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Contra fato, há argumento: leitura de uma revista cultural de resistência

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D ébora Cota

Contra f a to , h á argum ento:

leitura d e uma revista cultural d e resistência

D issertação de M estrado a p re se n ta d a ao C urso de P ós-G raduação em L iteratura, d a U niversidade Federal de S a n ta C atarin a, sob a orientação d a P rofessora D outora M aria Lúcia de B arros Cam argo, p a ra a obtenção do título de “M estre em L etras”, á re a de co ncentração em Teoria Literária.

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AGRADECIMENTOS

Ao C onselho Nacional de P esq u isa (CNPq), in stitu ição por cujo interm édio obtive bolsa de e stu d o s d u ra n te 30 m eses.

A todo o grupo de p esq u isad o res do projeto “Poéticas

co n tem p o rân eas: h istó rias e cam in h o s”, especialm ente à Nilcéia, R enata, Sim one e Marco, incentivadores e com panheiros desde o início dos tra b a lh o s no projeto.

À Agnes, pela prontidão em a ju d a r no possível.

Ao C ésar e Danilo, pela paciência e com preensão.

Enfim , à M aria Lucia, pelo te m p á de ensino e orientação que já som am seis anos.

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A ciência crítica entende-se como parte — sem pre m ediada — d a práxis social. Não é “d esin teressa d a ”, posto que sem pre a acom panharam interesses. O interesse consistiria, num a primeira apreciação, em interesse por um estado racional, p o r um m undo sem exploração nem p ressã o inúteis.

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RESUMO

E sta d issertação a p re se n ta u m a le itu ra de Argum ento - revista m ensal

d e cultura, que teve publicado a p e n a s q u atro n úm eros. A revista foi

la n ç a d a pela editora Paz e T erra e circulou en tre os m eses de o u tu b ro de 1973 e fevereiro de 1974, sob a direção de B arb o sa Lima Sobrinho. A p a rtir d a s inform ações ex traíd as d a indexação do periódico n a base de dad o s desenvolvida pelo projeto “Poéticas contem porâneas: h istó ria s e cam in h o s”, observou-se u m a p o s tu ra de crítica e resistên cia ao que estav a político e cu ltu ralm en te in stitu íd o no cenário brasileiro e latino- am ericano d a época, o que levou a e n te n d e r que a rev ista p reten d ia divulgar o se u projeto cu ltu ral. E ste a p re se n ta -se atrav és de u m co njunto de textos que afirm am u m a noção de c u ltu ra , u m a posição da crítica literária e tam b ém o ideal de integração d a América Latina.

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RÉSUMÉ

Cette d isse rta tio n p résen te u n e lecture de Argum ento - revista m ensal

d e cultura, qui a eu seu lem en t q u a tre n u m é ro s publiés. La revue a été

éditée p a r Paz e T erra et elle a circulé en tre les m ois dtoctobre de 1973 et février de 1974, so u s la direction de B arb o sa Lima Sobrinho. À p a rtir des inform ations ex traits de 1’indexation de la revue d a n s la b ase de d o n n ées développée p a r le projet “Poéticas contem porâneas: h istó ria s e cam in h o s”, on a observé u n e position de critique et résisten ce à ce qui é ta it politique et cu ltu rellem en t in stitu é d a n s le scénario brésilien e t de l’Am érique Latine de 1’époque. Ainsi, la publication p ré te n d a it divulguer son p rojet culturel. Ceei se p résen te à p a rtir d ’u n ensem ble de textes qui afirm en t u n e notion de cu ltu re, u n e position de la critique littéraire e a u s s i 1’idéal de Tintégration de 1’Am érique Latine.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 08

CONTRA FATO, HÁ ARGUMENTO... 12

PROJETO CULTURAL... 42

INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA... 72

UM PARADOXO EM MEIO À COERÊNCIA... 91

BIBLIOGRAFIA... 97

INDEXAÇÃO DE ARGUMENTO...101

1 - Metodologia de indexação...101

2 - índice g e r a l... ...106

3 - E statística do vocabulário c o n tro la d o ... 140

4 - E sta tístic a dos a s s u n to s dos e n s a io s ... 141

5 - E sta tístic a dos a s s u n to s d a s r e s e n h a s ...142

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APRESENTAÇÃO

A Argum ento - revista m ensal de cultura, publicação d a ed ito ra Paz e T erra, circulou en tre os m eses de o u tu b ro de 1973 e fevereiro de 1974, a p re se n ta n d o som ente q u atro n ú m e ro s.1 D esse modo, p o ssu i u m a característica com um a o u tra s publicações d a época, a efem eridade. Com u m grande n ú m ero de tiragem - de 2 5 .500 exem plares p u lo u p a ra 4 5 .500 no terceiro n ú m ero -, pode-se afirm ar que, no período, circulou ao lado de periódicos de pequeno e g rande porte, como o jo rn a l O Estado d e São Paulo, o Jornal da Tarde, o

Opinião, o Pasquim, a revista Veja, a revista altern ativ a Ex, d en tre

o u tros.

O breve período de circulação (73-74) é m arcado pela co n tin u id ad e do regime m ilitar, com a tro ca de u m general, Emílio G a rra sta z u Médici, por outro, E rn esto Geisel, e pela oposição do MDB, único partido de oposição legalizado. À época, o MDB d en u n ciav a a eleição in d ireta e lançava como “a n tic a n d id a to s”, em c h a p a ú n ica, U lysses G uim arães e o então diretor de Argumento, B arbosa Lima Sobrinho. Cabe a c re sc e n ta r que e ra tam b ém o m om ento de auge (em que se iniciava o declínio) do ch am ad o “milagre brasileiro”.2

No decorrer deste e de o u tro s acontecim entos, a revista se arm ava: n a redação de textos que abordavam tem as políticos, econôm icos, sociais, literários, cinem atográficos, teatrais, en tre o u tro s, tem as que a designavam u m a rev ista cu ltu ral, ao m esm o tem po que se c o n stitu ía u m grupo de in telectu ais com b a sta n te visibilidade nacional, vinculados, em s u a m aioria, a u m a in stitu ição com um , a U niversidade de São Paulo.

1 Apesar de anunciar na revista número quatro a publicação de mais uma edição, verificou-se junto à editora Paz e Terra que o quinto número não chegou a ser publicado.

2 FAUSTO, B. “O regime militar (1964-1985)”, in: História do Brasil. São Paulo: EDUSP/FDE, 1995. p. 463-516.

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A leitu ra e o levantam ento dos d ad o s sobre a rev ista resu ltam , n u m a prim eira etap a, d a indexação de se u s 82 artigos em u m banco de d ad o s de periódicos do Projeto Integrado de P esq u isa “Poéticas C ontem porâneas: h istó rias e cam in h o s”, desenvolvido no Núcleo de E stu d o s L iterários e C u ltu rais (NELIC) d e sta universidade. O Projeto, do qual faço p a rte desde 1996, co n ta com a p articipação de p esq u isad o res de g raduação, m estrad o e doutorado, sob a coordenação d a professora d o u to ra M aria Lucia de B arros Cam argo, e tem como objetivo catalogar a s rev istas e cad ern o s ou seções de jo rn a is que tra ta m de lite ra tu ra e c u ltu ra e que circu laram no B rasil a p a rtir d a d écad a de 70. O trab alh o consiste n a indexação d estes periódicos em u m banco de d ad o s inform atizado e n a an álise dos d ad o s obtidos, d a q u al decorrem , prim eiram ente, relatórios e le itu ra s e n sa ístic a s d e sta produção, possibilitando, a con tin u id ad e de u m a an álise m ais ap ro fu n d a d a no M estrado, como n este caso.

A le itu ra d a revista Argum ento aq u i esboçada, que contem pla a an álise dos d ad o s e de inform ações acerca do periódico, e s tá dividida em trê s p artes. Inicialm ente, en saia-se u m a le itu ra in terp retativ a do título e do slogan d a revista - “C o n tra fato, h á arg u m en to ” en co n trad o no prim eiro editorial d a publicação. Percebe- se que o slogan vem ao encontro do que Antonio C ândido afirm a sobre o ideal d a revista: o de ser u m a publicação que utiliza a “razão” p a ra resistir à “força”, ou seja, oferece-se como u m meio racional, analítico, de tr a ta r a c u ltu ra do país, que visa co n stitu ir-se n u m co ntraponto em relação a o u tro s m eios violentos ou antidem ocráticos.

