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Crianças e velhos no Projeto Jarinu tem Memoria : representações sociais e significados

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GERONTOLOGIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE VELHOS E VELHICE PARA

CRIANÇAS: CONTATOS INTERGERACIONAIS

NO PROJETO JARINU TEM MEMÓRIA

EWELLYNE SUELY DE LIMA LOPES

ORIENTADORA: DRª. MARGARETH BRANDINI PARK

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III

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Representação social de velhos e velhice para crianças:

contatos intergeracionais no projeto Jarinu Tem Memória

Autora: Ewellyne Suely de Lima Lopes Orientadora: Margareth Brandini Park

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação defendida por Ewellyne Suely de Lima Lopes e aprovada pela Comissão Julgadora. Data: Assinatura:... Orientadora COMISSÃO JULGADORA: ______________________________________________ ______________________________________________ ______________________________________________ 2006

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VII

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Neuza e Eurípedes. Confiança, educação, apoio, amizade, compreensão, exemplo, amor. Vocês estão sempre presentes, mesmo quando distantes.

Ao meu esposo Lásaro Jonas. Confiança, companhia, compreensão, apoio, amizade, dicas, caminho compartilhado, amor. Você me faz feliz.

Aos meus sobrinhos Henryque Augusto e João Augusto. Risadas, descontração, palavras de crianças, sorrisos, abraços, beijos, carinho, aprendizagem, amor. Vocês me fazem sorrir.

À minha orientadora Margareth Park. Confiança, apoio, compreensão, ensino, escuta, brilho nos olhos, amizade. Você me ajudou a crescer.

Às minhas amigas da pós-graduação Adriana, Arlete, Cristiane, Daisy, Denise Antunes, Denise Cuoghi, Fabiana Falcão, Fabiana Roda, Fernanda. Risadas, trocas, incentivo, disponibilidade, cooperação, afeto, amizade. Vocês estarão sempre comigo.

À minha amiga Dóris. Risadas, lágrimas, cinema, silêncios, apoio, ensino, paciência, histórias e tempo compartilhados, afeto, amizade. Você me ensinou muito.

À professora Edna Bêgo e à secretária Renata da Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Helena Messias e aos funcionários do Decas – Jarinu-SP. Disponibilidade, cooperação, gentileza, acolhimento. Vocês contribuíram muito para a construção desse trabalho.

Às professoras Anete Abramowicz, Olga Rodrigues Moraes von Simson e Renata Sieiro Fernandes que ofereceram valiosa contribuição durante os momentos de qualificação e defesa dessa dissertação.

Às crianças da Pré-escola e da Turma mista de 2ª e 3ª séries da Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Helena Messias do ano de 2004 e aos velhos entrevistados de Jarinu-SP. Palavras soltas, frases, diálogos, olhares, silêncios, sorrisos, disponibilidade, aprendizagem. Vocês são as vozes desse trabalho.

Aos funcionários da Faculdade de Educação da Unicamp. Esclarecimentos, disponibilidade, atenção, ajuda.

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IX

À Vó Chica e ao Vô Lima, à Vó Marcília e ao Vô Lopes, que, sendo avós, ensinaram-me a respeitar

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XI

LOPES, E. S L. (2006). Representação social de velhos e velhice para crianças: contatos intergeracionais no projeto Jarinu Tem Memória. Campinas: Dissertação de Mestrado em Gerontologia, Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

RESUMO

Crianças e velhos encontram-se num espaço próprio, destinado-lhes por não pertencerem ao círculo produtivo. Desse encontro podem resultar benefícios mútuos, o que motiva a existência programas que integrem essas duas gerações. O projeto de ressignificação da memória sócio-cultural e histórica Jarinu Tem Memória, desenvolvido durante sete anos no município de Jarinu-SP, possibilitou encontros entre crianças e velhos. O presente trabalho teve como objetivos: 1) investigar a representação social de dois grupos de crianças sobre a velhice e os velhos e a possível influência do encontro intergeracional no processo de formação dessa representação, utilizando-se dos aportes da Teoria da Representação Social proposta por Serge Moscovici; 2) investigar a percepção dos velhos sobre sua participação no projeto, inclusive nas atividades intergeracionais. Como metodologia, lançou-se mão do desenho aliado à entrevista semi-estruturada e a brincadeira tematizada para as investigações junto às crianças, sendo sete crianças com idades entre 8 e 10 anos e vinte crianças com idades entre 5 e 6 anos. A entrevista semi-estruturada foi utilizada nas conversas com seis mulheres e quatro homens com idades entre 60 e 81 anos. As crianças apresentam uma representação social diversificada acerca dos velhos e da velhice, na qual transitam conceitos como doença, morte, limitações físicas, trabalho, atividades e características físicas. O contato com os velhos em sala de aula surge como uma nova fonte de informação, especialmente se forem empreendidas conversações sobre o mesmo. Os velhos opinaram positivamente sobre sua participação no projeto, reconhecendo-o como um espaço para apresentarem seus saberes e compartilharem memórias. Mesmo considerando jovens e crianças pouco interessados por tradições, costumes e o passado da comunidade, depositam sobre os mesmos suas esperanças de continuidade e acreditam que o projeto é uma boa oportunidade para que tenham contato com tais assuntos.

PALAVRAS-CHAVE: Velhice, Criança, Relações entre gerações, Programas intergeracionais, Representação Social

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XIII

LOPES, E. S L. (2006). Representação social de velhos e velhice para crianças: contatos intergeracionais no projeto Jarinu Tem Memória. Campinas: Dissertação de Mestrado em Gerontologia, Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Brazil. (Social

representation of old people and old age for children; intergenerational contacts in the Jarinu Tem Memória project.)

ABSTRACT

Children and elderly share the space of those not productive in the today's society. It has been seen that both parts may benefit from this encounter, what motivates programs to promote this integration. The historical, social and cultural re-signification project Jarinu tem Memória took place in the town of Jarinu-SP during seven years, and was one of these programs. The goals of the work presented here were twofold: 1) to investigate the children's social representation about the old people and the old age, and how the building of this representation is affected by the intergenerational encounter; this part of the work bases on the Social Representation Theory by Serge Moscovici. 2) to investigate the elders' perception of their own participation in the Jarinu

tem Memória project, including the intergenerational activities. Two groups of children, aged

between 8 and 10 years old and between 5 and 6 years old were researched using drawing and semi-structured interviews as well as oriented children play. As four the elderly, six women and for men aged between 60 and 81 years old, semi-structured interview was used. The children have a diversified social representation about old people and the old age, in which are present themes like illness, death, physical disabilities, employment and other activities, and physical characteristics. The contact they had in classroom is possibly a new information source to the children, especially if the topic is brought up in conversations. The elderly interviewed acknowledged their participation in the project as positive, recognizing it as space to present their knowledge and share their experiences. Even though they consider children and adolescents not interested in traditions and the community's history, they do believe that the project is a good opportunity to put them in contact with these subjects and that they will keep these traditions alive.

