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Justificação e limites morais da guerra no magistério de Pio XII a João Paulo II

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA FACULDADE DE TEOLOGIA

CURSO DE DOUTORAMENTO EM TEOLOGIA (2.º grau canónico) ESPECIALIDADE: TEOLOGIA MORAL

JORGE MANUEL LAGES ALMEIDA

Justificação e Limites Morais da Guerra

no Magistério de Pio XII a João Paulo II

Dissertação Final sob orientação de:

Professor Doutor Peter Damian Francis Stilwell

Lisboa 2013

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA FACULDADE DE TEOLOGIA

CURSO DE DOUTORAMENTO EM TEOLOGIA (2.º grau canónico) ESPECIALIDADE: TEOLOGIA MORAL

JORGE MANUEL LAGES ALMEIDA

Justificação e Limites Morais da Guerra

no Magistério de Pio XII a João Paulo II

Dissertação Final sob orientação de:

Professor Doutor Peter Damian Francis Stilwell

Lisboa 2013

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“A Guerra é tão necessária aos povos como o sopro do vento ao mar para

não entrar em putrefação”

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SIGLAS

ABC Atómica Bacteriológica e Química EUA Estados Unidos da América GS Gaudium et Spes

INF Intermediate-Range Nuclear Forces NATO Organização do Tratado do Atlântico Norte NCCB National Conference of Catholic Bishops ONU Organização das Nações Unidas

RDA República Democrática Alemã

RFA República Federal da Alemanha SALT Strategic Arms Limitation Talks SDN Sociedade das Nações

SIOP Single Integrated Operational Plan

SIPRI Stockholm International Peace Research Institute

START Strategic Arms Redution Talks TNP Tratado de Não Proliferação Nuclear URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USA The United States of America

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5

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 8

CAPÍTULO I EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GUERRA 11 1.1 Guerras, Conflitos e Crises...12

1.1.1. A Guerra ... 13

1.1.2. O Conflito ...15

1.1.3. A Crise... 16

1.2 Evoluções e Tendências ...17

1.3 Os Conflitos Pós-modernos...19

1.4 A Guerra Entre Estados...20

1.5 Ressurgimento da Guerra...22

1.6 O Porquê das Guerras entre Estados... 26

1.7 As Guerras Pré-Modernas ...29

1.8 As Guerras do Caos ...29

1.9 As Causas das Guerras entre Estados ...33

CAPÍTULO II EVOLUÇÃO DA DOUTRINA CATÓLICA DE PIO XII A PAULO VI ... 39

2.1 Tradição Católica Clássica ...39

2.2 Pio XII: Evolução da Doutrina Católica ... 43

2.3 A Pacem in Terris de João XXIII... 44

2.4 Vaticano II: Uma Doutrina acerca da Dissuasão...47

2.5 Paz e Guerra no Pontificado de Paulo VI ...55

2.5.1. Contextualização...55

2.5.2. A Guerra do Vietname ...57

2.5.3. Conflito Árabe-Israelita...58

2.5.4. Outros Problemas...59

2.6 Um Ano Peculiar ...60

(7)

6

2.8 A Carta Pastoral Americana ...63

2.8.1. A Guerra e a Paz nos Documentos Episcopais Anteriores...63

2.8.2. O Desafio da Paz...64

2.8.3. A Paz no Mundo Moderno ... 65

2.8.4. A Guerra e a Paz no Mundo Moderno ...69

2.8.5. Fomento da Paz: Propostas e Projetos ...77

2.8.6. Reações ao Documento Americano ... 81

CAPÍTULO III A VISÃO DA GUERRA NO MAGISTÉRIO DE JOÃO PAULO II ... 86

3.1 Pontificado de João Paulo II...86

3.1.1. Contextualização...86

3.1.2. Encíclicas... 87

3.1.3. Oração de Assis ...89

3.1.4. Catecismo da Igreja Católica ... 90

3.2 Intervenções sobre Eventos...90

3.2.1. Guerra do Golfo ...91

3.2.2. Jugoslávia ...93

3.2.3. Segunda Guerra do Golfo ...95

3.2.4. O Povo Católico...97

3.2.5. O Retorno aos Princípios...98

3.3 Descrição Breve dos Acontecimentos ...99

3.3.1 Uso da Força e Paz entre as Nações... 102

3.3.2 Novos Cenários e alguns Fracassos depois de 1989... 105

3.3.3 O 11 de Setembro de 2001 e as suas Consequências... 109

3.3.4 Depois do Comunismo, a Caminho do Século XXI ... 111

3.3.5 Entre os Muçulmanos... 114

3.3.6 A visão de Assis... 115

3.3.7 A Prova da Terra Santa ... 116

3.3.8 Viver a Multiplicidade e Conservar a Identidade ... 117

3.4 Aniversário da II Guerra Mundial: Elaboração de Princípios... 118

3.4.1 Apontamento Histórico ... 118

3.4.2 O Homem Desprezado ... 119

3.4.3 As Perseguições contra os Judeus... 120

(8)

7

3.4.5 O Desarmamento ... 122

3.4.6 Mensagem à Conferência Episcopal Polaca... 123

3.5 Contributo de João Paulo II para a Paz... 125

3.6 Num Mundo Dividido em Dois... 126

3.7 A Derrocada dos Regimes Comunistas... 126

3.8 O Nexo entre Justiça e Paz... 126

3.9 Intervenções do Magistério ... 127

3.10 Iniciativas Concretas... 128

3.11 Focos de Guerra... 129

3.11.1 Em Benefício da Paz na Terra Santa... 129

3.11.2 Em Prol da Paz nos Balcãs ... 132

3.11.3 Em Favor da Paz na África Central ... 134

3.11.4 Em Defesa da Paz no Iraque... 136

CONCLUSÃO LIMITES DA GUERRA NA MORAL CATÓLICA ... 138

1. O Problema da Dissuasão ... 139

2. Condenação da Guerra Fria... 142

3. As Guerras Localizadas: um Catolicismo Fragmentado... 144

4. João Paulo II: «Não Pode haver uma Guerra Santa» (1991) ... 146

5. Balanço Final... 149 EPÍLOGO... 153 BIBLIOGRAFIA... 156 1. Fontes... 156 1.1. Magistério Conciliar ... 156 1.2. Magistério Pontifício... 156

1.3. Magistério das Conferências Episcopais... 158

1.4. Outros... 158

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8

INTRODUÇÃO

Problema vivo nos primórdios da Igreja, adormecido e marginalizado ao longo dos séculos, recuperado, porém, com uma enorme atualidade nas últimas décadas: a violência institucionalizada entre povos ou estados – denominada «guerra» – constitui hoje um dos desafios éticos mais complexos da teologia cristã.

Num espaço de tempo relativamente curto, a capacidade destrutiva dos arsenais militares elevou-se a cifras inimagináveis como consequência da descoberta e desenvolvimento das «armas de destruição maciça». A sua existência constitui provavelmente o fator militar e estratégico mais significativo da segunda metade do século XX. Nesta categoria, as armas nucleares ocupam um lugar proeminente, cuja proliferação condicionou enormemente as relações entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) desde o final da segunda guerra mundial até aos nossos dias. Podemos dizer que as armas Atómicas Bacteriológicas e Químicas (ABC), particularmente as atómicas, transformaram radicalmente o significado da guerra na história humana. A sua produção em massa marca um ponto que divide o antes e o depois, não só da estratégia militar, mas também da configuração política do mundo. Por seu lado, o armamento «convencional» moderno nada tem a ver com o de há um século atrás. Na Europa, as duas guerras mundiais, e particularmente a segunda, marcaram o início de uma nova estratégia de «guerra total» na qual a tradicional distinção entre combatentes e não combatentes perdeu progressivamente sentido. Desde então, aquelas potentes armas convencionais evoluíram, tornando-se cada vez mais precisas, mais eficazes e «inteligentes». A guerra das potências aliadas, lideradas pelos EUA, contra o Iraque nos primeiros meses de 1991 foi a demonstração do poder militar e político que uma nova geração de armas, impressionantes na sua sofisticação tecnológica, outorgou aos que as possuem.

