Willis Santiago Guerra Filho, João Batista Lopes, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, Cássio Scarpinella Bueno, William Santos Ferreira, Sérgio Seiji Shimura e Olavo de Oliveira Neto, até os derradeiros momentos, compartilhados com os professores que muito gentilmente aceitaram participar e contribuir no meu exame de qualificação e na defesa pública da minha dissertação.

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RESUMO

PINHEIRO, Rodrigo Gomes de Mendonça. Tutela preventiva dos direitos de propriedade intelectual. 239f. Dissertação de Mestrado em Direito Processual Civil – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2015.

Nesta dissertação demonstramos que os direitos de propriedade intelectual pertencem a uma categoria historicamente negligenciada por ordenamentos jurídicos de variados países, que sempre identificaram a possibilidade de monetização desses direitos e o uso da tutela ressarcitória como o mecanismo preferencial para resolver os conflitos deste segmento.

Todavia, identificamos – e este é o cerne da nossa pesquisa e desta dissertação – que a exata compreensão dos direitos de propriedade intelectual em todas as suas feições conduz à conclusão de que a tutela adequada, efetiva e tempestiva destes bens apenas ocorre mediante o emprego de uma tutela jurisdicional diferenciada de índole preventiva e inibitória. Ou seja, protegendo-se a propriedade intelectual o diferencial e a posição de vantagem competitiva do titular também serão salvaguardados em relação à concorrência, aos direitos da personalidade inerentes aos seus respectivos criadores e autores e, ainda, aos valores e aos atributos que são incorporados ao titular que se vale das propriedades intelectuais como ferramentas de competição e de negócios.

Para sustentar este posicionamento, esta dissertação está baseada na doutrina nacional e estrangeira que mais modernamente tem reconhecido a existência de certos direitos (também chamados de “novos direitos”, dentre os quais estão os de propriedade intelectual) cuja característica marcante é a insuscetibilidade de precificação, tornando inviável e ineficaz a conversão em pecúnia, especialmente quando não se consegue objetivamente quantificá-los e, assim, igualmente não se consegue obter a plena e suficiente reparação dos danos causados pela violação. Além disso, identificamos uma série de casos concretos em que o Poder Judiciário brasileiro não contribuiu para a desejada primazia da tutela específica das obrigações ao não observar que a autonomia da vontade e da liberdade individual podem ser objeto de restrição, a fim de que os direitos de propriedade intelectual sejam realmente tutelados de modo adequado, efetivo e tempestivo.

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ABSTRACT

In this dissertation we demonstrate that the intellectual property rights belong to a category historically overlooked by the legal system from several countries, which always have identified the possibility of monetization of these rights and the use of the compensatory tutelage as a preferred mechanism to resolve conflicts of this segment.

However, we identified – and this is the centerpiece of this research and dissertation – that the accurate comprehension of the intellectual property rights in all aspects conducts to the conclusion of the adequate, effective and timely tutelage of these assets only occurs through the use of a differentiated judicial protection with preventive and inhibitory nature. In other words, protecting the intellectual property the competitive advantage of the holder also will be safeguarded in relation to the competition, to the personality rights of the creators and authors and to the values and attributes that are added to the holder who takes advantage of the intellectual properties as competition and business tools.

To support this positioning, this dissertation is based in the national and foreign doctrine that more recently has recognized the existence of certain rights (also called “new rights”, among which are the intellectual property) whose outstanding feature is the insusceptibility pricing, making it impractical and inefficient conversion into money, especially when it is not possible objectively quantify it and also be unable to obtain full and adequate compensation for damage caused by the violation. Furthermore, we have identified many concrete cases in which the Brazilian Judiciary has not contributed to the desired primacy of the specific tutelage of the obligations by falling to observe that the freedom of choice and the individual freedom can be object of restriction, so that the rights of intellectual property are actually protected in appropriate, effective and timely way.

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SUMÁRIO

Introdução 11

Capítulo 1 – Os direitos de propriedade intelectual 14

1.1 Perspectiva histórica no Brasil e no Exterior 14

1.2 Espécies de direitos de propriedade intelectual 20

1.2.1 Marcas 20

1.2.2 Demais sinais distintivos: nome empresarial, título de estabelecimento

e trade-dress 53

1.2.3 Patentes e desenhos industriais 69

1.2.4 Direitos autorais, publicidade e propaganda 81

1.3 Panorama atual da proteção aos direitos de propriedade intelectual:

a existência de um princípio geral de prevenção 91

Capítulo 2 – Tutela preventiva 99

2.1 Tutela jurisdicional e o modelo constitucional de processo civil 99 2.2 Elementos para a construção de uma tutela preventiva 107 2.2.1 Tutela preventiva como exigência de adequação do direito material 107 2.2.1.1 A distinção entre o ilícito e o dano e a criação de mecanismos

aptos a tutelar os novos direitos 116

2.2.1.2 Irrelevância da culpa ou do dolo para a concessão da tutela

específica e preventiva 123

2.2.1.3 Perfil da tutela de prevenção: situações de ameaça, de

continuidade e de remoção do ilícito 125

2.3 Executividade e poder geral de efetivação da tutela preventiva: uma

exigência de efetividade do direito material 136

2.3.1 Técnicas de efetivação: a multa por descumprimento de ordem judicial 140

2.3.2 Outras medidas de apoio 145

2.4 Antecipação dos efeitos da tutela preventiva: exigência de

tempestividade do direito material 148

2.4.1 Requisitos para antecipação dos efeitos da tutela preventiva 153

2.4.2 Tempestividade e tutelas provisórias no NCPC 161

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Capítulo 3 – Tutela preventiva dos direitos de propriedade intelectual 177 3.1 Das diversas razões pelas quais os direitos de propriedade

intelectual são merecedores de uma tutela jurisdicional preventiva 177 3.1.1 O direito de exclusividade sobre a propriedade intelectual e o

direito de impedir ou de fazer cessar a violação 179

3.1.2 Os direitos da personalidade 188

3.1.3 Os direitos à integridade, imagem e reputação dos bens de

propriedade intelectual 190

3.2 Competência para processar e julgar a ação preventiva por violação

dos direitos de propriedade intelectual 194

3.3 Legitimidade ativa e passiva para a ação preventiva dos direitos

de propriedade intelectual 199

3.4 Causas de pedir e fundamentos autônomos nas ações preventivas de direitos de propriedade intelectual e a sua relação com o dever de

fundamentação exauriente 205

3.5 Medidas de apoio para a efetivação da tutela preventiva

nas ações que envolvam direitos de propriedade intelectual 210 3.6 Panorama jurisprudencial: a inadequada tutela dos direitos de

propriedade intelectual pelo Poder Judiciário 214

Conclusões 223

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“Nem todos os tecidos deixam costurar-se de tal arte que a cicatriz desapareça por inteiro”.

(11)

Introdução

Diversos foram os motivos pelos quais o tema da “tutela preventiva dos direitos de propriedade intelectual” despertou a nossa atenção e, assim, tornou-se o objeto de nosso estudo e pesquisa, sob a indispensável orientação do Professor Doutor Olavo de Oliveira Neto.

A despeito da existência de inúmeros trabalhos e estudos desenvolvidos sobre a temática da tutela preventiva, a nossa pesquisa não apontou a existência de nenhum trabalho que especificamente conjugasse essa espécie de tutela jurisdicional diferenciada à vasta gama dos direitos de propriedade intelectual, de feições e características muito próprias e peculiares.