KEYWORDS: Old age, Child, Intergenerational relationships, Intergenerational programs, Social Representation

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XV ÍNDICE

Introdução... 1

1. A cidade de Jarinu-SP e o projeto Jarinu Tem Memória... 7

1.1. A cidade de Jarinu-SP... 7

1.2. O projeto Jarinu Tem Memória... 13

2. Relações intergeracionais ... 29

2.1. Crianças e velhos coabitando o mesmo espaço social... 35

2.2. Relações intergeracionais: crianças e velhos ... 38

2.3. Programas intergeracionais ... 43

3. Representações sociais... 49

3.1. As origens da Teoria das Representações Sociais ... 50

3.2. Sociedade pensante e representações sociais ... 53

3.3. O estudo das representações sociais ... 57

3.4. Representação social da criança ... 61

4. O velho, a velhice e suas representações ... 67

4.1. Velhice: uma categoria socialmente produzida... 69

4.2. Mudanças nas imagens e representações de velho e velhice: conteúdo e contexto ... 74

4.3. Estudos relacionados a atitudes e representações sociais acerca do velho, da velhice e do envelhecimento ... 88

5. Crianças: atores sociais e co-produtoras de cultura... 95

5.1. Infância: uma categoria socialmente produzida ... 96

5.2. A criança: de destinatário de processos a ator social... 98

5.3. A situação atual das crianças: um momento de ambivalência ...107

6. Metodologia ...113

6.1. Instrumentos utilizados ...114

6.2. Conversando com crianças e velhos, os atores desse trabalho...121

6.2.1. Conversas com velhos...121

6.2.2. Desenhos, conversas e brincadeiras de crianças...128

6.3. Procedimentos para análise dos dados...134

7. Análise e discussão dos dados: conversando com crianças e velhos ...135

7.1. Conversando com as crianças: a representação social dos velhos, da velhice e do envelhecimento ...135

7.1.1. Como é uma pessoa velha ...168

7.1.2. O envelhecer: porque uma pessoa é velha...200

7.1.3. Informações sobre os velhos ...202

7.2. Conversando com os velhos: crianças, jovens e o projeto Jarinu Tem Memória ...211

7.2.1. Significados da participação no projeto Jarinu Tem Memória ...211

7.2.2. Sobre crianças e jovens ...227

8. Considerações finais...239

Referências bibliográficas ...249

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INTRODUÇÃO

“Caminhante, são teus rastros o caminho, e nada mais; caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. Ao andar faz-se o caminho, e ao olhar-se para trás vê-se a senda que jamais se há de voltar a pisar. Caminhante, não há caminho, somente sulcos no mar.” Antônio Machado

Crianças e velhos, duas extremidades do ciclo da vida. A partir da observação de momentos compartilhados por bisavós e bisnetos, surgiu o interesse por estudar os mistérios da relação entre crianças e velhos. Muitos aspectos poderiam ser alvos de investigação, como têm sido dentro da Gerontologia, mas o foco recaiu sobre o que as crianças pensam sobre os velhos e a velhice. Não era uma simples questão de saber se as crianças têm atitudes positivas ou negativas em relação a esses objetos sociais, mas conhecer o que sabem sobre os mesmos, as informações que têm e quais as origens destas. Assim nasceu o presente estudo, cujo objetivo inicial era apenas investigar a representação social das crianças acerca dos velhos e da velhice.

Os rumos começaram a mudar após a orientadora desse trabalho propor a realização da coleta de dados na cidade de Jarinu-SP. Nesse município do interior paulista, foi desenvolvido durante sete anos, o projeto de ressignificação de memória sócio-cultural e histórica, Jarinu Tem

Memória. Entre as várias atividades promovidas, o projeto propiciou o encontro entre gerações,

inclusive velhos e crianças em sala de aula, tornando-se este um espaço privilegiado para a realização dessa pesquisa. Logo nas primeiras visitas da pesquisadora à cidade, foi possível conhecer e conversar com os velhos que participaram do projeto e a partir de discussões com a orientadora e com os participantes da banca no momento da qualificação, optou-se por ampliar o campo de pesquisa, incluindo os velhos como participantes do presente estudo. Assim sendo, os objetivos do trabalho passaram a ser os seguintes:

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• investigar e analisar as representações sociais das crianças acerca dos velhos e da velhice;

• investigar e analisar a possível influência do contato com velhos em sala de aula sobre o processo de construção das representações sociais das crianças;

• investigar e analisar a percepção dos velhos sobre sua participação no projeto

Jarinu Tem Memória, inclusive em atividades intergeracionais.

Considerando-se as alterações contemporâneas acerca da velhice, do envelhecimento e dos velhos, tais como o aumento da população de velhos, a maior visibilidade da velhice, bem como as novas e diversas imagens acerca dessa etapa da vida que têm circulado pela sociedade, é relevante voltar o olhar para as representações sociais acerca desses objetos. Pois, conforme assinala Duveen (2005), em locais de rupturas, conflitos e novidades na estrutura representacional de dada cultura, podem ocorrer a emersão de novas representações ou a reelaboração de representações já existentes.

Além disso, as representações sociais são teorias do senso comum, conhecimentos sociais sobre determinado objeto e têm como função organizar comportamentos e padronizar a comunicação entre os indivíduos, ou seja, as práticas sociais de dado grupo para com objetos sociais significantes. Segundo Moscovici (2005b), as pessoas não são tratadas em suas singularidades ou em seu si próprio, mas em relação às categorias e representações daquele que as representa. Desse modo, conhecer as representações sociais sobre dado objeto social e as possíveis influências sobre seu processo de construção pode contribuir para a compreensão das relações estabelecidas com esse objeto, bem como para o planejamento de ações que visem a oferecer espaços para a (re)construção de representações sociais pertinentes sobre o mesmo.

A escolha por ouvir crianças nesse trabalho deve-se a dois pontos principais. O primeiro refere-se à importância das relações estabelecidas entre velhos e crianças. Consideradas duas parcelas da população usualmente colocadas à margem porque julgadas improdutivas, estudiosos que se debruçam sobre o tema das relações intergeracionais defendem a ocorrência de entendimento e benefícios mútuos no encontro entre velhos e crianças. O segundo aspecto diz respeito ao fato de acreditar-se que a criança tem voz própria, é capaz de construir e compreender sua cultura e as representações do mundo em que vive. Sarmento e Pinto (1997) defendem que estudar as crianças, ouvindo suas vozes, pode trazer a compreensão de uma realidade social interpretada sob o ponto de vista infantil, o que pode revelar fenômenos sociais

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que o olhar dos adultos obscurecem. Desse modo, estudar as representações sociais das crianças pode permitir o acesso “às próprias estruturas e dinâmicas sociais que são desocultadas no discurso das crianças” (SARMENTO; PINTO, 1997, p. 25).

O projeto Jarinu Tem Memória oportunizou, aos velhos do município, escuta para suas vozes, considerando-os membros privilegiados da comunidade porque portadores de saberes, memórias e histórias, isto é, preciosidades do patrimônio cultural da comunidade. Para o alcance de seus objetivos, o projeto contou com o envolvimento desses velhos em várias atividades, o que, segundo a literatura especializada, tende a resultar em vários tipos de ganhos para os mesmos. Ouvir os velhos sobre os significados de sua participação nessas atividades pode possibilitar que, por meios de suas próprias vozes, indiquem os caminhos para ações que visem à promoção de seu bem-estar.

Vale ressaltar que nesse trabalho, optou-se pelo uso do termo velho e não idoso, ainda que este último seja mais comum na literatura gerontológica, na mídia e nas comunicações oficiais.

O termo velho é, na sociedade brasileira, permeado por conteúdos pejorativos, relacionados à idéia de antigo, inútil, inadequado. No Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, algumas das definições encontradas para o termo velho são antigo, com muito tempo de existência, gasto pelo uso, muito usado, desusado, antiquado (BUENO, 1986). Peixoto (1998) indica que o termo velho era correntemente utilizado no Brasil para designar a pessoa envelhecida, inclusive em documentos oficiais. A entonação e o contexto em que era utilizado determinavam se o mesmo estava sendo empregado em tom afetivo ou pejorativo.

Na década de 60, a imagem da velhice começa a mudar na Europa devido à elevação das pensões e conseqüente aumento do prestígio dos aposentados. É no final da referida década que as influências dessas mudanças alcançam o solo brasileiro e o termo idoso passa a ser empregado com maior freqüência no país, como uma forma de tratamento mais respeitosa. Quanto ao termo velho, este assume uma conotação negativa, passando a ser utilizado principalmente em referência “a pessoas de mais idade pertencentes às camadas populares e que apresentam mais nitidamente os traços do envelhecimento e do declínio” (PEIXOTO, 1998, p. 78). Assim, há uma tendência a substituir-se o termo velho por idoso, no intuito de afastar-se do aspecto negativo que acompanha o primeiro termo.