Ao a b rir a s p ág in as do prim eiro n úm ero, dep aram o -n o s com u m editorial-m anifesto. A presentando de m a n e ira im plícita, e até m esm o enigm ática, a s inform ações, o editorial parece dirigir-se a u m público conhecedor d a realidade b rasileira e que não n ecessita de m aiores explicações. P ara o leitor de hoje, o texto a p o n ta p a ra o contexto no qual estav a in serid a a revista, p a ra o denom inado “g ru p o ” de colaboradores e p a ra os objetivos que a publicação p reten d ia alcançar; objetivos que im plicam u m a crítica à situ ação de

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subdesenvolvim ento, d ep en d ên cia e de regime a u to ritário por que p a ssa v a grande p arte d a A mérica L atina naq u ele m om ento. Como p ro p o sta e, ao m esm o tem po, solução, a rev ista afirm a-se como “esforço de lucidez”, ou seja, u m meio esclarecedor que se contrapõe a u m estad o de alienação, de p erd a d a razão e, d e ss a forma, m o stra-se coerente com o que indica a leitu ra de se u título e slogan. Enfim, além de refletir sobre o slogan e o texto do editorial-m anifesto, o prim eiro capítulo a p re se n ta tam b ém o contexto e os colaboradores d a revista.

A p a rtir d a consideração de que o periódico m o stra-se contrário à situ ação política econôm ica e c u ltu ra l vigente', tan to no B rasil como n a Am érica Latina, p ro cu ra-se d e m o n stra r que a publicação p o ssu ía e p reten d ia divulgar u m projeto que se c o n tra p u n h a ao que negava. Mais especificam ente, tra ta re m o s do artigo de Antonio C ândido, “L iteratu ra e subdesenvolvim ento”, que absorve questõ es que ecoam em to d a publicação, com v istas a delin ear u m esboço ou contorno de u m projeto c u ltu ra l veiculado por Argumento.

O m encionado projeto tem como q u estõ es ce n tra is a d e n ú n c ia e o desejo de su p eração do subdesenvolvim ento e d a d ep en d ên cia p o lític a /c u ltu ra l; a con stitu ição de u m a identidade n acional que se c o n tra p o n h a ao estrangeiro e que seja m arcad a pela consciência d a realidade n acional e pela não alienação; a c u ltu ra de resistên cia, com relação ao quadro político e c u ltu ra l in stituído e às form as irracionais de se fazer resistência; a d e n ú n c ia d a in d ú s tria

cu ltu ral, que colabora n a m an u ten ção do estado de

subdesenvolvim ento c u ltu ra l e auxilia n a despolitização do povo e, por fim, a p re sen ç a de u m a crítica literária voltada a u m a perspectiva sociológica, que se encaixa com a p o stu ra de resistên cia d a revista, pois en ten d e o contexto, o social, como co n stitu in te d a o b ra literária.

O terceiro capítulo tr a ta d a p re sen ç a de vários artigos sobre a A m érica L atina e tam b ém do propósito d a revista de ser “u m ponto de encontro com a s o u tra s terras, n o tad am en te a s do co n tin en te”. Q uestiona-se o porquê d a a b e rtu ra deste periódico à A m érica L atina e tam bém a razão d a p ro p o sta de integração do continente. Para se

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ch eg ar a u m a re sp o sta plausível - a de q u e Argumento, p o r se r u m in stru m e n to de resistên cia ao que estav a político e c u ltu ralm en te institu íd o , a ssu m e a “vocação latin o -am erican a de integração” como form a de fortalecer o p en sam en to divergente e os m ovim entos de oposição à situ ação daquele período -, reflete-se sobre a form a pela q u al a rev ista tra b a lh a a relação en tre B rasil e A m érica Latina; o que co n sid era A m érica L atina e o que e s tá n a b ase desse p en sam en to de integração. A q u estão d a A m érica L atina é v ista tam b ém como p arte do projeto político c u ltu ra l d a publicação, o que d e m o n stra u m a co n tin u id ad e d a s q u estõ es a b o rd a d a s no segundo capítulo.

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CONTRA FATO, HÁ ARGUMENTO

“(...) um veículo novo para o que há de vivo, válido e independente na circunstância cultural brasileira (...)”

Argumento

Em q u atro n ú m ero s, a Argumento -

revista m ensal de cultura m anteve-se com as

m esm as dim ensões e a p re se n to u u m a m édia de 155 pág in as por edição. As cap as, sem pre com o m esm o form ato, traziam , n a p arte superior e em letras de tam an h o grande, o título do periódico e, logo abaixo, seu su b títu lo , n úm ero, volum e e preço. Abaixo d e sta s inform ações, com exceção do q u arto núm ero, to d as traziam u m grande q u ad rad o que tom ava o resto do espaço d a c a p a e e ra preenchido por u m título, em d estaq u e, de u m ensaio publicado naquele núm ero, u m a ilu stração em cores e os nom es de alg u n s dos colaboradores, com exceção do nú m ero 2, que, em vez de trazer os nom es dos colaboradores, a p re se n to u os títu lo s de alg u n s dos en saio s publicados. A ca p a tin h a como estratég ia, p o rtan to , c h a m a r a aten ção atrav és dos nom es de a u to re s que colaboravam n aq u ela edição, d an d o prestígio à publicação. O ensaio d estaq u e de ca d a n úm ero, ju n to aos nom es de colaboradores, indica o cam po de a tu a ç ã o d este periódico.

As prim eiras p ág in as d a revista abrigavam , sem lugar fixo, o sum ário e dados de edição e com posição (nome do diretor, nom es do conselho consultivo, com issão de redação, secretária de redação, editor de texto, editor de arte e coordenação editorial), além do endereço d a redação, inform ações sobre a s s in a tu ra s , a tiragem (25.500 exem plares

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n o s dois prim eiros n ú m e ro s e 4 5 .5 0 0 n o s dois últim os) e, alg u m as vezes, o logotipo d a editora Paz e Terra.

Através dos su m á rio s pode-se

o b serv ar a distribuição dos textos n a revista:

prim eiram ente, u m co njunto de ensaios,

en treco rtad o s em dois n ú m ero s (2 e 4) por u m a en trev ista e, em seguida, espaço p a ra a s re se n h a s. Os ensaio s são, assim , en co n trad o s em m aior n ú m ero n a publicação, seguidos d as

re se n h a s, inform es, en trev istas, depoim ento, editorial, ap re se n ta ç ã o e poem a3. D entre os a s s u n to s m ais reco rren tes estão: c u ltu ra , com 2 7%4; lite ra tu ra , 16%; econom ia, 16%; política, 14%; sociologia, 14%; e ed u cação , 5%5. As á re a s de abordagem dos textos m u ita s vezes vêm especificadas no sum ário a n te s do título do ensaio, como por exemplo: “Econom ia: T rinta m ilhões de m u d o s”6. No caso, a palav ra econom ia an te c ip a o a ss u n to que n o rte a rá o ensaio “T rin ta m ilhões de m u d o s”.

D entre os en saio s d estaca-se a p resen ça de alg u n s que tiveram grande rep ercu ssão em s u a s áreas: “L iteratu ra e subdesenvolvim ento”, de Antonio C ândido7; “Cinem a: trajetó ria no subdesenvolvim ento”, de Paulo Emilio Salles Gom es8; “C riando o

3 Cf. “Estatística do Vocabulário controlado”, item da base de dados em que o periódico foi indexado.

4 É válido esclarecer que, por um a questão metodológica, os artigos sob a classificação “ensaio - cultura” abrangem diversos tem as dentro desta área, como cinema, artes plásticas e teatro e, portanto, lideram o ranking na classificação geral.

5 Cf. “Estatística dos assuntos tratados nos ensaios”.

6 Cf. Sumário, in: Argumento, Rio de Janeiro, n. 2, p. 3, nov. 1973.

7 Segundo Antonio Cândido, em A educação p ela noite e outros ensaios, este ensaio foi publicado, em tradução francesa de Claude Fell, na revista Cahiers d ’Histoire Mondiale, Unesco, 4, 1970, e em espanhol, na obra coletiva a que se destinava, América Latina en su literatura (Coordenação e introdução de César Fem ández Moreno), México, U nesco/Siglo Veintiuno, 1972, editada em português pela Editora Perspectiva (São Paulo, 1979). Em português, foi publicado pela primeira vez na revista Argumento, São Paulo,, São Paulo, n. 1, out. 1973 e, posteriormente, como capítulo do livro A educação p ela noite e outros ensaios, São Paulo: Ed. Ática, 1989.

