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GRACIELA TEIXEIRA ASSED DA SILVA. CORPO E DISCURSO: um estudo sobre o filme Cinderella

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Academic year: 2021

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CORPO E DISCURSO: um estudo sobre o filme Cinderella

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência para a obtenção de título de Mestre em Linguística

Orientadora: Profa. Dra. Luciana Carmona Garcia Manzano

FRANCA

2017

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Catalogação na fonte – Biblioteca Central da Universidade de Franca

Silva, Graciela Teixeira Assed da

S58c Corpo e discurso : um estudo sobre o filme Cinderella / Graciela Teixeira Assed da Silva ; orientador: Luciana Carmona Garcia Manzano. – 2017

99 f. : 30 cm.

Dissertação de Mestrado – Universidade de Franca

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestre em Lingüística

1. Lingüística – Discurso. 2. Análise do discurso. 3. Corpo espetacularizado. 4. Cinderella. I. Universidade de Franca. II. Título.

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CORPO E DISCURSO: um estudo sobre o filme Cinderella

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Presidente: Profa. Dra. Luciana Carmona Garcia Manzano Universidade de Franca

Titular 1: Profa. Dra. Lígia Mara Boin Menossi de Araújo Universidade de São Paulo (USP)

Titular 2: Profa. Dra. Marília Giselda Rodrigues Universidade de Franca

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DEDICO esta dissertação aos meus amores: Airton, Denise, Duilian e

em especial a minha orientadora Luciana Carmona Garcia Manzano, pois sem eles nada seria possível. Obrigada por sempre acreditarem em mim.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus por ter provido todas as minhas necessidades. Agradeço imensamente aos meus familiares e ao meu companheiro pelo apoio ao longo de um trabalho árduo e muitas vezes solitário. Um agradecimento especial aos meus pais por entenderem o caminho que trilhei e dos sacrifícios que fiz para que chegasse até aqui.

A minha querida orientadora Profa. Dra. Luciana Carmona Garcia Manzano, pois sem ela nada seria possível. Obrigada pelas horas de seu tempo, a senhora sempre foi uma excelente orientadora e amiga. Sempre terá um lugar especial em meu coração.

Agradeço também aos meus colegas do mestrado que diretamente ou indiretamente contribuíram para a pesquisa. Meus mais sinceros agradecimentos a todo corpo docente do programa de Mestrado em Linguística, que me deram forças para trilhar este caminho de sabedoria e de trabalho acadêmico.

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O homem e a vaidade movem o mundo. Michel Foucault

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RESUMO

O filme Cinderella, lançado em março de 2015 pela companhia Walt Disney Pictures, foi dirigido por Kenneth Branagh e produzido por David Barron, Simon Kinberg e Allison Shearmur. A história é uma releitura da animação Cinderella (produzida em 1950 pela mesma companhia a partir do clássico de Charles Perrault). Filiamo-nos à teoria da Análise do Discurso (AD) de linha francesa como embasamento para nosso trabalho, que concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e sua realidade natural e social. Também nos valemos das reflexões de M. Foucault com relação às práticas discursivas e ao estudo do corpo. Para sustentar nossa abordagem discursiva a partir do corpo, e de como ele produz sentidos, lançamos mão dos escritos de Jean-Jacques Courtine sobre o tema. O principal objetivo, nesta dissertação, é abordar o corpo como espetacularizado, por meio da observação sobre como se produzem discursos e significações a partir da superfície do(s) corpo(s) e suas relações de poder. Trabalharemos também como o corpo espetacularizado e subjetivo do imaginário ideológico, vivenciado e compartilhado pela cultura. A metodologia do trabalho será constituída a partir do recorte de excertos visuais das cenas do filme e da animação de 1950, acompanhados das transcrições dos diálogos que permeiam tais cenas, para que, a partir do batimento descrição/interpretação proposto pela metodologia da AD, dos escritos foucaultianos e de Courtine sobre o corpo em relação aos possíveis discursos e particularidades também possamos desvendar os indícios do(s) corpo(s) espetacularizado(s) no filme e animação de Cinderella.

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ABSTRACT

The movie Cinderella it was launched in March 2015 by Walt Disney Pictures Company, it was directed by Kenneth Branagh and produced by David Barron, Simon Kinberg and Allison Shearmur. The story is a retelling of the Cinderella animation (produced in 1950 by the same company from the classic Charles Perrault). The theory of discourse analysis (AD) of the French line conceives language as necessary mediation between man and his natural and social reality. We also use the M. Foucault's reflections regarding the discursive practices and the study of the body. To sustain our discursive approach from the body, and how it produces senses, we used the writings of Jean-Jacques Courtine on the subject. The main objective in this dissertation is to address the body as spectacularized, through observation on how to produce discourses and meanings from the surface (s) of the body (ies) and their power relations. We will also work as the body spectacularized is subjective ideological imaginary, experienced and shared culture. The methodology of work will be made from the crop visual excerpts from movie scenes and animation 1950, accompanied by transcripts of conversations that pervade such scenes, so that, from the beat description / interpretation proposed by the AD methodology, written from Foucault and Courtine about the body into relation to the possible speeches and peculiarities can also uncover clues (s) of the body (s) spectacularized in the film and animation of Cinderella.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 –– O nascimento de Vênus. 29

Figura 2 –– Micronarrativa 1 - Cinderella (1950 e 2015) e seus inícios. 55 Figura 3 –– Micronarrativa 1 - Cinderella (1950 e 2015) e seus inícios. 56

Figura 4 –– Micronarrativa 2 - Cinderella 2015 e seus animais. 58

Figura 5 –– Micronarrativa 3 - Cinderella 2015 e sua família 59

Figura 6 –– Micronarrativa 4 - Cinderella 2015 e seu pai 60-61

Figura 7 –– Micronarrativa 5 - Cinderella 2015 e a nova família 62

Figura 8 –– Micronarrativa 6 - Cinderella (1950 e 2015) cuidando do lar 63 Figura 9 –– Micronarrativa 7 - Cinderella 2015 humilhada pela madrasta e irmãs 65 Figura 10 –– Micronarrativa 8 - Cinderella 2015 oprimida foge de casa 66 Figura 11 –– Micronarrativa 9 - Cinderella 2015 e o príncipe se encontram 68-69 Figura 12 –– Micronarrativa 10 - Diálogo sobre matrimônio (Cinderella 2015) 71 Figura 13 –– Micronarrativa 11 - Cinderella (2015 e 1950) e suas irmãs prontas

para o baile 73

Figura 14 – Micronarrativa 12- Cinderella (2015 e 1950) e a destruição do vestido 75 Figura 15 – Micronarrativa 13- Cinderella 2015 e a aparição da fada madrinha 76 Figura 16 – Micronarrativa 14- Cinderella 2015 e a transformação da fada madrinha 77-78 Figura 17– Micronarrativa 15- Cinderella (2015 e 1950) a transformação mágica de Cinderella 79 Figura 18 – Micronarrativa 16- Cinderella 2015 e os sapatos mágicos 80 Figura 19 – Micronarrativa 17- Cinderella 2015 e o príncipe no jardim 82 Figura 20 – Micronarrativa 18- Cinderella 2015 o matrimônio 83-84