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No dia do meu aniversário escrevi uma crônica com o título “Fiquei velho...” Eu estava feliz quando escrevi. Mas minha crônica provocou cartas de protesto. Muitos velhos não gostam de ser chamados de “velhos”. Querem ser chamados de “idosos“. Não gostaram do título da crônica. Pediram que eu trocasse o “velho” por “idoso”. Mas a palavra “idoso” é boba. Não se presta para a poesia. “Idoso“ é palavra que a gente encontra em guichês de supermercado e banco: fila dos idosos, atendimento preferencial. Recuso-me a ser definido por supermercados e bancos. “Velho”, ao contrário, é palavra poética, literária. Já imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao seu livro o título de “O idoso e o mar”? Eu não compraria. E o poema das árvores, do Olavo Bilac: “Veja essas velhas árvores”... Que tal “Veja essas árvores idosas...” É ridículo. Eu jamais diria de uma casa que ela é “idosa”. A palavra “idosa” só diz que faz muitos anos que a casa foi construída. Mas a palavra “velha” nos transporta para o mundo da fantasia. O velho sobradão do meu avô, onde vivi minha infância. Meus livros velhos, folhas soltas de tanto uso. Estão assim porque viveram muito, fiz amor com eles, tão frequentemente e tantas vezes, que se gastaram. O Chico tem uma linda canção com o título: “O velho”. É triste. Se o título fosse “O idoso” seria ridícula. Já imaginaram? O casal vai fazer bodas de ouro: cabeças brancas. Eles se abraçam, se beijam, e ele diz para ela, carinhosamente: “Minha idosa” - ao que ela responde com um sorriso: “Meu idoso...” Não é nada disso. É “minha velha” e “meu velho”... (ALVES, s.d.).

O autor apresenta uma nova forma de significar a palavra “velho”. Utiliza-a para significar o que faz parte do passado, mas um passado repleto de memórias, sensações, sentimentos, enfim, de vida. Ao chamar a atenção para o fato de que as pessoas não gostam de ser chamadas de “velhas”, vai ao encontro dos achados de Debert (1988, apud PEIXOTO, 1999) de que usualmente, as pessoas usam o termo velho para se referirem ao outro, mas ao referirem-se a si mesmas empregam o termo idoso. Por trás do uso da palavra idoso percebe-se a tentativa de, por meio do discurso, retirar das pessoas as marcas da velhice, negando-a. Essa estratégia mostra-se muito adequada em uma sociedade que valoriza o novo e elege a juventude como estilo de vida.

Park (2000, 2003a) pontua que a substituição do termo velho por idoso, leva a um deslocamento da discussão sobre a velhice. O foco principal passa a ser a questão da longevidade, deixando-se de discutir a questão da função social do velho. Quando a longevidade é colocada em destaque, os discursos versam sobre fórmulas e práticas milagrosas que retardem o envelhecimento, e o velho passa a ser encarado como um mercado consumidor interessante, porque tende a negar a velhice mediante práticas consumistas que visam ao rejuvenescimento. Ao deixar de discutir o fato de que o velho tem uma função social – a qual, segundo Bosi (1994), usualmente lhe é negada – deixa-se de refletir sobre sua posição numa sociedade que enfatiza a capacidade de produção dos indivíduos para que sejam inseridos. É uma forma de manter o velho

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afastado do reconhecimento social. Assim, opta-se nesse trabalho pela utilização do termo velho, tendo em vista a intenção de contemplar a função social que o velho desempenha na sociedade, a função de lembrar, de portar memórias e saberes apreendidos e (re)elaborados no transcorrer de sua vida.

O presente trabalho organiza-se em oito capítulos. No primeiro capítulo são apresentados a cidade de Jarinu-SP e o projeto Jarinu Tem Memória, que acolheram as propostas desse estudo. No segundo capítulo são tecidas considerações sobre as relações intergeracionais, destacando-se o espaço em que crianças e velhos se encontram e os programas intergeracionais. A Teoria das Representações Sociais proposta por Serge Moscovici, que serviu de suporte teórico para o presente trabalho, é apresentada no terceiro capítulo. A forma como a velhice e os velhos têm sido representados, ressaltando-se a circulação das diferentes imagens e representações desses objetos na sociedade contemporânea são o objeto de discussão do quarto capítulo. O quinto capítulo versa sobre as crianças, discutindo sua posição como atores sociais que contribuem no processo de construção da cultura da infância e da sociedade como um todo, capazes de elaborar e comunicar suas representações do mundo em que vivem. A metodologia utilizada e os atores principais dessa pesquisa, velhos e crianças de Jarinu-SP, são apresentados no sexto capítulo. O capítulo sete apresenta e discute os dados coletados em um diálogo com crianças e posteriormente com os velhos, recorrendo-se à literatura existente sobre a velhice e suas representações. No capítulo final são tecidas considerações acerca das conclusões obtidas por meio das investigações empíricas, alinhavando-se subsídios para Políticas Publicas envolvendo relações intergeracionais.

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1. A CIDADE DE JARINU-SP E O PROJETO JARINU TEM MEMÓRIA

"De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às suas perguntas."

Ítalo Calvino

Segundo Park e Iório (2004), habitar é mais que simplesmente morar. Habitar significa criar raízes e deixar-se tomar pelo espaço que se transforma em lugar. Assim, uma cidade é mais que o local de residência anterior, atual ou futuro de uma pessoa, é o local em que esta habita e ao qual pertence. E pertencer a uma cidade é mais uma questão de escolha e identificação que de endereço. Um indivíduo, após morar em várias cidades, pode pertencer ainda à cidade em que nasceu, mesmo não retornando a esta. O contrário também é possível, ou seja, a pessoa passa a pertencer à cidade na qual reside e não à cidade de origem. Desse modo, uma mesma cidade assume significado e importância diferentes para cada um de seus moradores.

A partir do significado que a cidade tem para o indivíduo, este estabelece um vínculo com a mesma. Tal vínculo guiará suas ações para com a cidade. Assim é, que muitos cidadãos podem envolver-se em ações para conservação de patrimônios históricos e culturais, enquanto outros podem envolver-se em ações de vandalismo e depredação.

Jarinu-SP é uma cidade do interior paulista, onde pessoas que lhe pertencem, apoiadas por outras que com ela se envolveram, empenharam-se na tarefa de investigar, relatar e documentar a sua história, num movimento de auto-preservação e ressignificação de suas origens, por meio do projeto Jarinu Tem Memória.

1.1. A CIDADE DE JARINU-SP

Jarinu-SP está localizada no interior do estado de São Paulo, entre os municípios de Jundiaí-SP e Atibaia-SP, distando cerca de 70 km da capital paulista. Uma cidade com população estimada pelo IBGE (2006), em julho de 2005, de 20.902 habitantes e área territorial de 208 km2.

Jarinu é um município pequeno, ruas pouco movimentadas, pessoas se cumprimentando e num encontro casual pedindo que alguma autoridade

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esteja presente num evento artístico. Muitas árvores. Na praça em que se localiza a igreja, um grupo de jovens e adolescentes reunidos sentam-se no encosto do banco com os pés sobre o assento. Num outro ponto da mesma praça, velhos e adultos jogam alguma coisa, conversam em pequenos grupos, riem. Talvez o tempo passe devagar. (Diário de campo, 17/08/2004)

A população jarinuense é parecida com a população brasileira, isto é, constituída por cores diversas, não somente no que se refere à tonalidade da pele, mas às cores culturais. São vários os matizes impressos pelas pessoas que chegaram à cidade de várias partes do mundo, trazendo seus hábitos alimentares, seus costumes, suas crenças, sua língua e a esperança de uma vida melhor. O livro Travessias – memórias do povoamento e da imigração de uma cidade paulista: Jarinu, organizado por Lígia C. L. Wild, conta a história das famílias que formaram a cidade. No início chegaram portugueses, africanos, italianos, alemães, espanhóis, suíços, poloneses, japoneses e americanos. Tempos depois, foi a vez de chegarem brasileiros de outras regiões, destacando-se mineiros, paranaenses e nordestinos.