Depois de muitos anos de crescente desconfiança até às soluções armadas, a denominada «Guerra do Golfo» significou um alívio para os defensores da doutrina da força militar. O seu desenvolvimento relativamente rápido e previsível, com um custo de vidas humanas nos exércitos aliados extraordinariamente baixo, supôs a recuperação do prestígio que a guerra tinha perdido como instrumento para «continuar a política por outros meios» (Clausewitz).

Depois do descalabro do Vietname, a imagem da intervenção armada para restabelecer o direito violado necessitava de uma reivindicação firme e clara. E a luta para «libertar o

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9 Kuwait» foi a ocasião oportuna para o conseguir. Uma reivindicação que se produziu em dois campos de batalha: o militar e o da opinião pública do ocidente.

Pretendemos com este trabalho captar a evolução da sensibilidade cristã sobre a guerra nas últimas décadas. A «nova ordem» que, depois do comunismo, se nos quer apresentar como solução dos problemas da humanidade, coloca incertezas e ambiguidades, sobretudo a partir da perspetiva dos países mais pobres. A autêntica paz, que resulta da justiça, não se vislumbra todavia no horizonte de um futuro possível.

As Igrejas cristãs têm vindo a acompanhar estas transformações. Para os últimos Papas, o tema da paz mundial tem vindo a ser um dos maiores centros de interesse e preocupação. Com eles muitos cristãos sentem que a fé tem aqui uma particular responsabilidade. Por isso, chama mais a atenção a enorme variedade de opiniões e posições entre os especialistas da moral cristã no que à evolução da guerra moderna e à busca da paz se refere. Os teólogos partem de princípios semelhantes e utilizam uma metodologia equivalente; no entanto, chegam a conclusões irreconciliáveis. Estas teóricas semelhanças prévias são mais aparentes do que reais. De facto, as divergências são produzidas como consequência de pontos de partida e opções metodológicas diversas. Para conhecer o Pensamento da Igreja Católica o caminho mais direto é porconseguinte, seguir o que dizem os seus responsáveis.

Esta dissertação centra-se no estudo da reflexão do Magistério Católico de Pio XII a João Paulo II sobre o problema da guerra. Um acontecimento sem precedentes na Igreja católica é o que se refere ao ano de 1983 em que doze conferências episcopais se pronunciaram sobre o problema da paz mundial. Este dado não só converte 1983 no «ano doutrinal da Igreja sobre a paz» como também o torna único na história. Pela primeira vez uma questão comum estava na agenda das conferências episcopais católicas da maioria dos países industrializados, abordada de maneira autónoma. Este facto evidenciou a preocupação do magistério católico como consequência da crescente tensão internacional e a inusitada intensificação da corrida aos armamentos. A Igreja reagia assim a um dos «sinais dos tempos» mais inquietantes do início dos anos 80.

A metodologia do trabalho teológico assenta na Escritura e na Tradição. No nosso trabalho, a relação entre ambas é particularmente problemática. Há moralistas que desconfiam do valor da Escritura para iluminar a reflexão ética sobre o fenómeno bélico, sublinhando a importância das «mediações racionais». Tentam delimitar perfeitamente os terrenos respectivos, a fim de evitar o que seria uma «intromissão» da fé no terreno «técnico». A tensão entre a mensagem e o exemplo de Cristo, por um lado, e a carnificina bélica, por outro existirá sempre apesar do esforço feito por alguns para a dissimular. A teologia católica serve-se e valoriza a tradição. Há séculos que a Igreja vem refletindo sobre a guerra. É necessário

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10 reconhecer que ao longo dos tempos, o pensamento teológico tradicional sobre a guerra e a paz não foi propriamente intenso. Assim, desde S. Agostinho até quase aos nossos dias podemos resumir-lo ao que se denominou como «doutrina da guerra justa».

Hoje em dia existe uma tendência para rever criticamente uma certa prática histórica eclesial demasiado complacente para com as atrocidades próprias e alheias, bem como para a reflexão teórica que lhes deu cobertura. Muitos esperariam maior vigor pacificador de uma fé que tem como referência máxima o Evangelho. Porém, seja qual for o juízo histórico que nos mereça a conduta da Igreja, o certo é que a situação mudou significativamente nas últimas décadas: a experiência das duas guerras mundiais, a consciência dos enormes perigos que colocaram as armas de destruição maciça, a tentação de utilizar o poder militar dos países ricos para defender uma ordem internacional conveniente, despertaram em amplos setores sociais, particularmente em muitos movimentos cristãos, uma forte sensibilidade crítica para a guerra. A recordação dos horrores passados e o temor de desastres futuros potencialmente maiores, convidam a reflexão cristã a rever as suas posições e a encontrar uma nova inspiração nas fontes evangélicas. Como devemos entender o mandato conciliar da Gaudium et Spes (GS) que nos desafia a considerar a guerra com uma «mentalidade totalmente nova»?

Como estrutura deste trabalho descreveremos em primeiro lugar o objeto de maneira a garantir a compreensão do mesmo. Veremos depois o juízo magistral dos documentos estudados: os condicionalismos políticos, estratégicos, históricos e tecnológicos e a corrida armamentista ao longo dos quarenta anos de guerra fria entre os EUA e a URSS. Sobre esta base firme pretendemos elaborar e apresentar o juízo moral. Num primeiro momento expondo e comentando a doutrina para posteriormente refletirmos sobre alguns problemas essenciais. Fazendo por fim uma avaliação da doutrina católica atual.

As fontes mais utilizadas para este trabalho foram os documentos papais e magistrais cujo comentário constitui o objetivo essencial do mesmo. Porém, servimo-nos de muitas outras contribuições, na sua maioria artigos de diferentes revistas militares e teológicas, dado que, até ao momento, a reflexão católica se acercou destas questões na maior parte das vezes de maneira parcial e fragmentária não abundandando por isso amplas e sistemáticas reflexões. Pretendemos com esta dissertação clarificar e potenciar a contribuição que a reflexão cristã pode e deve dar num mundo que resiste a renunciar à guerra e a desterrá-la da história. Chegar a esta convicção é essencial se queremos que a palavra «futuro» tenha sentido.

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11

CAPÍTULO I

EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GUERRA

O século XX acabou como começou, com uma guerra nos Balcãs, às portas da Europa, quando o fim da guerra fria fazia prever o desaparecimento dos conflitos armados entre Estados. A guerra porém, continua a ser uma ameaça: na península coreana, onde o regime da Coreia do Norte pode a todo o momento decidir-se por uma agressão contra o Sul; entre a China e Taiwan, porque a primeira quer contrariar a tendência «secessionista» da segunda; entre a Índia e o Paquistão, a propósito do velho conflito de Caxemira; entre a Etiópia e a Eritreia, onde persistem litígios de fronteira; na África Central ou Ocidental, onde se entrecruzam anarquia interna e querelas entre países vizinhos; e no Golfo Pérsico, onde nada está resolvido no caso do Iraque ou entre países da região sobre a questão curda.

Estes conflitos são alguns exemplos da importância, cada vez maior das rivalidades entre Estados. No entanto, a tese popularizada pretendia que o «fim da história», provocado pelo termo da guerra fria, proporcionasse uma paz duradoira em que o verdadeiro desafio seria doravante a prevenção e a resolução das guerras de natureza intraestatal. Por outras palavras, os conflitos do pós-guerra fria seriam de um novo e diferente tipo: se antes os Estados combatiam entre si, agora, grupos, clãs, etnias e fações combatiam-se ou contestavam o próprio Estado. Assim, as guerras interestatais dão lugar às guerras etnopolíticas. Os atores estatais perdem o seu monopólio sobre a violência às mãos dos atores infraestatais. Os atores supranacionais ingerem-se nos assuntos que antes relevavam exclusivamente dos Estados para gerir e jugular as crises.

Com este capítulo pretendemos explicar por que razão os conflitos, no plano militar, sofrem de facto duas evoluções importantes. Por um lado, a guerra entre as grandes potências parece pertencer ao passado, desenvolvimento este tornado possível pelos efeitos combinados da paz democrática, económica e institucional. Deste modo, a guerra moderna, entre Estados-nações de tipo europeu, estaria obsoleta. Esta mudança revolucionária, que em parte ultrapassa Vestefália1, augura, para as relações entre os Estados desenvolvidos, a chegada de uma era caracterizada pelos conflitos pós-modernos: as ameaças militares subsistem, mas

1

Westfália, designa uma série de tratados que encerrou a guerra dos trinta anos.Este conjunto de diplomas inaugurou o moderno sistema internacional, ao acatar consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado nação.