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 ANÁLISE DE DISCURSO E CORPO: NOÇÕES TEÓRICAS ... 15

1.1 A AD E SUAS MATERIALIDADES ... 15

1.2 O CORPO: DISPOSITIVO DE PODER ... 22

1.3 CORPO E IMAGEM DA SÉTIMA ARTE ... 27

2 CORPO, ESPETÁCULO E CONTOS DE FADAS ... 36

2.1 A ARTE DO OLHAR- UM DISPOSITIVO TÉCNICO E ATO DE PRÁTICA DISCURSIVA... 36

2.2 O ESPETÁCULO... 39

2.3 CINEMA HOLLYWOODIANO ... 42

2.4 O ESPETÁCULO E OS CONTOS DE FADAS... 44

2.5 CONTOS DE FADAS- QUESTÃO DO BELO E FEIO ... 49

3 ANÁLISE DO CORPUS ... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 86

REFERÊNCIAS ... Erro! Indicador não definido. ANEXO: A GATA BORRALHEIRA- CHARLES PERRAULT ...94

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INTRODUÇÃO

Era uma vez, em um mundo encantado, uma moça e um rapaz, que pertenciam a esferas sociais diferentes. Eram jovens e belos. Gostavam-se genuinamente, mas a união entre eles não era possível porque determinadas verdades os mantinham distantes: ele era um príncipe, que deveria unir-se a uma princesa, para assim manter a realeza, e ela, uma moça humilde, a quem caberia uma união com um homem igualmente humilde. Mas a força da magia interveio em seus destinos, pois Ella era genuinamente boa, e por ser assim foi recompensada e mudou de vida. Com a ajuda de uma fada madrinha, que lhe dá uma aparência digna de majestade, ambos se casaram e viveram como uma família feliz, em um mundo que era repleto de magia sem fim. É a partir dessa estrutura que estabelece um único tipo de “final feliz” como conto de fadas que iremos analisar Cinderella (animação fílmica de 1950 e o filme de 2015), ao buscar compreender como estes clássicos permanecem na contemporaneidade e quais discursos que são (re)produzidos.

Na obra de Bruno Bettlheim, intitulada A psicanálise dos contos de fadas (2004), o autor postula possíveis impactos psicológicos dos contos na fase infantil, tais como a autoestima, a insegurança, a crença em seres místicos, a relação entre bem e mal, entre outros aspectos, explicando muitos comportamentos que vão ao encontro do que se vê nos contos de fadas. Apesar de serem predominantemente de origem maravilhosa, eles reproduzem discursos que envolvem o imaginário do “bom sujeito” que circula na sociedade.

Este imaginário do “bom sujeito” se materializa em discursos que tematizam os bons costumes sociais que devem ter um sujeito para que possa conviver socialmente e ser feliz. O papel do bom sujeito seria: ser inteligente, ser educado e sensível, trabalhar honestamente, ser piedoso, carinhoso, amável, ter um companheiro, constituir uma família, ter fé, principalmente, em alguma força exterior ou mágica, que viria auxiliar em momentos de dificuldades.

Assim, é possível observar modelos de práticas comportamentais que não são exclusivas do público infantil. Adultos independentes, homens e mulheres de faixas etárias diversificadas sofrem pelo anseio e pela busca da felicidade. Na tese de doutorado de Mirela Berger (2006), intitulada “Corpo e identidade feminina”, a autora traz reflexões em relação à

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busca pelo corpo ideal como aquilo que pauta a procura pela felicidade, tornando-se prática social.

Segundo Berger (2006, p.70), a sociedade constrói um imaginário cultural e nesta mesma cultura o corpo se inscreve como o maior entre os imaginários, pois é sobre o corpo que se investirão novos discursos sociais e de poder, em que a sociedade projeta seus valores. Em nossa sociedade ocidental vemos o cuidado com o corpo através de exercícios físicos e cosméticos para realçar a beleza física para aparentar ser jovem e belo. Segundo Casa Nova (1996, apud BERGER, 2006):

ginástica, músculos, nudez, exaltação da beleza física, conduzindo ao desejo de seu próprio corpo por meio de um trabalho insistente, meticuloso, que o poder exerceu sobre os vários corpos, das crianças, das mulheres, dos soldados, do corpo sadio (CASA NOVA, 1996, p.147 apud BERGER, 2006, p. 70).

A meta para se ter um corpo belo nas sociedades ocidentais se compõe de diversas práticas, uma delas é a modelação do corpo com exercícios físicos, outra está relacionada a conteúdos e produtos estéticos. Tal como diz Casa Nova (1996), isto afeta os corpos dos sujeitos das mais diversas faixas etárias tais como: homens, mulheres e até mesmo crianças. As mulheres da sociedade ocidental ainda almejam ter um corpo mais magro com a silhueta mais fina, já os homens desejam tornear seu corpo definindo os músculos, as crianças sonham em ser um príncipe ou uma princesa; isso nos mostra como o poder é inserido discursivamente sobre o corpo.

Dito de outro modo, cada cultura, de acordo com a ideologia dominante, constrói seu próprio corpo, por meio das práticas sociais, delimitando regras e valores sócio-histórico-ideológicos. Assim, não há apenas um único padrão de beleza, visto que o conceito de beleza é (re)construído sempre em uma dada cultura e época.

Finais felizes, o casamento, a busca do (corpo) ideal, entre outros fatores, fazem parte da raça humana ao longo da história. Isto não é exclusivo da sociedade contemporânea. A idealização do corpo, historicamente, remete-nos aos tempos da Grécia Antiga, quando se cultuava o corpo escultural. Em relação aos homens, priorizavam-se peitorais definidos e musculosos, como símbolo de sujeitos fortes e ágeis. As mulheres gregas eram esbeltas e possuíam linhas corpóreas harmoniosas como a silhueta fina e seios volumosos.

Na contemporaneidade, há outros discursos que circulam em nossa sociedade, como, por exemplo, o do corpo livre que propõe que o sujeito tem que aceitá-lo como ele é, com suas imperfeições, e isto deveria ser considerado belo, porque respeitado, o corpo seria belo ao sujeito que o constitui. Entretanto, o discurso sobre a idealização do corpo se

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materializa fortemente na sociedade contemporânea: continua a busca pelo corpo musculoso, torneado e esbelto. Sendo assim, a materialidade do que é visto como belo depende dos efeitos de sentido do que se enuncia.

De acordo com Berger (2006), a partir do século XVIII nas sociedades ocidentais, o investimento em adornos de roupas e joias era bastante valorizado, pois representava um papel político e social evidente:

Os vestidos eram longos, embora decotados, e os sapatos eram muito valorizados. Vigorava aqui a ideia de que os pés femininos deveriam ser pequenos e delicados, [...] mostrando que essas mulheres pertenciam a uma classe social abastada, não necessitando dos pés largos, estes associados às trabalhadoras e escravas. Portanto os critérios de beleza que definiam a mulher eram: ser branca, nunca demasiadamente pintada, com os cabelos cuidados e adornados em complicados penteados, bem vestida e de talhe esguio. [...] (BERGER, 2006, p. 73).

Sendo assim, o modo de se vestir refletia sobre o corpo um status social. As mulheres de pele branca e pés pequenos e delicados eram associadas à elite, tinham “sangue azul” – a pele era tão alva que os vasos sanguíneos, azulados, eram visíveis, de onde advém tal expressão. As pessoas da realeza não poderiam sair além dos arredores do castelo, ficando quase sempre no interior da fortaleza, não se expondo ao excesso do sol. Diferenciavam-se das trabalhadoras que ficavam no campo e fora dos arredores do castelo, tinham a pele mais escura devido à exposição ao sol, não transparecendo a coloração das veias corpóreas, além de serem consideradas mais fortes para o trabalho árduo, por terem pés largos e pele escura.

Nos anos de 1920, a concepção de beleza feminina ainda continua quase no mesmo patamar do século XVIII, mas agora com algumas distinções: a velhice está banida entre as mulheres, que passam a ter que enganar o tempo em relação à vida madura:

No cenário de 1920, as marcas do tempo já não serão bem vistas [...]. A modernidade instaurará o culto ao jovem, ao novo. Se não for possível ser eternamente jovem (não se pode parar o tempo), será necessário ao menos parecê-lo, através de técnicas de maquiagem, cosméticos, penteados e roupas (BERGER, 2006, p.79).