Os portugueses se fizeram presentes na gênese de Jarinu-SP, como o fizeram na grande maioria dos municípios brasileiros, originados nos primeiros séculos da colonização do país. Conforme ressalta Dias (2004, p. 34), “não há falar-se na formação de nossa gente, sem a eles nos referirmos”. Assim, não diferindo da realidade brasileira, várias famílias jarinuenses têm ascendência portuguesa como os Soares do Amaral, os Silveira Bueno, os Moura, os Lopes de Camargo e os Amorim.

Do mesmo modo, a realidade da escravidão nas grandes fazendas brasileiras à época do Brasil colônia e imperial também esteve presente nos primeiros momentos da existência do povoado que deu origem à cidade. Segundo Wild (2004), ainda que na atualidade haja poucos remanescentes de escravos em Jarinu-SP, alguns ainda são encontrados para contar a história de seus antepassados.

Famílias de ascendência suíça, alemã, polonesa, japonesa, francesa e americana também estão presentes em Jarinu-SP, mas italianos e espanhóis são numericamente mais expressivos na formação da população da cidade e as marcas culturais desses dois povos são encontradas facilmente pela cidade.

Segundo Droguett (2004, p. 173), as famílias espanholas em Jarinu-SP “deram à cidade uma fisionomia peculiar, e um som também pitoresco à língua portuguesa falada nesse recanto do interior paulista”. Os Alonso, Balles, Gerez, Jaen e Quesada, entre outros, chegaram à cidade

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nas primeiras décadas do século XX, envolvendo-se em atividades ligados à sua cultura de origem. Eram agricultores, comerciantes, mecânicos, fotógrafos, escritores e amantes do futebol, que em muito contribuíram ao desenvolvimento da cidade.

Em relação à presença dos italianos, esta é perceptível em diversos exemplos, como na existência das trattorie – estabelecimentos que na Itália se diferenciam dos restaurantes por serem menos formais que estes – oferecendo pratos tipicamente italianos e vinhos de fabricação artesanal. Além disso, ao conhecer várias pessoas da cidade e ouvir seus sobrenomes, não é difícil perceber que um grande número delas tem ascendência italiana como os Zambotto, os Zanoni e os Lorencini – figuras importantes na história política da cidade – e os Contesini – que formaram uma das bandas musicais da cidade – entre muitos outros. Outro exemplo da forte presença italiana na região está no fato de que o idioma italiano tornou-se disciplina obrigatória no currículo das escolas de ensino fundamental do município. Um último exemplo, que indica também a contribuição dos italianos para o desenvolvimento econômico da cidade, refere-se às forma de nomear propriedades rurais, como no depoimento do Sr. Otávio Alves Mendes1: “Nos primeiros meses ficamos na casa de um cunhado, trabalhando também na plantação de uva num sítio vizinho ao [sítio] dos Pauletto.” Segundo Zani (2004), cinqüenta famílias de imigrantes italianos contribuíram para a formação da população de Jarinu-SP. E sem dúvida, contribuíram também para a formação cultural do município.

O depoimento do Sr. Otávio abre espaço para que se fale sobre a vinda de pessoas oriundas de outros estados brasileiros para Jarinu-SP. Conforme pontua Park (2004), após o ano de1959, várias famílias chegaram à cidade a fim de trabalhar nas plantações de uva, vindas principalmente de Minas Gerais e Paraná.

Mendes et al. (2000) relatam que na década de 60 houve grande expansão das videiras, porém havia escassez de mão-de-obra no município e os proprietários estimularam a vinda de famílias do sul de Minas para a cidade. Entre os anos de 1970 e 1989, a família Pauletto, maior produtora de uva do país à época, contou com cerca de 23 famílias de colonos mineiros em sua propriedade. Os mineiros vinham em busca de uma vida melhor, conforme exemplifica o

1 Extraído do livro Memória em movimento na formação de professores: prosas e histórias, organizado por

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depoimento de seu Benedito Machado2, que chegou na cidade em 1967: “A gente ganhava lá em Minas um conto, ou mil-réis, não sei. Aqui a gente ia ganhar dois!”.

A partir da década de 70 começam a chegar os paranaenses, que conforme pontuam Mendes et al. (2000), num levantamento realizado com 70 famílias de estudantes de uma das escolas da cidade, representavam 45% dos entrevistados. Os primeiros trabalhadores que chegavam à Jarinu-SP, vindos de outras partes do Brasil, animavam-se com a melhora das condições de vida e influenciavam a vinda de outros familiares, o que criou verdadeiras colônias de mineiros e paranaenses. Todavia, estes não são os únicos que vieram de outros estados brasileiros para a cidade. Há também baianos, cearenses, paraibanos, mato-grossenses, alagoanos, pernambucanos e capixabas.

Conversando com as crianças, a menção a parentes que ficaram nas cidades de origem de suas famílias, apresenta-se como indício de que a chegada de pessoas de outros lugares à Jarinu-SP ainda é uma realidade.

Ent - E onde eles moram? Onde a gente encontra velhinhos? Jam – Em Minas encontra muito velhinho lá.

Ent – Muito velhinho? Você já foi lá? Jam – Eu já.

Ent – É?

Jam – Já fui ver minha avó. (Pré-escolar)

Numa outra conversa, a criança parece sentir-se ainda ligada à cidade natal, onde os avós residem até então. A fala de Antônio (6 anos) também aponta para o fato de que a migração continua acontecendo, tendo em vista que dá indícios de que a criança, que apresenta sotaque característico dos moradores da região nordeste, mudou-se recentemente para Jarinu-SP.

Ant – Porque já morei numa... eu num moro aqui, eu moro em outro lugar.

Ent – Ah é... e onde você mora? Ant – Lá em Alagoas, no Palmeiras. Ent – É?

Ant – É.

Ent – E... o seu avô e sua vó moram lá?

Ant – Humhum (concordando). (Pré-escolar)

2 Extraído do livro Memória em movimento na formação de professores: prosas e histórias, organizado por

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Assim, Jarinu-SP é uma cidade que, como muitas outras cidades brasileiras, construiu-se pela união de muitas mãos, cada qual com seu sotaque e sua cor. O resultado é uma cidade com características próprias e diversificadas.

Dois dos possíveis caminhos utilizados para chegar até a cidade dão indícios do que lá será encontrado. A paisagem que se vê, pela estrada que liga Campinas-SP a Jarinu-SP, apresenta muitas árvores, montanhas e mata verde ladeando a rodovia por ambos os lados. Se a viagem até Jarinu-SP se der pelo caminho que passa por Jundiaí-SP, as coisas mudam ligeiramente. Ainda que se vejam mata e árvores ladeando a estrada de terra, vêem-se também paisagens típicas da zona rural, o gado pastando tranqüilamente, as pessoas trabalhando no cultivo da terra e, principalmente as plantações de uva.

Mata e cerrado – paisagens típicas remanescentes da Mata Atlântica –, clima considerado um dos melhores do mundo pelo Conselho de Educação, Cultura e Ciência das Nações Unidas (Unesco), economia voltada para a produção agrícola de frutas (morango, uva e frutas cítricas), e proximidade com grandes centros urbanos colocam Jarinu como um local de grande potencial turístico (SPAZZIANI, 2003). Aliás, o município é considerado Pólo Turístico do Circuito das Frutas do Estado de São Paulo.

Um aspecto interessante sobre a organização da cidade é percebido na fala dos moradores do bairro onde ocorreu a coleta de dados, ouvido tanto durante as entrevistas quanto em conversas informais. A cidade parece diferenciar-se em duas partes: Jarinu e os bairros. Em entrevista com uma das crianças por exemplo, seu discurso indica que para ela, Jarinu é a região central da cidade, onde se localiza a área comercial e administrativa. O bairro em que reside representa uma localidade a parte, do qual é preciso se deslocar para chegar até Jarinu.

Ent – Quem já falou isso pra você?

