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2. Relações intergeracionais

2.3. Programas intergeracionais

Programas intergeracionais são desenvolvidos de modo a promover o envolvimento de pessoas pertencentes a diferentes gerações, mas que não tenham necessariamente um vínculo biológico entre si. Por meio dessas interações, tem-se estímulo para o estabelecimento de ligações intergeracionais, as quais possibilitam trocas culturais e provêem sistemas de suporte positivo que auxiliam na manutenção do bem-estar e da segurança das gerações envolvidas (NEWMAN, 1997; UHLENBERG, 2000).

Newman e Smith (1997) apontam a inexistência de uma teoria específica e formal sobre as relações intergeracionais. Por esse motivo, as bases teóricas para o desenvolvimento de programas intergeracionais estão em teorias do desenvolvimento da criança e do velho. Os autores ressaltam que dentro do corpo teórico acerca do desenvolvimento infantil, há uma concordância entre os estudiosos de que a presença de um adulto para auxiliar no desenvolvimento da criança é uma necessidade. No outro corpo de conhecimentos utilizados, sobre o velho, são ressaltados os benefícios que as relações intergeracionais podem trazer para a qualidade de vida dos velhos. Por conseguinte, as bases teóricas utilizadas subsidiam os programas intergeracionais, considerando-os uma estratégia preciosa para que ambas as gerações

envolvidas sejam beneficiadas. Dentre os benefícios destacados pelos autores estão: cuidado, comunicação, colaboração, aprendizagem, contato com modelos positivos e construção de relações prazerosas.

Programas intergeracionais estruturados são uma novidade recente. Newman (1997) relata sobre o histórico dos programas intergeracionais nos Estados Unidos, onde uma gama variada e numerosa dos mesmos tem tido espaço e incentivo por parte do governo e da população. Segundo a autora, o principal fator motivador para o surgimento desses programas foi o aumento da separação geográfica das famílias promovido por uma maior mobilidade a partir da década de 50. Essa separação levou a que jovens e velhos experienciassem com menor freqüência relações intergeracionais dentro do contexto familiar, onde usualmente tinham lugar e representavam uma fonte de benefícios mútuos. Resultante dessa menor convivência intergeracional, uma crescente onda de preconceitos, mitos, estereótipos, atitudes e comportamentos negativos ganhou espaço nas relações entre velhos e indivíduos de gerações mais jovens, especialmente crianças e adolescentes. Minimizar tais efeitos tornou-se o objetivo dos programas intergeracionais na primeira fase de seu desenvolvimento, que vai do momento em que surgiram, na década de 60, até os anos 70.

Nas décadas de 80 e 90, o foco dos programas se altera. Mudanças sociais, demográficas e culturais trouxeram como conseqüências, o agravamento de problemas sociais que acabaram por atingir especialmente velhos, crianças e adolescentes. Os principais problemas a que jovens e crianças estavam (e ainda estão) sujeitos são: gravidez precoce, envolvimento com entorpecentes e alcoolismo, baixa auto-estima, evasão escolar, baixo rendimento escolar, sistemas inadequados de suporte e cuidado. Para os velhos: solidão, isolamento, envolvimento com entorpecentes e alcoolismo, sistemas de apoio inadequados, baixa auto-estima e desemprego. Assim, os programas intergeracionais que tiveram lugar no contexto estadunidense, centraram seus esforços na promoção de estratégias que contribuissem para melhorar a realidade dos envolvidos, combatendo tais problemas sociais (NEWMAN, 1997).

Sobre os programas intergeracionais realizados no Brasil foi realizado um levantamento que permitirá que alguns sejam relacionados. Há indícios de que os programas brasileiros tiveram origem numa época recente, motivados pela maior visibilidade dos velhos na sociedade, bem como por uma maior conscientização em relação à importância da preservação da memória social. Segundo Frochtengarten (2005), elementos da realidade contemporânea imprimem uma

lógica de descontinuidade sobre a experiência humana, sendo as vivências de ruptura características de um período em que “os imperativos econômicos passaram a mediar mesmo as relações interpessoais, em que a globalização emergiu como ameaça às tradições, em que o cotidiano se acelerou de forma inaudita e em que a identidade dos homens mais estreitamente vinculou-se a suas façanhas pessoais” (FROCHTENGARTEN, 2005, p. 370). Desse modo, o aumento do interesse pela preservação da memória decorre da necessidade do ser humano de enraizar-se, isto é, de sentir-se parte de uma coletividade com a qual compartilha lembranças passadas e pressentimentos futuros.

