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A literatura sobre financeirização a partir de uma abordagem bibliométrica (1992 - 2017) : os (des)caminhos de um conceito

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INSTITUTO DE ECONOMIA

ANDRE RODRIGUES FELIPINI

A literatura sobre financeirização a partir de uma

abordagem bibliométrica (1992 – 2017): Os (des)caminhos

de um conceito

Campinas

2018

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INSTITUTO DE ECONOMIA

ANDRE RODRIGUES FELIPINI

A literatura sobre financeirização a partir de uma

abordagem bibliométrica (1992 – 2017): Os (des)caminhos

de um conceito

Prof. Dr. Alex Wilhans Antonio Palludeto – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO ANDRÉ RODRIGUES FELIPINI, ORIENTADA PELO PROF. DR. ALEX WILHANS ANTONIO PALLUDETO.

Campinas

2018

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia

Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708

Felipini, Andre Rodrigues,

F335L FelA literatura sobre financeirização a partir de uma abordagem bibliométrica (1992 - 2017) : os (des)caminhos de um conceito / Andre Rodrigues Felipini. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

FelOrientador: Alex Wilhans Antonio Palludeto.

FelDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia.

Fel1. Financeirização. 2. Bibliometria. 3. Macroeconomia. I. Palludeto, Alex Wilhans Antonio, 1986-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The literature on financialization from a bibliometric approach (1992 - 2017)

Palavras-chave em inglês: Financialization

Bibliometrics Macroeconomics

Área de concentração: Teoria Econômica Titulação: Mestre em Ciências Econômicas Banca examinadora:

Alex Wilhans Antonio Palludeto [Orientador] Giuliano Contento de Oliveira

Fernando Monteiro Rugitsky Data de defesa: 06-06-2018

Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas

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ANDRE RODRIGUES FELIPINI

A literatura sobre financeirização a partir de uma

abordagem bibliométrica (1992 – 2017): Os (des)caminhos

de um conceito

Prof. Dr. Alex Wilhans Antonio Palludeto – orientador

Defendida em 06/06/2018

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Alex Wilhans Antonio Palludeto - PRESIDENTE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Fernando Monteiro Rugitsky Universidade de São Paulo (USP)

Prof. Dr. Giuliano Contento de Oliveira

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico este trabalho aos meus pais, Cida e Henrique e a Lyca Suzuki, por toda a paciência, amor e apoio incondicionados

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Agradeço aos meus pais, cuja paciência, amor e suporte não se podem descrever. A Lyca Suzuki, a quem considero parte inseparável de mim e que tem sido minha guia e companheira nos melhores e piores momentos.

Aos meus colegas da pós-graduação responsáveis pelos melhores jantares de segunda-feira (feitos às terças) e a quem guardarei para sempre no coração: Daniel, Ana, Thomáz, Fernanda, Christian, Mari, Larissa, Matheus e Rafael.

Aos meus caros amigos e alunos do IE, que proporcionaram inúmeras reflexões e momentos memoráveis: Enzo, Julia, Nikolás, meu companheiro republicano Tariq, Caio, Felipe, Thiago, Murilo e Arthur.

Em tempo, àquele que considero um grande amigo e a quem admiro incondicionalmente: meu orientador Alex Palludeto, cujos conselhos, paciência e dedicação foram indispensáveis para a execução deste trabalho e seus eventuais méritos – e também para o meu crescimento como economista e pesquisador.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação. Em particular, aos colegas e professores do Ceri: Giuliano Contento, José Carlos Braga, Simone de Deos, Paulo Wolf, Diego Angélico, Ana Rosa.

Por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

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The existing breakdown of knowledge into mutually indifferent and often hostile academic disciplines, each with its own range of problematics and methods, has replaced the harmonious enlightenment we had been promised with a raucous cacophony of discordant sounds.

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financeirização, que tem apresentado relevante crescimento nas décadas recentes. De modo geral, a partir da observação de que a literatura sobre a financeirização tem mobilizado um grande volume de autores, periódicos e publicações, objetiva-se identificar e analisar as principais vertentes nas quais a mesma se apresenta, conferindo particular destaque ao seu caráter heterogêneo – em termos de categorias utilizadas e abordagens advindas de diferentes ramos do conhecimento, tais como a Geografia Econômica, a Ciência Econômica, a Sociologia, a Contabilidade e a Filosofia.

A fim de cumprir o objetivo proposto, a dissertação divide-se em dois capítulos. No primeiro deles, utiliza-se a análise bibliométrica como forma de mapear a literatura sobre a financeirização. Nesse sentido, pretende-se – uma vez apresentados brevemente o significado e a história da bibliometria e situada a presente dissertação em meio a outros trabalhos que utilizaram análises comparáveis – identificar as linhas mestras que compõem esta literatura. Para tanto, foram utilizados dados retirados da base Scopus de indexação de publicações que – tomando o termo “financeirização” em inglês, francês, português e espanhol – cobre os anos de 1992 a 2017. Para a aplicação das técnicas bibliométricas, por sua vez, utilizou-se o software VOSViewer.

Com isso, foram identificados cinco grupos principais que, a partir da interpretação dos resultados bibliométricos obtidos, sugerem relativa coesão interna e diferenças relevantes entre si. O segundo capítulo, por sua vez, dedica-se à investigação aprofundada dos grupos sugeridos. Uma primeira vertente remete à análise da financeirização a partir da crítica à maximização do valor ao acionista. Um segundo grupo representa um conjunto amplo de trabalhos de teor marxista e pós-keynesiano, cujo foco reside na avaliação da financeirização como um novo padrão de acumulação. Um terceiro agrupamento se organiza em torno do espraiamento das normas, práticas, regras de conduta e vocabulário típicos dos mercados financeiros na sociedade e seu impacto na vida cotidiana. Um quarto conjunto concentra-se na avaliação da forma pela qual as finanças contemporâneas condicionam a organização do espaço, particularmente das áreas urbanas. Por fim, um quinto grupo dedica-se ao exame do impacto da financeirização na atividade rural, particularmente no comércio internacional de commodities. De modo geral, observa-se que há elementos comuns compartilhados por esses agrupamentos – em termos, sobretudo, de definição de seu objeto, abordagem e referências compartilhadas – ao mesmo tempo em que relevantes diferenças metodológicas e conceituais os distanciam.

Diante, portanto, do caráter multidisciplinar da literatura acerca da financeirização – e da própria utilização desse termo enquanto categoria analítica – conclui-se que se têm consolidado de maneira vigorosa nas décadas recentes abordagens bastante diversas entre si, com temáticas e instrumentais teóricos e empíricos particulares – processo este ainda em curso e que suscita análises e estudos futuros.

Palavras-chave: financeirização; bibliometria; VOSViewer; Scopus; shareholder value; macroeconomia.

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financialization, which has presented relevant growth in the last decades. Broadly, from the observation of financialization as a literature that has mobilized a great number of authors, journals and publications, we aim to identify and analyze the main branches of research found, highlighting its heterogenous character – in terms of the utilized categories and approaches from diverse fields of knowledge, such as Economic Geography, Economics, Sociology, Accounting and Philosophy.