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12 terão poucas hipóteses de se transformar em conflitos armados. Por outro lado, certos conflitos traduzem um retorno às origens da constituição dos Estados que, em certas regiões do mundo, sofrem as pressões duplas da fragmentação e da reconstituição dos espaços políticos. Neste caso, a fragmentação e a reconstituição assemelham-se às guerras pré-modernas antes de Vestefália e antes que o Estado fosse criado para pôr fim ao combate anárquico dos senhores da guerra. Do velho milénio subsistiria, ou reapareceria, uma violência civil caótica e destruidora. No novo milénio concretizar-se-ia uma paz entre grandes potências onde os conflitos seriam contidos antes dos confrontos militares.

Quais os argumentos evocados pelos teóricos defensores do conceito segundo o qual a época das «grandes guerras» entre os Estados-nações modernas já passou à história? Terão eles razão e por que motivos alguns contestam esta profecia? Em contrapartida, como explicar o recrudescimento das guerras civis e as súbitas rivalidades etnopolíticas? Porquê a simultaneidade das guerras pré-modernas e dos conflitos pós-modernos? Com este capítulo pretendemos fornecer respostas que permitam analisar melhor os conflitos e as guerras, sempre presentes2. Depois de definir e oferecer uma visão de conjunto dos conceitos, analisaremos de maneira diferente o contexto interestatal seguido do intraestatal. Em ambos os casos, propomos uma radioscopia das guerras e dos conflitos bem como das explicações dadas por várias teorias.

1.1 Guerras, Conflitos e Crises

A guerra e os conflitos armados são hoje omnipresentes e afetam a segurança estatal e a segurança humana em todos os continentes. Não passa um único dia sem que se mencione a deflagração, o desenvolvimento ou, na melhor das hipóteses, a suspensão ou o fim de uma guerra ou de um conflito. Os termos utilizados para caracterizar esta realidade mórbida e recorrente que é a violência no seio do sistema internacional são múltiplos: guerra regional, guerra civil, guerra interna, guerra de guerrilha, guerra total, guerra limitada, infoguerra, conflito armado, conflito maior, conflito latente, conflito de interesses, conflito territorial, conflito identitário, conflito regional, luta armada, crise aguda, confronto militar. Compreende-se que fiquemos por vezes bloqueados pela abundância das referências aos atos de violência. Não é possível definir aqui todas estas expressões nem distingui-las inteiramente umas das outras3. No entanto, isso não impede que devam ser compreendidas três noções

2

Ver também as sínteses de G. SALAMÉ, « Les guerres de l'après-guerre froide», in M SMOUTS (dir.), Les

nouvelles relations internationales. Pratiques et théories, Presses de Science Po, Paris 1998; D. BIGO, «Une

nouvelle vision du conflit?» in M. SMOUTS (dir.), Les nouvelles relations internationales. Pratiques et théories, Presses de Sciences Po, Paris 1998; M. FORTMANN, « The West is nothing new? Theories about the future of the war on the threshold of the XXI century», Études Intenationales 31 (2000) 57-90.

3

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13 fundamentais: guerra, conflito e crise. Elas vão do mais geral, do patamar mais violento, que é a guerra, ao mais limitado, o patamar menos violento mas crítico que é a crise.

1.1.1. A Guerra

As guerras são um fenómeno recorrente. Contam-se mais de 14.000 desde 1648, 160 das quais depois de 1945. Entre o ano 1 e 1899, estima-se que as guerras fizeram 38 milhões de mortos; entre 1900 e 1995, cerca de 100 milhões4.

Um dos clássicos, Quincy Wright, da Universidade de Chicago, definiu a guerra como «um contacto violento entre entidades distintas mas similares»5. Os Estados, a exemplo dos leões ou dos tigres, podem entrar em «contacto violento». Esta definição é insuficiente porque ignora a importância do aspeto político da guerra. Um estratega tradicional como Clausewitz descreveu a guerra como «um ato de violência cujo objetivo é forçar o adversário a executar a nossa vontade», para depois formular a sua famosa expressão: «A guerra é a continuação da política por outros meios». Neste sentido, a guerra representa uma luta armada entre inimigos com fins políticos inconciliáveis ou incompatíveis e que comporta sempre o potencial de uma subida ao extremo, isto é, um envolvimento sem limites para atingir a vitória e a destruição do adversário6. Ela representa então o último instrumento da política: os diferendos políticos só podem ser resolvidos pelo recurso à força. Além disso, a guerra toma uma forma organizada – uma dimensão sobre a qual insistiu o polemólogo Gaston Bouthoul: «A guerra é a luta armada e sangrenta entre grupos organizados.»7 As pequenas guerras individuais ou económicas são assim retiradas da definição. A guerra, para os tradicionalistas, implica por conseguinte atos de violência, praticados e organizados por atores políticos e militares, sejam eles governamentais, infranacionais ou supranacionais que se nutrem de motivações antagónicas. De uma outra maneira, pela negativa, pode-se afirmar, como o fazem os realistas, que a paz é a ausência de violência organizada entre grupos ou Estados.

A guerra pode também assumir várias formas, que variam segundo as épocas. Jean-Baptiste Duroselle sugere uma taxonomia útil entre diversos tipos de guerra8.

a. A guerra internacional concerne a guerra entre Estados, como a do Golfo em 1991 ou a da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) contra a Sérvia em 1999.

4

M. RENNER, «Ending Violent Conflict», in Lester Brown (ed.), State of the World 1999, Worldwatch Institute, Washington 1999, 153.

5

Q. WRIGHT, A study of war, The University of Chicago press, Chicago 1942, 5. 6

Cfr. F. DEFARGES, La politique internationale, Paris 1990, 233-235. 7

G. BOUTHOUL, Traité de polémologie. Sociologie des guerres, Paris 1991, 32. 8

J. DUROSELLE, Tout empire périra. Théorie des relations internationales, Paris 1992, 230-251. Ver também J. KEEGAN, A History of Warfare, Vintage, New York 1993; E. LA MAISONNEUVE, La violence qui vient, Arléa, Paris 1997, 67, 86; C. SNYDER (ed.), Contemporary security and Strategy, Routledge, New York 1999, 194-209.

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14 Pode tomar a forma de uma guerra regional, tal como as guerras do Médio Oriente ou entre o Paquistão e a Índia, ou também de uma guerra mundial quando é generalizada (Primeira e Segunda Guerra Mundiais).

b. A guerra intraestatal é dominante desde o fim da guerra fria. Os exemplos da ex-URSS e da ex-Jugoslávia, do Ruanda, do Congo, da Somália, da Serra Leoa ou do Sri Lanka indicam uma violência geral entre governos, fações, grupos ou etnias que procuram manter ou obter o controlo de territórios e do poder político. A guerra intraestatal pode também ser associada às guerras ideológicas tradicionais (revolucionárias, de libertação nacional, de guerrilha).

c. A guerra pode recorrer aos métodos convencionais ou não convencionais (química, bacteriológica, nuclear). Os meios militares utilizados determinam a natureza da guerra.

d. A guerra pode ser curta, longa ou indeterminada: desde a guerra dos seis dias, em 1967, a uma guerra de várias décadas como a do Vietname entre 1945 e 1975. As guerras civis, como na Irlanda do Norte ou no Curdistão, podem assumir uma envergadura indefinida, de tal modo que pareceram durante muito tempo (ou são ainda) inesgotáveis.

e. A guerra pode ser total ou limitada. No primeiro caso, não conhece nenhuma restrição: a aniquilação do inimigo, a exterminação da sua população, o fim do seu regime são os objetivos visados. No segundo caso, ela opera num quadro limitado que visa antes de tudo a prevenção da escalada e da ascensão a uma violência extrema. As limitações aplicam-se às dimensões geográficas, na medida em que visam limitar o número de adversários, a utilização de certos meios ou de certas armas e a intensidade dos combates9. O envolvimento militar americano na Coreia e no Vietname ou o soviético no Afeganistão foram exemplos de «guerras limitadas».

f. As guerras estranhas e novas implicam, na primeira categoria, a guerra psicológica, a guerra por procuração ou indireta, as «operações outras que não a guerra» ou ainda a guerra fria (o potencial de violência é omnipresente em todos estes tipos de guerra) e, na segunda categoria, a infoguerra, a «guerra das estrelas», além da guerra contra a droga ou a guerra pelo controlo de certas riquezas – o recurso à força e ao confronto armado continuam a ser potencialmente elevados.

