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6. Metodologia

6.2. Conversando com crianças e velhos, os atores desse trabalho

6.2.2. Desenhos, conversas e brincadeiras de crianças

Dois grupos de crianças participaram desse trabalho, sendo ambos compostos por alunos da mesma professora.

Antes de conhecer as crianças e iniciar a coleta de dados junto às mesmas, foi feito um contato com a professora a fim de conhecê-la, apresentar-lhe o projeto de pesquisa e a metodologia a ser utilizada, conhecer um pouco mais do projeto Jarinu Tem Memória e estabelecer uma relação de parceria. Edna Bêgo, a professora, foi bastante receptiva e mostrou-se disponível para participar da pesquisa. Esse primeiro encontro aconteceu na escola e como o único lugar disponível para a conversa era a sala de aula, foi possível ter um contato breve com as crianças da turma de 2ª e 3ª séries.

A conversa com a professora versou a respeito do projeto Jarinu Tem Memória, de informações sobre os alunos e das atividades intergeracionais desenvolvidas em sala de aula. Foi acordado com a mesma, que ela distribuiria o Termo de Consentimento para que as crianças levassem para casa e nessa ocasião, falar-lhes-ia sobre o trabalho a ser realizado. Seria então informado às crianças, que uma pesquisadora de Campinas-SP iria até a escola para conversar

com elas sobre as pessoas velhas e pediria que as mesmas fizessem um desenho e falassem sobre os mesmos e, ainda gravaria um vídeo, como na televisão.

Edna, ao final de nossa conversa, revelou-se interessada e pronta para envolver-se com nosso trabalho. Mostrou-se disponível a colaborar no que fosse necessário, afirmando que seria interessante a experiência porque pretende continuar seus estudos (atualmente cursa o 3° grau através de um programa de educação continuada do governo estadual) e fazer pós- graduação. Então, seria bom ter contato com um trabalho de pesquisa. (Diário de Campo, 17/08/2004)

Esse contato foi relevante para estabelecer um bom relacionamento com a professora, que muito contribuiu durante a coleta de dados. Além disso, poder contar com o apoio de uma mesma professora para realizar o trabalho nos dois grupos foi um fator facilitador, pois a mesma compreendeu o trabalho, especialmente após experienciar a coleta de dados com a primeira turma, fazendo contribuições valiosas. Durante a realização das brincadeiras com as crianças do Pré-escolar, por exemplo, uma das crianças questionou o que era brincar de “faz-de-conta” e a professora respondeu prontamente, auxiliando a criança a compreender o que essa expressão significava.

O contato com o primeiro grupo de crianças ocorreu, inicialmente, com o intuito de realizar um estudo piloto, a fim de avaliar a compatibilidade dos métodos a serem utilizados, bem como o vocabulário a ser empregado. Essa parte do trabalho desenvolveu-se com uma turma mista de 2ª e 3ª séries do turno matutino, composta por vinte e sete alunos com idades entre 8 e 10 anos. Segundo a professora, essas crianças têm baixo rendimento escolar e a maioria pertence a famílias de baixa renda. Participou ainda, a convite da professora, uma ex-aluna sua, que atualmente cursa a 4ª série, pois a mesma havia participado de atividades com velhos. Devido à riqueza de informações presentes no material coletado junto a esta turma, o mesmo integrou o corpo de dados a serem analisados.

Da turma de 2ª e 3ª séries, apenas onze crianças (quatro meninas e sete meninos) tiveram contato com velhos na escola há dois ou três anos. Em relação às atividades que envolveram crianças e velhos, a professora, que os acompanha desde o Pré-escolar, relata duas. Em uma delas, uma senhora preparou saquinhos de areia para ensinar às crianças a brincadeira de “jogar pedrinha”.

A professora relata que a senhora preparou-se por vários dias porque não queria usar simples pedrinhas na brincadeira. E as crianças gostaram, principalmente porque ela sentou-se no chão perto delas para ensinar-lhes a brincadeira e brincar junto. (Diário de Campo, 17/08/2004)

Num outro momento, uma avó, descendente de alemães, foi à sala de aula para ensinar uma canção folclórica alemã.

No início a senhora estava um pouco tímida, mas depois se sentiu mais à vontade. As crianças fizeram muitas perguntas sobre a Alemanha, sua língua e seus costumes e demonstraram muito interesse, o que facilitou a aprendizagem da canção, que ocorreu de forma rápida. (Diário de Campo, 17/08/2004)

Num primeiro momento da coleta de dados com essa turma, a professora apresentou a pesquisadora às crianças, as quais já haviam perguntado a esta se ela era a pessoa que falaria com elas sobre os velhos. A partir daí, foi explicado às crianças o interesse em conhecer o que elas sabiam e pensavam sobre as pessoas velhas e o que seria feito durante a pesquisa. Depois que essas informações haviam sido passadas, estabeleceu-se um diálogo em que as crianças, estimuladas por perguntas feitas pela professora e pela pesquisadora, falavam a respeito do que conheciam sobre os velhos e suas características. Questionou-se como os velhos são, o local em que moram, as atividades habituais, as condições de saúde e lazer.