8 Publicado em forma de livro de bolso, pela editora Paz e Terra, na “coleção leitura” em 1996.

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rom ance brasileiro”, de Roberto Schw arz9; “E stética e ideologia: o m odernism o em 1930”, de Jo ão Luiz L afetá10.

Como se pode observar, a revista Argum ento não dedica espaço à s criações literárias (prosa e poesia). E n co n tram -se publicados, no nú m ero 2, a p e n a s fragm entos de poem as de Pablo N eruda, reu n id o s sob o título “Em torno de u m a poesia im p u ra ”, localizados logo ap ó s o ensaio de Davi Arrigucci J u n io r sobre a poética de N eruda, funcionando, p o rtan to , como p arte do ensaio, que faz referência aos poem as publicados. Além disso, p en san d o em elem entos a u se n te s n a revista, é in te re ssa n te a n o ta r a inexistência de artigos sobre m ú sic a e televisão, pois eram tem as que tin h am , como se verá, forte p resen ça n a cen a c u ltu ra l d a época.

Os en saio s seguem u m m esm o modelo de ap resen tação : são an tecedidos por u m a p eq u en a “c h a m a d a ”, que a p re se n ta u m resum o do tem a a ser tra ta d o no artigo e, n a m aioria d a s vezes, u m d esenho ilustrativo. As ilustrações, com exceção d a s fotos, são de a u to ria de C arlos Clémen, de Luis Trim ano, de Alcindo C ruz e Elifas A ndreato (editor de arte), este últim o responsável tam bém p elas ilu straçõ es d a s c a p a s e pelo projeto gráfico d a revista. Convém re s s a lta r o com entário de B ernardo K ucinski, a propósito do projeto gráfico e d a qualidade dos en saio s publicados em Argum ento e que seriam a raz;ão do grande prestígio d a revista nos m eios intelectuais:

“Seus textos eram acessíveis, sem prejuízo do rigor, e diagramados em d uas colunas de corpo legível, com capitulares, em contraste com os corpos miúdos das revistas acadêm icas. Trazia trabalhos de artistas gráficos im portantes, como Flávio de

9 Também foi publicado como capítulo do livro, do mesmo autor, intitulado: Ao vencedor a s batatas: form a literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, 1981 (2. ed.), sob o título: “A importação do romance e suas contradições em Alencar”.

10 Trata-se de um capítulo da Dissertação de Mestrado do autor, orientada por Antonio Cândido e defendida na USP em maio de 1973, ou seja, no mesmo ano de lançamento de Argumento. Encontra-se também publicado como capítulo do livro 1930: a crítica e o modernismo, (1974), sob o título: “Modernismo: projeto estético e ideológico”.

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Carvalho. Tudo isso, nu m tam anho m enor do que o das revistas sem anais, destacava ARGUMENTO como um objeto cultural, m ais do que u m a simples coleção de textos, retom ando, n a m etade do tam anho, a experiência gráfica de SENHOR.”11

Neste sentido, deve-se a c re sc e n ta r que a revista publicou grande q u an tid ad e de m aterial iconográfico em s u a s páginas. Parte dele co n stitu ía-se de fotos, reproduções, gráficos ou d esen h o s que ilu strav am os artigos, reforçando, deste modo, o tem a tratad o . Assim, o ensaio “O negro no B rasil e nos E stados U nidos”12, de T hom as Skidm ore, a p re se n ta reproduções dos q u ad ro s de D ebret e R ugendas; já “E stética e ideologia: o m odernism o em 1930”13, de Jo ã o Luiz Lafetá, tra z reproduções de T arsila do Amaral, Vicente do Rego M onteiro, Di C avalcanti e outros. É válido a in d a d e sta c a r que fotos ilu strav am os artigos sobre eventos da época, como a “E xpoesia I” e a “Bienal de 1973”. Além d a s iconografias que ilu strav am os artigos, a revista tam b ém publicou alg u m as séries, como a de d esen h o s a carvão, in titu la d a “M inha m ãe m orrendo”, de Flávio de C arvalho14, e a s g rav u ras e litografias d a p in to ra alem ã Káthe Kollwitz15, in titu lad as: “N unca m ais g u e rra ” (Cartaz), “Levante dos tecelões” (série), “G u erra dos cam p o n eses” (série), “M ulher ao lado do berço”, “Revolta” e “D ança em torno d a guilhotina”.

11 KUCINSKI, B. Jornalistas e revolucionários: nos tem pos da imprensa alternativa. São Paulo: Página Aberta, 1991. p. 275. Na leitura e observação de alguns números da revista Senhor, constatei que apenas a disposição dos textos em duas colunas era o elemento gráfico comum a ambas as publicações.

12 SKIDMORE, T. Ensaio: o negro no Brasil e nos Estados Unidos. Argumento, Rio de Janeiro, n. 1, p. 25-45, out. 1973.

13 LAFETÁ, J. L. Estética e ideologia: o modernismo em 1930. Argumento, Rio de Janeiro, n. 2, p. 18-31, nov. 1973.

14 CARVALHO, F. Minha mãe morrendo. Argumento, Rio de Janeiro, n. 1, p. 132- 142, out. 1973.

15 KOLLWITZ, K. Nunca m ais guerra (...) Argumento, Rio de Janeiro, n. 2, p. 98- 112, nov. 1973.

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O q u e é n o táv el n e s ta ico n o g rafia é a c o erên c ia com os te m a s tr a ta d o s n a rev ista, o q u e in d ic a u m a seleção rig o ro sa, ta n to do q u e serv ia a p e n a s com o ilu s tra ç ã o d o s tex to s, q u a n to d a s sé ries de ilu s tra ç õ e s p u b lic a d a s. Tal q u e s tã o pode s u s c ita r u m a le itu ra à p a rte a p e n a s d a iconografia d e s ta p u b lic aç ão , n ã o re a liz a d a a q u i devido à s lim ita çõ e s de tem po.

Q u a n to à p u b lic id a d e em A rgum ento, a m aio ria se c o n s titu ía de a n ú n c io s de p ro d u to s p a ra escritó rio d a s e m p re sa s CCE e A rre d a m e n to e de a n ú n c io s de livros d a s e d ito ra s Paz e T erra e C ivilização B rasileira. E m m e n o r q u a n tid a d e , e n c o n tra v a m -se a n ú n c io s de o u tr a s e m p re sa s, com o a L ivraria LER, c u rs o s de in g lês d a A litalia, g ru p o fin an ceiro Novo Rio e do C en tro E d u c a c io n a l de P ro c e ssa m e n to de D ad o s. Um to ta l de 22 a n ú n c io s (g eralm en te peq u en o s) e ra d istrib u íd o ao final d o s a rtig o s e ao final d a s edições.

A A rgum ento a p re s e n ta v a ta m b é m d u a s seçõ es fixas: “Livros”, p re s e n te em to d o s os n ú m e ro s , e “C o n v e rsa ”, p re s e n te a p e n a s n o s d o is ú ltim o s, sen d o q u e o su m á rio do terceiro n ú m e ro tra z o títu lo “N o tas”, p o rém , no in te rio r d a rev ista, c o n s ta o n o m e “C o n v e rsa ”. A seção “Livros” co m p o rtav a a s r e s e n h a s de o b ra s in é d ita s de d iv e rsa s á re a s com o c u ltu ra , lite ra tu ra , política, sociologia e h is tó ria 16, de a u to r e s b ra sile iro s o u e stra n g e iro s. A a p re s e n ta ç ã o d a s r e s e n h a s se g u ia u m p a d rã o fixo conform e a n o rm a: p rim eiro e ra m fo rn ecid o s os d a d o s bibliográficos seguido d a re s e n h a . C o n sta v a ta m b é m , o ra localizado a n te s d o s d a d o s bibliográficos, o ra em m eio ao texto d a re s e n h a e em d e s ta q u e , u m “texto de c h a m a d a ” q u e, de c e rta form a, re s u m ia a re s e n h a . As re s e n h a s tra z ia m a in d a p o u c a s ilu s tra ç õ e s , em s u a m aio ria d e s e n h o s de a u to ria d o s ilu s tra d o re s c ita d o s a n te rio rm e n te , o u d o s ro s to s d o s a u to re s d a s r e s e n h a s , de p e s s o a s tr a ta d a s n o s livros re s e n h a d o s , o u a in d a d e s e n h o s q u e se referiam a o s a s s u n to s a b o rd a d o s.