9

P. DELMAS, Le bel Avenir de la guerre, Gallimard, Paris 1995, 203-215; J. SPANIER e R.WENDZEL,

Games Nations Play, Congressional Quarterly Press, 9º ed., Washington 1996, 326-330; C. SNYDER, op. cit.,

(16)

15 1.1.2. O Conflito

Alguns centros especializados, como Stockholm International Peace Research Institute

(SIPRI), falam mais de «conflito armado» do que de guerra. O «conflito armado» surge episodicamente sem obrigatoriamente constituir uma guerra no sentido atrás referido, nem se limitando aos confrontos políticos que caracterizam um simples conflito. A situação mundial dos nossos dias é assim amplamente definida pela presença em cada ano de mais de uma vintena desses conflitos armados, que o SIPRI qualifica como «combates prolongados entre as forças militares de dois governos ou mais, ou entre um governo e pelo menos um grupo armado organizado, no curso dos quais o número de mortos ultrapassa o milhar»10. A maior parte destes conflitos armados são intraestatais, sendo que maioritariamente acontecem na Ásia e em África, e uma proporção significativa (mais ou menos dois terços) começaram antes de 1989, fazendo sobretudo vítimas entre os civis – o que explica o número cada vez maior de refugiados e pessoas deslocadas.

Em termos mais latos, um conflito designa uma oposição de interesses que não leva necessariamente ao confronto armado (por exemplo, os quarenta anos do conflito Leste – Oeste). Quando o conflito evolui para o conflito armado, confunde-se frequentemente com a guerra. O conflito implica, em geral, uma situação na qual um Estado, uma etnia, um clã ou um grupo se envolve numa oposição decidida contra um destes últimos, porque os objetivos procurados são incompatíveis.

Tais objetivos podem ser políticos, diplomáticos, económicos, militares, identitários, internos ou externos.

a. Um conflito pode ter por objetivo o controlo do governo e do Estado e ser assim objeto de profundas divisões nacionalistas, ideológicas ou étnicas (o Afeganistão e a República Democrática do Congo representam bons exemplos). O conflito pode ir até à confrontação violenta entre grupos ou fações visando a apropriação, pelo menos em parte, do controlo efetivo do Estado (o caso das rivalidades entre guerrilhas na Colômbia);

b. A questão territorial continua a ser central em vários conflitos, por razões étnicas (ex-Jugoslávía, Sri Lanka, Nagor-no-Karabach), económicas (Iraque Koweit, arquipélago das Spratleys), ou estratégicas (Israel e a Síria a propósito do Golã, a Índia e o Paquistão sobre Caxemira). A questão ideológica continua a ser importante, quando repousa sobre um antigo litígio e uma hostilidade que se envenenou ao longo de vários anos (o conflito China-Taiwan ou entre Israelitas e Palestinianos).

10

(17)

16 Saliente-se que diversos conflitos entrelaçam estas categorias e podem ser alimentados por todas as questões ao mesmo tempo (aumentando, aliás, a gravidade do conflito). Neste sentido, a implosão dos Estados representa frequentemente um desafio político, territorial e ideológico muito difícil de gerir e de conter, como demonstraram em África (Ruanda, República Democrática do Congo, Somália), no Cáucaso (Geórgia, Arménia e Azerbaijão) ou na América Central (Guatemala, Salvador). Alguns conflitos são mais graves, regressando regularmente à atualidade; outros podem ser menores e muito limitados no tempo (o conflito a propósito das pescas entre o Canadá e a Espanha, ou entre a Islândia e a Grã-Bretanha, por exemplo). Finalmente, uma minoria é de tipo local ou regional, estando confinados a um ou vários países limítrofes, mas uma proporção crescente tem ramificações internacionais devido aos seus efeitos (êxodo de refugiados, receio de escalada, implosão estatal, urgência humanitária...).

1.1.3. A Crise

A crise representa em muitos casos o rastilho que transforma um conflito em conflito armado o qual, agravando-se, pode levar também à deflagração de uma guerra. A literatura sobre o fenómeno de crise é abundante em estudos estratégicos que tentam descobrir as causas e os elementos desencadeadores de uma crise a fim de conceber mecanismos de prevenção11. A crise, sublinha La Maisonneuve, «é um período e uma situação de instabilidade. É um estado transitório (…). A crise é também um estado de desequilíbrio entre uma ordem antiga ultrapassada e uma desordem sempre possível»12. A crise está geralmente associada a uma situação que ameaça os objetivos visados por um grupo, um Estado ou uma etnia, onde o tempo pressiona, onde existe um perigo de escalada, enfim, onde se encontra um forte elemento de surpresa política, diplomática e militar. Em suma, a questão é importante, a tensão é elevada e a rapidez de desenvolvimento da crise é pronunciada. As perceções e as leituras que os adversários fazem das intenções e das motivações do outro são cruciais para compreender e desmontar os elementos da crise. As opções estratégicas tornam-se cruciais na intensificação ou na resolução da crise. Neste sentido, a crise revela com frequência a importância das questões e constitui «uma passagem dramática», no dizer de Moreau Defarges13. Este último lembra dois princípios: primeiro, a saída de uma crise não é previsível (vai atenuar-se ou agravar-se depois, ela é complexa porquanto consagra a rutura de um equilíbrio nas relações entre inimigos potenciais); segundo, as crises podem criar

11

Ver D. PAPP, Contemporary International Relations, MacMillan, New York 1991, 565-566. 12

E. LA MAISONNEUVE, op. cit., 22. 13

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17 oportunidades de negociação e de resolução de conflito ou, no pior cenário, aumentar a perspetiva do recurso à força e à violência (nova ou renovada) entre os protagonistas.

1.2 Evoluções e Tendências

A violência é uma característica dominante do sistema internacional e evolui com o tempo. Quais os traços principais desta violência e de que modo são eles marcados pela mudança? Quais são as grandes tendências do estado de guerra, do conflito e da violência no nosso planeta?

Em primeiro lugar, as guerras «maiores» (entre grandes potências) diminuíram substancialmente: 27 no século XVI, 17 no século XVII, dez no século XVIII, cinco no século XIX e cinco no século XX14. Não houve nenhuma guerra entre grandes potências depois de 1945. Se a tendência se mantiver, o século XXI não deverá ser testemunha ou, quando muito, sê-lo-á de um número ínfimo de grandes guerras. Pelo contrário, a destruição provocada pelas guerras maiores aumentou radicalmente devido ao aperfeiçoamento das armas e do dilema de defesa. As guerras europeias do século XVI fizeram pouco menos de um milhão de mortos; enquanto as do século XX ultrapassaram todos os séculos precedentes porquanto fizeram 60 milhões de vítimas militares e civis, e isto sem contar os cerca de 40 milhões de mortos nas guerras civis do Terceiro Mundo.

Em segundo lugar, os conflitos armados e as guerras são cada vez mais intraestatais. Hoje em dia, um dos objetivos da guerra é o combate por Estados mais pequenos, e não grandes como foi o caso no passado. Como diz Kalevi Holsti15, a grande maioria das guerras ocorridas depois de 1945 desenrola-se no interior dos Estados: «Perto de 77 por cento das 164 guerras inventariadas foram de ordem interna, dando lugar a combates armados não contra outro Estado, mas contra autoridades estatais do país ou entre comunidades». Este fenómeno, ainda que entendido como próprio do pós-guerra fria, está de facto bem implantado desde há cinquenta anos. Dito de outra forma, o Estado está ameaçado de implosão há já muito tempo! Por um lado, a guerra interestatal (entre Estados) é menos comum, mas, por outro, a guerra intraestatal (dentro do próprio Estado) é mais frequente: se na primeira metade do século XX havia cerca de uma dúzia de guerras civis por decénio, os últimos cinquenta anos viram essa média aumentar para uma vintena. A maioria das guerras civis contadas nos anos 1990 durou mais de cinco anos, dois quintos delas mais de dez anos e um quarto mais de vinte anos16. Entre 1989 e 1992, mais de um terço dos países membros da Organização das Nações Unidas

14

M. AMSTUTZ, International Conflict and Cooperation. An Introduction to World Politics, Chicago 1995, 262.

15

K. HOLSTI, The State, War and the State of War, Cambridge University Press, Cambridge 1996, 21. 16

(19)

18 (ONU) estava envolvido numa guerra, implicando potencialmente até 20 milhões de soldados para uma população civil total de 3,3 milhares de milhões17.