Outro aspecto relevante eram os padrões estéticos dos cabelos. Eram muito bem vistos os cabelos loiros lisos ou levemente ondulados, dando não apenas a aparência de um cabelo sadio, remetendo às mulheres bonitas e jovens, mas também ao status social. Berger (2006) afirma:

Era importante também que, além de loira, tivesse cabelos bem cuidados, finos e lisos, ou no máximo, delicadamente ondulados, pois estes também eram um poderoso símbolo de status. [...] Cabelos crespos ou ondulados em demasia remetiam aos traços da raça negra, sendo, portanto, mal vistos (BERGER, 2006, p.80).

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Esses discursos continuam circulando também pela mídia, desde que a tela da televisão (e do cinema) começou a fazer parte da vida do homem. A mídia audiovisual possui forte impacto, já que a beleza (ou o que se considera belo) é exposta visualmente não apenas nas novelas e programas de TV, mas também nos desenhos animados e nas histórias de contos de fadas.

O objeto de estudo de nosso trabalho é o filme Cinderella, lançado em 2015, pelos estúdios Walt Disney Pictures, e classificado como adaptação da animação homônima, de 1950, produzida pelo mesmo estúdio. A questão que norteia nossa pesquisa é: como se dá o funcionamento dos discursos sobre a mulher presentes em Cinderella e como isso se materializa no corpo feminino da sociedade ocidental contemporânea?

Nesse sentido, a metodologia do trabalho será constituída a partir do recorte de excertos visuais das cenas do filme, acompanhados das transcrições dos diálogos que figuram nos recortes. Nossa análise comparativa se dará a partir da interpretação da materialidade fílmica, tal como proposta pela metodologia da Análise de Discurso (AD), com embasamento teórico sobretudo dos escritos de Foucault e Courtine sobre o corpo simbolizado e materializado discursivamente.

Para analisar o corpo como espetáculo, a partir da compreensão de que ele materializa e faz circular discursos na sociedade, tendo como base o filme de 2015, parece-nos interessante observar as regularidades do ideal da beleza como sendo o mesmo no filme e na animação, buscando relacioná-los não apenas em suas semelhanças, mas também nas diferenças que pode haver entre a produção fílmica de 2015 e de 19501.

A relação entre eles se problematiza nos discursos que permanecem cristalizados em nossa sociedade e que refletem em práticas sociais. Principalmente, sobre o discurso da mulher que é visto em Cinderella e que permanece em nossa atualidade, como por exemplo, a mulher precisa ser bela, recatada e hábil para os afazeres do lar; precisa ser jovem para alcançar um “par perfeito” e, só então, ser feliz. Em relação ao comportamento feminino, faz-se necessário ser moderada, dócil e educada.

E em relação à diferença, temos outro tipo de discurso emergente, que vai além da beleza física, que é a aceitação da personalidade de cada indivíduo, considerar a pessoa como ela é, admitir e conviver com os defeitos e qualidades, discurso este que é bastante presente na atualidade. A pesquisa, assim, torna-se pertinente, pois irá depreender novas

1 Levamos em consideração que a produção fílmica trabalha com atores reais, já a animação fílmica trabalha

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leituras e sentidos sobre os objetos analisados a partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa.

Poderemos perceber as relações dos aspectos tradicionais que emergem discursivamente no corpo, e também as relações da contemporaneidade que fazem com que o filme Cinderella seja categorizado como um espetáculo clássico, mas que ao mesmo tempo, torna-se pertinente para ser assistido na atualidade, tornando-o atemporal. Pretenderemos concluir que o corpo estará relacionado às condições de produção, às práticas sociais, ao poder, e à multiplicidade de discursos que recaem sobre ele, sendo associado a valores morais e à suprema felicidade.

Esta dissertação se compõe de três capítulos entre esta introdução e as considerações finais. O primeiro capítulo é dedicado às reflexões de ordem teórica, apresentando conceitos-chaves da AD e observando como, ao longo do seu desenvolvimento, abriram-se caminhos para o estudo de outras materialidades além da verbal, inclusive do corpo, que será retomado na análise do corpus. Para tanto, balizar-nos-emos em conceitos e reflexões propostos por M. Pêcheux (apud MUSSALIM, 2009), M. Foucault (1989, 1996, 1997, 1998, 1999, 2001, 2004, 2005, 2008), Pierre Achard (1999) e J-J. Courtine (2013).

No segundo capítulo, abordaremos considerações a respeito do corpo, do cinema, dos contos de fadas e do espetáculo, buscando demonstrar como se dá essa espetacularização, a partir das reflexões de Guy Debord (2003), para quem o espetáculo não é apenas um mero conjunto de imagens, mas possui uma relação social entre pessoas mediada pelas imagens. Buscaremos observar, também, a partir de um estreitamento entre as reflexões do discurso e das teorias do cinema, como o espetáculo cinematográfico constitui-se por jogos de cenas, elencos grandiosos, atores escolhidos com cautela e roteiros incríveis para chamar a atenção de seus telespectadores e fazê-los vivenciar uma experiência única. Na continuação deste capítulo, abordaremos a questão do belo e do feio, sentidos que ainda permanecem em contos de fadas, nos mais diversos filmes, e como o “final feliz” faz parte da cultura e do social.

Já no terceiro capítulo desta dissertação, procederemos à análise do corpus propriamente dito, constituído de excertos de cenas do filme e algumas cenas da animação, comparando-as, levando em consideração imagens e legendas. Com a análise, buscaremos responder à problemática da pesquisa: Como se dá o funcionamento dos discursos sobre a mulher em Cinderella e como isso se materializa no corpo feminino da sociedade ocidental contemporânea. Observaremos os indícios do(s) corpo(s) espetacularizado(s) no filme e na

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animação para compreender os sentidos inscritos sobre eles (e os discursos que circulam a partir desses sentidos) na atualidade.

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1 ANÁLISE DE DISCURSO E CORPO: NOÇÕES TEÓRICAS

1.1 A AD E SUAS MATERIALIDADES

O discurso, dentro do campo de estudos da linguagem pode significar palavras em movimento até práticas discursivas sociais. Para a Análise do Discurso de linha francesa, compreende-se a língua fazendo sentido enquanto trabalho simbólico constitutivo do homem e sua história. A Análise do Discurso aborda o aspecto de não transparência da linguagem, e procura detectar no corpus como o discurso significa, ou seja, como se constituem os sentidos e como eles emergem.

A Análise do Discurso (doravante AD) tem como precursor Michel Pêcheux, e entre outros estudiosos, podemos destacar Michel Foucault e Dominique Maingueneau, que se debruçam sobre o discurso e como este produz sentidos em um espaço sócio-histórico. Para Pêcheux, a AD visa compreender como um discurso produz sentidos, enquanto objeto linguístico, histórico e social. Para ele, a significação não é sistemática, porque ela é da ordem do discurso. Essa semântica do discurso é assim concebida por Pêcheux (1990), segundo Mussalim (2009):

[...] como lugar para onde convergem componentes linguísticos e socioideológicos - em vez de uma semântica linguística, pois as condições sócio-históricas de produção de um discurso são constitutivas de suas significações (MUSSALIM, 2009, p.118).

Sendo assim, a AD concebe a linguagem como a realidade social, o homem e sua história. É por meio do discurso que se mantêm sentidos e/ou obtêm-se novos sentidos e transformações do homem e da realidade que presenciam. Ou seja, é por meio da linguagem que o homem transforma a si mesmo e a sua realidade. Portanto, o que podemos afirmar é que todo discurso produz sentidos, em relação aos seus aspectos histórico/social e ideológico.

