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Competência para processar e julgar a ação preventiva por violação dos direitos de propriedade intelectual

3. Tutela preventiva dos direitos de propriedade intelectual

3.2 Competência para processar e julgar a ação preventiva por violação dos direitos de propriedade intelectual

Considerando que os direitos de propriedade industrial são bens móveis (artigo 5º da LPI) e que os direitos autorais igualmente são bens móveis (artigo 3º da LDA), pode-se afirmar, ao menos em um primeiro momento, que a competência para processar e julgar a ação preventiva em que se busca a abstenção de uso indevido dos direitos de propriedade intelectual (isto é, ação em que se pretenda evitar a ocorrência ou repetição do ato ilícito) será do foro do domicílio do réu, na forma do artigo 94 do CPC/73, cuja redação se mantém no artigo 46 do NCPC, ainda que

haja, nesta mesma ação, a cumulação de pedido indenizatório pelo referido uso indevido.

Ocorre que, mais especificamente no âmbito de proteção dos direitos de propriedade intelectual, tem-se admitido a propositura de ação em que se veicula pedido inibitório no foro do domicílio do autor, desde que cumulada com pedido de natureza indenizatória, com albergue no artigo 100, parágrafo único, do CPC/73353, dispositivo cuja redação se conservou essencialmente no artigo 53, inciso V, do NCPC354.

A tese a esse respeito é de que a violação dos direitos de propriedade intelectual (uso indevido de sinal distintivo, de patente, de direito autoral, etc.) são atos ilícitos de natureza penal e também de natureza civil. Diz-se, portanto, que a violação de marca é, ao menos em tese, um ato ilícito de natureza civil porque implica em vulneração ao direito de exclusividade decorrente do artigo 129, caput, da LPI, mas também é um ilícito penal, na medida em que esta mesma conduta está tipificada nos artigos 189 e 190, ambos da mesma lei. O mesmo raciocínio se aplicaria às patentes (artigo 42, caput, combinado com artigos 183 a 186, da LPI), aos desenhos industriais (artigo 94, caput, combinado com artigos 187 e 188, todos da LPI), aos atos de concorrência desleal (artigo 2º, inciso V, combinado com artigo 195, ambos da LPI) e, ainda, aos direitos autorais (artigo 102 da LDA combinado com artigo 184 do Código Penal).

Nesse diapasão, Marcelo Goyanes afirma que, na forma do artigo 207 da LPI, o titular da propriedade industrial logicamente poderá promover as ações cabíveis em face do infrator na esfera cível sem prejuízo das ações criminais. Em sequência, diz ele:

É que o crime contra a propriedade industrial, como é obvio, repercute com eco na esfera civil, causando prejuízos incalculáveis, patrimoniais e imateriais ao titular de um direito dessa natureza. Visto

353 Art. 100. É competente o foro:

(...)

Parágrafo único. Nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.

354 Art. 53. É competente o foro:

V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

isso, não resta dúvida de que (i) o crime contra a propriedade industrial pode ser considerado um delito civil e (ii) as ações de reparações de danos decorrentes de violação da propriedade industrial podem ser propostas no foro do domicílio do autor355. A violação de direitos autorais é, pois, um ilícito civil, i.e., a violação a uma norma jurídica de direito civil, que, por sua vez, caracteriza um delito civil. Um delito civil pode ter repercussão na esfera criminal, se houver tipo legal. E no caso dos direitos do autor há, a exemplo do que ocorre na Lei de Propriedade Industrial. O Código Penal tipifica a violação de direitos autorais como crime, no artigo 184 e seguintes, de modo que constituindo a violação aos direitos autorais também em delito, conclui-se que a regra prevista no parágrafo primeiro (sic), do artigo 100, do Código de Processo Civil, é aplicável, podendo a ação de reparação de danos movida pelo titular do direito autoral violado ser proposta no foro do domicílio do autor356.