Nesse sentido, identificamos que existem artigos, capítulos ou trechos de obras sobre a tutela preventiva em que os direitos de propriedade intelectual são mencionados como exemplos de direitos submetidos a essa espécie de tutela jurisdicional, sempre ao lado, contudo, dos direitos da personalidade, dos direitos relacionados ao meio ambiente, dos direitos do consumidor, dentre outros.

Noutro giro, não se nega a existência de diversos trabalhos que analisaram uma série de aspectos processuais relacionados aos direitos de propriedade intelectual. Há excelentes pesquisas realizadas e trabalhos publicados que envolvem, por exemplo, as tutelas de urgência, as provas, a recorribilidade e a execução em matéria de propriedade intelectual, mas, em nossa pesquisa, não localizamos um estudo com a abrangência e o enfoque que pretendemos empreender nesse estudo.

(12)

A especificidade dos temas que pretendemos amalgamar neste trabalho explica, a nosso ver, a escassez de estudos e de pesquisas científicas com esse perfil, pois, se é verdade que existem inúmeros processualistas de altíssimo gabarito que não conhecem a fundo esse ramo do direito material tão singular e particular, não é menos verdade que existem inúmeros especialistas em direitos de propriedade intelectual que ainda veem o direito processual civil como algo absolutamente distante das suas realidades, não se atentando, todavia, para o fato de ser o processo o meio pelo qual esses direitos são efetivamente tutelados.

Portanto, o primeiro objetivo a ser alcançado neste estudo é o preenchimento de uma lacuna acadêmica e científica.

Demais disso, esta pesquisa também tem por finalidade proceder ao enfrentamento de uma série de problemas de ordem prática. A vivência de quase dez anos no foro, atuando preponderantemente no contencioso judicial da propriedade intelectual, motivou-nos a profundas reflexões sobre a adequada tutela jurisdicional desses direitos, especialmente diante da equivocada compreensão acerca do perfil desses bens imateriais que, a despeito de sua importância no cenário econômico, político, jurídico e concorrencial, são invariavelmente relegados ao plano da tutela ressarcitória e repressiva sob o fundamento de que são suscetíveis de precificação.

A despeito de observarmos certo avanço nas últimas décadas, os direitos de propriedade intelectual ainda não têm sido objeto de adequado tratamento de parcela da doutrina e, sobretudo, da jurisprudência, que não vislumbrou a necessidade ou as razões pelas quais há que se tutelar diferenciadamente esses direitos, na medida em que os veem ainda pelas lentes civilistas e com foco marcadamente patrimonialista.

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que dispense a avaliação da possibilidade ou não de reparação do dano para preocupar-se, precipuamente, com a ilicitude da conduta impugnada, ainda que não seja ela danosa ou potencialmente danosa.

Como melhor veremos ao longo deste trabalho, ainda há quem defenda a viabilidade de recomposição e de reparação patrimonial das lesões causadas aos direitos de propriedade intelectual, quando, na realidade, exige-se, pela natureza desses direitos, que a tutela jurisdicional seja prestada na forma específica e preventiva, justamente em função do relevante papel que esses direitos desempenham, especialmente no atual cenário econômico e concorrencial, globalizado e de altíssima competitividade, em que a exclusividade, a inovação, o produto ou serviço diferenciado e a tecnologia são elementos e instrumentos indispensáveis à sobrevivência das atividades nas grandes, médias e pequenas corporações.

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1. Os direitos de propriedade intelectual

1.1. Perspectiva histórica no Brasil e no Exterior

Existem inúmeros registros e reminiscências históricas acerca da proteção dos direitos de propriedade intelectual já no período renascentista1 e por ocasião da primeira revolução industrial, ocorrida ainda na Idade Média, sempre sob a perspectiva de um privilégio concedido pelo Estado a quem introduzisse novos produtos ou novas técnicas à sociedade.

Até a edição da primeira lei de patentes de que se tem notícia (ocorrida em 1474, em Veneza, um dos principais polos de atividade comercial e de mercancia naquela época2), a exclusividade das criações intelectuais decorria somente pela via dos segredos industrial ou comercial, que eram sequencialmente transmitidos pelos familiares aos seus sucessores e que, a despeito de se configurarem técnicas nitidamente rudimentares e inseguras de exclusão da concorrência, ainda permanecem em uso até os dias atuais3, mesmo que em regime excepcional.

Sucederam-se ao primeiro diploma patentário uma série de legislações que, acompanhando as transformações sociais, culturais, econômicas e comerciais que ocorriam em todo o mundo, passaram a conferir proteção e exclusividade às criações intelectuais.

Em 1623, por exemplo, a Inglaterra passou a conferir proteção às cartas-patentes de novas manufaturas mediante ato da Coroa Britânica4. Em 1790 foi a vez dos Estados Unidos da América, logo após a sua independência e já às portas da Revolução Francesa, igualmente conferir proteção aos inventores e, ainda, aos

1 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2003. p. 15.

2 TINOCO SOARES, José Carlos. Tratado da propriedade industrial: patentes e seus sucedâneos. São Paulo: Jurídica

Brasileira, 1998. p. 27.

3 O caso mais famoso da atualidade e que se refere a um segredo industrial ou de negócio é, evidentemente, o que envolve a

formulação da Coca-Cola. Há, contudo, outros segredos ainda vigentes na atualidade, tais como as formulações da bebida Guaraná Antarctica, do café Nescafé, do sorvete Häagen-Dazs, do perfume Chanel nº 5, do champanhe Krug e do uísque Johnnie Walker e, mais modernamente, os algoritmos de pesquisa dos provedores de aplicações Google e Facebook.

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escritores5 e, no ano seguinte, a França aprovou uma legislação que também conferia proteção à propriedade industrial, assegurando proteção às patentes6.

Nesse momento histórico, houve a consolidação da ideia de que a proteção das criações intelectuais era a mais adequada opção política para o desenvolvimento e a evolução do mercado, da economia e da concorrência. Os Estados passaram, então, a estimular as criações intelectuais mediante a concessão de um privilégio ou de uma proteção – em regra, por período determinado – para que essas propriedades intelectuais fossem exploradas no mercado com exclusividade pelos seus titulares ou desenvolvedores, excluindo aos demais participantes do mercado concorrencial o direito de usá-las.

Seguindo essa tendência, o Brasil também deu indícios de que passaria a proteger às propriedades intelectuais em 1809, ao conceder premiações e recompensas de natureza pecuniária àqueles que desenvolvessem novas máquinas ou qualquer invenção útil no campo das artes, agricultura e navegação.

A proteção efetiva, contudo, apenas veio pela Constituição de 1824, que atribuiu aos inventores a propriedade pelas suas respectivas descobertas ou pelo fruto de suas produções e que fora regulamentada em 1830, ainda sem cogitar de proteção às marcas industriais, matéria que somente veio a ser disciplinada por lei em 18757, editada, sobretudo, em virtude da pressão política decorrente do emblemático caso de contrafação que envolveu as marcas e as embalagens dos produtos Rapé Areia Preta e Rapé Areia Parda8.

Ao longo dos tempos, sucederam-se diversos diplomas legais que aperfeiçoaram ou que concederam proteção adicional aos direitos de propriedade intelectual no Brasil, tais como a Lei de Patentes de 1882 (tida por Gama Cerqueira

5 TINOCO SOARES, José Carlos. Tratado... p. 34/35. 6 TINOCO SOARES, José Carlos. Tratado... p. 36/37.

7 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. Volume I: da propriedade industrial e do objeto dos direitos.