In order to meet this objective, this dissertation is divided in two chapters. In the first chapter, the bibliometric analysis is the method used to map the literature on financialization. Hence, we intend to – after briefly presenting the meaning and history of bibliometrics and situating this dissertation amidst other works that resorted to similar analyses – identify the main strands of research that compose this literature. For this task, we extracted data from the Scopus database that covers the years 1992 to 2007 – taking the term “financialization” in its English, French, Portuguese and Spanish forms. For the application of the bibliometric technique, in turn, the software VOSViewer was used.

By these means, we identify five mains groups that, starting with the interpretation of the bibliometric results obtained, suggest relative internal cohesion as well as relevant differences among one another. The second chapter, in turn, is dedicated to the detailed examination of such groups. A first branch refers to the analysis of financialization that resorts to the critique of the logic of maximizing shareholder value. A second one denotes an extensive set of works that carry a Marxist and Post-Keynesian background, focusing on assessing financialization as a new pattern of accumulation. A third group organizes itself around the dissemination of norms, praxis, rules of conduct and vocabulary typical of financial markets throughout society and its impact on daily life. A fourth group concentrates on evaluating the mechanisms through which contemporary finance conditions the organization of space, particularly in urban areas. Lastly, a fifth group is dedicated to the analysis of the impact of financialization on rural activity, in particular as referred to the international trade of commodities. On the whole, it is possible to observe shared elements among these groups – mostly in terms of their object, approach and shared references – whilst carrying relevant methodological and conceptual divergences.

In the face of the multidisciplinary character of the literature on financialization – and of the use itself of this term as an analytical category – we conclude that a great number of recent and diverging approaches have been consolidating in the last decades, with particular themes as well as theoretical and empirical instrumentals, thus shaping an ongoing process that demands further analyses and research.

Key words: financialization; financialisation; bibliometrics; VOSViewer; Scopus; shareholder value; macroeconomics.

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Figura 1.1 – Publicações por ano (1992 - 2017)...21

Figura 1.2 – Critério de “acoplamento bibliográfico”...40

Figura 1.3 – Critério de “co-citação”...40

Figura 1.4 – Agrupamentos por acoplamento bibliográfico das fontes (1992 - 2017)... 45

Figura 1.5 – Agrupamentos por co-citação das fontes (1992 - 2017)...47

Figura 1.6 – Agrupamentos por acoplamento bibliográfico dos textos (1992 - 2017)...49

Figura 1.7 – Agrupamentos por co-citação dos autores (1992 - 2017)...51

Figura 1.8 – Agrupamentos por co-ocorrência de termos (1992 - 2017)...53

Figura 2.1 – Agrupamento por acoplamento bibliográfico dos documentos (1992 - 2017): Subgrupos da abordagem “macroeconômicas”...62

Figura 2.2 – Agrupamentos por co-citação de autores (1992 - 2017): Subgrupos dentro da abordagem “macroeconômica”...64

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Lista de Tabelas

Tabela 1.1 - Principais publicações por citação (1992-2017) ... 42 Tabela 1.2 - Países com maior publicação, por instituições com pelo menos 4 publicações (1992-2017)... 43 Tabela 1.3 - As linhas mestras da literatura acerca da financeirização ... 55

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Sumário

Introdução 13

Capítulo 1: O panorama geral da literatura 20

1. Bibliometria: dados e metodologia 25

1.1. Uma breve introdução à bibliometria 25

1.2. Algumas utilizações da técnica bibliométrica 33

2. Descrição dos dados e aplicação do método bibliométrico 38

3. Contextualização geral literatura 42

4. Uma proposta de sistematização da literatura 44

4.1. Agrupamentos por fontes (revistas, livros, capítulos de livro etc.) 44

4.2. Agrupamentos por textos e autores 48

4.3. Agrupamentos por co-ocorrência de termos 52

5. Síntese: as linhas mestras da literatura acerca da financeirização 54

Capítulo 2: Análise dos grupos identificados 58

1. Introdução 58

2.1. Grupo “macroeconômico”: Modelos Kaleckianos/Pós-Keynesianos e Economia

Política 59

2.1.1. Uma segunda aproximação: a bibliometria reaplicada ao grupo

“macroeconômico” 59

2.1.2. Clusters por acoplamento bibliográfico 60

2.1.3. Clusters por análise de co-citação 62

2.1.4. Por uma síntese: as linhas principais da literatura macroeconômica de

financeirização 64

2.2. Critical Social Accountancy School 72

2.3. A Financeirização do Cotidiano 81

2.4. A Geografia Econômica da Financeirização 86

2.5. Financeirização das commodities 92

Considerações finais 98

Referências bibliográficas 102

(13)

Introdução

A “financeirização”, como objeto e também categoria de análise, tem dado suporte às mais diversas leituras acadêmicas nas décadas recentes – fortemente concentradas na heterodoxia econômica, mas que ultrapassam largamente seu âmbito – sobretudo acerca de fenômenos relacionados a mudanças estruturais do capitalismo desde as décadas de 1970 e 1980, nas quais entende-se que as finanças, de modo amplo, teriam passado a desempenhar funções “novas” e “dominantes”. No entanto, para além da admissão muito geral dessa influência crescente (lato sensu) das finanças no “modo de ser” do capitalismo, não é possível sintetizar a utilização do conceito de financeirização de maneira única ou consensual (van Treeck 2009; Palley, 2016). A própria ampla disseminação crescente de seu uso dentre diversas áreas do conhecimento parece indicar o seu vigor e força analíticos; nesse sentido, Epstein (2015, p. 3), ao tratar do caráter novo em “tamanho, natureza e escopo” das finanças, afirma que elas “[...] seemed to be changing the whole character of the economy and possibly even

society itself”. Em seguida, sugere que “[…] with [the concept of] financialization we know that something important is happening here. We just don’t know yet exactly what it is” (Epstein,

2015, p. 4).

Dentre os primeiros textos que fazem referência ao termo1, de modo sistemático, estão uma série de artigos de autores vinculados ao Fundo Monetário Internacional (FMI). No geral, eles se debruçam sobre “o problema da poupança” relativa aos países subdesenvolvidos – ou “less developed countries”. O diagnóstico, em geral, aponta para a necessidade de elevar o nível de poupança e a taxa de juros, desde que compatível com um nível desejado de atividade econômica.

Aquele que parece ter inaugurado o uso do termo foi o indiano Deena Khatkhate, ex-diretor do Reserve Bank of India. Já em seu texto de 1972, o autor, ao tratar dos “países menos desenvolvidos”, busca as bases para uma política monetária mais ampla e com vistas ao desenvolvimento de longo prazo. Ele propõe uma abordagem de “fluxos de fundos”

(flow-of-funds approach), segundo a qual pode-se, no nível do indivíduo, sistematicamente gastar mais

do que a renda auferida (acumulando déficits) ou ganhar mais do que é gasto (e acumular superávits). O “fluxo de fundos”, assim, significaria o recurso a uma política monetária

1 Tomando-o em suas formas linguísticas equivalentes, tais como financialisation, financialization,

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(entendida em sentido amplo) que permitisse o escoamento de fundos das unidades superavitárias para as unidades desejosas de maior capacidade de gasto (as deficitárias). Por isso, e consciente de que as unidades superavitárias são histórica e estruturalmente as famílias (households), a política monetária para os países menos desenvolvidos deveria atuar no sentido de incentivar a poupança das famílias a ser alocada em instrumentos financeiros, por intermediação dos quais os setores corporativo e governamental poderiam ser financiados. A esse processo o autor chamou de “financeirização das poupanças”. Em outras palavras, “savings in a financial form”. Nesse sentido, o “desenvolvimento” tem como um de seus principais efeitos, segundo Khatkhate (1975), o processo de aumento na proporção de ativos financeiros em relação à renda e riqueza. A financeirização, nesses termos, ajudaria a controlar a pressão sobre a inflação, uma vez que reduziria relativamente a demanda por ativos reais como um todo.