Esta tese ganhou relevo no Superior Tribunal de Justiça, que firmou entendimento em uma série de julgados no sentido de admitir que as ações inibitórias cumuladas com indenizatórias em que se discuta a violação de direitos de propriedade intelectual possam ser ajuizadas no foro do domicílio do autor com base no artigo 100, parágrafo único, do CPC/73357, sendo certo que esse entendimento já vem sendo reiteradamente seguido pelos tribunais locais358.

Em relação ao tema, há duas reflexões a se fazer. A primeira delas é de que o entendimento acima apresentado não se aplica às ações em que se veicule pretensão exclusivamente inibitória e preventiva (isto é, sem cumulação com pedido indenizatório), na medida em que apenas se pode cogitar de incidência do artigo

355 GOYANES, Marcelo. Tópicos em propriedade intelectual: marcas, direitos autorais, designs e pirataria. Rio de Janeiro:

Renovar, 2007. p. 112.

356 GOYANES, Marcelo. Tópicos... p. 113.

357 Recurso Especial nº 681.007/DF, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministra Nancy Andrighi, publicado no

DJ de 22.05.2006, disponível na internet em <www.stj.jus.br>, arquivo capturado em 16.04.2015. Colhe-se do acórdão: “A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que o delito a que se refere o art. 100, parágrafo único do CPC, é tanto o de natureza civil, como o de natureza criminal, sendo desnecessária prévia condenação penal para que o autor possa se valer da regra sobre competência” e, ainda, que “A utilização indevida de marca por parte do réu, caso reconhecida em juízo, implicará tanto um ilícito civil (art. 129 da Lei nº 9.279/96), como criminal (art. 189 desse mesmo diploma legal). Nessa hipótese, o artigo 100, parágrafo único, do CPC, faculta ao autor propor a ação no foro do local em que se deu o ato ou o fato, ou no foro de seu domicílio”. No mesmo sentido, pacificando a matéria no âmbito do STJ: Embargos de Divergência em Agravo nº 783.280/RS, 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Ministra Nancy Andrighi, publicado no DJe de 19.04.2012, disponível na Internet em <www.stj.jus.br>, arquivo capturado em 12.05.2015.

358 Agravo de Instrumento nº 2043194-65.2013.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça

de São Paulo, Relator Desembargador José Reynaldo, julgado em 16.06.2014, disponível na internet em <www.tjsp.jus.br>, arquivo capturado em 25.07.2014. No mesmo sentido: Agravo de Instrumento nº 2050970-19.2013.8.26.0000 , 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Francisco Loureiro, julgado em 06/02/2014, disponível em <www.tjsp.jus.br>, arquivo capturado em 25.07.2014; Agravo de Instrumento nº 0195136- 18.2012.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Enio Zuliani, julgado em 14.01.2013, disponível na Internet em <www.tjsp.jus.br>, arquivo capturado em 08.03.2013; Agravo de Instrumento nº 0231825-61.2012.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Desembargador Enio Zuliani, julgado em 26.02.2013, disponível na Internet em <www.tjsp.jus.br>, arquivo capturado em 08.04.2014.

100, parágrafo único, do CPC/73 (atual artigo 53, inciso V, do NCPC) nas ações indenizatórias, ao passo que o referido entendimento pode ser aplicável às ações em que se veicule pretensão exclusivamente indenizatória (isto é, sem cumulação com pedido inibitório), sob o fundamento de que o conceito de delito previsto na norma deve ser compreendido tanto como o ilícito civil quanto como o ilícito penal.

A segunda reflexão diz respeito, justamente, a competência para processar e julgar a ação em que se veiculem, cumulativamente, pretensões de natureza inibitória e indenizatória. Qual a regra de competência a ser seguida, aquela que orienta que esta demanda deverá ser proposta no foro do domicílio do réu (artigos 94 do CPC/73 e 46 do NCPC) ou aquela segundo a qual esta demanda poderá ser ajuizada também no foro do autor (artigos 100, parágrafo único, do CPC/73 e 53, inciso V, do NCPC)?