And – Ah, muita gente. Outro dia eu fui na praça, né, num show. Daí tinha um mo... um velho que tava passando em frente, sabe no show que tinha lá em Jarinu esse dia? E tinha um velhinho passando, daí o pessoal empurrava ele, ruim pra caramba. Sabe, aquele vai-e-vem? Então. Mas muita gente já me falaro isso, eu falava, eu não tenho vergonha não. (Turma de 2ª e 3ª séries)

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A diferenciação entre Jarinu e o bairro, refletida na fala das crianças e outros moradores, indica que a vida urbana e a vida rural convivem num movimento de diferenciação, e ao mesmo tempo de proximidade. Conforme indicam Pereira e Mendes (2000), o município pode ser classificado como rurbano, isto é, possuidor de uma forte base agrícola juntamente com uma estrutura urbana.

Entre os bairros, há propriedades que podem ser consideradas sítios ou chácaras, onde pequenos agricultores cultivam a terra e criam alguns animais. Além disso, boa parte das pessoas que residem nesses bairros trabalha no campo. Desse modo, ainda que tenha um infra-estrutura considerada urbana, a vida nos bairros de Jarinu-SP em muito se aproxima da realidade rural. O centro da cidade, por sua vez, é onde se encontram o comércio, as agências bancárias, a Igreja Matriz, a prefeitura e demais órgãos públicos, todos representando a vida urbana, onde se vai às compras, aos negócios e às festas públicas. Assim, na fala das pessoas é desvelada a organização da cidade, que reflete a proximidade entre o urbano e o rural existente no cotidiano de seus moradores.

O fato de estar próxima a grandes centros e ser uma cidade que ainda apresenta características rurais, possibilita um fluxo considerável de pessoas indo e vindo dos grandes centros para Jarinu-SP e vice-versa. As festas religiosas3 que acontecem na cidade são ocasiões em que muitas pessoas a visitam, fato que tem se dado há tempos. Dona Diva (69 anos) conta que antes de casar-se, residia em São Paulo e na época das festas, sempre ia e trazia muitos amigos da capital para as festas jarinuenses. Para Dona Diva “o que é diferente atrai as pessoas. Para eles [os amigos da capital], tudo aquilo era diferente e chamava a atenção.” (Diário de campo, 17/08/2004, Entrevista com Dona Diva). Ainda hoje, os traços rurais da pequena cidade de Jarinu-SP, atraem as pessoas da “cidade grande”, que usualmente os consideram “exóticos”. Como exemplo, têm-se que na cidade, há propriedades de pessoas que residem e trabalham na capital paulista e vão a Jarinu apenas durante os finais de semana e feriados.

Jarinu-SP segue seu curso mantendo características rurais. Porém, não deixa de ser alvo de algumas mudanças, as quais chamam a atenção, especialmente das pessoas mais velhas, que nasceram e sempre viveram na cidade. É o caso de Dona Mercedes (76 anos), que expressa assim sua opinião: “Jarinu não foi até as cidades grandes, elas vieram para perto de Jarinu e trouxeram

3 Depoimentos e relatos de membros da comunidade sobre as festas religiosas de Jarinu estão no capítulo As festas religiosas, na parte II do livro Memória em movimento na formação de professores: prosas e histórias, organizado

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o progresso e muitas mudanças.” (Diário de campo, 17/08/2004, Entrevista com Dona Mercedes, Dona Maria José e Dona Benedita)

Algumas das mudanças trazem conseqüências indesejadas, como é o caso da problemática ambiental. Segundo Spazziani (2003), o município vivencia graves problemas ecológicos, tendo destaque a poluição do lençol freático. Mas, em conversa com moradoras mais velhas da cidade, a perda das árvores e a transformação da paisagem da cidade, que lhes são caras, têm um significado mais pungente, pois perdem-se as árvores e um pouco da história da cidade, tendo em vista que as árvores falam dessa história.

Próximo do centro da cidade, uma grande área verde, com árvores variadas. Fico sabendo que ali era o sítio de uma importante família da cidade. Será loteada e a área se transformará num condomínio. As árvores estão sendo derrubadas. Uma velha parece ter chorado diante da situação. Árvores frutíferas plantadas por seus pais e maridos. (Diário de campo, 17/08/2004)

Outra preocupação presente nas falas dessas moradoras, refere-se à não valorização do patrimônio público e cultural local por parte da maioria dos jovens, possivelmente devido ao maior interesse por novidades trazidas pelo progresso e pela falta de conhecimento sobre o passado da cidade. Conforme ressaltou Dona Diva: “As pessoas jovens não têm consciência da importância das coisas antigas, às vezes nem vêem a diferença entre uma madeira entalhada com esmero há tempos e uma madeira lisa.” (Diário de campo, 17/08/2004, Entrevista com Dona Diva).

Mudanças em valores, comportamentos e hábitos sociais, advindas especialmente da valorização do novo em detrimento do antigo, trazem preocupações acerca dos riscos que a história e a cultura da cidade correm de se esmaecerem com o passar do tempo. Estas preocupações estão entre os fatores que motivaram o surgimento e a existência do projeto Jarinu

Tem Memória.

1.2. O PROJETO JARINU TEM MEMÓRIA

O projeto Jarinu Tem Memória foi desenvolvido por meio da parceria entre o Departamento de Educação, Cultura e Ação Social (Decas) da Prefeitura Municipal de Jarinu e o Centro de Memória da Unicamp (CMU).

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Implantado em abril de 1998, o projeto aconteceu durante sete anos, encerrando-se em 2005. O objetivo principal era “realizar o levantamento sócio-histórico e cultural através da formação continuada dos professores envolvendo alunos, comunidade e meios de comunicação”, conforme aponta a coordenadora do projeto, Margareth B. Park (2000, p. 17).

A formação de professores deu-se baseada num processo de ressignificação do trabalho docente. Os artigos presentes nos livros4, que relatam os caminhos percorridos pelos atores do projeto, no que se refere às práticas pedagógicas, apresentam as ferramentas utilizadas e indicam a intenção de que por meio das mesmas, os professores se descobrissem capazes de atuar sobre o cotidiano escolar de modo efetivo e afetivo, construindo o conhecimento em parceria com seus alunos e a comunidade.

O depoimento da professora Edna Bêgo, participante do projeto desde seus primeiros momentos, indica a importância que atribui ao mesmo, revelada por certa preocupação com sua continuidade, bem como pela consciência do enraizamento dos princípios que foram disseminados.

Pedi à professora que falasse sobre o projeto, já que participa do mesmo desde o começo. Conta então, que o projeto operou muitas mudanças em sua forma de dar aulas e que houve um amadurecimento, pois aprendeu novas formas de ensinar, relacionando as atividades do projeto com as disciplinas. Algo que dificulta é a chegada de novos professores que não se envolvem da mesma maneira que aqueles que participam desde o início do projeto. Em seu ponto de vista, acredita que eles não sentem fazer parte dessa construção como aqueles que estão no projeto desde o início. Entretanto, todos passam por reuniões que tentam incorporá-los, mas nem sempre há um resultado positivo, com o envolvimento de todos. Acha que isso pode dificultar que o projeto atinja a todos, mas acredita que o projeto está muito bem enraizado e por isso não será esquecido ou deixado de lado. Como exemplo cita a si mesma, que não consegue ver-se deixando de lado tudo o que aprendeu. (Diário de campo, 17/08/2004).

Elementos variados como meio ambiente, alfabetização, ensino matemático e aproximação de recursos digitais e computacionais marcaram presença no projeto e revelaram-se de grande importância ao contexto educacional. Todavia, foram a abertura à participação da comunidade, a eleição da memória como tema e da História Oral como metodologia, os elementos que

4 Memória em movimento na formação de professores: prosas e histórias e Formação de educadores: memória, patrimônio e meio ambiente, ambos organizados por Margareth B. Park e Arte, educação e projetos: “Tao Sigulda para crianças e educadores” da autoria de Margareth B. Park e Suely A. Iório.

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propiciaram a participação dos velhos no projeto Jarinu Tem Memória e seu encontro com as demais gerações, inclusive as crianças. Por isso, tais aspectos serão aqui destacados.

Ainda que o projeto visasse à formação continuada de professores, o mesmo não se limitou a atuar junto a essa parcela da população. Pelo contrário, envolveu vários membros da comunidade, num processo de formação de pesquisadores-trabalhadores da memória e do patrimônio histórico e cultural da comunidade. Park (2003b) ressalta que o caminho foi traçado em busca de formar educadores-pesquisadores, contemplando como educadores, os monitores, as merendeiras, os membros da comunidade, os velhos da cidade, os alunos, os professores e os administradores.