Dentre os programas levantados, dois grupos se diferenciam segundo seus objetivos. Há um grupo formado por programas que visam especificamente à integração entre gerações e à promoção do bem-estar de crianças e/ou adolescentes e velhos. Num outro grupo, os programas têm como principal objetivo da ressignificação de memória sócio-cultural de uma comunidade, e por isso acabam por envolver crianças e/ou adolescentes em idade escolar e velhos, estes últimos considerados portadores privilegiados da memória social de uma comunidade. Programas têm se desenvolvido em diversos pontos do país, e alguns serão destacados a seguir.

No Distrito Federal, em 1994, foi implantado o projeto Reminiscências: Integrando

Gerações, que tem envolvido instituições públicas de saúde, educação e cultura, na promoção de

integração intergeracional entre velhos e estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio, das cidades satélites de Taguatinga e Ceilândia. Segundo Souza (1999, p. 69), o objetivo principal do projeto é “promover a integração entre gerações por meio do processo de reminiscências, e assim promover a saúde individual e coletiva”. São desenvolvidas atividades dentro e fora da sala de aula como oficinas de brinquedos e de teatro, caixas de memória (histórias são relatadas pelos participantes a partir de objetos e fotos colocados dentro de uma caixa de papelão), visitas ao museu, ao Jardim Botânico e a parques públicos, entrevistas domiciliares (adolescentes vão à casa de um velho, que more próximo a sua casa, para entrevistá-lo sobre um tema proposto pelo professor), exposição dos trabalhos e uma festa de confraternização no final do ano letivo. O programa tem recebido avaliações positivas dos participantes, chegando a ser reconhecido como referência pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O SESC (Serviço Social do Comércio) – especialmente do estado de São Paulo – destaca- se pelos programas que visam a integrar gerações. Miranda (2003) arrola alguns aspectos que motivam a existência dos programas da instituição, sendo eles o crescente distanciamento

geográfico intrafamiliar, as mudanças de estilos de vida familiar – transição da tradicional família extensa, característica das sociedades agrárias, para famílias nucleares, comuns na sociedades industrializadas modernas –, a maior segregação das gerações em espaços específicos para cada uma delas, mudanças na imagem da velhice, que atualmente mostram um velho capaz de desenvolver atividades prazerosas e promotoras de realização social, e por fim, as metas da instituição para a promoção de bem-estar social. O objetivo principal dos programas desenvolvidos pelo SESC é promover a interação entre velhos e crianças que freqüentam a instituição, por meio de atividades variadas, tais como oficinas de brinquedo, de teatro e de música, grupos de contadores de histórias e corais. Dois exemplos podem ser citados, o projeto

Internet Livre, no qual adolescentes ensinam velhos a lidar com computadores, e o SESC Gerações, um programa lançado em 2003 que estabelece parâmetros para as atividades de arte,

lazer, cultura, esporte, turismo e voluntariado, no intuito de potencializar as interações e fomentar a co-educação intergeracional.

Na cidade de Santos, uma parceria entre a Secretaria de Esporte e Turismo e Secretaria de Ação Comunitária e Cidadania implantou, desde 1998, o projeto Vovô Sabe Tudo, o qual oferece trabalho a pessoas maiores de 60 anos com renda de até 5 salários mínimos. Os velhos realizam atividades como guias turísticos, instrutores especiais e contadores de histórias para alunos do Pré-escolar e do Ensino Fundamental da cidade. Diversas oficinas são conduzidas pelos velhos, que ensinam jardinagem, técnicas de artesanato e trabalhos manuais (bordados, crochê, tricô, tapeçaria, pintura em tecido, confecção de brinquedos e flores), preservação ambiental e hortas domiciliares e comunitárias. Pelo trabalho desenvolvido durante 16 horas de atividades semanais, os velhos recebem um salário mínimo (PROGRAMA, s.d.).

Speglich (2004) ressalta a importância de alguns projetos de ressignificação da memória sócio-cultural de comunidades, desenvolvidos por meio de parcerias entre instituições públicas e privadas e escolas, utilizando como metodologia a História Oral. Tais projetos, possibilitam às crianças e aos adolescentes ampliarem seus conhecimentos sobre a história dos locais onde vivem, em contato com pessoas – usualmente velhos – que trazem em suas memórias fatos e acontecimentos importantes para a comunidade.