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A seção “C onversa”, po r s u a vez, trazia p equenos inform es: n a Argum ento nú m ero 3 h á dois, de u m total de trê s inform es, de a u to ria d a p ró p ria revista. J á no q u arto n úm ero, ap arece u m inform e não assin ad o , sendo que os o u tro s cinco são de a u to ria de m em bros d a com issão de redação d a revista, como Antonio C ândido e Paulo Emílio Salles Gomes. E stes inform es tra ta v a m de acontecim entos n a á re a d a c u ltu ra , como a re a b e rtu ra do M useu L asar Segall ou a volta do Boletim

d e A n el e, à s vezes, em tom crítico, den u n ciav am a intervenção d a c e n s u ra n a área, como em “Histórico de u m aborto”, que ap re se n ta v a o cam inho pelo q u al p erco rreu a peça te a tra l de Chico B u arq u e e Ruy G uerra, “C alabar, o elogio d a traição ”, que acab o u não podendo chegar ao público.

Fato e argum ento

O título Argumento e o slogan - “C o n tra fato, h á arg u m en to ”-, estam p ad o n a s p ág in as d a revista, conduzem a u m a prim eira reflexão sobre “o que é” e “q u ais os propósitos” d a publicação. Ao se c h a m a r o periódico de “arg u m en to ” d á-se ao term o a expressão de algo concreto: u m a rev ista cu ltu ral. M as e s ta co n cretu d e só existe em função de s e u s arg um entos. Explico m elhor: a palavra argum ento, en q u a n to título d a revista, lhe d á o sentido de ser, assim , Argum ento é u m a revista, m as, ao m esm o tem po, é tam b ém c o n stitu íd a por arg u m en to s. D esse modo, to m a -se im prescindível p e rg u n ta r o que significa argum ento.

A rgum entar tem , no âm bito d a retórica, a função de “c a p ta r o a sse n tim e n to ”, “in d u zir à p e rsu a sã o ou à convicção”, se r razão que d á fé de algo duvidoso, convencer. Assim, o term o ‘a rg u m e n to ’, do latim argumentum, q u e r dizer: prova, motivo, indício,

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d em o n stração ou razão que carreg a consigo a função p e rsu asiv a ou de convencim ento. Na lógica ou n a m atem ática, a palav ra pode ser e n c o n tra d a com o significado de “te m a ou objeto de u m d iscu rso qu alq u er, aquilo em' torno de que o d iscu rso v ersa ou pode v ersar”.17 T am bém pode im plicar raciocínio, desenvolvim ento de u m p en sam en to que leva a u m a co n seq ü ên cia ou d ed u ç ã o 18.

A ntes de o u tra s considerações, convém lem b rar que arg u m en tação é linguagem , p rincipalm ente q u an d o e s ta é u s a d a com o in tu ito de convencer, p e rs u a d ir e d a r provas de algo incerto. Os a rg u m en to s seriam , p o rtan to , a s proposições u tilizad as com e s ta função. D esta forma, pode-se p e n s a r aq u i que a Argum ento tem o in tu ito de ser, atrav és do que veicula, u m meio persuasivo, que visa a m u d a n ç a s de opiniões e e stim u la reflexões.

A idéia de fato relacio n ad a à noção de arg u m en to , atrav és do slogan d a revista, perm ite o u tra s considerações. De m a n e ira geral, o fato é, p a ra A bbagnano, “u m a possibilidade objetiva de verificação, de co n statação ou de controle e, po rtan to , tam b ém de descrição ou de previsão (...).”19

E sta definição leva a considerar, de ce rta forma, a própria

Argum ento como u m fato, no sentido de que é algo em pírico, passível de

verificação. P ortanto, aqui, fato e arg u m en to se confundem . Mas, no

slogan, estes term os são m ediados pela p alav ra ‘c o n tra ’, em confronto:

isto é, os fatos podem se r afetados ou d erro tad o s pelos argum entos; n e n h u m fato fica inabalável d ian te de arg um entos. O u seja, atrav és de provas, de indícios, de razões, pode-se fazer com que se ad m itam o u tra s possibilidades relativas ao s fatos, ou modificar, por exemplo, a form a como é visto determ inado fato, o que tam b ém im plica em u m a negação d a m áxim a: “C ontra fato, n ão h á arg u m en to ”. Fica evidente, p o rtan to , u m a inversão de valores: d em o n stra-se a força de arg u m en to s convincentes em detrim ento d a versão oficial dos fatos.

17 Sobre a definição de “argumento” aqui exposta, ver: ABBAGNANO, N. Dicionário d e filosofia. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou, 1962. p. 74-75.

18 FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário Aurélio d a língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 162.

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De c e rta forma, o que ocorre é u m “reen q u ad ram en to do real”20: o slogan “C o n tra fato, h á a rg u m en to ” im plica u m a reto m ad a de u m conhecim ento com um (“c o n tra fato, n ão h á a rg u m en to ”), que se to rn a u m a referência, m a s ao m esm o tem po, atrav és d a om issão do “n ão ”, prom ove u m deslocam ento, u m novo o lh ar que e s tá n a possibilidade de se u s a r os arg u m en to s c o n tra os fatos, de os fatos serem atingíveis, serem m utáveis. Assim, d estaca-se a posição de resistên cia de Argumento, de u m a opção pelo “se r co n tra ”.

P ara p recisar m elhor em que sentido en co n tram -se em p reg ad as a s p alav ras “fato” e “arg u m en to ”, pode-se levar em consideração a observação que Antonio C ândido faz sobre o título d a revista, afirm ando que este foi utilizado, com o sentido de m a rc a r o direito d a razão em funcionar co n tra a força. E que po r isso m esm o, a decisão foi não ace ita r o fato como inevitável, m as lu ta r n a m edida d a s forças p a ra m u d a r, sugerir altern ativ as, abrir. A p alav ra arg u m en to é to m ad a como sinônim o de razão, pois atrav és d e sta poderia-se atingir a força, que seria o fato. Ainda sobre a q u estão , C ândido afirm a, em relação a Argumento, que: “T ratava-se, a n te a s difíceis condições do m om ento, de forçar q u an to possível u m a a titu d e de oposição ligada ao esforço de ap ro fu n d am en to analítico”.21

Não é sem propósito que Antonio C ândido refere-se ao fato como força: n a época, início d a d écad a de 70, os a to s de rep ressão e c e n s u ra p raticad o s sob o com ando dos m ilitares ou os ro ubos e seq ü estro s liderados pelos m ovim entos que ad eriram à lu ta a rm a d a c o n trá ria ao regime são exem plos claros de violência e a b u so s de poder, de u m a opção pouco ou q u ase n a d a racional de p a rticip ar d a vida

19 ABBAGNANO, N. Op. cit. p. 408.

20 BRETON, P. “O enquadramento do real” in: A argumentação na comunicação. Trad. Viviane Ribeiro. São Paulo: EDUSC, 1999. Para Breton, “nas situações em que o recurso aos valores, aos pontos de vista, à autoridade aceita, implica em um a retomada de um mundo conhecido, comum, que serve imediatamente de ponto de referência, o reenquadramento do real implica em um a novidade, um deslocamento, um outro olhar.” p. 94.

21 CÂNDIDO, A. “O gosto pela independência”, in: Recortes. São Paulo: Companhia das Letras: 1993. p. 97. Trata-se de um relato, em tom pessoal, sobre Anatol Rosenfeld, intelectual que colaborou, junto com Cândido, em Argumento e que morre durante o período de publicação da revista.

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c u ltu ra l e política do país. Ao to m ar u m a posição c o n trá ria ao fato, a rev ista d em o n stra s u a p o s tu ra de resistên cia, m a s é ao colocar a razão como s u a opção que especifica ain d a m ais o seu m odo de se r contra.

