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1. Bibliometria: dados e metodologia

1.2. Algumas utilizações da técnica bibliométrica

Dentre as diversas aplicações da técnica bibliométrica na área das ciências sociais e, em particular, da ciência econômica, alguns estudos podem ser tomados como representativos – por seus resultados e pelas suas abordagens comparáveis àquela aqui apresentada. De modo geral, esses estudos têm como ponto de partida e justificativa comuns o entendimento das informações bibliográficas como pertinentes a uma caracterização ampla (um overview) de determinada literatura ou de uma disciplina29.

Lee et al. (2010) exploram o impacto que a avaliação de periódicos e de faculdades que oferecem cursos de pós-graduação na área de economics sobre o ingresso de novos pesquisadores nessa área, além do forte incentivo no sentido da produção de um único determinado tipo de conhecimento. As medidas bibliométricas utilizadas para avaliar os mais amplamente difundidos e influentes periódicos em Economia30 – com suas consequências sobre os mais bem-conceituados núcleos de Economia das universidades nos Estados Unidos – privilegiam exclusivamente as publicações que aderem à metodologia dominante do

mainstream economics31, em contraste com autores e abordagens heterodoxas, estes bastante mais variados e menos internamente consensuais. Para os autores, a Economia deve ser compreendida como uma disciplina ‘em disputa’, de modo que o “conhecimento científico” é definido pelas regras e práticas de seu grupo mais representativo (acadêmica e politicamente): o mainstream. Implicitamente entende-se, com esse tipo de métrica, um conhecimento científico homogêneo e caracterizado pela normal science de Thomas Kuhn. Por isso, uma métrica única que procura avaliar a qualidade das publicações – no caso discutido pelos autores,

29 A aplicação de técnicas bibliométricas variadas tem crescido de maneira significativa nas décadas recentes. Em especial, diversos estudos das áreas de medicina e ciência da informação têm derivado resultados relevantes para suas respectivas áreas. Para alguns exemplos, ver (Rosvall & Bergstrom, 2008; Costas et al, 2015; Abraham & Michie, 2008). No presente trabalho, restringimos as atenções a aplicações consideradas mais próximas daquelas aqui adotadas em termos metodológicos e de conteúdo. Particularmente, o trabalho de Flis & van Eck (2017) procura identificar áreas e linhas de pesquisa dentro da disciplina da Psicologia ao longo de cinco décadas, esforço comparável ao aqui apresentado.

30

Em grande medida dadas pela consideração - seletiva em termos de periódicos - do SSCI (Social Sciences Citation Index) como uma medida do fator de impacto.

31 Vale ressaltar, os autores neste artigo não diferenciam “mainstream” de “ortodoxo”, como feito anteriormente aqui.

dos Estados Unidos – deve levar em conta também as divergências metodológicas e conceituais de diversos grupos da heterodoxia (Lee et al, 2010, p. 1350), que tenderiam a se concentrar nos campos da macroeconomia, história do pensamento econômico e organização industrial.

Para os autores, no entanto, não é necessário reformular plenamente a forma de avaliação dos periódicos e, em consequência, das universidades americanas. Sugerem a adição de periódicos heterodoxos considerados de alta qualidade dentro dos índices já existentes – construindo um “quality index” que é capaz de incorporar o mainstream e o heterodox

economics. Com isso, pretendem dar espaço também a centros de grande produção heterodoxa,

dentre os quais, de acordo com as suas estimativas, Universidade de Kansas City, Universidade de Massachusetts-Amherst e a New School University.

Em sentido semelhante, Cronin (2010) busca analisar a estrutura de rede de citações entre os principais periódicos em Economia – em sua maioria norte-americanos de circulação internacional. Suas atenções voltam-se, à semelhança de Lee et al (2010), à difusão da normal

science do mainstream economics, que se configura como uma barreira relevante (mas não

intransponível) à heterodoxia. Segundo o autor, esta, na condição de “desafiante” ao conhecimento já estabelecido, deve fornecer soluções para questões ainda a serem resolvidas pela ciência econômica e deve tratar com maior precisão questões tradicionais da disciplina. O autor sugere uma relação hierárquica do tipo centro-periferia na própria estrutura de citações entre periódicos de Economia. Argumenta que o caráter disciplinador da difusão do conhecimento científico é particularmente relevante no caso da heterodoxia econômica, uma vez que “as a field self-defined outside the disciplinary core of economics, heterodox

economics faces the challenge of maintaining its own core while developing complementarity with the hierarchically ordered adjacent fields” (Cronin, 2010, p. 1479).