Em terceiro lugar, a importância da questão territorial diminui consideravelmente como causa de guerra. Em média, metade das guerras entre 1648 e 1945 foram territoriais; depois de 1945, essa proporção reduziu-se para 30 por cento. Entre 1945 e 1989, perto de 50 por cento das guerras foram internas, com fins ideológicos, e mais de 20 por cento foram intraestatais, ou seja, com fins secessionistas ou étnicos18. Enquanto que, durante a guerra fria, os conflitos armados se dividiam quase igualmente entre questões territoriais, ideológicas e etnopolíticas, os conflitos armados depois de 1989 dão um lugar muito mais marcado à última categoria de problemas, nomeadamente as dimensões identitárias e étnicas nos Estados sujeitos ou vítimas de implosão. De um modo geral, os graves conflitos territoriais têm mais hipóteses de explodir em guerra do que os outros tipos de conflito. Há cada vez menos litígios entre Estados a propósito da sua soberania territorial; 17 por cento das 309 fronteiras terrestres do mundo continuam, porém, a ser contestadas e 39 países estão ainda implicados em disputas de jurisdição sobre arquipélagos ou ilhas19. Além disso, há quem pretenda que o território continue a ser uma questão importante, sobretudo na era da mundialização, quando certos Estados lutam ferozmente pela manutenção da sua integridade, embora cada vez menos autónomos no plano económico20.

Em quarto lugar, a maioria das guerras e dos conflitos armados desenrola-se no Sul, particularmente em África e na Ásia, mas também no Médio Oriente e no Cáucaso. O número de conflitos armados diminuiu sensivelmente na América Latina. Depois de 1945, três zonas estiveram isentas de guerras interestatais: a América do Norte, a América do Sul e a Europa Ocidental (se não considerarmos a intervenção contra a Sérvia em 1999).

Em quinto lugar, os soldados entram cada vez menos em guerra e os civis cada vez mais. Estes últimos são agora as grandes vítimas dos conflitos, e isto numa proporção esmagadora: 90 por cento das vítimas das guerras dos anos 90 foram civis, quando na segunda guerra mundial foram 65 por cento e 40 por cento durante a primeira guerra mundial. Entre 1900 e 1949, perto de seis milhões de militares e de civis pereceram nas guerras intraestatais: entre 1950 e 1999, contam-se perto de 15 milhões. Para estes mesmos períodos,

17

C. KEGLEYE e E. WITTKOPF, World Politics, Trends and Transformation, St. Martin´s Press, 4ª ed., New York 1993, 457-458.

18

K. HOLSTI, Peace and War: Armed Conflicts and International Order 1648-1989, Cambridge University Press, Cambridge 1991, 306-334.

19

J. ENRIQUEZ, «Too Many Flags», Foreign Policy, 116 (1999) 44-45. 20

P. DIEHL, A Road Map to War. Territorial Dimensions of International Conflict, Vanderbilt University Press Vanderbilt 1999, 8-20.

(20)

19 respetivamente, 60 e 10 milhões foram levados pelas guerras interestatais21. Estas estatísticas excluem os genocídios estatais perpetrados contra as populações nacionais, como na URSS, na China ou no Camboja (mais de uma centena de milhões de vítimas). Além disso, uma proporção crescente de vítimas civis são crianças e uma maioria de conflitos armados recorrem a meninos-soldados com menos de 15 anos22. Ao mesmo tempo, a guerra desloca-se para as cidades, sobretudo no Sul: «As batalhas modernas têm todas nomes de cidades: Beirute, Mogadíscio, Sarajevo, Grozny», sublinha La Maisonneuve23. A industrialização e os progressos da economia de serviços contribuem para que o emprego atraia as populações jovens do Terceiro Mundo para as cidades, cujo tamanho aumenta sem parar, consagrando assim «a urbanização dos conflitos». Para Jean-Louis Dufour24, «as cidades serão os campos de batalha do próximo século».

Assim, há todas as razões para estar otimista e ao mesmo tempo pessimista sobre as perspetivas de violência. Por um lado, verifica-se que hoje, na presença de um número muito mais elevado de Estados, estes não se envolvem em conflitos armados entre eles mais do que o faziam há dois séculos. Com efeito, guardadas todas as proporções, tendo em conta a proliferação considerável de Estados, a média do desencadeamento de conflitos armados não é hoje mais elevada do que no começo do século XIX25. Mas, por outro lado, é evidente que a propensão humana para a violência está longe de ser esfumada. De facto, ela tornou-se mais intensa e menos estatal, sendo esta constatação pelo menos inquietante.

1.3 Os Conflitos Pós-modernos

Os conflitos pós-modernos consagram uma evolução das guerras interestatais para a não-guerra entre Estados, mesmo na presença de conflitos. Aos olhos de certos estrategas, esta situação é revolucionária e alimenta a esperança de eliminar a perspetiva de novas grandes guerras mortíferas. Para outros, nomeadamente os teóricos clássicos dos conflitos armados e os estrutura-realistas, a guerra entre grandes potências continua a ser uma eventualidade que não pode ser afastada. Destas teses resulta uma divergência que tem o mérito de nos forçar à prudência nas nossas análises por vezes simplistas sobre «o fim da história». Trata-se mais do fim «de uma história» e do início de outra.

21

B. WEISBERG, «The Future of Violence and War», texto apresentado na conferência sobre The future of

War, St. Petersburg 1999, 4.

22

J. LEDERACH, Build Peace. Sustainable Reconciliation in Divided Societies, US Institute of Peace press, Washington 1997, 4.

23

E. LA MAISONNEUVE, op. cit., 166. 24

J. DUFOUR, «Guerre va survivre au XXIe siècle?», Politique étrangère 62 (1997) 41. 25

F. PEARSON - J. ROCHESTER, International Relations The Global Condition in the late Twentieth Century, McGraw-Hill, 3ª ed., New York 1992, 279; C. KEGLEY - E WITTKOPF, World politics. Trends and

(21)

20 1.4 A Guerra Entre Estados

São numerosas as análises que comentam e explicam o fenómeno de esvaziamento progressivo da guerra tradicional, patriótica e nacionalista entre os grandes exércitos das potências maiores que dominam o sistema internacional. Acabaram, ao que parece, as guerras mundiais e totais, ou mesmo limitadas, entre grandes potências. Se for esse o caso, desapareceram partes inteiras da tese realista sobre as infeções guerreiras incuráveis causadas pela anarquia internacional. Por que razão haveria a guerra interestatal de ser um fenómeno abandonado? Já falámos sobre este tema mas justificam-se mais algumas explicações.

a. Segundo Mandelbaum26, está em marcha uma tendência pronunciada para o «contrabelicismo». Esta tendência acentua-se devido ao desenvolvimento e à democratização crescente dos Estados, bem como à emergência de uma economia cada vez mais mundial e interdependente, especialmente em função do aumento do comércio livre. Estes fatores fazem da guerra entre grandes potências uma opção cara e cada vez menos atraente. A guerra nos países desenvolvidos, sugere John Mueller27 é hoje excluída de tal modo que se tornou absurda, uma ideia incongruente, uma solução inverosímil, tanto mais que a paz originou uma habituação e cria uma dependência nas populações desses países. Os valores mudam, uma vez que a guerra já não é vista como uma aventura «fresca e jubilosa, nobre e honrada»28 mas como uma «empresa criminosa» e anormal29. Os construtivistas assinalam outro ponto: o Estado já não serve para fazer a guerra, mas para fazer a paz, pelo menos nos países do Norte. «From warfare to welfare», proclama Mandelbaum. A prosperidade está adquirida e não tem de ser conquistada, a guerra ser-lhe-ia prejudicial. A segurança comum substitui, a seu ver, a velha noção de segurança nacional, remetendo assim para o sótão da história o modelo das grandes guerras mundiais. A guerra, segundo o historiador militar John Keegan30, «não tem futuro – no sentido em que o mundo a viveu desde Napoleão (...). Está destinada a fazer poucas manchetes dos jornais que os meus filhos e netos lerão». Assim, o fim da guerra confirmaria a tese do «fim da história» anunciado por Francis Fukuyama31. Esta tese afirma que o triunfo da democracia sobre os seus concorrentes ideológicos fez com que a humanidade chegasse ao fim da sua evolução, e que nem o

