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3. Representações sociais

3.3. O estudo das representações sociais

Segundo Jodelet (2005), existem duas formas de estudar as representações sociais: globalmente e de modo focalizado.

Ao estudar as representações sociais de modo global, a atenção se volta às posições emitidas pelos sujeitos sociais a respeito de objetos sociais valorizados ou conflitantes. Desse modo, as representações serão tratadas como campos estruturados, podendo ser consideradas como conceitos, os quais têm suas dimensões coordenadas por um princípio organizador (JODELET, 2005). Nesse sentido, as representações sociais envolvem dimensões do nível simbólico e do nível social.

As dimensões do nível simbólico englobam:

• as informações: referem-se à qualidade e à quantidade de informações disponíveis sobre o objeto de representação;

• o campo de representação: diz respeito à organização das informações disponíveis sobre o objeto, isto é, à estrutura interna dos conteúdos referentes ao objeto de representação, sendo uma unidade de elementos ordenada, estruturada e hierarquizada;

• a atitude: indica as orientações a respeito do objeto, representando uma avaliação positiva, negativa ou neutra. Pode ser expressa mesmo quando há poucas informações ou o campo de representação não está totalmente organizado.

Em relação às dimensões do nível social, apresentam-se:

• a pressão à inferência: influência social exercida pelo meio no sentido de pressionar o indivíduo a utilizar informações dominantes do grupo;

• a dispersão de informação: diz respeito à forma como as informações são produzidas e encontram-se distribuídas pelo grupo;

• o engajamento do sujeito: o modo como o sujeito se envolve em ações para interagir com o grupo social e opinar sobre o objeto, esforçando-se para manter uma visão única e compartilhada sobre o mesmo (SIQUEIRA, 1995; SOUZA FILHO, 1993).

Segundo Souza Filho (1993), pode-se dar que estudos diferentes ocupem-se de dimensões diferentes, utilizando formas específicas de coleta e análise de dados. Muitos estudos, talvez a maior parte deles, ocupam-se das dimensões simbólicas – inclusive este –, atendo-se à explorar o conteúdo do conhecimento que um grupo social tem sobre determinado objeto, como por exemplo a loucura, a doença, a saúde, o velho, a velhice, a infância, o meio-ambiente, entre outros.

A segunda forma de estudar as representações sociais é de modo focalizado, quando a atenção recai sobre elas como modalidade de conhecimento. Aqui, são tratadas como núcleos estruturantes, ou seja, estruturas de saber que organizam os conteúdos relativos ao objeto. A partir desse enfoque, foi possível compreender e evidenciar os processos formadores da representação: objetivação e ancoragem (JODELET, 2005).

Objetivar significa transformar uma noção abstrata em algo concreto, tornando-a palpável e objetiva, dando uma forma específica ao conhecimento que se tem a seu respeito. Segundo Moscovici (2005a), a finalidade desse processo é transferir uma idéia que está na mente do indivíduo para algo que exista no mundo, isto é, reproduzir algo não-familiar entre o que pode ser visto, tocado e controlado. É um processo que permite aos indivíduos, materializar um conceito comparando-o a algo que lhes seja visível e concreto, como quando relacionam Deus à idéia de pai ou o inconsciente a um órgão do corpo humano.

primeiramente, a descontextualização da informação através de critérios normativos e culturais; em segundo lugar, a formação de um núcleo figurativo, a formação de uma estrutura que reproduz de maneira figurativa uma estrutura conceitual; e, finalmente, a naturalização, ou seja, a transformação destas imagens em elementos da realidade (SPINK, 1993a, p. 306).

Sobre tais etapas, Arruda (2002) esclarece que na primeira delas ocorre uma espécie de enxugamento do excesso de informações sobre o objeto, baseado em informações anteriores, experiências e valores dos indivíduos, posto que seria impossível lidar com todas elas. Na segunda etapa, os fragmentos resultantes da primeira são costurados, resultando no núcleo figurativo da representação, isto é, sua quintessência. Por fim, o objeto que antes era misterioso, torna-se algo natural, com o qual os indivíduos podem lidar com maior facilidade no cotidiano.

Em relação à ancoragem, Moscovici (2005a) afirma que ancorar é incorporar algo estranho no sistema particular de categorias dos indivíduos e compará-lo a um paradigma de uma categoria que se acredita apropriada. A partir daí, o objeto, estranho até então, adquire características dessa categoria e sofre reajustes para enquadrar-se nela.

Sá (1993) dispõe que a ancoragem é o processo de integração do objeto novo a um sistema de pensamento social preexistente, por meio da classificação e nomeação dos objetos. Para classificar, os sujeitos escolhem um dos paradigmas ou protótipos existentes em sua memória, com o qual o objeto será comparado. Por fim, decidem se este pode ou não ser incluído na classe em questão. No processo de denominação, inclui-se o objeto num complexo de palavras específicas, localizando-o na matriz de identidade da cultura. Assim, o objeto deixa de ser estranho e pode ser descrito, distinguindo-se de outros objetos por características e tendências que lhe são atribuídas. Vale ressaltar que as representações que já existem podem acolher novas representações.