Nas mais diversas áreas de conhecimentos nos campos das Ciências Sociais e Humanas, a preocupação em se entender o discurso, que emerge e passa a circular produzindo sentidos ao longo da história, ganha relevância. Orlandi (2009, p. 25) afirma que: “Tendo como fundamental a questão do sentido, a Análise de Discurso se constitui no espaço em que a Linguística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências Sociais”. Deste modo, a Análise de

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Discurso se constitui em uma disciplina teórica e metodológica que pesquisa as singularidades do discurso como produção social. Ainda que essa linha teórica tenha sido iniciada por Pêcheux, o filósofo Michel Foucault também observava os dizeres em curso e as relações de poder e saber que emergia deles.

As reflexões de Foucault (1989, 1996, 1997, 1998, 1999, 2001, 2004, 2005, 2008) são importantes para a Análise do Discurso, porque problematiza o discurso e suas relações de poder, esta fase é nomeada segunda fase da AD. A partir das considerações de Jean-Jacques Courtine (2013), os estudos foucaultianos no Brasil foram ganhando bastante notoriedade porque problematizam noções a respeito de enunciados, discursos, história, práticas discursivas e suas relações de poder. Neste primeiro capítulo, traçamos os conceitos dessa AD de base foucaultiana, que nos auxiliará no percurso de análise do filme Cinderella e nos dará base para compreender como os discursos emergem na sociedade atual.

O discurso obedece a regras para emergir, o que nos leva a observar as condições de possibilidades para o surgimento de um determinado enunciado e nenhum outro em seu lugar. Entendido como unidade do discurso, o conceito de enunciado é assim definido:

O enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita). Não há razão para espanto por não se ter podido encontrar para o enunciado critérios estruturais de unidade; é que ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço. (FOUCAULT, 2008, p.98).

Em outras palavras, o enunciado não é (ou não precisa ser) puramente linguístico, no sentido da justaposição de signos segundo o funcionamento sistemático da língua, mas sim, é uma função de existência para que se possa identificar se há ou não sentidos em uma materialidade na sua formulação lógica de signos. Segundo Gregolin (2004), a língua é um sistema que constrói enunciados possíveis, e para Foucault, o que lhe interessava em seus estudos era como uma simples frase se transformava em enunciado. Isto se deve, justamente, à função enunciativa, pois o enunciado é produzido a partir de um sujeito pertencente a um lugar institucional, regido por regras sociais e históricas que permitem que o enunciado tenha uma materialidade, seja dito/mostrado.

O enunciado é também constituído por sua singularidade, mas também, ao mesmo tempo, possui regularidade de sentidos. No que tange à regularidade, podemos entender que por ter sido “dito” antes em outro lugar (interdiscurso), o que já foi dito abre-se

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a repetições, retomadas, por isso o enunciado é regular. Ao mesmo tempo, por sua vez, é também singular por ser “único” dentro de condições de emergência específicas, que consideram a posição do sujeito e a história.

De acordo com Gregolin (2004, p. 90), o conceito de Formação Discursiva de Foucault provém da reflexão sobre “[...] os enunciados como formas de repartição e sistemas de dispersão”. Esta formação discursiva é constituída pela regularidade de funcionamento dos enunciados, para Foucault (2008, p.43):

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva. (FOUCAULT, 2008, p. 43).

Em outras palavras, são esses tipos enunciativos que conferem peculiaridades para as formações discursivas, e que possibilitam a dispersão discursiva para a regularidade, que é alcançável por meio de análises de enunciados. Outro campo associado à formação discursiva está intimamente ligado ao domínio de memória, abordado por Courtine (2013). Para isto, o autor recorreu aos estudos foucaultianos para chamar de domínio de memória as práticas discursivas que são produzidas e que circulam nos mais variados lugares heterogêneos relacionados à prática social. É por meio do efeito de memória que os enunciados se ordenam e se sucedem na medida em que se afirmam, ou até mesmo se opõem. Dito de outro modo, o enunciado é unido a uma série de enunciados que o antecedem e ao mesmo tempo que a ele se referem, deste modo, atualizando-o ou o sucedendo.

Para Foucault, os discursos são “[...] práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam [...]” (FOUCAULT, 2008, p.55). Para o filósofo francês, as palavras e as coisas se relacionam de forma complexa, pois há uma relação histórica entre elas. Assim, é a relação do próprio discurso com os mais variados níveis de complexidade tais como: níveis da linguagem, do sócio-político, do geográfico que possibilitam que esses discursos sejam analisados.

Outro aspecto relevante no âmbito do enunciado é o acontecimento discursivo. Foucault (2008) afirma que o campo dos acontecimentos discursivos é:

[...]o conjunto sempre finito e efetivamente limitado das únicas sequências linguísticas que tenham sido formuladas: elas bem podem ser inumeráveis e podem, por sua massa, ultrapassar toda capacidade de registro, de memória, ou de leitura: elas constituem, entretanto, um conjunto finito. (FOUCAULT, 2008, p. 30).

Em outras palavras, podemos dizer que o enunciado é um acontecimento discursivo. Mesmo sendo único como acontecimento, o enunciado está aberto a todo tipo de

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repetição, transformação ou reativação (relacionando-se com enunciados que o precedem e que o seguem). É o que permite relacionar o discursivo com os acontecimentos de ordem política, social, econômica, histórica (sendo que o acontecimento discursivo são acontecimentos históricos, pois o próprio acontecimento é uma irrupção de uma singularidade histórica). Desta forma, a compreensão do discurso como acontecimento se faz pelo entendimento de quais são as condições de possibilidade pelas quais o discurso emerge.

Neste patamar, a História está intimamente ligada ao discurso, ao sujeito e ao sentido. Foucault (2008) declara que:

[...] a história é o que transforma documentos em monumentos e que desdobra, onde se decifravam rastros deixados pelos homens, onde se tentava reconhecer em profundidade o que tinham sido, uma massa de elementos que devem ser isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em conjuntos. Havia um tempo em que a arqueologia, como disciplina dos monumentos mudos, dos rastros inertes, dos objetos sem contexto e das coisas deixadas pelo passado, se voltava para a história e só tomava sentido pelo restabelecimento de um discurso histórico; que poderíamos dizer, jogando um pouco com as palavras, que a história, em nossos dias, se volta para a arqueologia – para a descrição intrínseca do monumento. (FOUCAULT, 2008, p. 8)

A história tradicional se dedicava a narrar os monumentos do passado para reconstruir o que a humanidade disse e eternizar seus feitos, como se fosse algo totalmente objetivo e nítido. No entanto, o conceito de monumento refere-se a uma postura arqueológica em relação aos discursos, ou seja, o monumento significa dizer que o discurso (o documento) será passível de ser desmontado em busca de unidades coerentes menores que possam nos oferecer possibilidades finitas de construções referentes ao período estudado. O documento não é instrumento histórico, mas sim é o próprio objeto, não sendo algo neutro, usado como monumentos (instrumentos de poder que serão eternizados na história).

O conceito de História dado por Foucault (2008) se distingue da concepção tradicional conferida a esta disciplina, ou seja, a História convencional, segundo Foucault, se caracteriza por narrar e não interpretar os fatos que foram notáveis ocorridos em uma determinada sociedade e época, sendo assim, vias de sucessões contínuas de ações e eventos que determinam, deste modo, a origem e o progresso dos acontecimentos.