Atual.: Newton Silveira e Denis Borges Barbosa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 5/7.

8 Em 1874, a firma Meuron & Cia, fabricante do produto identificado pela marca RAPÉ AREIA PRETA, foi representada por Rui

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como uma das mais perfeitas sobre o assunto9) e a Lei de Direitos Autorais de 1898. Mas, sem dúvida, os grandes marcos normativos relacionados à propriedade intelectual nesse momento histórico foram a Convenção da União de Paris – CUP – para a proteção dos direitos de propriedade industrial, assinada em 1883 por Brasil, Espanha, França, Guatemala, Itália, Holanda, Portugal, São Salvador, Sérvia e Suíça, e a Convenção de Berna para a proteção das obras literárias e artísticas, datada de 1886.

Tais tratados internacionais foram e ainda são de suma relevância para a proteção e a compreensão dos direitos de propriedade intelectual, sobretudo em razão dos seguintes fatores: (i) foram os primeiros diplomas normativos que estabeleceram princípios e regras gerais acerca dos direitos de propriedade intelectual, a serem observadas por cada legislador interno, de modo a fixar patamares mínimos de proteção; (ii) diferenciaram os direitos de propriedade industrial, assim compreendidos como aqueles utilizados essencialmente nas atividades empresariais, tais como as marcas, patentes, desenhos industriais e nomes de empresa, dos direitos puramente intelectuais, consubstanciados nos direitos autorais sobre as obras literárias, artísticas e científicas, possibilitando a melhor compreensão e a criação de regras próprias e específicas para cada espécie de propriedade intelectual.

Como se observa desse breve escorço histórico, os direitos de propriedade intelectual vinham sendo disciplinados no Brasil de modo esparso e fragmentado, mediante a edição de leis extravagantes sobre marcas, patentes e direitos autorais, além de outras questões correlatas regidas pelo Código Comercial de 1850 e pelo Código Civil de 1916.

Advertiu Gama Cerqueira, em meados de 1942, que a fragmentação da disciplina acerca da propriedade intelectual causava prejuízos de natureza sistêmica, comprometendo a coesão e a unidade do microssistema de proteção desses direitos10.

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Entre os anos de 1916 e de 1923, o Brasil buscou, pela primeira vez, melhor organizar a proteção e a tutela dos direitos de propriedade intelectual. Ficou claro, nesse momento, a opção do legislador por regulamentar separadamente os direitos autorais, ou direitos intelectuais, o que ocorreu por intermédio dos artigos 649 a 673 do Código Civil de 1916, e os direitos industriais, ou direitos de propriedade industrial, que vieram a ser disciplinados pelo Decreto nº 16.264/23 e de seu respectivo Regulamento, que criaram a Diretoria Geral da Propriedade Industrial e disciplinaram, conjuntamente, a proteção conferida às marcas e às patentes, tanto em aspectos materiais (objeto, requisitos, proibições, etc.), quanto em aspectos procedimentais (processamento dos pedidos de registros e concessões, renovações e afins).

É interessante observar que, a despeito se tratar de lei que dispunha precipuamente sobre direito material, o Decreto nº 16.264 e seu Regulamento também disciplinava questões de índole processual.

O artigo 76 e seus parágrafos, por exemplo, permitiam ao juiz conceder mandado de busca e apreensão dos produtos que infringissem uma determinada patente, determinar vistorias e nomear peritos para verificar os objetos da infração antes mesmo da apreensão, inclusive em caráter preparatório a ação principal. Mas ainda mais importante era o artigo 77 do referido Decreto, que dizia, expressamente, que “o processo criminal não obstará os concessionários ou cessionários dos privilégios de haverem indenização do dano causado ou que se poderá causar”. Sublinhe-se esse aspecto: o dano já causado ou o dano que se poderá causar.

O regramento instituído pelo Decreto em referência, no tocante às marcas de fábrica e de comércio, também possuía normas semelhantes quanto a busca e apreensão e possibilidade de vistoria dos produtos identificados por marca reproduzida, imitada ou falsificada, conforme se observa do artigo 125 do referido diploma, quedando-se silente, contudo, em relação a reparação dos danos.

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permitia à autoridade alfandegária que apreendesse os referidos produtos antes mesmo de seu ingresso no país.

O Decreto nº 16.264 foi claramente o embrião de um Código da Propriedade Industrial, que veio a ser editado em 1945 (Decreto-Lei nº 7.903) e que, na esteira de parte dos diplomas legislativos anteriores, manteve expressamente, em seu artigo 189, caput e parágrafo único, a possibilidade de o prejudicado ajuizar ação

para proibir a prática do ato ilícito, resultado a ser obtido, inclusive, mediante a cominação de pena pecuniária para a hipótese de descumprimento do preceito, sem prejuízo da reparação dos danos causados pela infração. Esse dispositivo, em conjunto com o artigo 302, inciso XII, do Código de Processo Civil então vigente (Decreto-Lei nº 1.608/39), serviam de arrimo para a tutela judicial dos direitos de propriedade industrial.

Nesse período histórico, a proteção aos direitos autorais era regida pelo Código Civil de 1916 (artigos 649 a 673). É interessante observar que o legislador, ainda arraigado ao dogma da incoercibilidade da vontade humana, determinava que as infrações aos direitos de autor deveriam ser convertidas em perdas e danos, o que se depreende das normas que versavam sobre o uso e reprodução das obras confeccionadas em regime de colaboração, acerca da usurpação do nome do autor da obra ou da sua substituição por outro e do próprio uso indevido da obra por terceiro. Havia timidamente, contudo, duas normas, previstas nos artigos 669 e 672, que permitiam a apreensão dos exemplares indevidamente reproduzidos.

Finalmente, a legislação relacionada aos direitos de propriedade intelectual foi quase simultaneamente atualizada em meados da década de 70, sob a égide da Constituição da República de 1967, editando-se diplomas legais mais consentâneos com a realidade social vivida àquela época.

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como a exclusividade do nome comercial”, bem como que “aos autores de obras literárias, artísticas e científicas pertence o direito exclusivo de utilizá-las”.

Regulamentando os mandamentos constitucionais, a Lei nº 5.772/71, regendo os direitos industriais, foi editada com a nítida preocupação com o direito material da propriedade industrial e, por isso mesmo, era praticamente desprovida de dispositivos que dissessem respeito a mecanismos e meios de tutela judicial desses direitos.

A despeito disso, foi por intermédio desse diploma legal que se reconheceu expressamente que certas marcas – então chamadas de notórias – seriam merecedoras de proteção diferenciada porque a sua vulneração poderia acarretar prejuízos à reputação do sinal distintivo, aspecto que será relevante para a construção da ideia segundo a qual as marcas são merecedoras de uma tutela jurisdicional preventiva.

Por seu turno, a Lei nº 5.988/73, disciplinando especificamente os direitos intelectuais (ou direitos autorais), mostrou significativa evolução no sentido de reconhecer, ainda que apenas em algumas situações pontuais, a possibilidade de o autor impedir o uso de sua obra por terceiros desautorizados, sem prejuízo das perdas e dos danos a serem reparados pelo infrator.