Conforme ressalta Zan (2003), a escola e o modelo de ensino praticado atualmente, ainda se vinculam ao paradigma racionalista que guia a ciência moderna desde o século XVI. Um dos pressupostos desse paradigma é a desconsideração e a desqualificação de outras formas de conhecimento que não se estruturam sobre seus princípios epistemológicos. Desse modo, saberes e práticas que têm origem e lugar no cotidiano da sociedade e não se enquadram nos moldes científicos apregoados como adequados, são usualmente desprezados e considerados inadequados ao cotidiano escolar, ainda que não deixem de fazer parte da vida de alunos, professores e demais envolvidos no processo de aprendizagem.

O projeto Jarinu Tem Memória afastou-se desses pressupostos, na medida em que traçou um outro caminho. Nesse caminho, uma de suas preocupações era aproximar o saber científico – presente no currículo oficial e guia da prática pedagógica – e o saber popular – construído no dia-a-dia da comunidade –, bem como promover a valorização desse último. Foi um trabalho em que a vida diária e a realidade vivenciada pelos alunos se entrelaçavam ao conteúdo pedagógico, resultando num aprendizado diferente. Nos dizeres de Park,

Um projeto como esse, que tem por eixo trabalhar com o resgate sócio-histórico e cultural, pretende-se alfabetizador. O conteúdo trabalhado é o próprio acervo coletado, as vozes ouvidas intermediadas de letras, virando escrita. Exercitar a terra, o plantio. Matematizar as frutas encaixotadas. Estudar a saúde nos riscos cotidianos centrados no trabalho. Ler a história, fazendo-a. (PARK, 2000, p. 34).

Para atingir o fim proposto, a participação efetiva da comunidade no cotidiano escolar foi estimulada. E essa participação, dentro dos parâmetros que nortearam o projeto, significou a

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apropriação do espaço escolar pelas famílias, bem como a apropriação do espaço circundante à escola e da própria cidade pelas crianças, pois tais espaços são geradores e produtores de conhecimento (PARK, 2003b). Assim, uma das primeiras atividades do projeto foi o estudo dos bairros. Crianças e professores saíram em busca de informações sobre o bairro em que residiam ou em que a escola se encontrava, por meio de entrevistas com moradores mais velhos e passeios pelas áreas circunvizinhas. Todavia, contar com a participação da comunidade na escola nem sempre é um empreendimento fácil.

um dos pontos fortes do programa foi abrir as portas da escola para a comunidade. [...] apesar de ver essa união comunidade-escola como positiva, [a professora] acha que esta foi uma das maiores dificuldades iniciais do projeto, pois os pais parecem não achar que devam participar do trabalho na escola. (Diário de campo, 17/08/2004)

Trazer a comunidade para a escola não é tarefa simples por razões variadas, dentre as quais Park (2000) exemplifica: disponibilidades de horários, inseguranças dos pais por não se considerarem aptos a estar diante de um público escolar, posto que nem todos têm estudo formal e dúvidas dos mesmos sobre o que podem oferecer ao meio escolar. A escola, ao longo de sua trajetória, foi dotada de um caráter sagrado, vista como local destinado à aquisição de um saber erudito e afastado do saber popular. Esses paradigmas estimulam o receio de pais e demais membros da comunidade em se fazerem presentes na escola. Por outro lado, os professores também sentem-se inseguros com a presença de outras pessoas em seu espaço de trabalho porque não estão acostumados com a situação e, na maioria dos casos, não aprenderam a lidar com a mesma. O projeto buscou então, trabalhar tais aspectos junto aos docentes, os quais por sua vez se familiarizaram com a situação, chegando a criar e adotar certas estratégias para obter sucesso nesse empreendimento.

Edna fala que geralmente conversa com os alunos a respeito de algum tema e pede que possam ver se alguém em casa tem algo a falar sobre o mesmo. Algumas vezes só obtém respostas quando envia a solicitação em formato de tarefa. (Diário de campo, 17/08/2004)

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Tais estratégias alcançaram resultados. Alguns exemplos dessa aproximação de saberes são a busca dos alunos junto a familiares e conhecidos de receitas culinárias e remédios caseiros, histórias e causos sobre a vida de suas famílias e do município e o plantio de hortas nas escolas com a ajuda da comunidade, que sendo predominantemente formada por pessoas que têm contato com a vida rural, dispõe de amplo conhecimento a respeito (ZAN, 2003). Desse modo, foi possível valorizar tanto a presença da comunidade na escola, quanto seus saberes.

Quando se pensa em trazer a comunidade para a escola, a idéia que usualmente vem à mente é a busca pela presença dos pais. Todavia, conforme realçado anteriormente, o projeto

Jarinu Tem Memória preocupou-se em envolver toda a comunidade do município e não apenas

aquela ligada ao cotidiano escolar. As características e objetivos do projeto o levaram a esta inclusão ampla da comunidade, pois tendo em vista que seu objetivo era realizar um levantamento sócio-histórico e cultural, pressupôs a participação de todos aqueles envolvidos com a história e a cultura da cidade e não apenas professores e alunos. Assim sendo, os velhos, reconhecidos como membros da comunidade, desempenharam papel de suma importância no projeto, que privilegiou sua participação no cotidiano escolar e mais que isso, na construção de conhecimentos, especialmente porque os mesmos são portadores privilegiados de memória.

Conforme pontua Park (2000, p. 23), “com relação aos velhos da comunidade, pretende-se estabelecer uma parceria para a construção de conhecimentos no interior e também no exterior da escola.” Ressalta-se aqui, a intenção de estabelecer uma parceria. Este aspecto é revelador da posição que o velho assumiu dentro do projeto. Reconhecido como parceiro, considerou-se que o velho tem algo a oferecer ao mesmo tempo em que também pode ser beneficiado. Assim, não se estabelece uma relação de beneficência para com o velho, mas de trocas mútuas.

A forte ligação do projeto em questão com a temática da memória pode ser percebida pela presença do termo no nome do projeto, Jarinu Tem Memória, e também nos títulos de dois dos cinco livros que dele resultaram: Memória em movimento na formação de professores: prosas e

histórias e, Formação de educadores: memória, patrimônio e meio ambiente.

Memória é uma palavra que pode assumir diferentes significados, dos quais quatro serão aqui destacados. Memória pode ser entendida como uma faculdade de que se dispõe para recordar eventos passados. Num segundo sentido, as memórias são as próprias lembranças, isto é, aquilo do que se lembra. No sentido defendido por Bosi (1994), memória é trabalho, pois significa uma atividade de reconstrução do vivido, isto é, com imagens e idéias atuais são

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reconstruídas as experiências passadas. E por fim, conforme Halbwachs (1990, apud PARK, 2005b), a memória pode também ser coletiva.

No projeto Jarinu Tem Memória circularam os quatro significados de memória acima pontuados. Para recordar o passado da cidade e torná-lo um patrimônio palpável recorreu-se à memória da comunidade, especialmente das pessoas mais velhas. Como diz Park (2000, p. 25) “Trabalhamos com a memória. Dos velhos, dos professores e das crianças.” Por outro lado, as memórias tornaram-se produtos a serem registrados, aquilo que foi lembrado, bem como ferramentas para construir conhecimento e provocar emoções. “Crianças e idosos brincaram, cantaram e escreveram suas memórias evocando cantigas de ninar e de roda que provocaram os presentes instigando-os ao canto, ao acompanhamento com palmas, aos comentários ao pé de ouvido” (PARK, 2000, p. 24).