Nesta mesma questão, Khatkhate & Cho (1989) defendem a implementação da liberalização financeira de maneira arquitetada (designed) e gradual. O desmantelamento súbito de todas as regulações teria se provado, como argumentam os autores, deletério às economias nacionais dos países em desenvolvimento ao desorganizar o horizonte de planejamento dos agentes e ao desestabilizar variáveis-chaves. Para a abertura da economia, considerada necessária ao desenvolvimento, é defendida a reforma financeira, significando grau decrescente de intervenção do governo na coordenação de preços e expectativas e a utilização de indicadores de mercado que guiassem as principais aplicações.

Já Makdisi (1975) procura tratar da economia libanesa do pós-guerra e os problemas de ordem monetária por ela enfrentados. O autor trata de dois grupos principais de questões: a) relativas à manutenção da estabilidade financeira e de preços no país; e b) relativas à alocação de crédito e o crescimento das “poupanças monetárias” (ou intermediação financeiras, i.e., financeirização das poupanças). No que diz respeito ao segundo ponto, são recomendadas políticas econômicas que incentivem o desenvolvimento de instituições e instrumentos financeiros (além da melhoria dos já existentes) que permitam o alongamento dos prazos de financiamento. Nesse sentido, o autor afirma que “the growth of savings in the context of an

efficient financial system implies better opportunities for a more efficient allocation of resources” (Makdisi, 1975, 203). Adewunmi (1981), por sua vez, apresenta conclusões

próximas à anteriores para o caso da Nigéria, sugerindo políticas bancárias “heterodoxas” de “borrowing short and lending long”, onde o sistema financeiro teria papel no processo de desenvolvimento. Assim, pode-se tomar a afirmação de Adewunmi (1981, p. 164) como representativa:

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In developing countries with imperfect markets, inadequate information and painfully insufficient resources, the need to “administer” the allocation of financial resources through interest rate structuring and credit guidelines becomes even more compelling.

Assim, os autores mencionados associados ao FMI demonstram uma evidente coesão ao fazerem uso sistemático do termo financeirização. No geral, o esforço por eles empreendido se deu no sentido de analisar, teórica e empiricamente, a relação entre a estrutura financeira nacional e o “desenvolvimento”. A conclusão, relativa aos países subdesenvolvidos, é que o sistema financeiro nacional e internacional – enquanto um “intermediário alocativo” – é essencial à “acumulação real”, de modo que a financeirização das poupanças das famílias seria uma fonte importante de recursos para a estrutura de financiamento de longo prazo do investimento. Os traços comuns a esse primeiro uso sistemático do termo podem ser sintetizados 1) pela referência à incorporação da poupança das famílias aos instrumentos financeiros de rendimento como uma necessidade econômica; 2) pela utilização de financeirização como uma prescrição de políticas aos países menos desenvolvidos; 3) sugestão da necessidade da criação de um sistema financeiro forte, que permitiria o desenvolvimento da economia como um todo; 4) referência a indicadores financeiros como medidas do grau de desenvolvimento.

Com isso, estes trabalhos dialogam com algumas ideias caras a um determinado conjunto de autores pioneiros nas teorias do desenvolvimento econômico, tais como Gerschenkron (1962) e Rostow (1960), que entendem que o desenvolvimento é composto por estágios relativamente bem definidos e lineares. Em geral, não concordam com a “fixidez” dos “estágios de desenvolvimento”, ainda que partilhem do diagnóstico acerca de alguns problemas típicos, tais como a falta de poupança e a necessidade de um Estado garantidor da estabilidade. Além disso, esses autores como um todo avaliam criticamente a ideia da “repressão financeira”2 de McKinnon (1973) e McKinnon & Grassman (1981) – porém, não divergem

totalmente desta. Ressaltam – como feito por Adewunmi (1981) – a necessidade de abandonar determinadas hipóteses, como competição e informação perfeitas (longe da realidade de países subdesenvolvidos).

2

Segundo a qual o sistema financeiro é necessariamente indutor do crescimento, sob a condição de que possa funcionar sem quaisquer fricções. A “repressão” surge quando dispositivos legais procuram limitar o escopo das atividades de instituições e instrumentos financeiros tendo como resultado, argumentam, baixo nível de poupança, de empréstimos e ineficiente alocação de recursos.

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As ideias desses autores associados ao FMI – relativamente contestadoras da ortodoxia econômica prevalecente, de teor neoclássico – foram disseminadas dentro da literatura econômica à época, sobretudo na medida em que eram faziam parte de construções teóricas do

mainstream economics já estabelecidas. Compreendidas como um todo, pode-se argumentar

que tais leituras contribuíram para prescrições tais como as contidas no Consenso de Washington, que advogava em favor políticas como a liberalização financeira e comercial, desregulamentação de movimentos de capital e reformas fiscais – ainda que graduais e coordenadas (Williamson, 1990). A principal importância de autores como Khatkhate na história do pensamento econômico está na utilização sistemática de um determinado conceito de financeirização, que chama atenção para o papel das finanças no funcionamento da economia como um todo, particularmente no caso das economias “menos desenvolvidas”3.

Vale ressaltar, em meados da década de 1970 já fora iniciado o abandono gradativo dos acordos de Bretton Woods, o que criava condições para o desenvolvimento de novas práticas e instrumentos financeiros – juntamente de outras dimensões relevantes, tais como novas tecnologias (sobretudo de informação), o “retorno” de crises e ciclos econômicos, além de conflitos políticos e comerciais (tal como expressos na Guerra Fria e nas crescentes contestações por parte de países como a França acerca do caráter excessivamente privilegiado do dólar-ouro). Esta transição para uma “nova forma” do comércio e das finanças internacionais permitiu que os autores citados considerassem esses fenômenos teoricamente, destacando determinadas estratégias de políticas econômicas.

Esta definição particular de financeirização, no entanto, embora relativamente difundida ao longo das décadas de 1970 e 1980 – veículo de uma determinada agenda político-econômica da época – não apresentou uma evidente continuidade com utilizações posteriores do termo. Não obstante, esta abordagem, ao relacionar questões como poupança das famílias, o papel e a “funcionalidade” das aplicações financeiras, endividamento e (em menor grau) investimento em relação à financeirização, parece ter inaugurado um vasto rol de possibilidades explicativas para essas variáveis-chave do sistema econômico a partir do uso dessa categoria4.

Entretanto, ao contrário desse momento inicial, a pesquisa acerca da utilização do termo financeirização logo acaba por abarcar uma grande variedade de abordagens (em termos de definição do objeto, dos instrumentos analíticos e referências teórico-empíricas). É sobre essa

3 O que também representa uma diferença em relação ao estado atual do debate, em que se entende, em geral, que a financeirização é um processo especialmente característico e em estado avançado nas economias mais desenvolvidas.

4 Não raro, tratam-se de abordagens críticas à leitura teórica e interpretações características de tais autores - como deverá ser demonstrado adiante no trabalho.