A história tradicional e contínua é aquela que constitui o projeto da história global, de sua evolução e de significação. Foucault (2008) ressignifica a história: para o autor é a revelação de como as instituições e seus processos econômicos e sociais dão lugar a vários tipos definidos de discursos. Para ele, a história é descontínua, pois funciona como o estigma da dispersão temporal que o próprio historiador se encarregava de suprimir da história:

Para a história, em sua forma clássica, o descontínuo era, ao mesmo tempo, o dado e o impensável; o que se apresentava sob a natureza dos acontecimentos dispersos- decisões, acidentes, iniciativas, descobertas- e o que devia ser, pela análise,

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contornado, reduzido, apagado para que aparecesse a continuidade dos acontecimentos. (FOUCAULT, 2008, p.9).

Em outras palavras, é a percepção possível do historiador sobre aquele objeto, sendo o próprio historiador responsável pelo que será ou não permanente e contado na história. Segundo Foucault (2008, p.8): “a história é, para uma sociedade, uma certa maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela não se separa.”. Sendo assim, define-se e se diferencia a história contínua da descontínua:

O primeiro motivo [a história contínua] condena a análise histórica do discurso a ser busca e repetição de uma origem que escapa a toda determinação histórica; o outro [a história descontínua] a destina ser interpretação ou escuta de um já dito que seria, ao mesmo tempo um não-dito (FOUCAULT, 2008, p. 28).

A história não é vista apenas como uma trajetória linear/cronológica, mas sim algo circunstancial, eventual e repetitivo, que não forma um percurso coerente; sendo assim, a história é descontínua, admitindo-se transformações, descontinuidades e rupturas.

Em relação aos acontecimentos discursivos, Foucault aborda outros conceitos: “arquivo” e “memória discursiva”. Para ele, o arquivo é um conjunto de discursos pronunciados que está também ligado ao fator histórico. Ou seja, o arquivo participa, de certo modo, do processo de atualização dos enunciados. Portanto, para Foucault (2008, p. 147) o arquivo é “de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares”.

De acordo com a análise foucaultiana, a formação discursiva carrega os discursos e saberes que devem ser compreendidos e expostos. Para o filósofo, a intenção é de investigar a regularidade dos enunciados inscritos em determinadas formações discursivas e descrever os fatos que são encontrados em seus arquivos.

Já o conceito de memória discursiva implica, segundo Courtine (2013), que não há discursos que sejam interpretáveis sem fazer referência a uma memória; existe no interior do discurso um já dito em outro tempo e lugar, dialogando com outros discursos: isso gera o efeito de memória no interior de um discurso.

Um fazer histórico se concretiza por meio do que pessoas dizem ou que já disseram sobre algo que tornou acontecimento e o que já foi dito constrói uma verdade discursiva. Por isso, a história traçada por Foucault é a manifestação de como as instituições e seus processos sociais e econômicos dão lugar a tipos determinados de discursos. Assim, entende-se que objetos e sujeitos não existem a priori, mas sim são construídos discursivamente. Tal qual o fato histórico, que depende da interpretação e subjetivação do historiador (sujeito) para relatar o que será pertinente ou não para a história.

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É importante ressaltar que os objetos são, acima de tudo, históricos (já que não se pode dizer qualquer coisa em qualquer época). Estes objetos não preexistem a eles mesmos, eles surgem sob “condições positivas de um feixe complexo de relações.”. (FOUCAULT, 2008, p. 50). E estas relações são ligadas em “instituições, processos econômicos e sociais, formas de comportamento, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização” (FOUCAULT, 2008, p.50).

Assim, é pela história que podemos observar as condições de emergência de produção dos discursos. Obedecendo a um dispositivo de organização do que pode e deve ser dito em dado momento histórico, constroem-se práticas discursivas que dão existência a sujeitos e objetos.

Segundo as reflexões do filósofo francês, o sujeito é heterogêneo, clivado, ocupa o papel de sujeito da enunciação e são as práticas discursivas que vão definir as condições para que o enunciado possa ser válido. O sujeito é também uma construção realizada pelas práticas discursivas, constituído historicamente pela ideologia. É a partir desta historicidade que se tem os jogos de verdades.

Os jogos de verdades são um conjunto de regras de produção de verdades e de mudanças de regras nesta produção que dão o sentido de verdade e que vão sendo modificadas ou cristalizadas ao longo do tempo. A cada instante, na nossa sociedade, são produzidos (efeitos de) verdades. É interessante notar que, para Foucault, o sujeito é uma forma que varia de acordo com as relações de jogos de verdade, que estão intimamente ligados ao poder e seus mecanismos. Conforme afirma Murad (2010):

Conforme Foucault, o sujeito não é uma substância, mas mais aproximadamente, uma forma. Porém, essa forma também não é idêntica a si mesma. O sujeito não tem consigo próprio o mesmo tipo de relação enquanto sujeito político e enquanto sujeito de uma sexualidade. Em cada relação que estabelece, se posicionará de uma forma diferente. Há, então, várias formas de sujeito conforme as relações que este estabelece com os diversos “jogos de verdade”. (MURAD, 2010, p.1).

As práticas de constituição do sujeito são chamadas de subjetivação, é por meio destas práticas que o sujeito reagirá sobre si mesmo e também perante o social que vivencia, conforme cada cultura e tempo histórico do qual pertence. Essa subjetivação também o constitui. Foucault utiliza os termos “práticas de si” e “cuidado de si” para analisar como este sujeito é constituído.

Os cuidados de si estão relacionados à moral e à ética, tendo em vista a liberdade individual dos sujeitos, portanto, a ética se refere ao modo de agir e ser do sujeito perante as regras que lhe são mostradas e constituídas por cada sociedade. Segundo Foucault (2004):

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Para se conduzir bem, para praticar adequadamente a liberdade, era preciso ocupar-se de si mesmo, cuidar de si, ao mesmo tempo para ocupar-se conhecer – eis o aspecto familiar do gnôthi seauton – e para se formar, superar-se a si mesmo, para dominar em si os apetites que poderiam arrebatá-lo. (FOUCAULT, 2004, p. 268).

As práticas de si são definidas como sendo práticas regulares/sistemáticas organizadas na ação do homem, que, por sua vez, giram em torno do poder, do saber e da ética. O poder é entendido como um lugar estratégico em que são encontradas as relações de forças poder/saber, inserido em todos os ramos da sociedade, desde uma família até os poderes políticos/estatais. Foucault (1989, p.231) afirma que: “Na sociedade, há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte, relações de forças de pequenos enfretamentos, microlutas, de algum modo”. É interessante notarmos que essas relações de poder não são formas a priori, pois não há um poder supremo que nunca será rompido. O poder gera também uma resistência a esse próprio poder, e quanto maior a resistência maior será o poder instaurado frente a ela. As resistências do sujeito são a renúncia de qualquer submissão ou assujeitamento a qualquer poder.

Dito de outro modo, as práticas são estratégias/técnicas utilizadas, por meio das quais a liberdade do sujeito é, de certo modo, evidenciada. Em nossa pesquisa, temos a relação de poder da Madrasta, quando enuncia a proibição de Ella ir ao baile: há uma relação de poder, de um sujeito que se legitima por meio de uma relação na hierarquia familiar (e é autorizado a dizer) para Cinderella (que, de acordo com essa mesma hierarquia, deveria ser submissa e obediente, acatar a ordem), mas há também um movimento de resistência que impulsiona Ella fazer o que foi proibido (ir ao baile) pela Madrasta. Portanto, a resistência é evidenciada por uma certa liberdade do sujeito Cinderella de subverter uma determinada relação de poder imposta pela hierarquia familiar com o poder disciplinar de obediência/desobediência. Desta forma, o sujeito procura se elaborar, transformar para atingir um modo de ser que responde aos “jogos de verdade”.