A memória foi também trabalho no projeto Jarinu Tem Memória. Segundo Simson (2000), o ato de compartilhar a memória, estimulado pelo projeto, foi um trabalho que erigiu relacionamentos sólidos entre as pessoas envolvidas, as quais se descobriram compartilhando uma bagagem cultural comum. À medida que as pessoas compartiam suas memórias, construíam elos ao perceberem-se portadoras de memórias que as aproximavam e colocavam-nas num mesmo grupo, um grupo de pessoas que vivenciou as mesmas músicas e brincadeiras da infância, os mesmos hábitos da juventude, valores parecidos que tiveram força em um época específica, lembranças de um mesmo evento. Além disso, ressalta-se o trabalho dos velhos na busca por fotografias e documentos antigos, seus esforços para identificar as pessoas retratadas, para confeccionar objetos e guloseimas que remetiam ao tempo rememorado (doces, bonecas de espiga de milho, flores de papel). Um trabalho que colocou a memória em movimento, fazendo-a circular pela cidade por meio dos trabalhos realizados.

Por fim, a memória coletiva, partilhada pelos cidadãos de Jarinu-SP e participantes do projeto, embasou os resultados alcançados. O conceito de memória coletiva é defendido por Maurice Halbwachs, no sentido de que as relações sociais influenciam lembranças e esquecimentos dos indivíduos no processo de rememoração (PARK, 2005b). Assim, ainda que o indivíduo carregue dentro de si as lembranças, estas são construídas nas relações com os grupos e instituições a que se liga, enfim com a sociedade. Segundo Kessel (s.d.), Halbwachs considera que o a rememoração individual impregna-se das memórias do outro, de modo que a maneira de lembrar, perceber e ver o mundo se constitui das experiências coletivas. Desse modo, a memória

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constrói-se a partir das várias lembranças que os membros do grupo oferecem para esse trabalho de rememoração. A memória de Jarinu-SP foi assim construída, por muitas mãos e lembranças, como um colcha de retalhos que se torna única e partilhada pelo grupo.

A velhice é usualmente relacionada ao ato de rememorar o passado. Segundo Ferreira (1998), em uma sociedade como a contemporânea, na qual boa parte da população de velhos é afastada de atividades intelectuais e produtivas, resta-lhe mais tempo para atividades reflexivas. Por outro lado, o ato de lembrar é de grande importância para o velho, pois conforme coloca Bosi (1994), após ser colocado à margem pela sociedade, a lembrança de tempos melhores – leia-se aqui de tempos passados – oferece alento ao velho, tornando-se um sucedâneo da vida. A oportunidade de falar sobre “sua” época, de mostrar o que suportou e compreendeu na vida e da vida proporcionam alegria ao velho, sendo também uma oportunidade de mostrar sua competência.

Dona Mercedes acha importante o projeto para que os outros possam ficar sabendo das coisas passadas e para que os mais antigos possam lembrar e reviver os tempos antigos. (Diário de campo, 17/08/2004, Entrevista com Dona Mercedes, Dona Maria José e Dona Benedita).

A fala de Dona Mercedes exemplifica a importância que o velho atribui ao ato de lembrar e relacionado a isso, a importância que a mesma atribuiu ao projeto como oportunidade para tal. Durante o projeto, conforme relata Park (2000), Dona Mercedes materializou os objetos de suas memórias ao confeccionar, como fazia antigamente, a roupa de festeiros de congada, licores que costumavam ser feitos para as festas, bem como flores5 de papel de seda, crepom ou lã que enfeitavam os andores. Mais que uma oportunidade para lembrar, Dona Mercedes ressalta a chance de reviver um tempo antigo, que já se foi, um tempo que lhe pertenceu.

A História Oral foi a metodologia utilizada no projeto Jarinu Tem Memória para a recolha das informações e memórias junto à comunidade. A definição de História Oral empregada no projeto é a de Lozano (1996, apud PARK, 2000, p. 22), que a entende como “possível junção de método e técnica, e indubitavelmente como encruzilhada de disciplinas.”

5 Segundo Park (2000), tais flores despertaram o interesse de uma estudante paulistana que aprendeu como fazê-las e

socializou a técnica na escola onde estuda. Desse modo, a tradição de fazer flores foi reincorporada em um novo contexto, com finalidades diferentes.

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Thompson (2000) ressalta que a História Oral é uma história construída em torno de pessoas. Baseando-se na recolha de relatos de vida dos indivíduos, os quais se apóiam em suas memórias pessoais e coletivas para fazerem seus relatos, permite que a história resultante desse processo ultrapasse a visão dominante e revele outros heróis, vindos da parte desconhecida da população.

Relevante na utilização dessa metodologia, é a possibilidade de que a história da comunidade seja contada por seus membros e retorne para eles. Ou seja, extrai-se a história de dentro da comunidade e traz-se a história para dentro da comunidade. Esse movimento possibilita a valorização das memórias e do processo de lembrar, tendo em vista que a história produzida é resultado de memórias que são fruto do trabalho dos membros da comunidade. É uma história que nasceu das vozes de pessoas próximas, consideradas seus iguais. Ao mesmo tempo, devolvendo à comunidade as histórias que dali foram recolhidas, estas passam a ser compartilhadas, tornando-se um bem comum. Assim, a História Oral pode aproximar professores e alunos, jovens e velhos, instituições educacionais e comunidade, pois permite que aqueles que estão contando e compartilhando suas histórias, compartilhem também seus significados e adquiram um senso de pertencimento a um lugar (THOMPSON, 2000).

A História Oral oferece às pessoas que usualmente não seriam ouvidas por historiadores a oportunidade de terem voz. Os marginalizados, classes minoritárias e excluídos são ouvidos. Desse modo, permite que os mesmos conquistem dignidade e auto-confiança ao conferir-lhes uma posição central no relato da história. Os velhos fazem parte do grupo de excluídos e marginalizados, e a História Oral também lhes oferece a possibilidade de serem ouvidos e valorizados (THOMPSON, 2000).

Ao considerar os velhos como membros da comunidade e não uma parcela da população que precisa ser incluída e integrada à sociedade – concepção que permeia muitos programas direcionados à “terceira idade” – o projeto Jarinu Tem Memória (re)afirmou-lhes sua importância dentro da comunidade. Ao privilegiar a memória como temática, o projeto ofereceu ao velho a oportunidade de desempenhar sua função social, a de lembrar. Ao utilizar a História Oral como metodologia, deu voz aos que freqüentemente não são ouvidos, dentre estes, os velhos.

Durante o projeto Jarinu Tem Memória, a memória se movimentou pelo município. E esse movimento, deu oportunidade para os velhos da cidade se movimentarem também, atuando

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como colaboradores, pesquisadores e produtores de conhecimento, o qual foi partilhado com toda comunidade. Possibilitou ainda a valorização do processo de rememorar, além de tornar as memórias um bem público, pertencente não somente aos velhos que delas se fizeram porta-vozes, mas a todos os membros da comunidade, que têm essas memórias como suas também, como parte de sua história. O cotidiano foi alterado, a escola e a comunidade estiveram envolvidas num trabalho coletivo de (re)construção da história da cidade. Uma história feita por seus moradores, permeada por lembranças e esquecimentos constitutivos da memória. Essa história pode divergir da versão oficial, mas está carregada de significado e sentido para aqueles que a construíram (PARK, 2000).

Os sete anos de duração do projeto Jarinu Tem Memória deram lugar a várias atividades envolvendo a participação dos velhos em interação com crianças e jovens, que num movimento mais amplo estimularam novas oportunidades para interação entre gerações.

A primeira atividade desenvolvida no projeto envolveu o estudo dos bairros. Alunos e professores do Ensino Fundamental6 saíram pelo bairro em que a escola estava situada para levantar fatos, histórias, lendas, enfim toda sorte de informações sobre a origem e o desenvolvimento do bairro e da escola. Conforme relatos dos professores envolvidos nessa ação, os quais se encontram no livro Memória em movimento na formação de professores: prosas e

histórias, os primeiros passos se deram em direção à busca pelo envolvimento da comunidade,

que, de modo geral, acatou com entusiasmo o desafio proposto. Num segundo momento, professores e alunos saíram a campo, pelo bairro. Conversaram com os moradores, principalmente os mais antigos, a fim de ouvir as histórias que tinham para contar a respeito do surgimento e desenvolvimento do bairro e da escola. Moradores mais jovens também foram procurados e puderam falar sobre a história recente do bairro. Passeios pela região permitiram às crianças olhar ao redor e perceber as mudanças ocorridas no decorrer do tempo. As crianças recorreram aos pais, aos avós, aos vizinhos e todos se envolveram no projeto.