A razão que pode se r sinônim o de argum ento, no sentido de te r arg u m en to s ou provas suficientes, de e s ta r com a verdade22, refere- se tam b ém ao d iscurso, considerado u m a técn ica p ró p ria d a razão e, principalm ente, u m meio de distinção en tre a m era opinião e a verdade científica.23 D este modo, a revista Argum ento é co n trária, resiste ao que e s tá político e c u ltu ralm en te institu íd o , ou seja, ao que o governo m ilitar impõe, como tam b ém resiste e é c o n trá ria a o u tro s m odos de fazer resistên cia, a ssu m in d o -se como u m periódico que opta pelo raciocínio e pela reflexão an alítica e científica, isto é, que n ão se b aseia a p e n a s em opiniões e que b u sc a legitim idade e prestígio, p o r a c re d ita r que e s tá m ais próxim a d a “verdade”. A razão e a verdade, m arcas do ilum inism o m oderno, são conceitos que ap arecem n a revista, como se pode observar, a n te s m esm o d a an álise dos artigos ali veiculados.

Depois de te r en saiad o e s ta possibilidade de com preensão do fato e do arg u m en to seguindo a s indicações d a revista, pode-se a in d a te n ta r p e n sa r estes conceito co n tem p o ran eam en te, o que nos leva a u m a o u tra com preensão. Sem esq u ecer que arg u m en to é linguagem e que e s ta já foi to m ad a como sim ples expressão do p en sam en to ou como in stru m e n to de com unicação, a linguagem pode se r en te n d id a como “ação, como form a de a tu a ç ã o sobre o real e, p o rtan to de constituição do real, e não m eram en te de rep resen tação ou co rresp o n d ên cia com a realidade”24. Tal conceito im plica p e n sa r os arg u m en to s tam b ém como realidades ou como form adores de realidades. Neste caso, o argum ento

22 ABBAGNANO, N. Op. Cit. p. 792.

23 Abbagnano anota que Platão apela para o procedimento discursivo “para marcar a diferença entre a opinião verdadeira e a ciência: as opiniões podem dirigir a ação tão bem quanto a ciência, m as tendem a fugir para todos os lados, como as estátuas de Dédalo, até que não sejam amarradas por meio de um raciocínio causai”. Op. cit. p. 794.

24 SOUZA FILHO, D. M. de. “Apresentação: a filosofia da linguagem de J.L. Austin”, in: Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. p. 10.

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e sta ria em pé de igualdade com o fato, pois, como já foi dito, o fato é algo passível de verificação e co n statação

Porém, a noção m o d ern a de fato tam b ém pode ser problem atizada: “Não h á m ais u m a sep aração radical en tre ‘linguagem ’ e ‘m u n d o ’, porque o que consid eram o s ‘realid ad e’ é co nstituído exatam en te pela linguagem que adquirim os e em pregam os.”25 Se “realidade” é linguagem , fato pode se r arg u m en to , isto é, o fato n ão é n a d a por si m esm o, vale pela idéia que se vin cu la a ele, ou seja, pelos arg u m en to s, e, como estes, pode se r co n testad o .26

Ser e te r “arg u m en to ” c o n tra os fatos, os acontecim entos. E sta assertiv a im põe-se como prim eira chave de leitu ra do periódico, ou, pelo m enos, como p rim eira p ro p o sta d a publicação. D este modo, a s palav ras fato e arg u m en to pedem s e u s referentes. C o n tra q u ais fatos

Argum ento se opõe? E q u ais os a rg u m en to s co n stru íd o s por e sta

publicação p a ra a ta c a r os fatos?

25 Idem. Ibidem. p. 10.

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Primeiros argum entos

outubro 1973

A

natureza social tem horror ao vácuo cultural e tende a preenchê-lo de uma forma ou de outra. Uma das formas de fazê-lo é utilizando a dependência, a acomodação, o arrivismo.

A nossa pretende ser a outra forma, a que se definirá no percurso de nosso grupo. Este é vário na idade e na preocupação, mas se unifica no entendimento em criar um veiculo novo para o que há de vivo, válido e independente na circunstância cultural brasileira; e um ponto de encontro com o pensamento de outras terras, notadamente as do

continente.

Os obstáculos que eventualmente encontrarmos e os estímulos que recebermos serão igualmente indicativos da utilidade de nossa função. Muito intelectual brasileiro foi arrancado de seu mundo e é preciso que encontre um terreno onde possa novamente se enraizar. A limitação de nosso campo poderá ainda ser restringida, mas sempre haverá um papel a ser cumprido pelo intelectual que resolva sair da perplexidade e se recuse a cair no desespero.

Nascemos sem ilusões e não está em nosso programa nutri-las. A independência custa caro e não encoraja as subvenções. Não temos propriamente o que vender mas nos achamos em condições de propor um esforço de lucidez. Esta não ê artigo de luxo ou de consumo fácil mas em qualquer tempo é alimento indispensável pelo menos para alguns. Sua raridade ê, aliás, sempre

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provisória; tudo que a lucidez revela tende a se transformar em óbvio.

Contra fato há argumento.

U m a d a ta , “o u tu b ro 1973”; logo abaixo, cinco parágrafos que com põem u m pequeno texto de u m a pág in a e sc rita em le tra s itálicas, n e n h u m título e n e n h u m a a s s in a tu ra . O prim eiro e o últim o parágrafos são im pessoais, u m não tra z n e n h u m a referência e ou tro fala em nom e d a “n a tu re z a social”. Os re s ta n te s trazem a m arca de u m a p rim eira p esso a plural.

A m arca do “n ó s” e a a u sê n c ia de a s s in a tu r a m o stram que se tr a ta de u m texto de u m a en tid ad e coletiva: fala-se em nom e de v árias p essoas. E sta q uestão, u n id a ao fato de que o texto en co n tra-se n a p rim eira pág in a do prim eiro n ú m ero d a revista, indica que o texto é d a e sobre a p ró p ria revista, podendo-se tom á-lo como editorial. Na leitu ra do texto, percebe-se que explicita os objetivos d a publicação e os ideais do grupo que a constitui, d ando m argem p a ra se r entendido como u m m anifesto27.

E ste ed ito rial/m an ifesto não possibilita u m a leitu ra fácil, visto que se d etecta certo cuidado no u so d a s palavras. Parte-se de p re ssu p o sto s e rem ete-se sem pre ao im plícito28, d em o n stran d o que ali é o lu g ar dos sentidos, deixando aos leitores a tarefa de p reen ch er o

27 Entre texto de editorial e texto de manifesto, Jorge Rivera não estabelece distinções, antes aponta para características com uns a estes gêneros:

“El manifiesto, la declaración d e propósitos y el editorial d e presentación, lo mismo que la polêmica, pueden ser considerados como verdaderos gêneros residuales de la prensa cultural, en la que dificilmente falten con su discurso doctrinario, dogmático y declarativo, que por lo general nos informa fundacionalmente sobre un programa a cumplir.

Dos, por lo menos, son los rasgos casi invariables de este tipo de materiales: 1) un manifiesto o editorial d e presentación denuncia falências que deben ser corregidas, o ataca la negatividad de una situación de hecho (se rechaza, por ejemplo, la visión cultural dei establishm ent o de una determinada estética); 2) todo manifiesto o declaración d e propósitos expone un programa de “regeneración” que será llevado a cabo por la revista o por el grupo que la produce (anuncia, como decía Jam es Joyce, la belleza “que todavia no ha llegado al m undo”).” RIVERA, J. B. El periodism o cultural. Buenos Aires: Paidós, 1995. p. 137-138.

28 Segundo Mainguenau, implícitos são os conteúdos, “que não constituem, em princípio, o objeto verdadeiro da enunciação, m as que aparecem através dos conteúdos explícitos”. MAINGUENEAU, D. Termos-chave d a análise do discurso. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1998. p.81.

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que falta. D esse modo, é u m texto de difícil in terp retação p a ra o leitor de hoje, m as, ao m esm o tem po, indica que havia u m público, n a época de s u a circulação, que com partilhava dos m esm os p ressu p o sto s, d em o n stran d o que s u a explicitação e ra d e sn e c e ssá ria o u perigosa.

É possível c o n s ta ta r n este e d ito rial/m an ifesto indicações do que poderia ser u m diagnóstico im plícito d a situ ação do país; diagnóstico que fornece u m a crítica, por p arte d a revista, em relação à situ ação política e cu ltu ral. Por outro lado, a s p ro p o stas do periódico en co n tram -se explicitadas n e ste texto de form a a d e m o n stra r u m program a, u m plano de m u d a n ç a d a situ ação en u n ciad a.