Na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais estaduais que foram acima comentados e que envolveram, em inúmeras situações, justamente a questão que aqui se coloca, aplicar-se-ia a regra que faculta ao autor propor a ação no foro de seu próprio domicílio, mesmo nas hipóteses de cumulação de pedidos. Contudo, sob a nossa ótica essa não é a melhor interpretação.

Isso porque a cumulação de que se comenta nesse particular não é própria e simples, em que o acolhimento de um dos pedidos não interfere no acolhimento do outro359 ou, como bem assinala Fredie Didier Jr., “quando as pretensões não têm entre si relação de precedência lógica (pedido prejudicial ou preliminar), podendo ser analisadas uma independentemente da outra”360, mas, sim, trata-se de situação de cumulação própria sucessiva, que, conforme ensina Eduardo Arruda Alvim, é aquela que ocorre “quando o acolhimento de um pedido supuser o do anterior (por exemplo, rescisão contratual e perdas e danos – as perdas e danos só terão sentido se rescindido o contrato)”361 ou, mais especificamente, é situação em que “o primeiro pedido é preliminar ao segundo: o não-acolhimento do primeiro implicará a impossibilidade de exame do segundo (que não será julgado, pois). O acolhimento

359 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 416. 360 DIDIER JR., Fredie. Curso... p. 201.

do primeiro pedido, em qualquer caso, não implica necessariamente o acolhimento do segundo pedido”362.

A ação em que se veicula, cumulativamente, pretensão inibitória de violação de direito de propriedade intelectual e pretensão indenizatória pela violação deste mesmo direito deve seguir esta mesma regra. Somente se pode analisar o pedido indenizatório, para acolhê-lo ou para rejeitá-lo, se se admitir a ocorrência de ato contrário ao direito consubstanciado na ameaça ou na lesão ao sinal distintivo, a patente, ao desenho industrial ou ao direito autoral. Nessa situação, estabelece-se uma relação de antecedente e de consequente.

Com efeito, se é verdade que o dano não é pressuposto do ato ilícito consubstanciado na violação do direito de propriedade intelectual, não é menos verdade que a existência de um juízo de acertamento sobre a própria existência, ou não, de ilicitude é, sim, um pressuposto lógico para que se passe a apuração acerca da existência, ou não, do dano e do dever de repará-lo363.

Assim sendo, não parece lógico e tecnicamente correto que o pedido subsequente nesta relação de sucessividade de pretensões cumuladas seja responsável por fixar a competência para processar e julgar a ação, pois, a rigor, na hipótese de improcedência e de inexistência de ato ilícito, ele sequer será apreciado. Daí porque, a nosso ver, o correto é que seja do pedido antecedente, o único que obrigatoriamente deverá ser analisado pelo juiz, a responsabilidade de conduzir a definição do foro competente, que, portanto, na hipótese de cumulação de pretensões inibitória e indenizatória, é o foro do domicílio do réu, na forma dos artigos 94 do CPC/73 e 46 do NCPC.

362 DIDIER JR., Fredie. Curso... p. 201.

363 Não se desconhece, evidentemente, que há situações em que o ato é lícito, mas que causa dano, tais como aquelas que

envolvem atos praticados em legítima defesa ou em estado de necessidade. No próprio direito da propriedade intelectual há hipóteses de atos lícitos, mas que causam danos, tais como a patente de interesse da defesa nacional prevista no artigo 75 da LPI (que não pode ser protegida em território estrangeiro, deverá tramitar e ser mantida em regime de sigilo e que não pode ser explorada ou cedida sem autorização do órgão competente), o licenciamento compulsório de patente referido no artigo 73 da LPI (em que a patente é compulsoriamente explorada por terceiro se não houver exploração, ou se a exploração for insuficiente) e o regramento sobre as patentes obtidas em regime de co-propriedade entre funcionários e empresas previsto no artigo 91 da LPI (impedimento de uso do invento pelo co-titular funcionário em virtude da preferência de uso pelo co-titular empresário estabelecido). Nenhuma dessas hipóteses, todavia, aplica-se a situação aqui tratada.

3.3 Legitimidade ativa e passiva para a ação preventiva dos direitos de