(17)

questão que Toporowski (2015, p.2) afirma que, recentemente, “the use of the term [financialization] in different contexts and with different meanings makes it of dubious

analytical value”. Por isso – e diferentemente daquilo argumentado por Toporowski (2015) –

a constatação dessa heterogeneidade será, aqui, seguida pela organização analítica e conceitual da literatura em questão.

É necessário ter em conta, no sentido acima sugerido, a recorrência de divergências conceituais na história do pensamento econômico. Por exemplo, o conceito de “capital”, central a qualquer teoria econômica, é ele próprio, desde o início, alvo de debates e controvérsias

teóricas e históricas profícuos. Assim, a heterogeneidade ainda presente da literatura de

financeirização requer, não um abandono do uso do termo, como sugere Toporowski (2015), mas, sim, o reconhecimento de seu potencial teórico-analítico explicativo do capitalismo (sobretudo sua forma recente), como sugere Epstein (2015), e também da necessidade de organização interna dessa literatura, a fim de permitir um diálogo claro entre as partes. Desde já, deve-se ressaltar este conceito como parte de um debate entre diversas áreas das ciências

humanas; debate este que é retomado ao longo da década de 1990, mas que exibe crescimento

mais pronunciado ao longo dos anos 2000, especialmente com a crise do subprime em 2007-8. Essa tendência indica – e, em geral, confirma – o uso de financeirização como um conceito associado a leituras críticas ao funcionamento das finanças e ao capitalismo como um sistema produtor de recorrentes crises.

Nesse contexto, o objetivo geral desta dissertação é o de avançar na compreensão do fenômeno da financeirização – cuja literatura se encontra atualmente em franca expansão – que tem adquirido crescente importância tipicamente dentro da teoria econômica, mas que ultrapassa seu escopo, sendo incorporada por outras áreas das ciências sociais. Mais especificamente, pretende-se sistematizar o debate em torno desse termo, identificando possíveis linhas mestras características dessa literatura com o recurso à técnica bibliométrica como instrumento – expressa nos principais autores, abordagens e áreas – e sugerir grupos

relativamente coesos, com elementos específicos definidores e atribuindo-lhes sua importância

relativa5 dentro da literatura como um todo.

Para tanto, o capítulo 1 ocupa-se da exposição e aplicação do método da bibliometria – com as devidas ressalvas a respeito de suas limitações – que, como se procura argumentar, é

5

Mais à frente no presente trabalho, a expressão “importância relativa” deverá ser mais cuidadosamente definida. Por enquanto, é suficiente dizer que a bibliometria - e o recurso à sua visualização - é capaz de, segundo alguns critérios, fornecer aproximações para a importância que um autor ou publicação, por exemplo, podem assumir na literatura a partir de um determinado ângulo.

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capaz de sugerir um mapa – ou um panorama – geral da financeirização e indicar grupos significativos (sob diversos critérios), além de caminhos suplementares à pesquisa bibliográfica tradicional. O recurso à visualização – e cotejo dos diversos critérios bibliométricos – da rede formada pelas publicações indexadas que fazem uso do termo financeirização tem, ainda, o mérito de exibir os tipos e a intensidade de relações entre os grupos em tela – sejam autores, textos, periódicos etc. Em suma, entende-se, aqui, que a análise da rede formada pelas informações bibliográficas do que tem sido publicado com o uso do termo financeirização (em suas diversas formas) nas últimas décadas é capaz de fornecer um “retrato” relativamente fidedigno do atual estado-da-arte dessa literatura.

Parte-se, então, para o capítulo 2, que se presta à investigação aprofundada e específica das relações apresentadas anteriormente pela utilização da técnica bibliométrica e pelo mapeamento da literatura. Procura-se examinar os grupos identificados como unidades relativamente coesas, compostas por autores principais e abordagens comuns dentro de cada um deles. Com isso, devem ficar claros os diferentes pesos relativos de cada grupo para a literatura como um todo, além dos diferentes graus de sofisticação na utilização do termo. Vale dizer, por exemplo, ainda que o termo financeirização seja comum dentro da literatura que estuda o comércio global de commodities (configurando esta como uma das abordagens), é notável que este termo seja um simples “acessório” à discussão central de tais publicações. Por

outro lado, outras partes da literatura apoiam-se no neologismo financeirização, justificando-o

como uma novidade teórica e/ou histórica e o elegendo como objeto principal de suas investigações. Seu uso, portanto, estabelece-se como uma necessidade à luz de determinados desenvolvimentos ou fenômenos – tais como a crescente inclusão do consumo familiar no circuito financeiro; a estrutura em mutação da gestão das empresas, em particular, das consideradas “não-financeiras”, de maneira que se entende que a sua decisão de investimento é (negativamente) impactada pelo fenômeno; e questões, ainda, que relacionam a desigualdade, como medida em mercados de trabalho e em níveis de renda e riqueza, com a “financeirização”. Por isso, determinados grupos deverão requerer um detalhamento maior de suas conexões internas (e de suas relações com outros), em vista de sua relevância para a literatura e da complexidade do termo em suas abordagens. Devem, ainda, surgir questões que perpassam os grupos heterogêneos analisados (que devem contribuir para a compreensão geral do uso do conceito), como a financeirização associada a processos de estagnação, de elevação da desigualdade, de formas de endividamento ou aplicação da riqueza ou, ainda, como um fenômeno cuja ordem de determinação é “micro” ou “macroeconômica”.

(19)

Por último, um capítulo final encerra o trabalho com considerações à guisa de conclusão.

(20)

Capítulo 1: O panorama geral da literatura

A literatura econômica das últimas décadas, em particular aquela crítica ao mainstream

economics6, tem utilizado amplamente o neologismo financeirização para caracterizar uma série de fenômenos que teriam como resultado a maior influência das finanças, em sentido amplo, na dinâmica econômica recente. De fato, ainda que o termo conste em algumas poucas publicações associadas ao Fundo Monetário Internacional (FMI) na década de 1970 – tais como Khatkhate (1972), Bhatia & Khatkhate (1975) e Makdisi (1975) – nos quais a financeirização é entendida como uma forma de intermediação financeira das poupanças familiares, é apenas a partir da década de 1990, conforme observa Foster (2007), que a financeirização passa a ocupar uma posição crescente na literatura econômica heterodoxa em suas acepções atuais.

Como se pode notar na Figura 1.1, de pouco mais de 20 em 2008, o volume de publicações que apresentam o termo financeirização e suas traduções correspondentes para o espanhol, o francês e o português nos títulos, resumos e/ou palavras-chave passou para 281 em 2017. Esses números, que representam uma taxa de crescimento média anual em torno de 11%, indicam que os temas abarcados pelo termo financeirização constituem, hoje, um campo de pesquisa relativamente vigoroso e promissor na heterodoxia (Epstein, 2015).

Do crescente número de publicações, ademais, pode-se inferir a heterogeneidade que tem caracterizado a utilização do termo. Com efeito, é amplamente reconhecida a ausência de uma definição consensual precisa do que consiste a financeirização (Lapavitsas, 2011). Esse fato, por sua vez, tem até mesmo levado alguns autores, tais como Toporowski (2015), a questionar a pertinência da utilização da financeirização como categoria analítica. Por sua vez, Christophers (2015) trata da questão com o objetivo de buscar entender e criticar determinados usos do termo financeirização, ressaltando que, de modo geral, o conceito tem sido “esticado” (streched) demais. Seu ponto central é que “limites” devem ser respeitados, tais como limites analíticos, teóricos, “estratégicos” e empíricos7.