26

M. MANDELBAUM, «Is Major War Obsolete?», Survival 40 (1999) 20-38. 27

J. MUELLER, Retreat from Doomsday: The Obsolescence of Major War, Basic books, New York 1989, 220-242.

28

J. DUROSELLE, op. Cit., 231. 29

M. MANDELBAUM, op. cit., 24. 30

J. KEEGAN, « War Ça Change. The End of Great Power Conflict», Foreign Affairs 76/3 (1997) 116. 31

(22)

21 nacionalismo nem o irredentismo étnico porão em perigo as virtudes pacificadoras do «unanimismo ideológico»32.

b. A «guerra morreu» igualmente por razões tecnológicas, como o previa em finais do século XIX o polaco Ivan Bloch, dado que a invenção e a presença da arma nuclear durante a guerra fria permitiu que as superpotências mantivessem uma «longa paz» nas suas relações por vezes tensas33. Os desequilíbrios militares agiriam muito menos para estimular as perceções de ameaças e as transformações do poder, excluindo ao mesmo tempo a necessidade das guerras por motivos estratégicos. A dominação militar e tecnológica da grande potência americana elimina para todos os fins úteis os concorrentes estatais que quisessem diminuir, pelo recurso à força, a influência dessa hegemonia (embora continue a subsistir o problema dos Estados párias que possam dotar-se de mísseis balísticos – a obsessão dos Americanos). O fim (ou a ausência) da bipolaridade, ou da multipolaridade, no plano militar exclui o jogo perigoso das rivalidades estratégicas entre países aliados que pode levar a confrontos armados entre grandes potências. A guerra clássica poderá, assim, não sobreviver ao século XXI34. c. As normas internacionais, particularmente os progressos feitos nas sanções da ONU e mesmo da NATO, fazem da agressão estatal uma ofensa cada vez mais reprimida, como o testemunham as guerras contra o Iraque e a Sérvia. As resoluções, sanções e punições inerentes às respostas da comunidade dos Estados contra o Estado predador ou culpado são mais severas e eficazes do que o eram no tempo da Sociedade das Nações (SDN) dos anos 1920, ou na época da guerra fria. Podemos, é claro, perguntar o que adviria de uma ofensiva chinesa contra Taiwan e, sem grande margem de erro, imaginar que a reação internacional se dividiria quanto à manutenção e aplicação da norma de defesa contra a agressão. A evolução do direito internacional acabará por tornar a guerra entre Estados absolutamente ilegal e impossível?

d. Finalmente, a guerra interestatal representa uma aposta perigosa para o agressor. De facto, no sistema vestefaliano, raros são os casos em que a vitória lhe foi benéfica. Atacar um outro Estado é uma empresa de alto risco, na medida em que «nenhuma nação que moveu uma grande guerra (no século XX) saiu vitoriosa»35. Contudo, a menos que o Estado agressor derrotado seja inteiramente aniquilado, a paz imposta pelo vencedor raramente se mostra durável (a Alemanha depois de 1918 ou a Coreia do

32

P. BONIFACE, La volonté d’impuissance. La fin des ambicions internationales et stratégiques? Seuil, Paris 1996, 47.

33

J. GADDIS, The long Peace. Inquiries into the History of the Cold War, Oxford University press, Oxford 1987.

34

J. DUFOUR, op.cit., 35-37. 35

(23)

22 Norte depois de 1953 são dois exemplos; os casos do Iraque e da Sérvia restam em suspenso). Se é certo que estes últimos não obtêm o seu troféu de caça, a verdade é que nem por isso eles abandonam facilmente a partida. Resta que para os Estados predadores «toda a vitória é senão ilusória, pelo menos temporária e por vezes amarga, sempre ilusória», segundo a fórmula elegante de Moreau Defarges36.Em princípio, isso deveria ser suficiente para diminuir a tentação da agressão.

1.5 Ressurgimento da Guerra

A tese do «fim da história» e do fim da guerra interestatal, especialmente entre países desenvolvidos, é exagerada segundo vários estrategas e teóricos estruturo-realistas. As reações à tese de Mandelbaum sobre a obsolescência da guerra entre grandes potências suscitaram alguma controvérsia.

Para o historiador Donald Kagan37, não é a primeira vez que as pessoas acreditam que chegámos a uma tal viragem. Já no ano 29 antes da nossa era, Augusto julgava ter instaurado uma paz eterna quando pôs fim às guerras romanas; em 1792, o primeiro-ministro britânico William Pitt anunciava pelo menos quinze anos de paz, como Neville Chamberlain em 1938. Uma grande guerra é improvável mas não impossível segundo Kagan, que conclui: «A guerra estala onde nunca se imaginou e muitas vezes por razões que não foram previstas»38. O politólogo e teórico dos «ciclos do poder», Charles Doran39, afirma que «a probabilidade de uma grande guerra diminui para alguns Estados, mas aumenta para outros», porque o problema causado por certos dilemas de segurança se mantém intacto e as democracias não farão menos a guerra às não democracias no futuro. «No século XXI, observa Doran, mudanças estruturais abruptas e importantes na Ásia farão com que esta região seja a mais permeável a uma grande guerra».

O reputado estratega americano Eliot Cohen40 exagera ao contestar a significação semântica de «grande guerra» «obsoleta». Primeiro, segundo Cohen, a guerra interestatal nunca foi uma «moda fresca e jubilosa» e por isso não está «ultrapassada»; ela é o resultado de acidentes de percurso e muitas vezes de fracassos e perceções erradas. Quem pode prever que tais acidentes, decididos por humanos, estejam definitivamente afastados? Depois, «grande» não significa «total». Cohen aprova a tese de que esta última, a exemplo de 1914-1918 e 1939-1945, seja no futuro altamente improvável; todavia, concebe que «guerras

36

P. DEFARGES, op. cit., 264. 37

D. KAGAN, On the Origins of War and the Preservation of Peace, Princeton University Press, Princeton 1995.

38

D. KAGAN, «History is Full of Surprises», Survival 41 (1999) 142. 39

C. DORAN, «The structural Turbulence of International Affairs», Survival 41 (1999) 147-148. 40

(24)

23 grandes» possam ainda ser previsíveis (uma guerra na península coreana ou entre a China e Taiwan, como a do Golfo ou contra a Sérvia são cenários de grande guerra de cariz internacional). Finalmente, Cohen não está tão confiante como Mandelbaum (Mueller ou Keegan) sobre a irreversibilidade da pretensa «obsolescência» da grande guerra, como se tornaram a escravatura ou o duelo. Ele sublinha que devido ao aperfeiçoamento das armas, a guerra para os Estados desenvolvidos (especialmente contra Estados menos desenvolvidos) poderia tornar-se de facto menos dolorosa e mais eficaz. A tendência para o «contrabelicismo» seria anulada pela guerra tipo «desporto-espetáculo», como aconteceu em 1991 e em 1999. Esta nova tendência explicar-se-ia pelas inovações tecnológicas e doutrinais do pensamento estratégico.