Os discursos possuem suportes histórico/institucionais que proíbem ou permitem sua ação e realização. Um sujeito apenas diz o que diz, pois é constituído pelo lugar institucional, pela ideologia e está inserido em um dado momento histórico. Sendo assim, compreendemos que o discurso é uma prática discursiva, que constrói sentidos e verdades. Para Foucault (2008, p.133), a prática discursiva é um “conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa.”.

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Com isso, temos o discurso, que são os dizeres em curso, que está no dito e no não dito, considerando-se o momento histórico e social de formulação e produção, já que cada discurso é singular e heterogêneo, tem existência material e ao mesmo tempo histórica. Para Foucault (1976):

O discurso não deve ser assumido como o conjunto das coisas que se diz, nem como a maneira de dizê-las. Ele está outro tanto no não dito, ou no sinalizado por gestos, atitudes, modos de ser, esquema de comportamento, deslocamentos espaciais. O discurso é o conjunto das significações coercivas e constrangedoras que perpassam as relações sociais. (FOUCAULT, 1976, apud COURTINE, 2013, p.26).

Ao abordarmos que o discurso está também no não dito, isso quer dizer que há marcas de apagamento na própria irrupção do discurso. Deste modo, o discurso é controlado e esse controle se exerce a partir de alguns mecanismos discursivos: o efeito de exclusão, rarefação e sujeição. O efeito de exclusão se baseia no fato de que, ao dizer determinados enunciados, não se diz outros, e isto está intimamente ligado aos conceitos de poder e de vontade de verdade que regem essa ordem do discurso. Segundo os dizeres de Foucault (1996, p. 9): “não se tem o direito de dizer tudo, [...] não se pode falar tudo em qualquer circunstância, [...] qualquer um não pode falar qualquer coisa.”.

Em relação à rarefação que o próprio Foucault nomeia de “rarefação dos sujeitos que falam”, entendemos que os sujeitos produtores de um discurso seguem regras que envolvem o ritual, as sociedades de discurso, as doutrinas e as apropriações sociais do discurso. No ritual, são definidos todo o conjunto de enunciados que devem acompanhar o discurso para que haja eficácia necessária tanto para o falante quanto para os ouvintes.

E é a partir da compreensão de que o discurso está, para além do dito, no que não foi dito, no que foi gesticulado, nas ações e comportamentos e nos deslocamentos espaciais, que observamos nosso objeto de estudo, pois compreendemos que a AD visa fazer aparecer o modo como o discurso funciona e como ele produz sentidos enquanto objeto linguístico/histórico/ideológico, em suas condições de emergência. Desse modo, torna-se interessante pensar o discurso sobre o corpo, levando em consideração que o corpo também é discurso e produz discursos.

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O corpo, segundo o dicionário Houaiss, é definido como “a estrutura física de um organismo vivo [...] englobando suas funções fisiológicas; parte concreta, material dos seres”, porém, para além do concreto, o corpo também é construído como materialidade discursiva e pode produzir sentidos. Pensando no discurso como foi definido, ele se estenderá aos domínios do não verbal (como por exemplo, a pintura, o cinema, televisão, estes últimos relacionados à imagem em movimento). Portanto, nota-se que a materialidade discursiva pode ser heterogênea, assim como seus suportes. Entretanto, para ter existência, essa materialidade precisa de “uma substância, um suporte, um lugar e uma data” (FOUCAULT, 2008, p. 114).

Deste modo, o corpo passa a ser materialidade, obedece a certas leis como, por exemplo, as ordens institucionais a que ele está associado. A irrupção do corpo como objeto discursivo obedeceu a determinadas condições de emergência histórica, que teceram um percurso de sentidos e que o levaram desde a objetificação pelo discurso médico até o âmbito em que, pelo próprio corpo, são produzidos sentidos. Nesse caminho, como uma dada produção de conhecimento, neste caso, o corpo se tornou possível de ser entendido de vários modos em diferentes contextos sociais e históricos. Neste subitem, explicaremos o modo como o corpo foi constituído a partir de um trajeto histórico e como esse percurso é imprescindível para nossa pesquisa.

O corpo, na sociedade ocidental, em meados do século XV, era visto como algo especificamente divino, intocável. De acordo com a Igreja, o corpo era algo a ser contemplado, guardado para Deus e sagrado aos olhos divinos, não podendo ser usado para fins carnais, tal como o ato sexual, pois o ato seria considerado impuro e, portanto, o corpo se desligaria do divino, deixando de lado a alma para satisfazer aos desejos carnais e impuros. Ceccarelli (2011) afirma:

Desde os seus primórdios, a cultura ocidental traz a marca de uma aversão, ou mesmo ódio, que hostilizava o prazer e o corpo. As origens desse legado pessimista encontram-se na Antiguidade e devem-se a vários motivos dentre os quais considerações médicas e a religião órfica. Por exemplo, Pitágoras considerava as relações sexuais prejudiciais, embora o fossem em escala menor se praticadas no inverno. Para Hipócrates o sêmem proporcionava ao corpo a máxima energia e deveria ser retido sempre que possível; já a sua perda, apressaria a morte. (CECCARELLI, 2011, p. 2).

O corpo era sujeitado à doutrinação religiosa da qual se pregava um corpo puro e consequentemente, a alma era livre de pecados. A Igreja pregava aos fiéis que o espírito era algo bom e que não poderia ser corrompido, pois era o único meio de conectar o ser humano ao reino Divino, portanto, não poderia pertencer a um corpo impuro, pois se o corpo era repleto de pecados, consequentemente, a alma também não seria digna de Deus (já que a alma cedeu às vontades carnais). O carnal era relacionado às ações pecaminosas tais como: aos atos

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sexuais antes do matrimônio, às relações homossexuais, ao pecado da gula que estão relacionadas apenas ao corpo como aspecto físico, sendo desligado da alma, assim, o corpo impuro não era digno da piedade Divina, por isso, não podia ser salvo. Segundo Ceccarelli (2011, p.3): “Na civilização ocidental o “puro” passou a ser o não sexual; enquanto o “impuro” corresponde, essencialmente, a todas as formas de vida sexual. Consequentemente, o impuro tornou-se corporal. [...]”.

O corpo só passou a existir como um objeto interdisciplinar a partir das modificações discursivas sobre ele que começaram na idade média (em meados do século XV) para a modernidade. No âmbito discursivo, a reflexão sobre ele é diferenciada, pois se desloca para o lugar da opacidade, para a produção de sentidos. Por exemplo, o corpo esbelto, no século XXI, é ainda tido como aparentemente sadio e que se torna um exemplo a ser seguido da boa forma e saúde. Desta forma, o corpóreo é a “forma material” que se constitui pelo/no discurso, caracterizado, por sua vez, como um elemento de expressão cultural carregado com distintas marcas sociais, culturais e históricas.

Em meados do século XIX, o corpo foi estudado como objeto pertencente à medicina, com o objetivo de curar enfermidades e avançar nas ciências biológicas. Sendo assim, foi tomado por várias disciplinas, sobretudo as da área de saúde, como algo natural e biológico. A história corpórea, portanto, vista nos séculos XIX e XX é uma história de medicalização. Moulin (2011) afirma que:

A história do corpo no século XX é a de uma medicalização sem equivalente. Ao assumir e enquadrar um sem-número de atos ordinários da vida, indo além daquilo fora anteriormente imaginável, a assim chamada medicina ocidental tornou-se não apenas o principal recurso em caso de doenças, mas um guia de vida concorrente das tradicionais direções de consciência. Ela promulga regras de comportamento, censura os prazeres, aprisiona o cotidiano em uma rede de recomendações. [...]. (MOULIN, 2011, p. 15)

O corpo era estudado em sua anatomia, e servia para o aprendizado didático médico, para a construção de um saber sobre o interior físico do corpo humano. Mas, para isso, era necessário, em primeira instância, perceber as patologias no corpo humano, visando, a partir das enfermidades, os reforços para a defesa do organismo, para se conseguir um corpo saudável. Com isso, desenvolve-se a medicina preventiva. Segundo Moulin: “O desenvolvimento da medicina preventiva provocou um curto-circuito na experiência da doença [...]. A medicina procura, agora, não apenas enunciar um prognóstico para os próximos dias, mas dizer o futuro. [...].” (MOULIN, 2011, p.20).