O prim eiro parágrafo expõe u m a situ ação d a d a e u m a form a de resolvê-la: “A n a tu re z a social tem h o rro r ao vácuo c u ltu ra l e ten d e a preenchê-lo de u m a form a ou de o u tra. U m a d a s form as de fazê-lo é utilizando a dependência, a acom odação, o arrivism o”. A expressão “vácuo c u ltu ra l” rem o n ta a u m d iscu rso b a s ta n te difundido n a d écad a de 70. E sta e o u tra s expressões, como “esvaziam ento de gavetas”, en ten d id as como a falta ou a u sê n c ia de circulação de produções c u ltu ra is, eram u tilizad as no sentido de d e n u n c ia r o cerceam ento d a c u ltu ra pelo governo m ilitar; d e ss a form a, a p re se n ta -se como u m prim eiro p re ssu p o sto do texto29. Porém, ao m esm o tem po em que o texto a n u n c ia o “vácuo c u ltu ra l”, põe co n trad ito riam en te em d úvida s u a existência, pois tr a ta d a s form as de preenchim ento do m esm o. A e sta s form as o texto nos rem ete no final do prim eiro parágrafo: “U m a d a s form as de fazê-lo é utilizando a dependência, a acom odação e o arrivism o”, e no início do segundo: “A n o s s a pretende se r a o u tra forma, a que se definirá no p ercu rso de nosso grupo.”

A lin h a que inicia o segundo parágrafo ap o n ta, de u m lado, p a ra a negação d a form a c ita d a de preenchim ento do vácuo cu ltu ral, ou

29 Ao seguir a linha de análise do discurso de Oswald Ducrot, Maingueneau oferece a opção de uma “interpretação polifônica” da pressuposição que considera que “a responsabilidade do pressu posto não é atribuída ao locutor que, em contrapartida, assum e diretamente o posto, m as a um a instância de enunciação anônima, à qual pode juntar-se o sujeito falante.” E, utilizando das palavras de Ducrot, afirma: “Pressupor um certo conteúdo é colocar a aceitação desse conteúdo como a condição do diálogo ulterior”. MAINGUENEAU, D. Op. Cit. p. 116-117.

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seja, a rev ista objetiva não p reen ch er tal vácuo atrav és d a dependência, d a acom odação e do arrivism o; por outro lado, a p o n ta tam bém p a ra u m a indefinição d a form a pela q u al a rev ista se utilizaria p a ra preenchê-lo. Percebe-se que é pela negação de alg u m as m a n e ira s de fazer c u ltu ra que a revista m o stra, im plicitam ente, a s u a form a, isto é, ao te r claro que o que e stá sendo produzido e divulgado sobre c u ltu ra é o que p a sso u pela “pen eira fina” dos ag en tes c u ltu ra is do governo m ilitar, ou seja, aquilo que não incom oda e não c o n te sta a p rática oficial, a rev ista Argumento b u sc a não te r u m a p o s tu ra vin cu lad a a e sta s form as. Não preten d e ser d ep en d en te dos que têm o poder n a s m ãos, n em a d o ta r u m a p o s tu ra acom odada, dos que deixam “a s coisas acontecerem ”, e m uito m enos re sistir som ente p a ra te n ta r chegar a a lta s posições sociais sem m éritos.

O terceiro parágrafo, m enos im pessoal, traz à to n a o u tra s q u estõ es que rem etem a u m possível contexto político, ou, como a p o n ta o segundo parágrafo, à “c irc u n stâ n c ia c u ltu ra l brasileira”. P rim eiram ente, tem -se a indicação d a função d a rev ista e, de c e rta form a, d a função dos próprios in telectu ais, que seria d e m o n stra d a pelo en contro de o b stácu lo s p a ra se p u b licar d eterm in ad as opiniões. C aso tivessem problem as com relação aos artigos publicados, por exemplo, e sta ria com provada a não cooptação e o exercício d a função de resistên cia, ou seja, a publicação vê a si p ró p ria como resistência. O u tra form a que d e m o n stra ria a u tilidade e função d a publicação seria o recebim ento de estím ulos que poderiam com provar e valorizar a opção d a rev ista pela p o s tu ra de resistên cia. Além disso, h á ain d a n e ste parágrafo o u tra s indicações de que a situ ação do B rasil naquele m om ento não e ra m uito tranqüila: a revista refere-se ao exílio ou au to - exílio de in telectu ais brasileiros e à situ ação de perplexidade e de desespero em que podem en co n trar-se e sse s in telectuais.

D ependência, acom odação e arrivism o como form as m enores de se fazer cu ltu ra , exílio de in telectu ais, perplexidade, desespero e o b stácu lo s p a ra se p u b licar opiniões: é este o diagnóstico d a situ ação do p aís e são estes os fatos c o n tra os q u a is a Argumento se

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a p re se n ta até aqui. E ste s n ão são m eros fatos, servem no texto como arg u m en to s, pois são m o strad o s como provas a p a rtir d a s q u ais a rev ista pode propor a possibilidade de existência de u m outro estado d a s coisas. Por isso, ju n to a eles aparecem a s p ro p o stas d a publicação que dão indícios de como poderia se r e s ta o u tra situação.

A revista, prim eiram ente, propõe-se a p reen ch er u m “vácuo c u ltu ra l” de o u tra form a e, p ro cu ran d o evitar os possíveis “o b stácu lo s”, não explicita a razão, negando a p e n a s a s form as de preenchim ento que j á existiam . Além disto, d eseja ser u m “veículo novo p a ra o que h á de vivo, válido e ind ep en d en te n a c irc u n stâ n c ia c u ltu ra l brasileira”; m ais u m a vez diz não à d ep en d ên cia e a p o n ta p a ra o ideal de ser “novo”, “diferente”, provavelm ente em relação ao já existente em term os de publicações sobre c u ltu ra naq u ele m om ento. Q u an to a e s ta q uestão, é im p o rtan te lem b rar que, ao lado d a s publicações de v ertente política que faziam resistên cia ao regime m ilitar, como o Opinião, o Politika e a pró p ria Argumento, o início dos an o s 70 co ntou tam bém com a s publicações de v ertente existencial, ou seja, os periódicos d a “contra- c u ltu ra ”, que eram indiferentes ao d iscu rso engajado, m ilitante e b u scav am novos m odos de percepção, p rincipalm ente atrav és do u so de drogas. São exem plos deste tipo de publicação a revista fem inista

Fotochoq e o tablóide Ex, lançados, como a Argumento, em 1973. U m a

ú ltim a p ro p o sta d a rev ista e ra a de u n ir forças, sendo “u m ponto de encontro com o p en sam en to de o u tra s te rra s, n o tad am en te a s do co n tin en te”. Devido à im p o rtân cia d e sta p roposta, que, como se verá, foi concretizada pela revista ao trazer a u to re s de o u tro s países p a ra colaborar n a publicação e ao tr a ta r de q u estõ es relativas a o u tro s p aíses do continente, u m capítulo a p a rte será dedicado ao assu n to .

Propor u m esforço de lucidez parece se r a principal idéia que compõe o q u arto parágrafo do ed ito rial/m an ifesto . A lucidez, considerada, de difícil consum o e, ao m esm o tem po, “alim ento indispensável” é proposta, provavelm ente, como solução p a ra a situação, p a ra os fatos indicados nos parágrafos an terio res ou a in d a como meio de m u d a n ç a de u m estado contrário ao proposto.

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Poder-se-ia e s ta r vivendo u m estado de alienação, de p e rd a d a razão. A alienação não proporciona p ersp icácia e clareza de inteligência, não perm ite o raciocínio, a reflexão. A lucidez poderia se r u n id a à capacidade de arg u m en tação , e n q u a n to a alienação o u p e rd a d a razão e sta ria m ais p a ra a incapacidade de tal atividade. N este sentido, Argum ento m o stra- se como u m objeto esclarecedor, que a n se ia por u m estad o de clareza, de perspicácia em meio a u m estad o ob scu ro e p e rtu rb a d o r, o que, de c e rta forma, reforça a idéia de que se d eseja m u d a r o estado d a s coisas atrav és d a razão .

Conform e T. W. Adorno30, a idéia de esclarecim ento, por u m lado, e s tá a sso ciad a a ideais de liberdade e de su p eração , m as, por outro, pode tam b ém e sta r a sso ciad a à positividade derivada do Ilum inism o, q u an d o se acreditava m ais n a noção de progresso. É a este últim o sentido que se relaciona a expressão “esforço de lucidez”, pois a publicação p reten d e co n trib u ir p a ra a su p eração de u m a d a d a situ ação atrav és de arg u m en to s, trazendo à to n a a razão e prom ovendo, com isso, u m desenvolvim ento. D essa form a, reto m an d o a s m a rc a s d a p resen ça d a ideologia ilu m in ista cita d a s an terio rm en te (razão e verdade), pode-se a c re sc e n ta r a elas a idéia de lucidez, de esclarecim ento. U nidas form am u m a rede d iscu rsiv a que antecipa, pelo m enos, u m a perspectiva sobre a qu al se apóiam os ideais de Argumento e que deverão ser com provados n a an álise de s e u s artigos.