6

O mainstream economics pode ser entendido como aquilo que “is taught in the most prestigious universities and colleges, gets published in the most prestigious journals, receives funds from the most important research foundations, and wins the most prestigious awards” (Dequech, 2007, p. 281).

7 Limites analíticos referem-se à clareza e originalidade da identificação do fenômeno; limites teóricos, por sua vez, significariam questionar a necessidade teórica da formulação de um neologismo; limites estratégicos, que são a capacidade que o conceito teria de "aglutinar" autores; e, por último, limites empíricos, que se dão pela possibilidade de identificar e, eventualmente, "medir" o fenômeno. O autor contesta, ainda, a afirmação feita por Lapavitsas (2011, p.611) de que “o poder do conceito não pode ser contestado” por entender que o termo financeirização, em diversas abordagens, seria um neologismo usado para reflexões já feitas no passado.

(21)

Figura 1.1 - Publicações por ano (1992 - 2017)

Fonte: Scopus. Elaboração própria.

O teor polissêmico adquirido pelo termo ao longo do tempo revela sua extensa aplicação a uma ampla gama de fenômenos, que convergem apenas quanto ao papel central atribuído às finanças no capitalismo contemporâneo, em geral. A natureza dessa relevância, os mecanismos econômicos particulares que relacionam as finanças ao objeto específico de análise e até mesmo o significado das finanças são, contudo, bastante diversos.

Conforme argumenta Sawyer (2013, p. 6), de forma acertada, a definição provavelmente mais difundida do termo é a fornecida por Epstein (2005, p. 3), pela qual a “[...]

financialization means the increasing role of financial motives, financial markets, financial actors and financial institutions in the operation of the domestic and international economies”.

O fato de que essa definição é suficientemente abrangente para contemplar fenômenos socioeconômicos variados, perspectivas teóricas distintas e espaços geográficos e períodos de tempo diferentes certamente constitui uma das principais razões para sua disseminada utilização. Em geral, no entanto, os autores que fazem uso do termo o utilizam para caracterizar fenômenos socioeconômicos diversos que teriam marcado a economia capitalista a partir do final da década de 1970 e início dos anos 1980, seja considerando a financeirização como um estágio único, particular da história do sistema capitalista, seja tomando-a como expressão mais

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recente de um processo histórico recorrente do capitalismo, sobretudo das economias desenvolvidas8.

Ainda que relativamente bem delimitada no tempo e no espaço, a diversidade de objetos de análise aos quais se tem recorrido ao termo para sua compreensão pode ser atestada pelas oito características que comporiam a financeirização elencadas pela Financialization

Economy Society and Sustainable Development (FESSUD)9 Description of Work (2011, p. 3

apud Sawyer, 2013, p. 7-8):

First, it refers to the large-scale expansion and proliferation of financial markets over the past thirty years....

Second, the process has been closely interwoven with deregulation of the financial system itself and the economy more generally....

Third, financialisation, understood as both the expansion and the proliferation of financial instruments and services, has been associated with the birth of a whole range of financial institutions and markets, and corresponding acronyms, that are bewilderingly complex, quite apart from futures markets for trading in commodities yet to be produced (for which futures carbon trading is the most striking) and, infamously, subprime mortgages....

Fourth, at a systemic level, financialisation has been located in terms of the dominance of finance over industry....

Fifth, financialisation is strongly associated with market mechanisms, complemented or even reinforced by policies that have underpinned rising inequality of incomes and of inequality more generally....

Sixth, though, consumption has often been sustained by the extension of credit, not least through the use of capital gains in housing as collateral....

Seventh, it is not merely the expansion and proliferation of financial instruments and markets that are striking but also the penetration of such financing into a widening range of both economic and social reproduction—housing, pensions, health, and so on....

Finally, financialisation is associated with a particular culture which is to be

interpreted broadly....

In short, financialisation is a complex term, containing several different dimensions and aspects.

Diante da heterogeneidade que esse cenário indica, vários autores se propuseram, em maior ou menor medida, a sistematizar o debate em torno da financeirização. Dentre eles, alguns podem ser elencados, tais como Lapavitsas (2011) que traça as origens do conceito na tradição da Economia Política Marxista, marcada pela contribuição de autores como Sweezy e Baran (1966) no periódico Monthly Review, edições especiais da Historical Materialism e diversos outros autores, como Brenner (2002) e Harman (2010). Outras vertentes posteriores

8

Vercelli (2013; 2017) representa, nesse contexto, uma exceção importante ao argumentar, a partir de uma abordagem evolucionária, que a financeirização deve ser concebida como uma tendência secular, com aspectos históricos novos que tornam o período atual único, mas com traços estruturais que recorrentemente se manifestam com maior ou menor intensidade.

9

O FESSUD é um projeto de pesquisa multidisciplinar, que teve duração de 5 anos (2011-2016), com financiamento da Comissão Europeia congregando 14 universidades sob coordenação do Prof. Malcolm Sawyer. Os objetivos do projeto eram analisar a financeirização e seus impactos econômicos, sociais e ambientais com vistas a oferecer guias para os policy makers. Para maiores detalhes: http://fessud.eu/the-project/

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são consideradas, como a análise Pós-Keynesiana, que seria fortemente inspirada na ideia do “money-manager capitalism” de Minsky – marcada por autores como Epstein (2005), Crotty (1990) e Stockhammer (2004). O autor, por fim, elenca outras abordagens “heterodoxas e sociológicas”, exemplificadas pela Escola da Regulação; por autores da Sociologia – Arrighi (2007) e Krippner (2005); autores cujo objeto principal é o fenômeno do “shareholder value”, como Lazonick e O’Sullivan (2000); além de autores da geografia econômica, como Leyshon & Thrift (2007)10.

van der Zwan (2014), por sua vez, identifica três principais vertentes dentro da literatura de financeirização. Um primeiro grupo seria referente ao fenômeno como um novo regime de acumulação – marcado basicamente pela contribuição dos autores da Escola francesa da Regulação. O segundo grupo é dado pela ‘financeirização da corporação moderna’, em que o princípio de geração de valor para o acionista torna-se o guia principal de ação das firmas. Em terceiro, a autora identifica a abordagem da financeirização como um fenômeno social e cultural – a “financeirização do cotidiano” (financialization of the everyday). Nesta, o objeto da análise se desloca da firma para as maneiras pelas quais as finanças se incorporam às práticas da vida cotidiana do cidadão médio.

Vale, ainda, citar a proposta de organização de van Treeck (2009), que procura argumentar que a agenda de pesquisa multidisciplinar sobre financeirização pode ser enriquecida se a sua dimensão macroeconômica for incluída – sobretudo na questão da geração de lucros. Propõe, nesse sentido, compatibilizar teoricamente as análises microeconômicas e macroeconômicas dentro dessa literatura. Com isso, o autor identifica dois grupos principais de contribuições. O primeiro, referente a análises “firm-centered”, seria composto pela abordagem das “Variedades de Capitalismo” – representada por autores como Höpner (2005), Soskice (2007) e Hall e Soskice (2001) – e por Krippner (2005). O segundo grupo é, por contraste, dado por abordagens “estruturalistas” da financeirização, compostas pela chamada

Critical Social Accountancy School (CSA) de autores como Julie Froud e Karel Williams e

pela abordagem regulacionista francesa.