No entanto, o século XX marcou historicamente o sentido do corpo por meio de seus avanços tecnológicos e novas ideologias que submeteram o corpo a ser passível ao

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objeto de consumo, de ter um corpo belo para dada sociedade. Sendo assim, quem não tivesse marcas do corpo modelo, seria fácil torná-lo um, utilizando os procedimentos da estética faciais e corporais. Por meio deste modelo, a mídia e outros suportes exploraram e exploram esses corpos desejáveis, oferecendo produtos ou mostrando os corpos como algo que precisa ser almejado e ao mesmo tempo possuído. É interessante notarmos que, por meio deste corpo modelo, também é afirmada uma identidade. Segundo Vigarello (2011):

[...]. Daí a ideia de um domínio sempre maior, mas também de um conhecimento mais interiorizado. Daí essa constatação, sobretudo de um treinamento físico e de um desenvolvimento pessoal que se desvia com a própria imagem do corpo, que se tornou, com o século, uma jogada sempre mais evidente e central de identidade. (VIGARELLO, 2011, p. 198).

Assim, na atualidade, o corpo belo passou a ser considerado sinônimo de um corpo sadio, disponível à preservação da beleza e juventude. Como vemos em nosso cotidiano, o corpo ideal, no interior de uma ideologia esteticista, gera um efeito de evidência ao unir belo e saudável, o que pode ser observado em capas de revistas fitness, novelas, filmes, entre outros suportes. Não há apenas uma mera imagem corpórea a se mostrar, mas sim, é algo a ser desejável e adquirido. Tal como em nosso objeto de análise, a personagem Ella, no filme, é evidenciada como um “verdadeiro” exemplo de beleza, pois ela é uma mulher jovem com um corpo aparentemente belo: sedutor e magro com pele branca e delicada, o que mostra evidências de como o rosto deve aparecer sem marcas ou manchas, dando assim, a impressão de que ser bela é, ao mesmo tempo, ser saudável.

O estudo sobre o corpo como objeto discursivo deve muito à obra foucaultiana, de acordo com Courtine (2013), pois Foucault inscreveu a concepção do corpo como sentido na história e em suas relações de poder, ele observou que o corpo é repleto de significantes no discurso e que posicionam os sujeitos em lugares discursivos, o que pode gerar identificação e produz determinados sentidos. Assim, o corpo seria lugar das significações, do simbólico. Foucault (1997) afirma que:

O corpo é também diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder operam sobre ele uma influência imediata; elas investem contra ele, o marcam, o adestram, o suplicam, o constrangem a trabalhos, o obrigam a cerimônias, cobram dele signos. (FOUCAULT, 1997, p. 30).

Foucault afirma que: “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações” (FOUCAULT, 1999, p.116). Ele explicita que micropoderes estão presentes no corpo social, acarretando, de certa forma, mudanças e transformações de condutas nos indivíduos ou grupo social. Assim, o corpo aparece em um lugar institucional/sócio-histórico na vida dos sujeitos.

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Foucault (1989, p. 232) reflete sobre essas relações de poder e resistência: “Não há relações de poder que sejam completamente triunfantes e cuja dominação seja incontornável”. Pois não há um poder absoluto que não se possa ser rompido pela resistência, como por exemplo, o papel paterno em uma família tradicional é discursivamente um papel de autoridade – é ele quem comanda a família – e exerce um tipo de poder nas relações que mantém com filhos e esposa. Entretanto, esse poder patriarcal não será totalmente triunfante, pois os sujeitos dominados podem exercer a resistência, e desacatar a ordem que lhes é imposta – tornando visível a tensão poder/resistência.

E é neste patamar que o corpo também é alvo e, ao mesmo tempo, objeto do poder, pois ele é moldado/adestrado a ser obediente e disciplinado, tornando-se útil e produtivo. O resultado disso é uma política e ideologia calculada para obtenção de controle de atitudes, gestos e até mesmo de comportamentos. De acordo com Foucault (1999, p. 117), o poder é um dispositivo que molda um corpo dócil: “um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”.

O corpo pode ser controlado por meio das disciplinas, o próprio controle econômico que, de certo modo, molda gestos, atitudes, o comportamento do corpo ativo. Um corpo adestrado teria como meta alcançável a utilidade e inteligibilidade, cuja finalidade de tais práticas, portanto, consiste em criar corpos dóceis.

Sendo assim, o homem torna-se o principal alvo, pois este é coagido a viver de acordo com os discursos que são produzidos em um determinado momento histórico da sociedade, que são discursivamente construídos corpos ideais pelos “jogos de verdade”. É por meio da construção discursiva que o corpo é coagido a ter aparência saudável. Foucault (1999, p. 117) afirma que os padrões/disciplina são “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade”.

Na modernidade, o corpo é um objeto problematizado, induzido por forças e produtor de sentidos, que dependem do contexto histórico/social. Ele se configurará como uma série constante de normalidade que ocorre por meio das práticas discursivas. E como prática, a noção de beleza se tornou importante na contemporaneidade, pois a sociedade atual é preocupada com a aparência estética, com o corpo saudável, com rostos e corpos belos.

Tudo isso se torna válido devido a grandes mecanismos construídos como verdadeiros pelo poder, garantindo, assim, sua produção. Neste caso, a disciplina da saúde controla os corpos para um melhor domínio da sociedade (corpos saudáveis) e ao mesmo

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tempo as garante com a consolidação do capitalismo (empresas do ramo estético). Foucault (1989) afirma:

[...] o surgimento da saúde e do bem−estar físico da população em geral como um dos objetivos essenciais do poder político. Não se trata mais do apoio a uma franja particularmente frágil − perturbada e perturbadora − da população, mas da maneira como se pode elevar o nível de saúde do corpo social em seu conjunto. Os diversos aparelhos de poder devem se encarregar dos "corpos" não simplesmente para exigir deles o serviço do sangue ou para protege−los contra os inimigos, não simplesmente para assegurar os castigos ou extorquir as rendas, mas para ajudá−los a garantir sua saúde. O imperativo da saúde: dever de cada um e objetivo geral. (FOUCAULT, 1989, p.109).

Deste modo, os aparelhos de poder são os hospitais, as clínicas, a academia, a mídia, que exercem poderes sobre o corpo, sobre o social, de forma a convencê-los (discursivamente) de que para se ter um corpo forte, atraente, fitness é preciso praticar exercícios físicos, para manter a mente e, principalmente, o corpo saudáveis. Os discursos emergentes de autoestima melhorada e reconhecimento de um novo eu, além de garantir a rotação dos lucros nas empresas, pois quanto maior for o conjunto de seres coagidos a praticar exercícios físicos, cirurgias plásticas, dietas de emagrecimento para alcançar o corpo belo e ser /parecer feliz, também traz mais renda para os aparelhos de poder.

1.3 CORPO E IMAGEM DA SÉTIMA ARTE

A imagem é uma representação visual e simultaneamente repleta de sentidos/discursos emergentes na sociedade. Jacques Aumont (2002) nos traz reflexões teóricas sobre a imagem ao afirmar que ela nunca é gratuita, possível razão para sua produção é que ela está no domínio do simbólico, sendo, assim, uma mediação entre o espectador e a realidade2.