Daí porque o artigo 26 da Lei de Direitos Autorais consignava, por exemplo, que cabia ao diretor os direitos morais sobre a obra cinematográfica, podendo impedir a sua utilização, contudo, somente após sentença judicial transitada em julgado. Na mesma linha de raciocínio, o artigo 95 do mesmo diploma normativo facultava ao artista, herdeiro ou sucessor o direito de impedir a gravação, reprodução, transmissão, retransmissão ou utilização das suas interpretações ou execuções realizadas sem seu prévio e expresso consentimento, ao passo que o artigo 98 disciplinava que o produtor possuía o direito de proibir a reprodução, transmissão, retransmissão e execução pública de seus fonogramas.

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comunicação ao público de suas emissões, possibilitando o artigo 100, por seu turno, que a entidade a que estivesse vinculado um atleta poderia proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de espetáculos desportivos e, demais disso, ao autor também cabia requerer a apreensão de exemplares reproduzidos de maneira fraudulenta ou, alternativamente, requerer a suspensão da divulgação ou utilização de obra, sem prejuízo da indenização por perdas e danos, na forma do artigo 123 da Lei de Direitos Autorais.

Por derradeiro, gize-se ainda o que dispunha o artigo 126 do referido diploma, um interessante dispositivo para a proteção preventiva dos direitos morais dos autores. Estabelecia a referida norma que se alguém deixasse de indicar ou de anunciar o nome, pseudônimo ou sinal identificador do autor, do interprete ou do executante em obra intelectual, estaria obrigado a lhe divulgar a identidade mediante veiculação, no mesmo horário em que ocorreu a infração e por três dias consecutivos (se se tratasse de utilização por empresa de radiodifusão), por meio da inclusão de uma errata em exemplares não distribuídos e comunicação em destaque, por três vezes, em jornal de grande circulação (caso se tratasse de utilização por publicação gráfica ou fonográfica) ou, ademais, pela comunicação por meio da imprensa, também por três vezes consecutivas (acaso se tratasse de qualquer outra forma de utilização). Mais valia, nessa perspectiva, a divulgação da informação correta, ainda que tardiamente, do que simplesmente o reconhecimento do dever de indenizar.

Feitas essas considerações e apresentações preliminares sobre os direitos de propriedade intelectual sob a perspectiva histórica no exterior e, principalmente, em território nacional, passaremos a traçar mais detalhadamente as características e o perfil desses direitos.

1.2. Espécies de direitos de propriedade intelectual

1.2.1. Marcas

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romanos, os hebreus e os gregos já diferenciavam as cerâmicas e as peças de olaria mediante a aposição de sinais, como estrelas e cruzes, que serviam para identificar não apenas o fabricante, mas também o fornecedor do material adotado na fabricação. Da mesma forma, é antiquíssimo o ato diferenciar os rebanhos de gado por intermédio da inserção de uma marca com ferro quente na pele do animal11. Percebe-se, então, que estudar com profundidade a origem do direito das marcas é também um mergulho no estudo de outros ramos do conhecimento científico, como a arqueologia e a semiótica.

Por estarem absolutamente arraigadas ao cotidiano e as atividades empresariais, os aspectos legais relacionados à marca e as demais modalidades de sinais distintivos, tais como o nome de empresa, o título de estabelecimento, o nome de domínio e o trade-dress (ou conjunto-imagem), são mais difundidos nos meios

jurídico e empresarial e, portanto, são indiscutivelmente mais fáceis de serem compreendidos.

Segundo o conceito adotado pelo direito positivo brasileiro, as marcas são todos “os sinais distintivos visualmente perceptíveis não compreendidos nas proibições legais”, na forma do artigo 122 da LPI.

A primeira conclusão que se extrai desse conceito é de que o direito brasileiro apenas reconhece como marca os sinais visualmente perceptíveis, não se admitindo, como bem destacado pela doutrina, o registro como marca de sinais sonoros, gustativos, olfativos ou tácteis, cujo registro é possível, em maior ou menor dimensão, em outros países, como os Estados Unidos da América12. De todo modo, é indiscutível que embora não sejam suscetíveis de proteção como marca no sistema brasileiro, esses sinais distintivos são suscetíveis de proteção no país pela via da repressão a concorrência desleal.

Do conceito legal de marca também se extrai a necessidade de que o sinal seja distintivo, isto é, em linhas gerais, impõe-se que a marca seja capaz de

11 FARIA, Antonio Bento de. Das marcas de fabrica e de comercio e do nome commercial. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos

Santos Editor, 1906, p. 12.

12 IDS, Instituto Dannemann Siemsen de Estudos Jurídicos e Técnicos. Comentários à lei de propriedade industrial. 3ª ed. Rio

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diferenciar-se das demais existentes no mercado. A esse respeito, bem assinala Lélio Denícoli Schmidt:

A função básica desempenhada pela marca consiste em seu uso como elemento distintivo. A distintividade é tão essencial à marca que é revelada por sua própria definição como um sinal destinado a diferenciar um produto ou serviço de outro. A função distintiva prende-se à gênese etimológica da palavra, pois, como assinalam Pontes de Miranda e Gama Cerqueira, as marcas devem efetivamente marcar os produtos, para diferenciá-los de outros13.

Na realidade, há várias acepções do tema distintividade no âmbito do direito das marcas, o que, evidentemente, gera uma série de inquietantes discussões na doutrina e na jurisprudência, que apresentaremos adiante de maneira sucinta e com ênfase naquilo que mais interessa ao presente trabalho.

A primeira vertente que merece ser analisada diz respeito ao que se convencionou chamar de distintividade intrínseca da marca. Essa espécie de distintividade envolve, precipuamente, a análise da relação estabelecida entre o sinal e o produto ou serviço que ela identifica, de modo a verificar se a marca cumpre, em si mesma, a função de distinguir o produto ou serviço. Nessa perspectiva, a doutrina e a jurisprudência estabelecem, ao menos, três diferentes gradações e níveis de distintividade intrínseca.

O sinal que se relaciona direta e imediatamente com o seu objeto (produto ou serviço) é absolutamente desprovido de distintividade intrínseca e, portanto, não poderia, ao menos em tese, ser passível de apropriação com exclusividade. São sinais comuns, genéricos, vulgares, necessários ou descritivos, tais como Chocolate

para identificar doce e Cachaça para identificar aguardente de cana.

Há palavras ou expressões, contudo, que não possuem significação, mas evocam o produto ou serviço que distinguem, bem como existem aquelas que, a despeito de possuírem significação, vinculam-se ao objeto por intermédio de uma relação indireta e mediata.

13 SCHMIDT, Lélio Denícoli. A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo:

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Esses sinais são suscetíveis de apropriação e de proteção, embora possuam grau de distintividade e de exclusividade mais limitado, sendo intitulados de marcas evocativas ou sugestivas. Já se decidiu, por exemplo, que o sinal Damasco, a despeito de sua significação e relação com o mundo árabe, pode ser registrado como marca de serviços de restaurantes14, da mesma maneira que o Supremo Tribunal Federal decidiu que a palavra Marquesa, embora se tratasse de uma espécie de móvel, poderia ser registrada para identificar especificamente colchões, travesseiros e almofadas em geral15.