Por último, Gkanoutas-Leventis (2017) organiza a literatura em termos de dois grandes grupos compostos, cada um, por abordagens bastantes heterogêneas em seu conteúdo. O primeiro é definido por uma análise “sistêmica” do capitalismo finance-led, que, segundo o autor, é mercado pela abordagem histórica e procura analisar a dinâmica pela qual há um “descolamento” da economia financeira em relação à “real”. Todas as contribuições dessa

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vertente, assim, estariam centradas nas consequências estruturais da “ascensão” dos lucros financeiros sobre a economia. Dentre os muitos autores e linhas desse grupo encontram-se Baran e Sweezy (1966), Foster (2008), Lapavitsas (2010), Paulani (2009) e Arrighi (1994), como autores da tradição da Economia Política Marxista. A eles se somam também os trabalhos de Harvey (1982), Pike e Pollard (2010) – da geografia crítica – Krippner (2005) e Lazonick e O’Sullivan (2000). Um segundo grupo, em contraste com o primeiro, é composto por análises de cunho fundamentalmente institucional. Nele, os autores chamam atenção para “[...] how the

‘various realms of human activity are absorbed by the financial dynamics and become new elements of the financial system’” (Gkanoutas-Leventis, 2017, p.27). A financeirização,

portanto, passa a aparecer não mais como a relação entre duas esferas, financeira e “real”, relativamente autônomas, mas sim como um fenômeno segundo o qual há – na verdade, passa a haver – um relacionamento cada vez mais indiferenciado (embedded relationship) entre elas. Dentre as contribuições mais representativas o autor identifica as da Escola da Regulação francesa, a CSA, publicações de autores Pós-Keynesianos – como Crotty, Pollin e Epstein – além dos trabalhos de van Treeck e Hein (2007) e Bhaduri e Marglin (1990)11.

Com efeito, além de concorrer para uma caracterização mais adequada da literatura, contribuindo para a história da disciplina, esses esforços são necessários para facilitar a comunicação entre os pesquisadores ao tentar estabelecer as linhas mestras das principais contribuições sobre o tema. No entanto, sobretudo pelo volume crescente e já extenso de publicações sobre o tema, é possível que sistematizações dessa natureza, baseadas em pesquisas bibliográficas convencionais, pareçam limitadas pela incapacidade de ter em perspectiva parte relevante das contribuições sobre o tema. Nesse sentido, a análise bibliométrica pode servir como método complementar de pesquisa ao ampliar o volume de publicações analisadas acerca de determinado objeto e estabelecer suas relações mútuas. A vantagem da análise bibliométrica é, sobretudo, a de permitir a construção de um mapa relativamente amplo das publicações, sob vários ângulos (critérios), processo este que dificilmente poderia ser feito valendo-se de uma pesquisa bibliográfica tradicional. Ademais, a partir da análise bibliométrica, é possível também identificar principais linhas e tendências futuras no interior da literatura, mitigando os possíveis vieses e limites, inclusive de natureza física, de leitura e reflexão do próprio pesquisador que procura sistematizar o tema12.

11 Outros esforços menos extensivos de sistematização da literatura foram feitos (ver Goldstein, 2009; Davis & Kim, 2015; Epstein, 2015; Sawyer, 2016)

12 Vale ressaltar que não se pretende, no entanto, sugerir a priori que tais esforços de organização da literatura

estão “equivocados”, sob qualquer ponto de vista. O objetivo é apenas propor uma outra abordagem – ainda não aplicada ao tema mencionados –, que pode conduzir a novos resultados ou reforçar elementos já sabidos.

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Nesse sentido, o propósito deste capítulo é apresentar um panorama da literatura sobre a financeirização entre 1992 e 201713 a partir de uma abordagem bibliométrica.

Especificamente, busca-se delinear o estado da arte das contribuições sobre os temas, identificando os trabalhos e autores-chave, os principais veículos de difusão da literatura e os subcampos nos quais as contribuições acerca da financeirização têm se distribuído preponderantemente. Vale dizer, esse esforço coloca-se como o primeiro momento do trabalho, que pretende apreender a literatura sobre financeirização de modo geral de forma a identificar – e analisar – abordagens, questões e ideias internas aos grupos sugeridos.

Além desta breve introdução o capítulo está dividido em cinco outras seções. A seção seguinte dedica-se à apresentação da bibliometria como área do conhecimento científico e como técnica de análise, situando a presente dissertação em meio a outros trabalhos que utilizaram técnicas bibliométricas. Na segunda seção, por sua vez, é feita a formalização da metodologia aqui adotada e descrição dos dados utilizados. Na terceira seção, apresenta-se uma visão geral sobre o atual estado da literatura sobre a financeirização. A quarta seção dedica-se à identificação das principais linhas de pesquisa no interior dessa temática por meio das técnicas bibliométricas disponíveis pelo software VOSViewer. Por fim, na última seção, tecem-se algumas considerações finais com o intuito de sintetizar os resultados obtidos.

1. Bibliometria: dados e metodologia

1.1. Uma breve introdução à bibliometria

Embora escape ao escopo do presente trabalho uma apresentação extensiva da história e construção da bibliometria como método e como área do conhecimento científico, faz-se útil uma rápida referência à sua apreensão geral e como ela aqui se adequa aos objetivos propostos.

Há, vale dizer, um amplo debate dentro da literatura que se debruça sobre a produção do conhecimento científico, seu papel na sociedade (acadêmica e civil) e sua difusão (bem como as razões e consequências para esta última) a respeito da delimitação dos domínios de áreas como a bibliometria (bibliometrics), informetria (informetrics) e a cientometria (scientometrics) – além das próprias origens desses termos. Não há, nestas questões, consenso dentro da literatura que se ocupa delas. Pode-se separá-los, como feito por Hood & Wilson (2001), que entendem, em linhas gerais, informetrics como um campo que se ocupa da forma assumida pela difusão da comunicação científica; scientometrics como “the science of

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science”, i.e., um ramo da ciência que desenvolve métodos quantitativos para sua avaliação; e bibliometrics como uma área que procura avaliar “leis bibliométricas”14, relações dadas por

citações e usos de bibliografias (uma “library science”). A All-Union Institute for Scientific and Technical Information (1984) entende, por sua vez, o termo informetrics como uma

classificação geral, que englobaria as outras duas. Para Wilson (2001), o objeto da bibliometria

teria sempre sido preponderantemente a literatura científica em si, ao passo que a cientometria ocupar-se-ia demais do que apenas o produto de determinada literatura, como as práticas dos pesquisadores – podendo entendê-las como convenções da academia de ciências – e o

gerenciamento da pesquisa e desenvolvimento15.

De acordo com De Bellis (2009, p. 3), por sua vez, “the objective of each research area

is to analyze, quantify, and measure communication phenomena to build accurate formal representations of their behavior for explanatory, evaluative, and administrative purposes”.

Nesse sentido, ainda que se possam diferenciar os termos e que tal separação tenha relativa importância dentro de determinados estudos, de modo geral eles podem ser utilizados de maneira contínua/indiferenciada, com destaque dado à bibliometria, termo crescentemente

difundido sobretudo a partir da década de 1960. Com isso, opta-se, aqui, pela definição ampla

da bibliometria (embora não consensual) como “the quantification of bibliographic

information for use in analysis” (Garfield et al.., 1983, p. 581); pode, ainda, ser definida como

“the use of statistical methods in the analysis of a body of literature to reveal the historical

development of subject fields and patterns of authorship, publication, and use” (Heartsill,

1983).