Na relação da imagem com o real, segundo Arnheim (1969, apud AUMONT, 2002), temos uma tricotomia formada por: valores de representação, símbolo e signo. O valor da representação define que a imagem é uma representação de coisas concretas com existência material, e é construída/representada a partir de uma concepção sobre a realidade.

2É a partir do efeito de realidade simulado pelas mídias, inclusive a cinematográfica, que vamos nomear o real

neste trabalho: o efeito de uma realidade comum, cotidiana, construída no imaginário social. É também a partir desse efeito de realidade que se constroem os efeitos de verdade do discurso.

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O valor de símbolo representa algo abstrato, não material, como, por exemplo, uma imagem que alude ao tema do sofrimento. Esta imagem terá várias perspectivas de definição, tratará das mais variadas formas de se identificar o sofrimento, desde a perda de entes queridos até crianças desnutridas. Vale ressaltar que o valor do símbolo é carregado historicamente, pois uma mesma imagem poderá produzir efeitos de sentido diversos, dependendo do período histórico/social vigente. Aumont (2002, p. 79) afirma: “[...] o valor simbólico de uma imagem é, mais do que qualquer outro, definido pragmaticamente pela aceitabilidade social dos símbolos representados”.

O valor de signo, segundo Arnheim (1969) consiste na imagem que “representa um conteúdo cujos caracteres não são visualmente refletidos por ela” (ARNHEIM, 1969 apud AUMONT, 2002, p. 79). Um exemplo para a imagem em valor de signo seriam as placas de trânsito que permitem identificar (por meio do olhar) seu significado. Ainda que não haja enunciados/palavras, são identificáveis por conter signos que significam em um dado momento sócio histórico.

Sobre o aspecto funcional da imagem na sociedade, ela desempenha três papeis importantes, segundo Aumont (2002, p. 80-81): o primeiro deles, o modo simbólico, ocupava, em primeira instância, a esfera da religiosidade, trazendo esculturas de Deus e de santos que elucidavam o divino. Essas mesmas esculturas eram utilizadas para a veneração dos fiéis que acreditavam que, por meio dessas imagens, chegariam ao ato representativo da divindade, sendo as esculturas o ponto mais próximo entre o santo e o terreno.

O segundo aspecto funcional da imagem é o modo epistêmico cujo efeito é simbólico. Aumont (2002, p. 80) afirma: “traz informações (visuais) sobre o mundo”. Em outras palavras, é a própria simbologia da imagem que traz orientações, conhecimentos e informações importantes sobre o aspecto humano, geográfico, entre outros, como, por exemplo, os mapas rodoviários que trazem informações apenas com as imagens de rodovias e possíveis caminhos a serem seguidos para um determinado destino.

Por fim, mas não menos expressiva, a imagem possui seu modo estético (AUMONT, 2002, p. 80): “A imagem é destinada a agradar seu espectador, a oferecer-lhe sensações específicas”. Este modo é muito utilizado em filmes e em propagandas publicitárias, tal qual uma propaganda que combina jogos de imagens e cores que, aos olhos do espectador, gera sensações agradáveis e (possivelmente) desejo de adquirir o produto exposto em diferentes suportes (televisão, revistas, outdoors) pelos quais a propaganda é veiculada.

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Em relação ao espectador e sua identificação com a imagem, já que o trabalho do reconhecimento da imagem vai além do sentido visual, a imagem também pode proporcionar sensações específicas em um sujeito pelo aspecto de rememoração: “O instrumento da rememoração pela imagem é o que se pode, genericamente, chamar de esquema; estrutura relativamente simples, memorizável, como tal além de suas diversas atualizações” (AUMONT, 2002, p. 84). O espectador vê uma determinada imagem e nela há sentidos que causam sensações específicas. A cada (novo) olhar haverá novas percepções de sentidos, sensações e significados, como ocorre frequentemente em pinturas.

Na perspectiva simbólica, temos a imagem do corpo, corpo simbólico que produz efeitos e sentidos nos mais variados aspectos. Segundo Droguett (2002, p. 288), “o corpo é uma imagem [...]”. Não apenas a imagem real como um reflexo no espelho, mas sim, a percepção do outro sobre o corpo, produzindo possíveis sentidos. O corpo é representado como imagem simbólica e ao mesmo tempo faz parte de uma linguagem e de uma cultura:

O corpo simbólico constitui o código fundamental da linguagem, o lugar onde a cultura dialoga, a voz do grande Outro - a escrita do Outro, o discurso universal, a verdade, a mediação. O significante que falta ou o significante da falta. (DROGUETT, 2002, p. 291)

Para ilustrar que o corpo é representado como uma imagem simbólica e ao mesmo tempo parte de uma cultura, nesta pequena leitura interpretativa observamos uma pintura do período Renascentista: o quadro mundialmente famoso intitulado “O Nascimento de Vênus” do italiano Sandro Botticelli (figura abaixo). A obra preza o corpo humano como algo comparado ao divino, algo glorioso – o aspecto do homem ser igual à divindade nomeou-se “antropocentrismo” (o homem no centro do universo.).

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Podemos perceber o corpo repleto de sentidos, como seria um corpo feminino digno de admiração, a representação de um sujeito feminino a partir de um corpo torneado, aparentemente jovem, uma face delicada com traços definidos, cabelos longos e com suaves ondulações. Seria a representação de um corpo feminino belo na época Renascentista.

Há também a representação do corpo masculino: jovem, abdómen definido e forte, sem pelos, pele e cabelo claros, além de um rosto angelical, evidenciando, assim, a força do homem, sua beleza juvenil e viril. Isso nos mostra como a imagem carrega sentidos sociais e culturais, e como é marcado o lugar do corpo pelo/no discurso.

Na obra do pintor italiano, temos possíveis efeitos de sentidos que ainda ressoam em nossa sociedade contemporânea, tal como a beleza feminina e masculina, para a qual o corpo precisa ser jovem e possuir vitalidade para ser considerado belo perante a sociedade. Isso produz um efeito de memória que atualiza sentidos produzidos outrora e que voltam a emergir. É importante compreender, aqui, o conceito de memória social. Achard afirma que:

[...] para que haja memória, é preciso que o acontecimento ou o saber registrado saia da indiferença, que ele deixe o domínio da insignificância. É preciso que ele conserve uma força a fim de poder posteriormente fazer impressão. Porque é essa possibilidade de fazer impressão que o termo “lembrança” evoca na linguagem corrente. (ACHARD, 1999, p. 25)

As produções culturais podem ser dos mais variados aspectos, tais como: filmes, animações, peça de teatro, e ser reproduzidas por meio dos suportes televisivos, cinematográficos, teatrais, entre outros. O que tem ganhado grande repercussão é o cinema, desde o começo do século XX. A descoberta dos projetores repercutiu mais como uma curiosidade dentro dos grupos que buscavam novas formas de expressão, até alcançarem o objetivo de entreter as massas populares. Este recurso audiovisual que tem como característica fundante a transmissão da imagem em movimento, produz não apenas uma ficção, mas dialoga com a realidade e ao mesmo tempo coloca discursos em circulação.

Historicamente, no começo do século XX, o cinema inaugurou uma nova fase de imagens. Por volta do ano de 1895, o cinema ainda se misturava a outras formas culturais da época, tais como o teatro popular, as revistas ilustradas, entre outros. Como era algo incomum de ser estudado, restringia-se apenas aos círculos de cientistas e estudiosos em palestras, pois por ser uma nova descoberta, ainda passava por adaptações e diversos testes, antes de ser mostrado ao público. O interesse por esse estudo partia do aspecto científico da tecnologia de projeção e de estudos sobre as imagens, de acordo com Costa (2006, p. 17): “A história do cinema faz parte de uma história mais ampla, que engloba não apenas a história

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