Sendo assim, terá a guerra ainda «um belo futuro»? Há quem julgue prematura e imprudente a ideia de falar em recusa da guerra.

a. Não é evidente que a prosperidade e o desenvolvimento económico possam por si sós jugular a propensão para a guerra entre os Estados. «Quando já não é fácil alargar o império do homem sobre a natureza, a única maneira de um povo aumentar o seu nível de vida é redistribuir a seu favor os lucros da industrialização dos outros (...). A procura de recursos pôs alguns Estados na via de tais expansões pelo menos doze vezes no século XX»41. O caso do Japão, durante os anos 1930, representa o melhor exemplo dessa procura. As guerras de penúria e de necessidade não estão eliminadas, num contexto de crescimento e de afluência das populações a certos países e regiões. Quais poderiam ser as consequências de uma baixa importante de prosperidade nos países desenvolvidos, ou mesmo de uma outra grande depressão, económica, como há setenta anos, para o conjunto da economia mundial?

b. Talvez não haja uma grande guerra, mas as consequências das «pequenas guerras», nas quais as maiores potências estão frequentemente implicadas, são certamente «grandes» para um bom número de países. Depois de 1945, lembra Delmas42, essas guerras «exterminaram discretamente cerca de 30 milhões de indivíduos, três quartos dos quais civis, e essencialmente por conta das grandes potências». A grande guerra morreu, viva a guerra por procuração! Depois, as guerras de «sobrevivência» vão intensificar-se segundo o geopolitólogo dos conflitos Gérard Chaliand43, quando a falta de terras aráveis, conjugada com o subdesenvolvimento, provocar novos litígios fronteiriços (o que nos reconduz às questões não militares da segurança). A rutura dos abastecimentos e a livre circulação marítima, particularmente

41

J. ORME, «The Utility of Force in a World of Scarcity», International Security 22 (1998) 165-166. 42

P. DELMAS op cit., 1995, 181. 43

(25)

24 na Ásia do Sudeste, representam ainda ameaças potenciais e causas de guerra. «A unificação da Ásia pela prosperidade é uma ilusão perigosa», avisa Delmas44.

c. A acreditarmos neste autor, mais grave ainda seria o «choque» ou o «conflito de civilizações» anunciado por Samuel Huntington45. No artigo de 1993, o mais citado da história de Foreign Affairs em quarenta anos, depois no seu livro46, o politólogo polemista pretende e prevê que «no mundo novo, os conflitos não terão necessariamente por origem a ideologia ou a economia. As grandes causas de divisão da humanidade e as principais fontes de conflito serão culturais (...). Os principais conflitos políticos mundiais oporão nações e grupos pertencentes a civilizações diferentes. O choque das civilizações dominará a política mundial. As linhas de rutura entre civilizações serão as linhas da frente do futuro (...). A próxima guerra mundial, se a houver, será uma guerra entre civilizações»47, sendo que as civilizações concorrentes são ocidental, confuciana, japonesa, islâmica, hinduísta, eslavo-ortodoxa, latino-americana e, talvez, africana. As oposições entre grupos ou etnias que, segundo Huntington, implicarão civilizações diferentes, representarão um perigo para a paz mundial. Além disso, ele não esconde a sua profunda inquietação face a um confronto eventual entre o Ocidente e o Islão, do bem como com os Estados confucianos – espécies de bipolaridades culturais antagónicas emergentes que se irão degradando. Em termos mais gerais, ele receia que o futuro seja caracterizado por «O Ocidente contra o resto (do mundo)»48.

Esta preocupação de revelar as causas identitárias dos conflitos é louvável, especialmente em contexto intraestatal. Pelo contrário, foi a dimensão intercivilizacional que estimulou as reações mais virulentas contra a análise de Huntington. Criticam-lhe a sua negligência dos interesses estatais que se tornaram contrários às referências civilizacionais49; a sua simplificação falsa e exagerada das pertenças a civilizações, ou mesmo o seu desconhecimento das mesmas e das verdadeiras necessidades – securitárias e não identitárias – dos humanos50; o facto de ele minimizar em excesso o impacto da mundialização, da interdependência e da liberdade humana à custa da autoridade estatal; e sobretudo a falta de explicações convincentes sobre a transferência da lealdade estatal para a lealdade civilizacional, e

44

P. DELMAS, op. cit., 195. 45

S. HUNTINGTON, «O choque das Civilizações, Commentaire 66 (1994) 238-252. 46

IDEM, Le conflit des civilisations, Odile Jacob, Paris 1997. 47

Ibidem, 238, 247. 48

IDEM, «The west Unique, Not Universal», Foreign Affairs 75 (1996) 28-46. 49

F. AJAMI, «The Summoning», Foreign Affairs 72/4 (1993) 2-9; P. HASSNER, « Un Spengler pour la post-guerre froide?», Commentaire 66 (1994) 263-264.

50

L. BINYAN, «Civilization Grafting» Foreign Affairs, 72/4 (1993) 19-21; R. RUBENSTEIN – J. CROCKER, «Challenging Huntington», Foreign Policy 96 (1994) 113-128; W. PFAFF, «Réponse à Samuel Huntington»,

(26)

25 em que uma tal evolução se tornará necessariamente mais belicosa ou diferente de uma evolução fundada sobre os conflitos tradicionais entre Estados51. Para Pascal Boniface, esta tese releva, da velha apreensão face à ameaça do Sul, um enunciado «de falsas ameaças e de autênticos fantasmas»52. Huntington, contudo, aguenta-se e replica a alguns dos que o atacam: «As críticas do paradigma civilizacional não ofereceram uma explicação melhor sobre o que se passa atualmente no mundo.»53. De resto, ele contribuiu para sacudir as preocupações dos investigadores sobre a natureza e o significado dos conflitos identitários, objeto central das verdadeiras guerras dos nossos dias.

d. Finalmente, se seguirmos a lógica dos estruturo-realistas, o nascimento e o declínio das grandes potências (logo, o declínio dos Estados Unidos) são um processo histórico inexorável que provocará desequilíbrios e reconfigurações nas relações entre potências. Tais mudanças serão focos de perigos estratégicos, segundo a teoria do equilíbrio dos poderes, sobretudo durante o período em que a concentração e a redistribuição do poder modificam a polaridade, logo a estabilidade do sistema internacional54. Os realistas são unânimes na previsão do inevitável deslizamento da unipolaridade americana, nos planos militar e estratégico, para a multipolaridade, ou mesmo para novas bipolaridades55. Apesar das divergências de opinião sobre a sua propensão histórica para a estabilidade, uma configuração multipolar é julgada, por uma maioria de autores, mais perigosa e suscetível de levar a uma grande guerra do que as configurações unipolar e bipolar. Assim, teme-se um tal deslizamento porque ele complicaria as relações estratégicas e originaria múltiplos dilemas de segurança56. «Há todas as razões para acreditar que as tendências de finais do século XVII e do século XIX vão ressurgir», estima Layne57. Este aviso não suscita uma preocupação desmedida da parte de certos realistas, os quais entendem que os Estados Unidos serão capazes de gerir a transição estratégica tanto na Europa como na Ásia, nomeadamente com a China e a Rússia58. Outros, pelo contrário, pensam que a multipolaridade será fonte de grande

51

S. WALT, «Building up new Bogeymen», op.cit., 106 (1997) 176-189. 52 P. BONIFACE op. cit., 50.

53

S. HUNTINGTON, «If Not Civilizations, What?», Foreign affairs 72 (1993) 194. 54

J. RAY, Global Politics, Hougton Mifflin Company, 5ª ed., Boston 1992, 499-538; J. SPANIER, Games

Nations Play, Congressional Quarterly Press, 8ª ed., Washington 1993, 134-158.

55

P. KENNEDY, Naissance et déclin des grandes puissances. Transformations économiques et conflits

militaires entre 1500 et 2000, Payot, Paris 1989, 438-535; H. KISSINGER, Diplomatie, Fayard, Paris 1996,

17-28e 808-835; H. BINNENDIJK, «Back to Bipolarity?», Strategic Forum 161(1999) 1-6. 56

K. WALTZ, «The Emerging Structure of International Politics», International Security 18/2 (1993) 44-79. 57

C. LAYNE, «The unipolar Ilusion: Why Great Powers Will Rise», International Security 17 (1993) 37. 58

S. VAN EVERA, «Primed for peace: Europe after the Cold War» in International Security, 15/3 (1991) 7-57; M. MANDELBAUM, «Westernizing Russia and China», Foreign Affaires 76/3 (1997); C. KUPCHAN, «After

(27)

26 instabilidade e provocará novas rivalidades: na Ásia, onde o clima de desconfiança, de numerosos antagonismos e de novas corridas aos armamentos relembrarão o defunto conflito Leste-Oeste59; na Europa onde as rivalidades e a instabilidade renascerão se os Estados Unidos se retirarem do Continente, um retorno aos conflitos do passado que nem sequer a integração e a democratização poderão travar60.