Com a análise da rede de citações entre periódicos de maior impacto do mainstream e da heterodoxia, o autor pretende sugerir estratégias para que os autores pertencentes a este último grupo construam maior influência no plano geral da disciplina. Segundo ele, pode-se, com isso, identificar periódicos estratégicos que permitam uma delimitação clara e objetiva das características fundamentais de determinadas abordagens (framing) da heterodoxia. Isso permitiria contato mais direto com enquadramentos adjacentes – marcadamente, do

mainstream. Vale ressaltar, determinados periódicos mostram-se mais (ou menos) apropriados

de acordo com a área da publicação. De modo geral, no entanto, pode-se atribuir relevância a revistas acadêmicas tais como o Cambridge Journal of Economics (CJE), Journal of Post-

Journal of Economics Issues (JEI) e Economy & Society (ES) como periódicos capazes de

estabelecer diálogo com o mainstream e a literatura econômica como um todo.

Claveau e Gingras (2016), por sua vez, procuram avaliar a “macrodinâmica” da disciplina Economia a partir de 1950 até 2014. A aplicação da bibliometria permite-lhes a análise da estrutura interna da ciência econômica em permanente mutação e a identificação dos caminhos seguidos pelas diversas “especialidades”. Para isso, o domínio economics é definido baseado na classificação de periódicos pela base de indexação Thomson-Reuters Web of Science e a unidade de análise “os documentos que são publicados em periódicos reconhecidos como relativos àquela disciplina” (Claveau e Gingras, 2010, p. 556, tradução minha). Os autores estabelecem intervalos de tempo de cinco anos, que permitiriam uma avaliação temporal da difusão do conhecimento e que é capaz de lidar com os lags característicos do processo de pesquisa e publicação.

Com isso, sete são os principais clusters identificados. Primeiramente, o cluster “modelos econométricos”, cuja principal publicação determinante é, segundo os autores, o artigo de White (1980) sobre heterocedasticidade. Com o passar dos anos, este grupo veria um desenvolvimento marcado da econometria de séries temporais e da microeconometria. Um segundo cluster, “financial economics”, é definido por termos como “stock” e “risk” e marcado por contribuições como Debreu (1980), Jensen & Meckling (1976), Black & Scholes (1973) e Kahneman & Tversky (1979). Outro cluster é referente a contribuições clássicas na área de “Development and Trade”, tais como Hirschman (1958) e Rostow (1960). Este grupo, sobretudo a partir da década de 1980, passa a concentrar sua produção na área do crescimento econômico, apoiado em autores como McKinnon (1973), Romer (1986) e Lucas (1988). O

cluster “industrial economics”, em seguida, tem dentre suas referências seminais Bain (1956).

A partir da década de 1980, este grupo converge para a abordagem da Nova Economia Institucional, representada por Oliver Williamson (1975, 1985) e North (1990). O quinto

cluster, “public finance”, é uma sucessão de especialidades ao longo das décadas, como

gerenciamento eficiente de recursos públicos, economias regionais e urbanas e análise econômica de políticas públicas. O sexto cluster, por sua vez, “macroeconomic and monetary

issues” tem como sua principal referência a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de

Keynes, até meados da década de 1980. A partir de então, este mesmo grupo passa a fazer uso de métodos quantitativos associados a estes temas, com a principal referência sendo Engle e Granger (1987). Vale, por último, elencar o cluster cujo foco é a aplicação da ciência econômica à educação e mercado de trabalho. Até a década de 1980, têm como referência central o trabalho “Capital Humano” de Gary Becker (1964); a partir desse momento questões

relacionadas ao mercado de trabalho em que se utilizaram métodos microeconométricos ganham força, tais como atestado pela enorme popularidade de Heckman (1979). A partir dos anos 2000, no mesmo sentido, adquirem expressão os livros de Greene (1993) e Wooldridge (2002).

Em suma, a análise bibliométrica dos autores descreve uma série de sucessões de especialidades ao longo das décadas dentro da literatura em Ciência Econômica, subdivisões e até mesmo fusões de determinadas áreas. Concluem, ao comparar a estrutura cognitiva da produção científica da disciplina com outras áreas do conhecimento, indicando que os economistas, de modo geral, tenderiam a contribuir para a literatura de modo menos “especializado” do que, por exemplo, os cientistas da área da física teórica.