Nos depoimentos dos professores-escritores, as opiniões de alunos, de pessoas entrevistadas e deles mesmos.

Eu fiquei emocionada. [...] Eu me lembro que a professora falava que tudo aquilo que nós fazíamos não era brincadeira, era um documento e a gente

6 Todos os trabalhos foram desenvolvidos com turmas de 1ª a 4ª séries, exceto o que se refere à região central da

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nem ligava... (Juliane, aluna da 4ª série)7

As professoras da escola que foram entrevistar Dona Benedita e sua família, diante do seu carinho, emocionaram-se até as lágrimas – muitos anos de experiências, lutas e sonhos. As conversas eram pontuadas pelo seu comentário: “é gostoso conversar assim, né...?” (SORANZ; DIETZ, 2000, p. 252).

A pesquisa coletiva sobre a história do bairro e suas névoas ancestrais sobre a ocupação indígena despertou em parte da comunidade um sentido com relação o lugar que poderíamos chamar de “pertencimento”. (FERREIRA et al., 2000, p. 233).

As professoras da Educação Infantil também se empenharam num trabalho de aproximação com a comunidade e ressignificação de memória. Inicialmente, os pais foram convidados a estar na escola para lembrar histórias, causos, brincadeiras e músicas. Todavia, nem todos os pais puderam se fazer presentes e a existência dessas dificuldades, abriu espaço para a participação de outros familiares – tios, avós, primos, irmãos – e mesmo vizinhos. Os alunos da Suplência – jovens e adultos que não tiveram acesso ou não puderam completar seus estudos no tempo destinado à escolarização e retornaram para a escola a fim de continuá-los no Ensino Fundamental ou Médio – também foram envolvidos nesse processo de contação de histórias, brincadeiras e canções.

Segundo os professores, o objetivo era trazer as vivências lúdicas, contos e causos presentes na memória dos mais velhos, para o cotidiano das crianças pequenas, a fim de que se mantivessem vivas. Quanto aos resultados, ressaltam que “tudo foi positivo, pois aprendemos com erros e acertos. E nossas crianças e nossos convidados adoraram a experiência (FERNANDES et al., 2000, p. 276).

Fora do contexto escolar, um grupo intergeracional composto por adultos jovens e velhos – o que expressa a preocupação em constituir-se grupos não-sectários e sim que propiciassem a convivência entre gerações – denominado Grupo da Comunidade, reuniu-se para lembrar, reconhecer e (re)construir a história de Jarinu-SP. Como tema de trabalho elegeram as festas religiosas, que ocorreram e ainda ocorrem na cidade. Depoimentos dos velhos sobre experiências vividas, histórias marcantes, preparativos para receber familiares e amigos, rituais e costumes, bem como de adultos jovens sobre o que ouviram de pais e avós foram coletados e

7 Extraído do livro Memória em movimento na formação de professores: prosas e histórias, organizado por

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documentados. Surgiram fotografias das festas que precisavam ser identificadas, pessoas a serem reconhecidas, e o grupo empenhou-se também nesse trabalho. Posteriormente, fotografias não relacionadas às festas religiosas surgiram, necessitando do mesmo cuidado por parte dos velhos, que atenderam prontamente à missão. Esse trabalho extrapolou o objetivo inicial de documentar as festas religiosas do município para abranger tudo que a comunidade desejava retratar. Mais que um trabalho resultante de seus esforços, têm-se um trabalho resultante de sua motivação e de seus desejos.

É fácil ver a emoção estampada no rosto de Dona Diva quando fala sobre os encontros em que as pessoas da comunidade se reuniam para falar das festas religiosas. Várias vezes menciona as reuniões, nas quais havia uma troca de informações ou um intercâmbio de lembranças em que cada um contava uma parte da história e acabava reavivando a memória do outro que complementava com suas lembranças. Foi impossível não imaginar uma colcha de retalhos sendo confeccionada por essas mãos/lembranças. Construção de uma memória coletiva a partir das memórias individuais. No final, Dona Diva se emociona: “Como foi bom ver aquelas fotos! Reconhecer as pessoas!” (Diário de campo, 17/08/2004, Entrevista com Dona Diva).

A atividade de reconhecimento do conteúdo das fotografias resultou na montagem de um acervo fotográfico da cidade de Jarinu-SP, o qual inclui fotos das festas religiosas, dos meios de transporte, dos imigrantes, dos bairros, das bandas, do lazer e do desenvolvimento econômico. Um resultado relevante, pois conforme Marcondes (2000), a fotografia possui valor inegável na ressignificação da memória de uma sociedade, revela algo da realidade, as marcas e pegadas de seu referente.

Várias pessoas da sociedade ofereceram as fotografias de que dispunham, relacionadas à história da cidade e os velhos fizeram o trabalho de reconhecimento das mesmas. Pessoas do município foram treinadas para desempenhar as funções necessárias à preservação e catalogação. Após o tratamento da coleção, por meio de catalogação, tratamento preventivo e restauro, elaborou-se um catálogo analítico, organizado por temas e datas, contendo a descrição sumária de cada foto. A coleção está na biblioteca municipal e foi publicada por meio do Catálogo de

coleções fotográficas da cidade de Jarinu, organizado pela pesquisadora Marli Marcondes.

As informações coletadas se materializaram na exposição realizada ao final do primeiro ano de trabalho, em 1999, cujo objetivo principal, segundo Park (2000), era devolver às pessoas o

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material coletado junto a elas, permitindo que se reconhecessem e se apropriassem do passado. Cerca de cinco mil pessoas puderam apreciar os trabalhos feitos pelos alunos, tais como letras de músicas, poesias, textos e maquetes, e ainda as fotografias, objetos antigos, quadros de artistas locais e mesmo uma sessão de cinema.

Além de espaço para socializar os resultados alcançados no primeiro ano de trabalho, a exposição desempenhou uma outra função, a de provocar memórias e desejos em outras pessoas na cidade. Vários grupos foram convidados para apresentações durante a exposição. Park (2000) conta que se apresentaram a congada do Terno Vermelho, a Escola de Samba Caprichosos de Jarinu, o Coral Canto e Riso, a Banda e a Dança de São Gonçalo de Jarinu. As apresentações deram fôlego novo para a Dança de São Gonçalo e para a Banda.

Os festeiros da Dança de São Gonçalo passaram a apresentar-se em diversos festejos pela região, inclusive eventos culturais pelo estado, comandados pelo senhor Benedito Machado que, aos 81 anos, anima-se com as novas oportunidades de apresentar a Dança.

A cidade começou a apresentar o que a cidade tem, né. Então eles me leva numa cidade, leva noutra. Vai lá na Água Branca, todo ano nóis vai. Agora mesmo no dia 16 de setembro, não 16 não, 12, nós vamos lá em Aguaí.

[...]

Aí me chamou lá e quis fazer essa apresentação na cidade, e então eu tô fazendo. Fazendo o gosto deles né, e o gosto meu (risos). O gosto dos dois, né? Dos dois lados. É . (Senhor Benedito)

Antigos membros das bandas da cidade, que estavam desativadas há algum tempo, motivados pelo reencontro durante a exposição, mobilizaram-se. Buscaram apoio de integrantes de bandas da região, convidaram alunos das escolas da cidade e reativaram a banda, agora denominada Banda Filarmônica 17 de Abril. Atualmente, a banda tem se apresentado em Jarinu-SP e cidades vizinhas e juntos, jovens e velhos, continuam a escrever a história dessa forma de expressão cultural da cidade. O senhor Sebastião Soares Ferreira, 68 anos, conhecido na cidade como Bodinho, foi um dos responsáveis pelo reencontro da banda.

No dia 10 de Jul... 10 de Abril de 99, então botei a banda lá, ali no ginásio. Tocou.

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Referências

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