Ainda no campo da distintividade intrínseca, há os sinais que não possuem significação e que não evocam o produto ou serviço que visam identificar ou que, mesmo possuindo significação, não se vinculam ao objeto por nenhuma espécie de relação. São as chamadas marcas arbitrárias ou marcas fantasiosas, tais como

Häagen-Dazs, para sorvetes, palavra sem correspondência em nenhuma língua e que foi adotada porque o criador queria uma expressão que soasse como dinamarquesa, e John Deere, para máquinas agrícolas, que nada mais é do que o nome civil de seu fundador.

Outra questão importante nessa temática diz respeito ao que se denominou de distintividade extrínseca, isto é, aquela que não é inerente ao próprio sinal, mas, sim, que envolve o fenômeno de aquisição de distintividade de uma palavra ou expressão em decorrência de circunstâncias fáticas externas.

Trata-se de situação segundo a qual um sinal, a princípio absolutamente desprovido de distintividade ou de frágil distintividade intrínseca, passa por um processo de transformação e angaria distintividade, tornando-se, a partir daí, um sinal fantasioso ou arbitrário, o que ocorre mediante um processo de descolamento

14 Parecer/INPI/PROC/CAJ nº 014/2005, tomado no pedido de registro nº 819.091.243, publicado na Revista da Propriedade

Industrial nº 1876 de 19.12.2006, disponível na internet em <www.inpi.gov.br>, arquivo capturado em 20.04.2015. Confira-se o seguinte trecho: “Com este pequeno estudo podemos concluir que o termo “DAMASCO”, quando utilizado como sinal marcário para os serviços de restaurante, poderá ser, no máximo, considerado como um sinal evocativo, ou seja, um sinal que mantém uma relação mediata ou indireta com o serviço de alimentação reivindicado, visto que poderá apenas induzir ao usuário a ideia de ser um restaurante especializado em comidas árabes”.

15 Recurso Extraordinário nº 109.344/RJ, 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Rafael Mayer, publicado no

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da palavra dicionarizada ou vulgarizada de seu sentido semântico original, ganhando um segundo sentido (ou secondary meaning) perante os consumidores ou o público,

qual seja, o sentido de marca identificadora de produtos ou serviços.

Nesse sentido, ensina Lélio Denícoli Schmidt:

Secondary meaning é um fenômeno que faz com que um signo comum, originalmente desprovido de distintividade, adquira pelo uso empresarial a capacidade de identificar e diferenciar um produto ou serviço de outro, tornando-se passível de proteção como marca. Essa distintividade superveniente lhe confere um segundo significado (de função marcária), que passa a conviver com o significado primário, de natureza denotativa, que ele tinha enquanto signo usual e integrante do vocabulário ou do estado da técnica. Veja-se o que acontece por exemplo com o time de futebol Grêmio Foot-ball Porto Alegrense. Grêmio é uma palavra comum que significa sociedade, sendo bastante usada na composição dos nomes dos grêmios recreativos de escola de samba. Em princípio, a força distintiva deveria recair na expressão Porto Alegrense. Entretanto, o uso por mais de 100 anos da marca GRÊMIO® fez com que o time se

tornasse notoriamente conhecido por tal denominação (registrada como marca sob o n. 007.190.034), conferindo-lhe uma distintividade que intrinsecamente ela não possuía.

Juan Manuel Gutierrez CARRAU observa que “Club Nacional de Fútbol” é um nome genérico que poderia ser aplicado a todas as equipes uruguaias, mas que se constituiu como marca de um único time, sem gerar confusão com os demais. O mesmo se pode dizer da marca ATLÉTICO MINEIRO®, registrada sob o n. 820.262.943. O

CRUZEIRO e todos os demais times de futebol de Minas Gerais também são clubes, também são atléticos e também são mineiros. No entanto, ninguém os confunde com o ATLÉTICO MINEIRO®, pois

esta marca adquiriu distintividade suficiente para identificar apenas uma equipe em particular.

O mesmo fenômeno também ocorre em outras áreas, como ilustrado pelas marcas TICKET REFEIÇÃO® (registro 823.445.640) e VALE

REFEIÇÃO® (registros n. 813.316.529 e 813.316.545), dotadas de

distintividade. Diversa não é a situação da marca REDE TV!®

(registros n. 821.631.438, 821.752.030 e 821.752.049), cujas concorrentes também são redes de TV, sem que no entanto os telespectadores e anunciantes as confundam. Embora compostas por palavras comuns usadas em seu contexto semântico, essas marcas se tornaram notoriamente conhecidas e obtiveram um secondary meaning que as tornou distintivas e permitiu que fossem registradas16.

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A recepção do fenômeno do secondary meaning pelo ordenamento jurídico

brasileiro é questão há muito debatida e sobre a qual não há consenso, havendo posicionamentos, especialmente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, rejeitando a existência do fenômeno, sob o fundamento de que a natureza atributiva do direito e a obrigatoriedade de análise do sinal em si mesmo para que se decida pela concessão ou não do direito afastaria, por si só, a possibilidade de análise das circunstâncias de fato, externas à análise puramente semântica do sinal17. Para os defensores dessa corrente, o secondary meaning está ligado ao sistema declarativo de direitos de propriedade intelectual, como o adotado no direito americano, em que a propriedade e a exclusividade sobre a marca originam-se do uso e não do registro, havendo, nesse caso, a possibilidade de reconhecimento da aquisição de distintividade pelo uso.

Respeitado o posicionamento acima exposto, é nossa opinião que a aquisição de distintividade de um determinado sinal é fenômeno amparado pelo direito positivo brasileiro e deve ser reconhecido pelo INPI, quando cabível e oportuno, ou pelo Poder Judiciário, tanto no julgamento de ações em que se pretenda o reexame de ato administrativo do INPI, quanto em ações de abstenção de ato ilícito propostas pelo titular da marca em face de terceiros, ocasião em que o grau de distintividade do sinal será, invariavelmente, um aspecto relevante para que a infração seja ou não coibida. Algumas razões nos levam a adotar esse entendimento.

Em primeiro lugar, registre-se que há previsão normativa expressa para o reconhecimento jurídico do fenômeno da aquisição de distintividade no artigo 6º, quinquies, alínea C.1, da CUP, que estabelece que “para determinar se a marca é suscetível de proteção deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato, particularmente a duração do uso da marca”.

Conforme já fora anteriormente demonstrado, o Brasil foi um dos primeiros signatários da CUP, razão pela qual deverá aplicar os seus princípios e diretrizes. Além disso, a norma convencional é cogente no sentido de que “deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato” a fim de se verificar se a marca

17 LOBO, Edson da Costa. Palestra proferida no XXVI Seminário Nacional da Propriedade Intelectual in Anais do XXVI

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poderá ser objeto de proteção, não havendo, respeitados os posicionamentos em sentido oposto, ressalvas ou restrições para que a referida regra não seja aplicada no Brasil.

Demais disso, a aquisição de distintividade é um fenômeno eminentemente fático e vinculado a questões temporais. É fático porque o processo de transformação de um sinal originalmente frágil para um sinal fantasioso é suscetível de comprovação pelo titular da marca, mediante a produção de provas documentais (como as premiações recebidas, os investimentos realizados) e de provas técnicas ou científicas (especialmente pesquisas de mercado e de opinião que atestem que a palavra ou expressão passou a ser reconhecida pelo consumidor como marca, bem como a sua fama, prestígio, tradição e reputação no mercado).