Teixeira (2013) procura investigar os principais elementos da literatura de Sistemas Nacionais de Inovação (SNI), além de avaliar suas principais referências e influências que ela exerceu sobre o restante da Ciência Econômica. A autora realiza um overview bibliométrico da literatura de SNI de 1991 a 2010 (pelos dados disponíveis nas bases Econlit e Scopus). Três categorias de estudos são identificadas: 1) conceituais/teóricos; 2) descritivos, que podem ser focados em questões de Ciência & Tecnologia, em prescrições de políticas econômica ou na transferência de tecnologia entre ciência e indústria; e 3) modelos analíticos. Avaliando o período como um todo, observa-se que cerca de metade dos estudos em SNI são descritivos (ciência & tecnologia ou orientações de política), que continuamente perdem importância ao longo dos anos para, sobretudo, questões de transferência de tecnologia da ciência para a indústria. Ainda nesse aspecto, estudos de cunho histórico-institucional – tal como feito por Freeman – ganham também amplo espaço dentro da literatura.

Dentre as origens teóricas da literatura, a autora identifica algumas contribuições seminais de autores tais como Nelson, Lundvall e Freeeman – estes, dentre outros pesquisadores da área, tiveram passagens pela Universidade de Sussex, considerada o principal centro de pesquisa sobre o tema. Dois trabalhos constituem as principais referências: “National

Systems of Innovation: Towards a Theory of Innovation and Interactive Learning” (Lundvall,

1992) e National Innovation Systems: A Comparative Analysis (Nelson, 1993).

A literatura de SNI permanece, até os dias de hoje, mais como um “arcabouço conceitual” do que uma teoria (Teixeira, 2013, p. 208), ainda necessitando maiores desenvolvimentos formais e cujo grau de generalidade permita recomendações e aplicações de políticas econômicas – particularmente industriais – em diferentes configurações institucionais

nacionais. Para isso, no entanto, são ainda necessários estudos que “formalizem”32 com rigor a

abordagem SNI e avancem nas “microfundamentações” do conhecimento já aceito na área. De modo semelhante, Olczyk (2015) adota como objeto a literatura que trata da competitividade internacional (international competitiveness) – entre produtos, firmas e mercados – que assume, assim como a literatura de SNI, relevância acadêmica e também política nas décadas recentes. Diferentemente, no entanto, a autora chama atenção para a dificuldade de tratar a literatura de modo homogêneo pelas suas grandes diferenças internas entre conceituações e abordagens. Trata-se de um conceito multidisciplinar que, mesmo quando entendido dentro da Ciência Econômica, apresenta sensíveis diferenças teóricas entre as várias contribuições33.

A literatura de competitividade internacional tem seu início na década de 1970, ainda fortemente influenciada pela teoria das vantagens comparativas, com contribuições de modelos de competição monopólica e oligopólica com ganhos de escala, como em Dixit & Stiglitz (1977). A partir desse momento – em particular, na década seguinte – os trabalhos passam a apresentar algumas diferentes linhas de pesquisa, tais como modelos econométricos baseados em teoria de produtos diferenciados e medidas de ganhos advindos da liberalização comercial; avaliações de impactos de regulações domésticas no fluxo internacional de comércio; e determinantes da localização da produção e seu impacto. De acordo com a análise de co- ocorrência de termos34, quatro principais clusters são identificados: 1) trade cluster, focado na influência de regulações e políticas; 2) export cluster, que trata o conceito como sinônimo de performance de exportações; 3) location cluster, focado em questões de Investimento Direto Externo (IDE); 4) knowledge and institutions cluster, cujo principal tema é o papel do capital humano na competitividade de um mercado.

De modo geral, o conceito de competitividade, argumenta Olczyk (2015), vem em grande medida de modelos de concorrência e é definido e medido pelo comércio internacional e performance da balança comercial, para os quais contribuições seminais foram feitas por Krugman, Fragerberg e Balassa. Em anos mais recentes, as abordagens baseadas no conceito de capital humano e em questões de regulações ambientais têm apresentado crescente volume de publicações e influência no todo da literatura.

32 Para a autora, a “formalização” refere-se à construção e especificação necessariamente matemática de determinada teoria.

33

“The concept of international competitiveness seems to be based on so many theories that a single generally

accepted theory of international competitiveness may never be accepted” (Olczyk, 2015, p.450/451)”. O trecho

dialoga de maneira próxima com o presente trabalho sobre a literatura de financeirização. 34 A construção lógica e especificação desta análise será explorada adiante.

Com a exposição acima de estudos bibliométricos aplicados, em particular, à economia pretendeu-se demonstrar a relevância deste método para uma compreensão ampla e sistemática de determinado tema, disciplina ou de relações sociais/políticas/econômicas imbuídas na produção do conhecimento.

2. Descrição dos dados e aplicação do método bibliométrico