Os dois processo de formação das representações sociais, objetivação e ancoragem, conferem-lhes uma estrutura desdobrada em duas faces indissociáveis: a face figurativa e a face simbólica, indicando que toda figura relaciona-se a um sentido e vice-versa. Assim, os processos em questão “têm por função destacar uma figura e, ao mesmo tempo, carregá-la de um sentido, inscrever o objeto em nosso universo, isto é, naturalizá-lo e fornecer-lhe um contexto inteligível, isto é, interpretá-lo” (MOSCOVICI, 1978, p. 65).

De modo geral, as duas formas de estudar as representações sociais, como campos estruturados ou como núcleos estruturantes, corroboram a idéia de que as mesmas podem ser tratadas como conceito ou como fenômeno. Desse modo, podem ser entendidas tanto como uma forma de conhecimento, quanto como o processo pelo qual esse conhecimento se estrutura.

Segundo Arruda (2002), ao estudarem-se as representações como núcleos estruturantes busca-se esmiuçar as estruturas elementares centrais e periféricas que as formam. O interesse por esse aspecto das representações levou ao surgimento de uma abordagem complementar desenvolvida por Jean-Claude Abric, a Teoria do Núcleo Central.

Franco (2004) ressalta que na Teoria do Núcleo Central, uma questão metodológica relevante se impõe, o estudo das representações sociais não deve limitar-se a seu conteúdo, mas ocupar-se principalmente em buscar os constituintes de seu núcleo central. Esse núcleo é constituído pela idéia objetivada, pois o que de fato fornece consistência e relevância a um conteúdo é sua organização, sua significação lógico-semântica e seu sentido, podendo mesmo dois conteúdos idênticos referirem-se a representações diferentes. Considerado essencial a uma representação por conferir-lhe estabilidade ao determinar seu significado e contribuir para sua organização interna, o núcleo central é determinado pela natureza do objeto representado, bem como pelas normas e valores que permeiam o grupo social.

Ainda referindo-se à Teoria do Núcleo Central, Franco (2004) considera que a ancoragem, a seu turno, resulta na constituição dos sistemas periféricos das representações, permitindo que conteúdos individuais possam também fazer parte da estrutura das mesmas. Dentre as funções dos sistemas periféricos destacam-se: concretizar o núcleo central em termos ancorados na realidade; permitir que a representação se adapte a transformações contextuais, integrando novos elementos ou modificando já existentes; determinar comportamentos, a partir do momento em que seus elementos são esquemas organizados pelo núcleo central e permitem que a representação funcione instantaneamente como grade de leitura de uma situação; proteger o núcleo central, porque absorve as informações novas que poderiam colocar em questão o mesmo; permitir as modulações individualizadas, isto é, a elaboração de representações relacionadas a história e experiências pessoais. Desse modo, o núcleo central e o sistema periférico se diferem por suas características, sendo rigidez, estabilidade e consensualidade características do primeiro e, flexibilidade, transformações e diferenças individuais características do último.

Arruda (2002) pontua que a abordagem proposta por Jean-Claude Abric contribuiu tanto teoricamente à Teoria das Representações Sociais, quanto ao propor estratégias metodológicas específicas para o estudo do núcleo central, o que serviu como resposta às críticas de que esta era alvo.

Há uma outra abordagem das representações – cujo principal desenvolvedor é Willem Doise – que partindo de uma perspectiva mais sociologizante, considera os determinantes sociais como fundamentais e busca encontrar o princípio organizador das representações. Vale ressaltar que essas abordagens psicossociológicas não se posicionam como antagônicas à Teoria das Representações Sociais, mas como seus frutos (ARRUDA, 2002).

Para Spink (1993b), o estudo das representações sociais, especialmente na Psicologia Social, objetiva a compreensão da participação destas na instituição de uma realidade consensual a determinado grupo e sua função sócio-cognitiva de incorporar a novidade e orientar comunicações e comportamentos. É um fenômeno complexo porque implica na compreensão de como o pensamento individual se enraíza no social e como se modificam mutuamente.

O estudo das representações sociais possibilitou que a estreita relação existente entre sociedade, indivíduo e objeto-mundo, bem como as influências mútuas que se engendram nas interações sociais adquiram o espaço devido dentro das ciências psicológicas e sociais. Tornou possível ainda o reconhecimento dos sujeitos como produtores de saber, posto que as representações são assim consideradas dentro da teoria moscoviciana.

Como assinala Arruda

Em resumo, ao ser produção simbólica destinada a compreender e balizar o mundo, ela [representação social] provém de um sujeito ativo e criativo, tem um caráter cognitivo e autônomo e configura a construção social da realidade. A ação e a comunicação são seu berço e chão: delas provém e a elas retorna a representação social. (ARRUDA, 2002, p. 142).