De outro lado, é vinculado ao tempo porque a longevidade e a reiteração do uso do sinal são elementos essenciais para o reconhecimento de que ele se transformou em uma marca, o que justifica, inclusive, a possibilidade de reconhecimento da aquisição de distintividade superveniente ao pedido ou ao registro da marca, na medida em que “sendo o secondary meaning atingido no decorrer de um processo, e não de um ato instantâneo”18, é verdadeiramente impossível precisar o momento exato em que ele ocorreu.

A jurisprudência tem se pronunciado favoravelmente ao reconhecimento do fenômeno pelo direito brasileiro, merecendo destaque, em primeiro lugar, o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região no caso da marca Gasthaus, que, ao reconhecer que o referido sinal havia angariado distintividade, assim se pronunciou:

O uso da marca, objeto do pedido, ininterruptamente, desde novembro de 1973, torna-a amparada pelo disposto no art. 6º, quinquies, da Convenção de Paris, em vigor, no Brasil, nos termos dos Decretos nºs. 19.056/29 e 72.572/75. Como dito na petição inicial “existem realmente palavras genéricas, necessárias ou descritivas, que acabam se transformando, em virtudes do seu uso, em verdadeiras marcas, preenchendo todos os seus requisitos, isto é, distinguindo determinados produtos ou serviços de outros similares, de procedência diversa. Essas palavras adquirem, segundo os especialistas americanos, uma secondary meaning, ou

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seja, uma segunda significação, a de sinal distintivo de produtos ou de serviços que substitui e se superpõe à significação que antes do uso existia” (fls. 7). Ou, como dito, na resposta recursal, às fls. 106, “pelo seu uso antigo e continuado e respeitável divulgação no ramo de restaurantes a palavra “GASTHAUS” no Brasil adquiriu um “secondary meaning” ou segundo sentido descolado do seu significado original que, como já visto, é “hospedaria19.

Além disso, há emblemático aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por ocasião do julgamento de caso de infração da marca Alpargatas, que, apesar de não citar expressamente a CUP, aplicou integralmente os seus princípios e diretrizes, reconhecendo a ocorrência da aquisição da distintividade pelo uso e que as circunstancias de fato levariam a proteção daquela renomada marca. Colhe-se do voto vencedor que:

… ninguém questiona que o vocábulo ‘alpargata’ é substantivo que, na significação original, denota espécie de sapato, ou calçado com algumas peculiaridades que não vêm ao propósito. Contudo “Por um fenômeno semântico não incomum e já esmiuçado por estudos pertencentes às áreas da Semasiologia e da Gramática História, a palavra ‘alpargatas’ perdeu o sentido primitivo e passou a traduzir, nas relações comerciais e até nas comunicações cotidianas, o específico calçado então fabricado pela autora e, por contaminação ideológica, a sua própria identidade, no mundo empresarial e, sobretudo, no plano da concorrência mercantil”, razão pela qual “A autora é individuada apenas como ‘Alpargatas’, assim apresentando-se perante o mercado, como apresentando-sendo por este reconhecida”20.

O fenômeno oposto ao da aquisição de distintividade é, evidentemente, o da perda de distintividade, também denominado pela doutrina de degenerescência, que atinge os signos marcários registrados que, em virtude de seu pioneirismo e singularidade, deixaram de ser identificados como marcas e passaram a ser identificados como sinônimos do próprio produto ou serviço.

A esse respeito, observa-se que esse fenômeno aparentemente atingiu uma série de marcas registradas brasileiras e estrangeiras nas últimas décadas, tais como Aspirina, marca do produto “ácido acetilsalicílico sintético”, Botox, marca do

produto “toxina botulínica”, Chester, marca de “produto alimentício feito à base da

19 Apelação Cível nº 69349, Relator Juiz Federal Convocado Rogério Vieira de Carvalho, 3ª Turma do Tribunal Regional

Federal da 2ª Região, publicado no DO de 13.12.1996.

20 Apelação Cível nº 82.301-1, Relator Desembargador Cézar Peluso, 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado

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carne de galo-banquiva”, Isopor, marca do produto “poliestireno expandido”, Jet

Ski, marca do produto “moto aquática”, Nylon, marca do produto “polímero

sintético”, Querosene, marca de “produto destilado de petróleo”, Sal de Fruta,

marca do produto “antiácido”, e finalmente Zíper, marca do produto “fecho ecler”.

Há, ademais, um antigo precedente do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a ocorrência do fenômeno da degenerescência em relação a marca

Fórmica, identificadora do produto “placa laminada de plástico fenólico”21, bem

como julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhecendo a degeneração da marca Tubaína, que se tornou identificadora de “refrigerante de sabor tutti-fruti”22, e,

ao revés, não reconhecendo a degenerescência da marca Insulfilm, identificadora

de “películas escurecedoras para vidros”23.

Finalmente, o conceito de distintividade também abrange uma característica elementar da marca, qual seja, que ela deve necessariamente se diferenciar das demais existentes no mercado ou, como já dizia Didimo Agapito da Veiga Junior:

21 Recurso Extraordinário nº 107.892/PR, 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Rafael Mayer, publicado no

DJ de 27.06.1986, disponível na internet em <www.stf.jus.br>, arquivo capturado em 18.02.2012. No particular, assim está fundamentado o acórdão: “A utilização, entretanto, como nome de fantasia em sociedade puramente comercial, de vocábulo que se tornou genérico e de uso comum, sem estabelecer detrimento à propriedade da marca industrial do produto, e afastada qualquer possibilidade de confusão entre esses nomes e essas realidades, como estabelecido no acórdão recorrido, não pode conduzir à violação do nome comercial da primeira Recorrente, nem da marca industrial do produto, de interesse de ambas as Recorrentes”.

22 Apelação Cível nº 0003333-08.2011.8.26.0120, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São

Paulo, Relator Designado Desembargador Roberto Mac Cracken, julgado em 20.05.2013, disponível na internet em <www.tjsp.jus.br>, arquivo capturado em 20.02.2012. Colhem-se do acórdão os seguintes fundamentos relacionados ao tema sob exame: “Todavia, ainda que demonstrada a existência de registro anterior pela apelante, verifica-se que o termo “tubaína” popularizou-se e, sem dúvidas, é amplamente conhecido como sinônimo de bebida e não como denominação individualizada de determinar marca, assim, verifica-se que o uso costumeiro da denominação “tubaína” permitiu, como dito, a popularização e a efetiva disseminação da idéia de que “tubaína” tornou-se gênero de bebida, especialmente, refrigerantes, impedindo, por conseqüência sua proteção individual por meio da presente demanda (...) Desta forma, tendo em vista a popularização do termo, é de rigor reconhecer que houve a disseminação do termo “tubaína” como palavra corrente e usual para se referir a determinado gênero de bebida e, apesar da apelante deter o registro da marca “Tubaina” e de derivadas desde certo tempo, restou caracterizado, ainda que de forma tácita, a renúncia à sua protetividade”.

23 Apelação Cível nº 9130209-89.2009.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator

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o signal adoptado deve, pois, antes de tudo, distinguir-se de qualquer outro, não semelhar-se, não poder, nem ao mais descurado exame, confundir-se com outro qualquer, e ser causa do engano por parte do comprador: é o sentido da palavra distinctivos, que implica na adversativa a contrafacção24.

Trata-se da acepção de distintividade que mais interessa ao presente estudo, pois está indissociavelmente vinculada ao conflito entre sinais distintivos que será submetido ao Poder Judiciário e que, portanto, eventualmente será suscetível de uma tutela jurisdicional específica e preventiva. Trata-se, aqui, da violação, da contrafação, da usurpação e do uso indevido, como são usualmente chamadas as vulnerações aos direitos de propriedade e de exclusividade decorrentes do registro da marca.