Como mencionado, a definição e delimitação dos campos – tais como a bibliometria – é alvo de debates, mas não apenas: a própria reconstituição histórica das origens da metodologia e do termo – além do pioneirismo de determinados autores – é ainda um trabalho em andamento. Há autores, tais como Thompson & Walker (2015), que entendem que é possível retornar aos trabalhos de Alfred Lotka, da década de 1920, que procurava investigar padrões de produtividade por autores. Outros trabalhos, mais próximos do formato de publicações científicas modernas, são considerados pioneiros, tais como Cole & Eales (1917), que procuram reconstituir tendências na literatura médica sobre anatomia humana referente aos cerca de três séculos precedentes. Godin (2006), por sua vez, atribui os primeiros estudos de cunho bibliométrico a psicólogos norte-americanos, em particular James Cattell, que publicou

14 Ver Egghe (1998).

15 Para um survey relativamente amplo das muitas variações de definições desses termos, ver Hood & Wilson (2001) e Broadus (1987).

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um trabalho referente ao estado da comunidade acadêmica de psicologia e sua performance,

classificando-a em termos de “estratos acadêmicos” definidos por critérios de qualidade16 de

suas publicações (Cattell, 1903). Segundo Godin (2006), o método de Cattell de utilizar dados

para “medição” da ciência não teria precedentes17.

Com isso, De Bellis (2009) chama atenção para a primeira metade do século XX como uma época em que se associava o conhecimento científico a um caráter de cumulatividade e linearidade, de modo que a própria organização cronológica (e de volume) das publicações seria um indicador do seu avanço. De maneira representativa, o autor referencia E. Wyndham Hulme (bibliotecário do escritório de patentes de Londres no início do século 20), segundo o qual

If civilization,” he argued in 1922, “is but the product of the human mind operating upon a shifting platform of its environment, we may claim for bibliography that it is not only a pillar in the structure of the edifice, but that it can function as a measure of the varying forces to which this structure is continuously subjected. (Hulme, 1923, p. 43 apud De Bellis, 2009, p. 8)

É, no entanto, com o advento da II Guerra Mundial e o posterior contexto da Guerra Fria que são levados a cabo investimentos intensivos em uma ampla gama de indústrias pesadas, de tecnologia recente e com extensivos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Com essa expansão do dispêndio público com a guerra e pesquisas é “inaugurada” a era da “big science”. Por isso, “[...] though apparently inexorable, progress had to be supported and,

if possible, accelerated by means of adequate tools for the storing, diffusion, and retrieval of information [...]” (De Bellis, 2009, p. 11). Com o pano de fundo da busca pela hegemonia

econômica e política, os governos dos EUA e da União Soviética, portanto, passaram a desenhar estratégias de políticas de incentivo à produção científica – com o foco inicial exclusivo com o “input”, i.e., com a formação de cientistas (“mentes livres”) e alocação de recursos na produção do conhecimento. A ciência, ressalta De Bellis (2009, p.13), era

16

Não se faz no presente trabalho, ao contrário do exercício de Cattell, considerações acerca da suposta “qualidade” das publicações. Maiores considerações serão feitas a esse respeito mais à frente.

17 Estes trabalhos, no entanto, não fazem uso do termo ‘bibliometria’ (ou equivalentes). Por isso, parte da literatura ocupa-se em investigar suas origens. Pritchard (1969) reclama para si a inovação no uso do termo bibliometrics (e no uso dela como método); porém, Fonseca (1973) chama atenção para a suposta “excessiva auto-referência” dos autores anglo-saxões, que ignorariam o real pioneirismo do autor belga Otlet (1934) no uso do equivalente em língua francesa bibliométrie. Para os propósitos deste trabalho, no entanto, é suficiente reconhecer a existência do debate, convindo atermo-nos à disseminação da técnica e de autores proeminentes da área.

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entendida “as an independent, self-governing machinery inexorably running toward progress”. Porém, à parte dos indicadores simples mais difundidos (como a catalogação), “medidas” bibliométricas relativas à produção científica não seriam capazes, segundo acreditava-se à época, de captar a complexidade das interações entre ciência, tecnologia, economia e sociedade.

As décadas de 1960 e 1970 marcam, nesse sentido, a confluência de preocupações políticas crescentes com a avaliação do estado e progresso da ciência com o desenvolvimento de técnicas compatíveis18. Nessa época, alguns autores considerados importantes para essa área do conhecimento produzem obras que se tornariam fundamentais e ganham destaque nos meios acadêmico e político. Dentre eles, podemos citar Eugene Garfield, que escreveu um trabalho seminal em 1955, “Citation Indexes for Science”19, e foi o criador do Institute for Scientific

Information (ISI), em 1960, e do Science Citation Index (SCI). Para o autor, a metodologia

referente à compreensão das conexões entre

[...] hundreds of documents is a clue to the intellectual background of a piece of research and, to the extent that citations are the operation of traceable authors belonging to traceable institutions and collaboration networks, it is also a clue to its social background. Taken collectively, in fact, citations connect cited and citing authors in sociocognitive networks open to historical and evaluative judgment, thereby making citation indexes useful [...] (De Bellis, 2009, p. 59)

Também, é necessário conferir destaque a Derek de Solla Price, historiador e professor da Universidade de Yale e autor de obras consideradas seminais na área, como Little Science,

Big Science (1963) e Science since Babylon (1961). O autor delimita os limites do campo do

conhecimento cientometria/bibliometria e é um dos principais responsáveis por definir “soluções” para questões centrais à área. Partindo de uma determinada compreensão acerca do que é a ciência – como um conhecimento objetivo, universal e que é avaliado em termos de sua produção, e não da origem do pesquisador – ele argumenta em favor do uso de indicadores e análises das inter-relações da produção científica como capazes de revelar ‘leis quantitativas’20 que governam o crescimento do conhecimento. Nesse sentido, emergiria de modo claro a “estrutura comunicativa” dentro de determinada literatura com análises baseadas nas relações de citações e co-citações e com o uso do mapeamento da rede – sendo possível identificar

18 Essas décadas presenciaram o nascimento de periódicos - como Scientometrics, em 1978 -, dicionários e compêndios, além de conferências e sociedades científicas da área.

19 Além de uma extensa obra intelectual ao longo de sua vida. Ver: http://www.garfield.library.upenn.edu/. 20 Ver Egghe & Rousseau (1990) e Egghe (2005).

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trabalhos “clássicos” em todo campo de pesquisa (Price & Beaver, 1966; De Bellis, 2009). O autor chega a se referir à formulação de um mapa de todas as ciências como um “war map”, a ser utilizado por formuladores de políticas para potencialmente definir novos caminhos da pesquisa e desenvolvimento (Price, 1983).

Henry Small, por sua vez, avança nos aspectos teóricos da obra de Garfield e leva adiante o desenvolvimento das técnicas bibliométricas21. Um dos importantes avanços teóricos está na função por ele argumentada da citação como um “símbolo conceitual” (Small, 1978): fazem-se citações não exclusivamente por motivações individuais, mas sobretudo por situar suas ideias em meio a construções passadas e socialmente realizadas22. Entende-se tradicionalmente, o autor argumenta, que as referências são as “fontes”; no entanto, para ele, elas podem ser vistas também como uma maneira de atribuir significado às próprias ideias ao utilizá-las (denominado “labelling process”). Os autores e trabalhos citados, nesse sentido, incorporam – tornam-se símbolos de – determinadas ideias. Por isso, sob a condição de haver proximidade entre a citação e o conceito utilizado, bases de dados tornam-se fontes férteis para a recuperação de redes de produção e compartilhamento de conhecimento científico (De Bellis, 2009, p.61).