O júri poderá deliberar, ao longo das próximas décadas, sobre a validade das teses da obsolescência ou do belo futuro da guerra interestatal. Para evitar o risco de repetir os erros da história, é prudente, entretanto, guardar na memória os fatores considerados propícios ao desencadeamento das guerras.

1.6 O Porquê das Guerras entre Estados

Existe uma vasta literatura sobre as múltiplas causas das guerras entre Estados. Por essa razão, não podemos, aqui, ir além de uma visão de conjunto sumária61. O modelo explicativo mais utilizado continua a ser o já clássico de Kenneth Waltz62 que analisa o fenómeno da guerra segundo três dimensões ou «imagens»: individual, nacional e internacional.

a. As causas «individuais» têm a ver com a natureza do comportamento humano. A guerra seria produto da condição humana, dos desejos e imperfeições dos indivíduos, nomeadamente dos decisores, que têm interesse em promover ou não a guerra. Nesta categoria de causas, encontramos duas explicações principais:

(1) A abordagem biológica e antropológica estima que a guerra está enraizada na natureza belicosa do homem, o qual exprime as suas frustrações através da agressão e do uso da violência. Antes de ser caçador, o homem pré-histórico era caçado e dominado pelos animais selvagens. Esta memória recalcada explicaria a necessidade de violência, quando os humanos se comportariam por vezes como

Pax Americana: Benign Power, Regional Integration, and the Sources of a Stable Multipolarity», International

Security 23 (1998) 40-79.

59

A FRIEDBERG, «Ripe for Rivalry: Prospects for Peace in a Multipolar Asia», International Security, 18/3 (1993-1994) 5-33; R. BETTS, «Wealth, Power, and Instability: East Asia and the United States after the Cold War», op.cit., 34-77.

60

J. MEARSHEIMER, «Back to the Future: Instability in Europe after the Cold War», International Security 15 (1990) 5-56.

61

Introduções excelentes são propostas por J. BARREA, L´utopie ou la guerre, Chicago éditeur, Louvain-la-Neuve 1986, 369-469; S. BROWN, The causes and Prevention of War, S. Martin´s press, New York 1987; P. SENARCLENS, La politique international, Armand Colin, Paris 1992, 41-49; C. KEGLEY – E. WITTKOPF,

op. cit., 442-453; A. LE BRAS-CHOPARD, La guerre. Théories et ideologies, Monrchrestien, Paris 1994; Mark

R. AMSTUTZ, op cit., 263-272; J. LEVY, «Contending Theories of International Conflict», C. CROCKER, F. HAMPSON - P. AALL (eds.), Managing global Chaos. Sources and Responses to International Conflict, US Institute of peace Press, Washington 1996.

62

(28)

27 animais (interpretação de Sigmund Freud). A guerra é aqui entendida como um modo instintivo de organização e de sobrevivência da espécie humana63;

(2) As abordagens de tomada de decisão sugerem que a vontade de entrar em guerra responde sobretudo a intenções e segue um processo de cálculos cognitivos assente nas perceções dos decisores64. Por vezes, estas perceções são erradas e os decisores perdem o controlo sobre o desenrolar da guerra, não correspondendo os resultados às suas expectativas. A psicologia dos homens de Estado ocupa um lugar crucial na explicação da tomada de decisão, tal como o fenómeno de ilusão grupal (por exemplo, o consenso e o efeito de união à volta do cálculo de entrar em guerra e que excluem informações dissonantes)65.

b. As causas «nacionais» resultam das determinantes societais e políticas que emanam das estruturas estatais. As causas das guerras resultariam assim da natureza e da evolução dos Estados. Podemos classificar estas causas em três categorias66:

(1) As necessidades políticas dos Estados predadores e expansionistas que, julgando inadequado ou injusto o ordenamento territorial que os concerne, optam resolutamente pela ofensiva armada. Trata-se neste caso de guerras de conquista, de esforço e de dominação que obedecem a visões ideológicas e geopolíticas totalitárias e imperiais (a Alemanha e o Japão em finais dos anos 1930). As guerras de diversão, designando um bode expiatório «inimigo» a fim de salvaguardar um regime, explicam também o objetivo político de uma agressão (o caso da Argentina e das ilhas Falklands (Malvinas) em 1982). Estas guerras estão frequentemente associadas às motivações belicosas dos regimes não democráticos (justificando as virtudes da paz democrática);

(2) As necessidades económicas traduzem a vontade para um país de sair de uma situação de dependência e de rarefação dos recursos, a ponto de a guerra ser julgada a única solução possível. A escola marxista chegou mesmo a pretender que o capitalismo estava na origem de um imperialismo guerreiro, dada a sua sede insaciável de conquistar novos mercados – sendo essa a raiz das guerras coloniais. Em termos mais latos, a dependência pode também ser causa de guerra quando

63

B. EHRENREICH, Blood Rites: Origins and History of the Passion of War, Metropolitan, New York 1997. 64

R. JERVIS, «War and Misperception» in R. ROTBERG – T. RABB (eds.), The Origin and Prevention of

major Wars, Cambridge University Press, Cambridge 1989, 101–126; J. STOESSINGER, op. cit., 209-218; J. STEIN, «Image, Identity, and Conflict Resolution», in C. CROCKER, F. HAMPSON - P. AALL (eds.), op. cit., 93-111.

65

C. DAVID, Au sein de la Maison-Blanche. La formulation de la politique étrangère américane de Truman à

Clinton, Press universitaires de Nancy e Presses de l’Université Laval, Nanci e Quebeque 1993, 7-47; IDEM, Foreign Policy Failure in the White House, University Presse of America, Lanham 1994, 548.

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(29)

28 vista por uma das partes como responsável por uma situação de desequilíbrio intolerável, bem como pela perspetiva de perder os seus ganhos adquiridos. Neste sentido, um certo determinismo económico explica a guerra como estando ligada à presença e à influência de complexos associados à indústria militar ou ainda a condições de privação (e de esperança de atenuação das mesmas) que justificam uma guerra de tipo revolucionário ou de libertação. As necessidades sociais de afirmação de grupos, de clãs, de etnias no poder que definem e justificam a sua dominação pelo confronto permanente entre eles e os grupos, clãs ou etnias adversos (no interior ou no exterior do Estado) provocam guerras fratricidas, nacionalistas ou irredentistas. A guerra cumpre neste caso a função de impor, pela força, uma coesão nacional e social que satisfaça um grupo em particular.

c. Finalmente, as causas internacionais estão associadas à condição relativamente anárquica (não policiada) do sistema internacional e às mudanças a que nos referimos na evolução do equilíbrio das potências. As mudanças que podem provocar as guerras são de duas ordens67:

(1) O aumento desigual do poder provoca uma assimetria que pode engendrar no Estado mais forte uma perceção de superioridade tal que ele se julga invencível e ganhará as suas guerras (o caso da Alemanha nazi e do Japão imperial; haverá quem acrescente o sentimento de omnipotência americana, que a levou ao Vietname, ou soviética, no Afeganistão). Uma outra versão teórica postula a possibilidade de se enfrentarem dois ou mais aspirantes à hegemonia, como foi o caso dos Estados Unidos e da URSS entre 1945 e 1989. A teoria da estabilidade hegemónica pretende que a paz esteja finalmente garantida quando uma hegemonia triunfa, muitas vezes após uma guerra, e se torna estável68;

(2) A transição entre potências, dito de outro modo, a modificação na distribuição das capacidades que constituem o poder dos Estados, pode igualmente ser fonte de guerra. Uma transição ameaçadora para uma das partes que, assustada pela eventualidade de ser ultrapassada, ataca o seu rival antes que ele se torne demasiado forte, sendo este o exemplo clássico da guerra do tipo «fuga para a frente». Com medo de ser atacado, um Estado toma a dianteira e

67

K. WALTZ, «The Origins of War in Neorealist Theory», in R. ROTBERG - T. RABB (eds.), op. cit., pp. 39-52; P. JAMES, «Structural Realism and the Causes of War», Mershon International Studies Review 39 (1995) 181-208; J. NYE, Understanding International Conflicts, Longman, New York 1997; S. VAN EVERA, «Ofense, Defense, and the Causes of War», International Security 22/4 (1998) 5-43; IDEM, Causes of War.

Power and the Roots of Conflict, Ithaca, Cornell University Press 1999.

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Referências

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