A repressão judicial à violação de marca é tema inerente à disciplina e ao regramento dessa espécie de sinal distintivo desde as suas origens. Antonio Bento de Faria destaca que, a despeito de inexistência de tipificação criminal pela Lex

Cornelia de Falsis, os romanos já disponibilizavam ao prejudicado ações cíveis para

refrear a contrafação de marca, tais como a actio injuriarum, medida adequada para

todas as hipóteses de lesão à personalidade do homem e a actio doli, medida

cabível em casos de dolo ou de fraude25.

De todo modo, o aparato legislativo atual é bastante eficiente para a adequada tutela da marca em relação às infrações promovidas por terceiros, pois, a despeito de versar sobre as proibições de registro de marca, o artigo 124 da LPI contém um rol de vedações aplicável também a uma série de situações de uso indevido.

Este dispositivo legal proíbe, por exemplo, que sejam registradas ou usadas marcas que reproduzam ou imitem título de estabelecimento ou nome de empresa alheio, desde que haja suscetibilidade de confusão ou associação (inciso V), que reproduzam nomes, prêmios ou símbolos de eventos esportivos, artísticos, culturais, sociais, políticos, econômicos ou técnicos, assim como as imitações suscetíveis de criar confusão (inciso XIII), que reproduzam nome civil, nome de família, patronímico

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e imagem alheia (inciso XV), que reproduzam pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo (inciso XVI), que reproduzam títulos protegidos por direito autoral, se suscetível de causar confusão ou associação (inciso XVII) e, principalmente, proíbe-se o registro e uso de marca que reproduza, no todo, em parte ou com acréscimo, ou imite outra marca anteriormente registrada, para distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com a marca anteriormente registrada (inciso XIX).

Sublinhe-se que o inciso XIX do artigo 124 da LPI é a base legal que assenta a maioria das pretensões voltadas ao registro ou ao uso indevido de marca, pois, invariavelmente, os conflitos envolvem justamente reproduções ou imitações de marcas registradas.

A reprodução de marca é, sem dúvida, a forma mais nociva e nefasta de violação desses direitos, razão pela qual sempre mereceu cuidado especial da legislação e também da doutrina brasileira. A esse respeito, leciona Waldemar Ferreira: “Reproduzir é, na hipótese, repetir. Ou, em verdade, copiar. Mais, ainda, apropriar-se da marca alheia, tal qual”26.

O conceito de reprodução não abrange apenas a cópia in totum, mas também

as reproduções com acréscimo e as parciais, já que, conforme leciona João da Gama Cerqueira:

Tratando-se da parte essencial ou característica da marca, isso é suficiente para impedir o registro, pois a lei proíbe expressamente tanto a reprodução integral como a reprodução parcial. Não importa que à parte característica reproduzida se acrescentem outros elementos, que tornem a marca diferente da anterior; prevalece a reprodução parcial como impedimento do registro, não se devendo cogitar da semelhança de conjunto27.

Acrescenta-se ao tema, ainda, a sempre precisa lição de Pontes de Miranda, para quem, em casos de reprodução de marca, seria até mesmo despicienda a apuração do risco de confusão ou de associação, assim como da intenção do

26 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. Vol. VI. São Paulo: Saraiva, 1962. p. 307.

27 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. Volume II: das marcas de fábrica e de comércio, do nome

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agente, para a configuração do ilícito. Em sintonia com a clássica lição de Clóvis da Costa Rodrigues, que há muito já afirmava que “coisas iguais são por si mesmas fatalmente confundíveis”28, diz ele, expressamente:

Quem reproduz necessariamente põe o ilícito no lugar no lícito. Por isso mesmo, se se inclui em marca a registrar-se a que foi registrada, ainda como um dos muitos elementos, nem se tem de apurar se pode, ou não ocorrer confusão ou associação com marca alheia, nem se houve intenção ou se não houve29.

A imitação de marca, por sua vez, configura-se quando são substituídos ou modificados os elementos nominativos ou visuais de uma marca registrada, de modo a criar semelhança gráfica, fonética, visual ou, ainda, meramente ideológica. É, conforme Gama Cerqueira, “a reprodução disfarçada da marca, conservando-se o que ela tem de característico, malgrado diferenças mais ou menos sensíveis introduzidas pelo contrafator”30.

Em linhas ainda mais claras, ensina Waldemar Ferreira:

Imitar a marca de outrem não é, portanto, simples e fielmente reproduzi-la, nos pormenores e no conjunto. É arremedá-la. É desfigurá-la, criando outra que, posto seja dela diferente, mantenha com ela tal semelhança ou contenha tantos de seus elementos característicos que se confunda uma com a outra31.

Apenas a título exemplificativo, já se decidiu que a marca Parle Grill

configurava imitação da marca registrada Parmê32, ambas registradas para a atividade de serviços de alimentação, que a marca Tecbril igualmente caracterizava imitação da marca registrada Bombril33, identificadoras dos mesmos produtos, assim como já se decidiu que a marca Accolti configurava imitação da marca registrada Colcci34 para distinguir confecções e artigos do vestuário e, além disso,

28 RODRIGUES, Clóvis Costa. Concorrência desleal. Rio de Janeiro: Editorial Peixoto, 1945. p. 144.

29 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, parte especial. Tomo XVII. Campinas: Bookseller, 2000. p. 84/85. 30 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado... p. 1089.

31 FERREIRA, Waldemar. Tratado.... p. 599.

32 Apelação Cível nº 2000.51.01.004406-0, 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Relatora

Desembargadora Federal Marcia Helena Nunes, julgado em 23.11.2005, disponível na internet em <www.trf2.jus.br>, arquivo capturado em 20.01.2015.

33 Apelação Cível nº 2009.51.01.812196-3, 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Relator

Desembargador Federal Marcello Ferreira de Souza Granado, julgado em 29.11.2011, disponível na internet em <www.trf2.jus.br>, arquivo capturado em 20.01.2015.

34 Apelação Cível nº 2006.71.00.029323-0, 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Relator Desembargador

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que a marca Mavve imitava as marcas registradas Malwe e Malwee35, igualmente identificadoras de confecções e artigos do vestuário.

Há ainda, como já dito, a imitação decorrente de semelhança ideológica entre as marcas, produzida pelo contrafator com o propósito de provocar associação de ideias entre as marcas ou, em outras palavras, “A imitação ideológica é aquela que procura gerar confusão com a marca legítima através da ideia que essa sugere ao potencial consumidor”36.

Sobre o tema, esclarece Maurício Lopes de Oliveira:

A marca Bela Amiga evoca a mesma imagem – ideia – proposta pela marca Bonita Companheira. A imitação pode caracterizar-se caso a associação das marcas que evocam uma única imagem gere o risco de confusão. Um caso concreto foi relatado por Clóvis Costa Rodrigues, que destacou o caso da marca Pisar Firme ter sido considerada uma imitação da marca Andar Certo em face da existência de risco de confusão ideológica37.

A esse respeito, há precedente no sentido de que a marca Asia in Box, para identificar serviços de alimentação, configura imitação ideológica da marca registrada China in Box, tradicionalmente conhecida por produzir e comercializar refeições “em caixas” inspiradas na culinária da China, um país que pertence, justamente, ao continente asiático38.