Como exemplos desse tipo de projeto, citam-se os seguintes: Jarinu Tem Memória – sobre o qual se discorreu no capítulo anterior –, Pão de Açúcar faz história e Histórias de nossa

Pessoa.Net e Avisa Lá – e os projetos desenvolvidos pelo Centro de Memória da Unicamp (CMU). Tais programas não têm como focos principais a intergeracionalidade, e sim a ressignificação da memória através da História Oral no contexto escolar. Entretanto, sendo o velho portador privilegiado da memória social, acaba por destacar-se como ator desses projetos juntamente com as crianças, promovendo-se assim a aproximação intergeracional.

Sobre os projetos de pesquisa-ação desenvolvidos pelo CMU, Simson (2004) relata que os mesmos tiveram início em 2000, por meio de parcerias com paróquias e instituições que realizam atividades de educação não-formal em três bairros da periferia da cidade de Campinas (Vila Costa e Silva, Vila Castelo Branco e Jardim Campineiro). Utilizando a metodologia da História Oral, repassada aos adolescentes participantes dos projetos através da educação não- formal, estes foram colocados em contato com a geração mais velha dos bairros em que residiam, no intuito de alcançar os vários objetivos estabelecidos para os projetos, dentre os quais destaca-se a promoção da proximidade entre gerações (adolescentes e velhos). Dentre os resultados alcançados, a autora ressalta o compartilhar de conhecimentos sobre a memória do bairro em que moram, a reconstrução da auto-estima e a construção de memórias compartilhadas pelas duas gerações.

O programa Pão de Açúcar faz história9 tem como objetivo resgatar a história de bairros

e comunidades por meio do trabalho com a memória oral junto a alunos de escolas públicas, sendo apoiado pelo Instituto Pão de Açúcar de Desenvolvimento Humano. Iniciado em 2001, o projeto constitui-se por um módulo desenvolvido no bairro Vila Isabel da cidade do Rio de Janeiro e outro na cidade de Santos. No primeiro módulo, estudantes cariocas orientados por seus professores, pesquisaram lugares, festas, brincadeiras e entrevistaram moradores e familiares participantes da história do bairro. Além disso, velhos adentraram os portões das escolas para contar histórias e ensinar brincadeiras de antigamente. O segundo módulo teve início em 2002 na cidade paulista de Santos. As crianças, estudantes de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, realizaram como atividades: leitura, visitas a locais públicos determinados, mas foram valorizadas sobretudo, as entrevistas realizadas com velhos, considerados fontes básicas da ressignificação da memória oral da cidade.

Histórias da nossa terra10, um projeto realizado pelo Instituto Algar de Responsabilidade

Social, objetiva ressignifcar a história de municípios por meio da lembrança dos moradores sobre a própria cidade, suas famílias, infância, trabalho, credo, tradições e origens. Desde 2000, o projeto vem sendo desenvolvido nas séries iniciais de escolas públicas. As primeiras cidades envolvidas, foram as mineiras Ituiutaba, Uberaba e Uberlândia. Posteriormente, o projeto aconteceu também em Franca (SP), Ribeirão Preto (SP) e Belo Horizonte (MG). Além de colherem depoimentos através de entrevistas e verificar fotos, as crianças produzem desenhos, textos e caricaturas, com base nas descobertas de suas pesquisas. Tais produções são apresentadas, posteriormente, em uma exposição.

Conforme já pontuado, vários são os benefícios possíveis de serem atingidos através dos programas intergeracionais, pelos velhos, pelas crianças e pela comunidade de modo geral. Melhoria da auto-estima de ambas as partes, intercâmbio de informações, ressignificação da memória local, oportunidade para ambos sentirem-se úteis à comunidade e desenvolver o senso de cidadania e redução de visões preconceituosas entre os indivíduos são alguns dos benefícios que podem ser listados.

Apesar de todos os argumentos favoráveis à promoção de relações e programas intergeracionais, algumas observações precisam ser feitas. No desejo de alcançar os benefícios propalados, corre-se o risco de homogeneizar as categorias envolvidas, tomando-se por princípio que toda criança e todo velho deseja e se compraz em despender seu tempo um com o outro. Seguindo esse caminho, existe a possibilidade de criar-se um novo estereótipo por meio dos argumentos utilizados para a defesa da intergeracionalidade entre velhos e crianças. Há diferenças individuais a serem respeitadas a fim de que, não sejam promovidos distanciamentos e preconceitos ainda maiores ao invés de benefícios e aproximações.