Em seguida, solicitou-se às crianças que desenhassem uma ou mais pessoas velhas, da maneira como achavam que essas pessoas eram, no lugar em que costumavam ficar, fazendo o que usualmente fazem. Esta atividade foi acompanhada pela pesquisadora, que registrou observações sobre os comportamentos das crianças durante a produção dos desenhos no Diário de Campo. As crianças conversaram bastante, parecendo se sentirem bastante à vontade na situação. Ou conforme os dizeres da professora, “querem aparecer já que há alguém diferente na sala” (Diário de Campo, 14/09/2004).

Logo após o término dos desenhos, cada criança foi convidada para entrevistas individuais que aconteceram na sala de vídeo. Antes de iniciar a entrevista propriamente dita, algumas informações foram passadas a criança no intuito de explicar-lhe a entrevista e deixá-la mais tranqüila.

Nessa nossa conversa, vamos falar um pouco sobre o seu desenho, porque às vezes a gente desenha, mas pode também falar um pouco sobre o que desenhou. Vou fazer algumas perguntas, mas não há resposta certa ou resposta errada. Você vai me dizer o que você pensa. Tudo bem? Também quero combinar com você outra coisa, pra eu poder lembrar do que nós vamos conversar, eu preciso gravar nesse gravadorzinho aqui. Pode ser? Então vamos lá. Qual o seu nome? Quantos anos você tem?” (Diário de campo, 14/09/2004)

Ainda que apenas doze crianças houvessem participado do projeto, sendo onze da turma de 2ª e 3ª séries e uma da 4ª série, foi solicitado a todas que fizessem o desenho. Contudo, apenas sete crianças foram entrevistadas, visando a atender aos objetivos do trabalho e tendo em vista que cinco não compareceram à aula nos dias das entrevistas. Dentre as crianças entrevistadas havia três meninas e quatro meninos. Algumas pareciam mais tímidas que outras durante as entrevistas, mas com exceção de dois meninos que se mostraram tímidos durante todo o tempo, os demais foram sentindo-se mais à vontade no decorrer da entrevista e se comportaram de modo falante e extrovertido.

A gravação da brincadeira de “faz-de-conta” aconteceu em outro dia, e foi necessário retomar as atividades de desenho e entrevista realizadas anteriormente. As crianças, durante esse diálogo, recordaram-se dos desenhos e entrevistas e fizeram novas colocações. Após esse breve diálogo e pontuando às crianças que as mesmas haviam falado sobre onde os velhos ficam, como são, o que costumam fazer, onde moram, como tratam as pessoas, foi-lhes sugerido que brincassem de “fazer-de-conta” que eram velhos. Assim, na brincadeira haveria velhos e velhas, fazendo aquilo que as crianças achassem que estes costumam fazer, do jeito que elas quisessem e pensassem que os velhos eram e agiam. Foi dito ainda, que as crianças poderiam brincar sozinhas ou em grupo, conforme achassem melhor.

As crianças, inicialmente, pareciam ansiosas por participar de uma gravação e a excitação provocada fez com que a professora precisasse intervir de modo firme para que a atividade pudesse ter início. Quando a câmera foi ligada, algumas se mostraram um pouco retraídas, mas aos poucos, a maioria sentiu-se mais à vontade, aderindo à brincadeira.

O segundo grupo de crianças, formado por alunos do Pré-escolar, para o qual a professora leciona no período vespertino, contou com a presença de vinte crianças com idades entre 5 e 6 anos, sendo sete meninas e treze meninos.

Segundo a professora, são crianças com uma situação financeira não muito ruim, visto que participam das atividades e sempre levam os materiais solicitados. Mas, como a própria professora observou, isso pode refletir a empolgação dos pais por terem os filhos pela primeira vez na escola. (Diário de Campo, 17/09/2004)

O contato dessas crianças com velhos, durante o ano escolar em curso, se deu em duas situações, conforme o relato da professora e das próprias crianças. O primeiro deles foi com o Senhor Alcides Bueno, que declamou poesias e conversou com as crianças sobre como fazê-las.

A professora pergunta às crianças se elas se lembram do dia em que o poeta veio à escola e eles ficaram na sala 08 porque era maior. A maioria diz que se lembra e alguns dizem que faltaram à aula naquele dia. A professora pergunta então, em tom mais afirmativo que inquisitivo, se o Senhor Alcides, o poeta, não era velho. As crianças disseram que sim. Uma ainda ressalta: “É velhinho o Senhor Alcides.” As crianças animam-se e falam das poesias que ele fez: “Tem a poesia da pipa.” Outra criança complementa: “E a do gatinho!”. (Diário de Campo, 17/09/2004)

O outro contato com velho se deu por meio da reprodução de um vídeo sobre a vida e a obra do artista Tao Sigulda (90 anos), bem como por meio de uma visita ao Centro Cultural mantido pelo mesmo. Tais ações estiveram vinculadas ao projeto de arte-educação desenvolvido com os educadores da Educação Infantil.