Outro aspecto a ser necessariamente observado por ocasião da análise acerca da existência, ou não, de violação ao direito marcário diz respeito a identidade, semelhança ou afinidade de produtos ou serviços, uma vez que, como regra, aplica-se ao direito das marcas o princípio da especialidade, segundo o qual uma determinada marca apenas poderá impedir marcas idênticas ou semelhantes se houver identidade, semelhança ou afinidade de atividades, produtos ou serviços,

35 Apelação Cível nº 1999.51.01.023414-1, 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Relatora

Desembargadora Federal Marcia Helena Nunes, julgado em 11.09.2006, disponível na internet em <www.trf2.jus.br>, arquivo capturado em 23.02.2015.

36 OLIVEIRA, Maurício Lopes de. Direito de marcas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 37. 37 OLIVEIRA, Maurício Lopes de. Direito... p. 47.

38 Embargos Infringentes nº 2008.51.01.523618-0, 1ª Seção Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Relator

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exceção feita às marcas de alto renome e a mais algumas outras situações juridicamente tuteláveis de modo diferenciado, de que falaremos com mais vagar adiante.

Considerando que há certo grau de subjetividade na aferição do que seria exatamente produto ou serviço semelhante ou afim, tem-se admitido que as classificações adotadas pelas autoridades locais de registro fornecem elementos mais objetivos para a aferição dessas circunstâncias e, portanto, devem servir de parâmetro a ser observado tanto na instância administrativa, como também na esfera judicial, que apenas tem excepcionado essa regra quando o conflito envolve uma marca famosa39.

Essa baliza, contudo, é claramente insuficiente para resolver uma série de questões relacionadas a semelhança ou afinidade de produtos ou serviços, conforme constata Carlos Henrique de Carvalho Fróes:

As classes não são compartimentos estanques, mas, ao revés, se interpenetram. Pode haver colidência entre as marcas distintivas de artigos incluídos em classes diversas, da mesma forma que pode inexistir conflito se os artigos pertencerem a uma mesma classe40.

Daí porque, além da identidade ou semelhança entre os sinais e da identidade ou semelhança de produtos ou serviços, exige a legislação brasileira que seja demonstrada a existência de risco de confusão ou de associação pelos consumidores ou pelo público em geral.

O primeiro é, evidentemente, de mais fácil aferição. Há risco de confusão sempre que existir a possibilidade de o consumidor tomar um produto ou serviço pelo outro (confusão em sua modalidade típica) ou quando houver a possibilidade de ele confundir os produtos em cotejo relativamente às suas respectivas procedências,

39 Recurso Especial nº 658.702/RJ, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Jorge Scartezzini, publicado no

DJ de 21.08.2006, disponível na internet em <www.stj.jus.br>, arquivo capturado em 30.04.2015. Colhe-se do acórdão o seguinte fundamento: “Consoante o princípio da especificidade, o INPI agrupa produtos e serviços em classes e itens, segundo o critério da afinidade, limitando-se a tutela da marca registrada a produtos e serviços de idênticas classe e item”. No mesmo sentido: Recurso Especial nº 142.954/SP, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Barros Monteiro, publicado no DJ de 13.12.1999, disponível na internet em <www.stj.jus.br>, arquivo capturado em 30.04.2015, assim fundamentado: “O direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual é deferido, não sendo possível a sua irradiação para outras classes de atividades. Aplicação do princípio da especificidade”.

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acreditando, assim, que um dos produtos provém do mesmo fabricante ou do prestador de serviços de outro que ele já conhece (confusão quanto à origem).

Nesse diapasão, há interessantes precedentes judiciais envolvendo a constatação, no caso concreto, de inexistência de risco de confusão – em qualquer de suas modalidades – mesmo em se tratando de produtos idênticos, semelhantes ou afins.

A esse respeito, é conhecido o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo que permitiu a coexistência entre duas marcas Prada, idênticas, uma para identificar chapéus e outra, já famosa no mercado europeu, para identificar artigos de vestuário, justamente em virtude da impossibilidade de confusão decorrente da disparidade de preços das mercadorias – os consumidores, portanto, seriam distintos e suficientemente esclarecidos41.

De igual modo, também é sempre citado nessas circunstâncias o julgado da lavra do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio do qual se reconheceu a possibilidade de convivência entre as marcas Hermes e Hermès, também sob o mesmo fundamento – notoriedade da marca francesa e distinção existente entre os consumidores – a despeito de identificarem produtos da mesma categoria42.

Finalmente, merece destaque o aresto do Superior Tribunal de Justiça no caso Sketch vs. Skechers, ambas registradas na mesma classificação do INPI e identificando, em tese, produtos semelhantes e afins (produtos do vestuário, acessórios e calçados vs. comercialização de roupas e acessórios de uso comum, para a prática de esportes e de uso profissional), em que o risco de confusão foi

41 Apelação Cível nº 9032644-14.1998.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Privado de Férias do Tribunal de Justiça de São Paulo,

Relator Desembargador Alexandre Moreira Germano, publicado no DJ de 24.11.2000, disponível na internet em <www.tjsp.jus.br>, arquivo capturado em 12.05.2015. Colhe-se do acórdão o seguinte fundamento: “Os produtos da ré contêm o logotipo da empresa italiana Prada, com a expressão “Milano” logo abaixo da marca; são artigos de luxo, comercializados pela ré em butiques exclusivas, destinadas a um público selecionado, que jamais iria confundi-los com roupas e acessórios do vestuário de uso comum ou roupas e acessórios do vestuário para a prática de esportes produzidos pela tradicional fábrica de chapéus “Prada”.

42 Embargos de Declaração em Apelação Cível nº 2005.001.33737, 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,

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afastado por uma circunstância específica do caso (notoriedade da marca americana)43.

Se a proteção da marca sob a ótica da confusão envolve, precipuamente, elementos de natureza econômica e concorrencial, na medida em que se busca evitar o erro e a dúvida dos consumidores, bem como impedir o desvio de clientela e as práticas desleais na indústria, comércio e serviços, a tutela sob o viés da associação possui natureza destacadamente diversa.

Com efeito, sob esse albergue, o que se busca é evitar o estabelecimento de conexões ou de relações indesejáveis entre a marca registrada e a contrafatora e que possam, de qualquer maneira, causar o risco de prejuízos à imagem, reputação positiva e integridade da marca anterior, bem como evitar o risco de que o sinal distintivo venha a ser diluído, ainda que se tratem de produtos ou serviços distintos e de titulares que sequer são competidoras no mesmo mercado.

Trata-se de dois diferentes enfoques sobre o mesmo objeto, que não necessariamente são excludentes, nem tampouco são obrigatoriamente complementares. São, sim, simplesmente diferentes.

A possibilidade de as marcas serem tuteladas não apenas em relação ao risco de confusão proporcionado por marcas idênticas ou semelhantes, mas, também, contra o risco de associação indevida causado por essas marcas não é exatamente uma novidade, a despeito de a norma que ampara expressamente essa espécie de proteção diferenciada – artigo 130, inciso III, da LPI – apenas ter sido introduzida no ordenamento jurídico em 1996.

Isso porque há muitas décadas tem-se observado que as marcas, além de serem capazes de alcançar um expressivo valor econômico, transformando-se em

43 Recurso Especial nº 1.114.745/RJ, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Massami Uyeda, publicado no

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