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3. Representações sociais

3.1. As origens da Teoria das Representações Sociais

A Teoria das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici em 1961 com a publicação do livro La psychanalyse son image et son public sobre a representação social da psicanálise na sociedade francesa, surge num contexto de questionamentos sobre o pensamento científico e a existência de outras formas de saber, como por exemplo o senso comum. Além de relacionar-se com o contexto no qual se insere, a teoria relaciona-se também com a biografia de seu idealizador.

Num diálogo com Ivana Marková, Moscovici (2005a) relata como o contexto sóciopolítico e científico em que vivia influenciou a gênese de sua teoria. Nascido na România e filho de judeus, Moscovici testemunhou de perto o terror nazista à época da Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, pôde ter contato próximo com o marxismo, chegando a filiar-se ao partido comunista no início da guerra. Quanto ao ambiente científico e acadêmico pelo qual circulava, o autor conta que sua geração esteve preocupada em debater o problema da ciência, isto é, em compreender como a ciência impacta na mudança histórica, no pensamento e nas perspectivas sociais vigentes. Algo relacionado ao assunto chamou-lhe a atenção: dois pontos de vistas contraditórios – marxista e não-marxista – convergiam-se ao defender que o conhecimento científico prevalecia sobre o social, sendo este contaminado, deficiente e errado. Os marxistas acreditavam que o conhecimento espontâneo ou popular – o qual estava contaminado por irracionalidades, preconceitos e ignorância – deveria ser substituído pelo conhecimento científico. Os não-marxistas consideravam a difusão do conhecimento científico – o que o tornava uma espécie de ciência popular – uma forma de desvalorização do mesmo. A idéia subjacente a esta concepção do conhecimento popular era a de que os únicos capazes de pensar racionalmente são os intelectuais, não cabendo aos leigos essa habilidade. Foi a essa idéia que Moscovici reagiu ao propor sua teoria. Sua experiência de vida, marcada pelo contato com o regime fascista, indicava que ao contrário do que se propunha e defendia, os intelectuais são capazes de pensar irracionalmente, pois conforme argumenta, foram eles os produtores e legitimadores de teorias extremamente irracionais, como o nazismo e o racismo. Desse modo, Moscovici relata que ao iniciar seus estudos

tentei compreender e reabilitar o pensamento comum e o conhecimento comum. Ainda mais, não os considerei como algo tradicional, ou primitivo,

como mero folclore, mas como algo muito moderno, originando-se parcialmente da ciência, como a configuração que assume quando se torna parte e parcela da cultura (MOSCOVICI, 2005a, p. 311).

Arruda (2002) ressalta que Moscovici realiza um trabalho de reabilitação do senso comum, do saber popular, enfim, do conhecimento cotidiano. Segundo Duveen (2005), Serge Moscovici está filiado a uma corrente de pensamento sociopsicológico que se opõe às correntes que dominaram a Psicologia Social nos últimos séculos – o comportamentalismo e o cognitivismo – e enfatizavam a individualidade em detrimento do social. A rejeição, dentro da Psicologia, ao que se relacionava com o social, como se este representasse “uma ameaça de poluição à pureza da psicologia científica” (DUVEEN, 2005, p. 12), é contraposta por Moscovici, defensor da Psicologia Social como ciência que deve preocupar-se tanto com os aspectos sociais quanto com os psicológicos das relações e dos indivíduos. Assim, a teoria floresce sob as marcas de seu pensamento, abrindo espaço para novas formas de conceber o conhecimento social e buscando conciliar o social com o psicológico dentro da Psicologia Social. Partindo dessas considerações, entende-se a posição mista que Moscovici (1978) conferiu às representações sociais, situando-as entre conceitos sociológicos e psicológicos.

Moscovici (2005a) afirma que o conceito durkheimiano de “representação coletiva” está na base do conceito de representação social. Todavia, ressalta que existem diferenças a serem consideradas.

Segundo Sá (1993), na proposta de Durkheim, as representações coletivas apresentam características de fato social – autonomia, exterioridade ao indivíduo e coercitividade – e são tidas como produtos da cooperação entre os indivíduos que as portam e utilizam, relacionando-se com experiências acumuladas através do tempo e do espaço por gerações. Logo, não podem ser reduzidas a representações individuais. Essas características aproximam as duas teorias, mas não minimizam suas diferenças.

Farr (2003) destaca que o conceito proposto por Durkheim se adequa melhor ao contexto das sociedades menos complexas, enquanto o proposto por Moscovici volta-se para as sociedades modernas, as quais se caracterizam pela rapidez das mudanças. Duveen (2005), por sua vez, afirma que a explicação pode estar no modo como Durkheim tratava sua sociologia, a qual se ateria ao que mantém a coesão das sociedades. Sendo assim, o que dá destaque ao conceito na teoria de Durkheim é sua capacidade de obrigar e conservar o todo social. A teoria

moscoviciana, por sua vez, tem seu enfoque sobre processos sociais que integram novidade e mudança na vida social. Desse modo, enquanto Durkheim se ocupava das representações coletivas como formas estáveis de compreensão coletiva, Moscovici preocupou-se mais com a variação e a diversidade a que o senso comum está sujeito nas sociedades modernas.

Houve preocupação, também por parte de Moscovici (2005a), em indicar pontos divergentes entre as duas proposições teóricas. Para o autor, diferente do que acontecia até então na sociologia durkheimiana, em que as representações eram tidas como “artifícios explanatórios, irredutíveis a qualquer análise posterior” (MOSCOVICI, 2005a, p. 45), as representações sociais devem ser consideradas não somente como conceito, mas como fenômeno, cujas estrutura e dinâmica devem ser estudadas.

Um outro ponto de diferenciação ressaltado por Moscovici (2005a), refere-se ao caráter estático das representações coletivas frente à dinamicidade das representações sociais, cujas estruturas podem surgir, sofrer modificações e desaparecer, assim como as relações e os comportamentos em que operam. Duveen (2005) reafirma o caráter dinâmico da representações sociais, argumentando que as mesmas estão sujeitas a mudanças, seja pela emersão de novas representações ou pela reelaboração de representações já existentes, estimuladas pela existência de pontos de conflito, falta de sentido ou algo não-familiar dentro das estruturas representacionais de cada cultura.

A razão para a preocupação em diferenciar os conceitos de representação coletiva e representação social foi dada por Moscovici (2005a), que afirma acentuar tais diferenças com a finalidade de esclarecer que o interesse na Teoria das Representações Sociais está sobre as representações da sociedade atual e não sobre as representações de sociedades nomeadas primitivas. As representações que interessam à Teoria, estão sujeitas a mudanças vertiginosas, em consonância com a velocidade da sociedade, na qual surgem, se adaptam e desaparecem. “Elas [as representações sociais] são as de nossa sociedade atual, de nosso solo político, científico, humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se sedimentar completamente, para se tornarem tradições imutáveis” (MOSCOVICI, 2005a, p. 48).

De modo geral, todos os esforços no sentido de distinguir os dois conceitos contribuíram para revelar e enfatizar as características do conceito moscoviciano, especialmente seu caráter dinâmico.