Ao inscrever n a prim eira e ú n ic a lin h a do últim o parágrafo de seu editorial a frase Contra fato, há argumento, a rev ista conclui e sintetiza se u program a. E sta frase p a s s a a se r seu slogan e, ju n to ao título, s u a m arca. Volta a aparecer, p o rtan to , em d estaq u e e u n id a ao próprio título d a revista em u m a p ro p ag an d a no q u arto núm ero.

30 ADORNO. T. W.; HORKHEIMER, M. “O conceito de esclarecimento”, in: Dialética do esclarecimento. Trad. Guido de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

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Auditório e con texto

“Muito intelectual brasileiro foi arrancado de seu mundo e é preciso que encontre um terreno

onde possa novamente se

enraizar.”

Argumento

A d a ta - “o u tu b ro de 1973” - cen tralizad a acim a do texto do editorial é u m im portante indício que proporciona a articu lação do editorial a todo o contexto no q u al estav a in serid a a publicação.

V ista como u m segundo m om ento d a d ita d u ra m ilitar in s ta u ra d a em 1964, a d écad a de 70, segundo Flora S ü ssek in d , m o stra- se, do ponto de v ista cu ltu ral, m uito m ais tu m u ltu a d a do que o período de 1964 a 1968. O governo de Emílio G a rra sta z u Médici, “eleito” em fins de o u tu b ro de 1969 pelo Alto C om ando d a s F orças A rm adas, in s ta u ra u m a “política repressiva”, com co rtes e c e n s u ra s dirigidas ã produção a rtístic a e teórica daquele m om ento e a in d a com êxodo voluntário ou n ão de vários p ro d u to res c u ltu ra is do p a ís.31

A d ita d u ra m ilitar não e ra exclusividade do Brasil; vários p aíses d a A mérica Latina, en tre eles, a A rgentina, o Chile e o U ruguai p assav am , ou a in d a p assariam , por u m a experiência sim ilar, em m aior o u m enor grau, e ainda, com m aior ou m enor du ração .

A política c u ltu ra l em vigor desde a ap resen tação do Ato In stitu cio n al n° 5 (1968-1979) ao C onselho de S eg u ran ça Nacional em 13 de dezem bro de 1968, m anteve-se até a divulgação d a Política N acional de C u ltu ra em 1975, d u ra n te o governo Geisel, 1974-1979. E sta se caracterizava, segundo Flora S ü ssek in d , pela “su p re ssã o ” 32, ou seja, ap reen sõ es de livros, discos, revistas, c e n s u ra rígida, dem issões de professores e funcionários públicos, proibições de filmes e peças

31 Cf. SÜSSEKIND, F. “Censura: um a pista dupla”, in: Literatura e vida literária: polêmicas, diários & retratos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 10.

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te a tra is, prisões. Porém, e sta “su p re ssã o ” n ão atinge todo e q u alq u er produto c u ltu ra l ou todo funcionário público: ela im possibilita a em ergência de u m d eterm inado p en sam en to , principalm ente aquele que se contrapõe ao s ideais políticos do regime. O m ais im ediato resu ltad o d e sta política, afirm a S u ssek in d , “foi a red u ção ao silêncio ou o êxodo voluntário ou forçado de a lg u n s dos m ais im p o rta n te s p ro d u to res cu ltu ra is do p a ís.”33

O u tra c a racterística do m ovim ento c u ltu ra l pós-64 que se m o stra como u m a vertente, ao lado d a rep ressão política e ideológica, e que contradiz a q u estão do “vácuo c u ltu ra l”, p ro n u n ciad o p o r

Argumento, é o estím ulo à produção de b e n s c u ltu ra is. Como afirm a

R enato Ortiz: “(...) é u m m om ento d a h istó ria b rasileira onde m ais são produzidos e difundidos os b en s cu ltu rais. Isto se deve ao fato de se r o próprio E stado au to ritário o prom otor do desenvolvim ento cap italista n a s u a form a m ais a v a n ç a d a .”34

R enato O rtiz m o stra como o E stado reconhece a

im p o rtân cia de desenvolver c ertas atividades n a á re a cu ltu ral, desde que su b m etid as à razão do E stado, e cita u m a p assag em do M anual

básico d a Escola Superior de Guerra, que se refere aos m eios de

com unicação de m a s s a como fator im p o rtan te p a ra o aprim oram ento dos com ponentes d a expressão política, m a s que tam bém , se utilizados de o u tra forma, podem trazer p roblem as.35

É possível, a p e sa r do en u n ciad o “vácuo c u ltu ra l”, m o n tar u m q u ad ro de produções de alg u n s gêneros c u ltu ra is a p a rtir de d ad o s d a p ró p ria Argumento, o que tam b ém com prova a concretização d a p ro p o sta d a revista de se r u m “veículo novo p a ra o que h á de vivo, válido e ind ep en d en te n a c irc u n stâ n c ia c u ltu ra l brasileira”. Serve como prim eiro exemplo de investim ento, por p arte dos m ilitares, o “Plano de ação c u ltu ra l”, ap resen tad o pelo en tão m inistro d a c u ltu ra J a r b a s P assarin h o em abril de 1973, que é am plam ente discutido n a s páginas

32 Idem. Ibidem. p. 16-17. D essa mesma supressão foi vítima a publicação de número 4 de Argumento.

33 Idem. Ibidem. p. 19.

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do periódico atrav és de u m a en trev ista com ato res e em p resário s d a área.

No teatro, é possível verificar, a trav és d a revista, que e n q u a n to em 1973 G ianfrancesco G u arn ieri d esp o n tav a p a ra o sucesso, com d u a s peças em cartaz (“Um grito p arad o no a r” e “B otequim ”)36, e o “teatro em p resa”, atrav és d a capitalização acelerad a m ediada pelo estad o se consolidava37, a peça “C alab ar - o elogio d a traição ”, de Ruy G u e rra e Chico B uarque, não tin h a liberação p a ra fazer o ensaio geral, a fim de o bter o alvará p a ra o espetáculo. Sobre a peça (musical) de Ruy G u erra e Chico B u arq u e de H olanda, a Argum ento dedicou trê s artigos: “U m a reflexão sobre a traição” (Argum ento, n.3), ensaio que tr a ta dos conceitos de traição e traid o r ta n to n a h istó ria (invasão holandesa) q u a n to n a peça “C alab ar u m a re s e n h a d a publicação d a peça em livro (Argumento, n.3) e u m inform e in titu lad o “Histórico de u m aborto”, que m o stra a trajetó ria d a peça desde a liberação de seu texto pela c e n s u ra em abril de 1973 até o pedido por in stâ n c ia su p erio r p a ra o reexam e do texto em novem bro do m esm o ano (Argum ento, n.4).38

No cinem a, ao lado d a confirm ada im p o rtân cia do “cinem a novo” no B rasil e no exterior, a rev ista m o stra que o cinem a “a tu a l” e sta v a em crise. Além d a b u ro cracia pela q u al tin h a m que p a s s a r os filmes produzidos no Brasil até chegarem à s sa la s de cinem a (entre elas, a de que todo filme tin h a que o bter u m a espécie de “registro civil” que dav a a qualificação de “filme brasileiro”, registro este a m uitos negado39), o m ercado era pequeno e p ro p o stas de b a ra te a r a s produções e estabelecer novas vias de contato com o público eram d iscu tid as em eventos como a I a J o rn a d a N ordestina de C u rta M etragem, realizada em

35 Idem. Ibidem. p. 116.

36 Ver GUARNIERI, G. “Um grito parado no ar”, Argumento, Rio de Janeiro, n. 1, out. 1973.

37 Ver ARRABAL, J. “Anos 70: momentos decisivos da arrancada”, in: Série anos 70 - teatro. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980, p. 34.

38 É válido destacar que, além da proibição do espetáculo, o disco que trazia as canções do m usical sofreu censuras.