Um outro importante elemento das contribuições de Small refere-se à defesa da construção de “mapas” da ciência a partir de informações bibliográficas (Small, 1973)23.

Segundo ele:

A map of science is a spatial representation of how disciplines, fields, specialties, and individual papers or authors are related to one another as shown by their physical proximity and relative locations analogous to the way geographic maps show the relationships of political or physical features on the Earth (Small, 1999, p.799)

21 Apoia-se em discussões de filosofia da ciência - em intenso debate teórico com Thomas Kuhn - e em abordagens advindas da antropologia e linguística, associando o uso de citações a “símbolos” e “signos”. O autor trava longo diálogo com Thomas Kuhn, que contestava o poder que “medidas” bibliométricas (e de sua visualização) teriam de indicar “paradigmas” ou ideias dominantes (em seus termos, a “normal science”). Para Kuhn, a única utilidade da bibliometria seria a de, em alguns casos, sugerir determinadas “especializações” dentro de algumas áreas. Small (2003), no entanto, procura argumentar em favor da técnica bibliométrica como capaz de representar certos arranjos sociais e conceituais acadêmicos - a partir de uma reinterpretação da abordagem kuhniana. Talvez seja necessário, argumenta, abordar o caminho dos paradigmas científicos de maneira contínua - em detrimento do entendimento das “revoluções científicas” como momentos de “destruição” plena do paradigma anterior. O autor possui extensa produção científica na área; ver Small (1973, 1974, 1977, 1978, 1980, 2003, 2006).

22

“The idea may or may not coincide with that of the citer, but, to the extent that it does, as is often the case in

scientific papers, the reference itself can be regarded as a simple and relatively stable symbol of that idea, a concept symbol” (de Bellis, 2009, p.60).

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Trata-se, assim, de uma forma de representação do conhecimento capaz de facilitar a organização e compreensão de relações e desenvolvimentos conceituais. Segue o autor: “If we

can visually spot literatures not directly related to one another but perhaps indirectly related, such topics may be good candidates for combinations and knowledge synthesis” (Small, 1999,

p.799). De fato, até mesmo as formas aparentemente menos “intrusivas” de mapeamento da realidade não escapam de distorcê-la: ao desenhá-las, opta-se por rever certos elementos em detrimento de outros. Assim, a capacidade de fornecer informações relevantes de tais mapas é diretamente resultado das premissas teóricas acerca da lógica e papel das citações de textos científicos (e deles como grupos), das técnicas utilizadas e da qualidade das bases de dados. Entende-se aqui que:

Published scientific documents are not simply literary artifacts, but nodes of communicative networks where a conventional consensus among individual scientists about the linguistic (and bibliographic) carving of the details in the common landscape they contemplate (or construct) has to be reached (De Bellis, 2009, p.155)

A consideração das ligações (e consequentes redes) de critérios de citações devem ser consideradas por refletirem a dinâmica da comunidade científica – entendida em geral ou também quando aplicada a certos grupos ou disciplinas particulares24. As citações “[...] do not

link simply documents, they link ideas and arguments, and the connections are both internal to each subject area and transversal to multiple areas” (De Bellis, 2009, 163).

Entretanto, é também a partir da década de 1970 – quando são publicados trabalhos de grandes nomes da área, como Garfield, Price, Small e Merton – que reações contrárias ao uso da bibliometria se avolumam no meio científico. Em parte, esse movimento emerge como uma reação de sociólogos e cientistas da informação ao suposto excessivo caráter positivista das defesas em favor da técnica bibliométrica. Dentre eles, podem-se tomar como representativas (e amplas) as críticas feitas por Ravetz (1971) e MacRoberts & MacRoberts (1987).

Ravetz (1971), partindo da prática da ciência como uma “atividade social organizada”, a vê como composta pelo objetivo coletivo em favor do avanço do conhecimento. Do ponto de vista da atividade individual do cientista, isso significa seu comprometimento no sentido da resolução de determinados problemas. Como consequência de sua atividade, o cientista precisa difundir seus avanços para a comunidade científica e para a sociedade, em que se soma sua necessidade de “colher os frutos” de sua pesquisa. Nesse sentido, Ravetz (1971) ressalta o

24 Até mesmo eventuais ausências (e erros ou imprecisões) advindas deste tipo de análise devem ser tomadas como indicativos relevantes.

(31)

caráter peculiar da produção científica como uma propriedade privada que apenas se torna realidade – “comes into existence” – quando é passível de uso por outros. Modernamente, isso quer dizer que o autor precisa publicar em periódicos de sua área – que estariam disponíveis para qualquer um em qualquer parte – para a difusão de seu trabalho e autenticação e proteção de sua propriedade.

O único “custo” que lhe é exigido é a utilização de referências, que teriam previamente passado pelo mesmo processo, cujos resultados já são aceitos pela comunidade científica. Para ele, “in addition to its other functions25, the citation thus represents a payment for use of the material; the author of the original paper derives continuing credit from this evidence of the quality of his work” (Ravetz, 1971, p. 247). No entanto, o autor chama atenção para a infinita

multiplicidade de usos que a citação pode assumir, uma vez que

[...] the relations between an existing result and a new one, are as complex as the history of a solved problem. The material may be crucial, or merely incidental in the argument; it may have been central to the first formulation of the problem, or merely a late addition; and it may have been used as it was published or required extensive re-working. In all these dimensions, there is a continuous and complex scale from complete dependence to near independence (Ravetz, 1971, p. 257).

Nesse sentido, a análise de citações – e, por extensão, de sua rede – tornar-se-ia impossibilitada pelas diferentes e incomparáveis dimensões contidas em cada citação realizada. MacRoberts & MacRoberts (1987), por sua vez, indicam que apenas cerca de 30% das referências (de uma vasta amostra de publicações) foram explicitadas26, além de que “[...] many scientists contribute significantly to scientific progress but receive little or no credit by way of citations, awards, and so forth, for their contributions” (MacRobers & MacRoberts, 1987,

p.294). Para eles, a citação exerce o papel de persuasão, e não a obrigação desinteressada do pesquisador de conceder crédito àquele que o detêm.

No entanto, o que aqui se argumenta – e que deverá ficar mais claro com ao longo da análise dos resultados da técnica bibliométrica – é que, a despeito do caráter complexo da lógica e uso das citações, a experiência empírica revela que a análise de citações se localiza justamente entre a “completa dependência” e a “irrelevância”27 (Ravetz, 1971, p. 257). A próxima seção

25 Suas “outras funções” sendo a de introduzir a fonte citada dentro de sua própria argumentação, e também a de partilhar a propriedade de seus avanços com a fonte.

26

Seu objetivo, neste ponto, é o de indicar um alto grau de generalidade em problemas como este.

27 Em outras palavras, dada a existência da citação (ou mesmo de sua alta frequência), não se pode provar ex ante

um uso específico para ela, nem mesmo é possível descartá-la enquanto fonte de informações úteis à caracterização de certa literatura.

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