Edna conta que teve um outro velho que eles não conheceram porque no dia em que foram visitá-lo, ele estava doente. Mas, assistiram a um vídeo sobre ele e viram suas obras. Uma das crianças diz empolgada: “É o artista!” A professora confirma e complementa: “Vocês se lembram do Tao Sigulda?” Todas as crianças respondem que sim. Edna fala dos trabalhos que fizeram relacionados à obra dele e mostra um cartaz sobre a exposição, o qual está fixado atrás da porta da sala. (Diário de Campo, 17/09/2004)

A coleta de dados com essa turma seguiu os mesmos moldes da anterior, acontecendo primeiro a confecção dos desenhos e as entrevistas. Algumas diferenças são notadas: as crianças conversam muito pouco durante a confecção dos desenhos e parecem mais tímidas que as crianças maiores.

Logo após terminarem os desenhos, a professora convida os alunos para assistirem a um filme, deixando a sala de aula livre para que as entrevistas fossem realizadas. Como essa atividade aconteceu na sexta-feira, dia em que as crianças levam brinquedos para a escola e cantam o Hino Nacional no pátio após o recreio, no momento da entrevista, algumas pareciam um pouco dispersas e desejosas para participarem das demais atividades. Porém, de modo geral, todas participaram tranqüilamente das entrevistas, sendo que apenas um menino não quis que a entrevista fosse gravada.

A brincadeira de “faz-de-conta” também se deu de modo semelhante ao que tinha ocorrido na turma anterior. Primeiro, foi feito um círculo para uma conversa, na qual a professora diz às crianças que elas aparecerão na TV, o que parece excitar alguns e inibir outros. Começa então a conversar com eles sobre os velhos e as crianças parecem, gradativamente, sentir-se mais à vontade. No entanto, após serem convidadas a brincar, algumas crianças pareceram inibir-se novamente.

Achei que pudesse ser mais fácil motivar essas crianças a brincar de “faz-de- conta”, mas me enganei. Tentei explicar como seria a brincadeira e uma menina não entendeu. Então, a professora interveio e explicou que era como brincar de casinha. No começo, houve certo tumulto. As crianças se agrupavam e parecia não haver sentido no que faziam. Depois, algumas dela (principalmente meninas) desistiram de brincar. Achei melhor não insistir. (Diário de Campo, 29/10/2004)

Ainda que inicialmente, tenha parecido frustrante a proposição dessa atividade às crianças do Pré-escolar, após assistir às gravações foi possível apreender informações valiosas para alcançar os objetivos desse estudo.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados junto às crianças mostraram-se adequados para acessar o conteúdo de suas representações sociais. Durante as entrevistas, algumas crianças comportaram-se de modo mais expressivo que outras, explicitando melhor suas idéias e opiniões e indicando que se sentiam à vontade nessa situação. Outras crianças apresentaram respostas monossilábicas durante boa parte da entrevista, sendo que uma das crianças da turma do pré-escolar não quis que a entrevista fosse gravada, o que foi respeitado. Essa situação trouxe certo desconforto à pesquisadora, que, inicialmente, desejava ouvir respostas mais elaboradas. Todavia, ao analisar o conteúdo das entrevistas

no final da coleta de dados, possibilitou perceber que as falas das crianças nas entrevistas eram expressivas e coerentes com o restante material coletado.

Em situações de grupo, as crianças conversaram e discutiram com a professora e a pesquisadora, bem como brincaram de “faz-de-conta”. A gravação desses momentos em vídeo pareceu inibir as crianças inicialmente, porém boa parte da turma participou da brincadeira, mostrando suas idéias e representações, mesmo que esta não tenha se desencadeado conforme pensado inicialmente. Algumas vezes era necessário fazer intervenções, todavia, este fato não parece ter influenciado de modo negativo no resultado final, porque mesmo sendo indagadas ou requisitadas a realizar determinada ação, as crianças não deixaram de expressar suas próprias idéias. As conversas com a professora e os colegas por sua vez, mesmo sendo gravadas deixaram as crianças mais à vontade, possivelmente por ser uma situação menos inusitada, Esses momentos de conversa foram de grande importância para apreender o modo como as idéias das crianças se desencadeavam e se alteravam durante as discussões com colegas e com a professora, clareando informações que haviam sido dadas durante as entrevistas.

A associação dos vários instrumentos utilizados – desenho, entrevista e brincadeira – permitiu apreender maior riqueza de informações e confirmar dados coletados num momento anterior.