39 Em “O direito de nascer do cinema brasileiro”, Argumento, Rio de Janeiro, n.4, fev. 1974, Sérgio Santeiro comenta, em tom de questionamento, o não conferimento do “certificado de filme brasileiro”, aos filmes “Copacabana exagerada” de Rogério Sganzerla e “O rei do baralho” de Julio Bressane.

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setem bro de 1973 em Salvador e o I E n contro do C inem a n a U niversidade, organizado por e s tu d a n te s d a PUC do Rio em o u tu b ro do m esm o ano.

Nas a rte s p lásticas, em 1973, u m evento artístico de g rande im p o rtân cia foi a XIIa Bienal de São Paulo, que não receb eu m u ito s elogios por p arte dos críticos de Argumento: A rnaldo P edrosa D ’H orta40 a p o n to u problem as como a falta de critério do evento; já M arta T raba41 tra to u d a posição “inglória” que coube ao s a rtis ta s latino-am ericanos.

J á em relação à s produções literárias do início d a d écad a de 70, a revista não fornece d ad o s suficientes p a ra a m ontagem de u m q u ad ro geral. Por priorizar o gênero ensaístico de an álise do literário, a publicação, como já se evidenciou, não trazia em s u a s pág in as p roduções de contos, poesia ou crônicas e n ão chega a problem atizar a pro d u ção em circulação. Mas, segundo H eloísa B u arq u e de H olanda e M arcos A ugusto Gonçalves, o q u ad ro geral d a lite ra tu ra no início d a d éc a d a de 70 é form ado b asicam en te pela p erm an ên cia de escritores já a tu a n te s em an o s anterio res, como D alton Trevisan, O sm an Lins, Murilo R ubião, A u tran D ourado, en tre o u tros. Q u an to aos gêneros, h á u m grande au m en to n a produção de contos, n a q u al se so b ressaem os n om es de Antonio Callado e Érico Veríssimo; e a poesia d ita “m arginal” o u “poesia de m im eógrafo”, que utiliza u m a espécie de circuito “sem i- m arginal” de edição devido à capitalização do m ercado editorial, tam b ém vem à tona. 42 Sobre este gênero, em exceção ao que foi dito an terio rm en te, Argum ento d e sta c a o evento E xpoesia I, organizado pelo D ep artam en to de L etras e A rtes d a PUC do Rio de Ja n e iro , sob a direção de Affonso Rom ano de S a n tA n n a , que se em p en h o u em fazer u m a “m o stra onde estivessem rep re se n ta d o s os p rincipais m ovim entos e

40 D HORTA, A. P. Bienal de quê Por quê? Com quem? Argumento, Rio de Janeiro, n.3, p. 106-117, jan. 1974.

41 TRABA, M. XIIa Bienal: lista sumária de sobreviventes. Argumento, Rio de Janeiro, n.4, p. 137-144, fev. 1974.

42 Mais detalhes sobre este quadro geral, ver HOLANDA, H. B.; GONÇALVES, M. A. “Política e literatura: a ficção da realidade brasileira”, in: Anos 70 - literatura. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. p. 7-82

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ten d ên cias d a s ú ltim a s d écad as, e revelasse ao público novos poetas, éditos e inéditos.”43

J á foi co n statad o an terio rm en te que a revista n a d a p u blicou sobre m ú sica e televisão. Porém, pode-se a n te c ip a r aqui que isto não se deve ao fato de ser tím ida a produção m u sical n a época, pois a m ú sic a p o p u lar m anteve os já co n sag rad o s n a d écad a de 60 e c o n tin u av a a b a d a la r a cen a c u ltu ra l dos an o s 70. E n tre os m aiores nom es d a m ú sic a p o p u lar brasileira n e s s a época, en co n trav a-se Milton N ascim ento, C aetano Veloso, Chico B u arq u e, Gilberto Gil, que já tin h a m reconhecim ento. M as havia a in d a o u tro s gêneros m u sicais com grande rep ercu ssão n e s ta década: o sam b a, com M artinho d a Vila, B eth C arvalho, C lara N unes, en tre o u tro s, o chorinho e a m ú sica in s tru m e n ta l de H erm eto P aschoal e Egberto G ism onti.44

É tam b ém n e sta d écad a que ocorre a ex p an são d a televisão e de o u tro s m eios de com unicação de m a ssa . Em 1973, por exemplo, a Rede Globo com pletou a p arte m ais expressiva d a expansão de s u a rede45, motivo este p a ra se c o n tin u a r q u estio n an d o a a u sê n c ia do te m a televisão em Argumento.

Por fim, u m a teoria que perm eava m u ita s d a s d iscu ssõ es em torno d a c u ltu ra n e s ta d écad a e que a Argumento, de c e rta forma, priorizou em s u a s an álises é a “teoria d a d ep en d ên cia”. As relações de d ep en d ên cia en tre a América L atina e os p aíses desenvolvidos e a q u estão do subdesenvolvim ento n a A m érica L atina vin h am sendo p roblem atizadas por cien tistas sociais, m a s a grande novidade d a crítica literária u sp ia n a , n a d écad a de 70, segundo Heloísa B u arq u e de

43 HOLANDA, H. B. de. BRITO, A. C. de. Nosso verso de pé quebrado. Argumento, Rio de Janeiro, n. 3, p. 81-94, jan. 1974.

44 A década de 70 traz também o fim dos festivais de música. Segundo Ana Maria Bahiana, “a censura e a repressão direta, com prisões e exílios, tiraram dos festivais sua função de ponto de encontro e reduziram-nos apenas a feiras para novas contratações”. BAHIANA, A. M. “A linha ‘evolutiva’ prossegue - a m úsica dos universitários”, in: Anos 70 - Música popular. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. p. 25-40.

45 KEHL, M. R. “Um só povo, uma só cabeça, uma só nação”, in: Anos 70 - televisão. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. p. 5-30.

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H ollanda e M arcos A ugusto G onçalves46, foi ju s ta m e n te absorver, no cam po d a crítica, e sta s questões.

A pesar de fornecer d ad o s e tr a ta r de aco ntecim entos im p o rtan tes n a á re a c u ltu ral, a Argum ento a c a b a po r deixar de fora do cenário que a rm a de se u tem po alg u n s m ovim entos c u ltu ra is que utilizam o u tra s p erspectivas p a ra fazer resistên cia ao regime m ilitar e que não são m enos im p o rtan tes que a perspectiva do periódico. Ao lado d e ss a v ertente de oposição ao regime de extração acadêm ica que se utilizava do meio en sa ístic o /a n a lític o p a ra ex p re ssa r a resistên cia, estav am tam b ém os que se utilizavam de a rm a s, d a lu ta arm ad a. Tais m ovim entos, como o C om ando de Libertação Nacional (COLINA), organizado por jovens e s tu d a n te s m ineiros e o Movimento N acionalista Revolucionário (MNR) dos sarg en to s e m arin h eiro s liderado por Leonel Brizola, no Rio G rande do Sul, p ro tag o n istas de lu ta s a b e rta s ou cla n d e stin a s co n tra o regime, tin h a m como influência e im pulso a s p rá tic a s de Fidel C astro, que levaram à Revolução C u b an a. E ste “ciclo d a h istó ria ”, como afirm a K ucinski47, in stitu íd o pelo im aginário d a Revolução C u b an a, te rm in a len tam en te com a m orte de C arlos L am arca em 1971, com a d erro ta d a g u errilh a do A raguaia em 1972 e com a d e rru b a d a d a U nidade P opular de Allende, no Chile, em 1973.

Além dos m ovim entos pró-guerrilha, en co n trav a-se a in d a em evidência nos an o s de 1973 e 1974 os m ovim entos c o n tra -c u ltu ra is, os q u ais produziram grande q u a n tid a d e de publicações altern ativ as que m arcavam os se u s ideais de liberdade total e indiferença aos d iscu rso s ideológicos. Com e ss a característica, já se afirm ou, circulavam Fotochoq e Ex, ao lado de jo rn a is e rev istas d a grande im p ren sa, como o Jornal d a

Tarde e Veja. E stes últim os, naquele m om ento, consolidavam se u s

projetos jorn alístico s voltados à classe m édia. Afirma B ernardo Kucinski: “E n q u an to a esq u e rd a clássica refugiou-se a in d a m ais no dogm a — e alg u n s grupos rem an escen tes in sistiam n eu ro ticam en te n a

46 HOLANDA, H. B.; GONÇALVES, M. A. Op. Cit. p. 29. 47 KUCINSKI, B. Op. Cit. p. 43.

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