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Por uma síntese: as linhas principais da literatura macroeconômica de financeirização

Capítulo 2: Análise dos grupos identificados

2.1. Grupo “macroeconômico”: Modelos Kaleckianos/Pós Keynesianos e Economia Política

2.1.4. Por uma síntese: as linhas principais da literatura macroeconômica de financeirização

Do exame conjunto dos dois agrupamentos acima identificados, é possível indicar algumas linhas principais no interior da literatura macroeconômica da financeirização45. A presente seção, deste modo, pretende tratar em maior detalhe as ligações internas aos subgrupos elencados.

Primeiramente, é identificada a vertente dos autores, aqui denominados, pós- keynesianos – também fortemente apoiados em Kalecki – que tratam a financeirização pela via da construção de modelos macroeconômicos. Dentre seus principais representantes, como adiantado, estão Eckhard Hein, Stockhammer, van Treeck e Skott. O objetivo central dessa

45 Importante ressaltar, os grupos abaixo sugeridos não seguem de maneira exata os clusters indicados. O mapeamento acima presta-se, principalmente, à identificação de autores centrais (e publicações importantes) e temas emergentes dentro de um grupo já relativamente coeso. Como deverá ficar claro adiante, parte dos motivos pelos quais determinados autores e publicações aparecem próximos uns dos outros é dada pelo debate realizado entre eles (uma vez que o compartilhamento de referências sugere um diálogo mais direto).

vertente consiste em, uma vez delimitado o contexto do fenômeno da financeirização, identificar seu impacto sobre as decisões de gasto, em particular o investimento e o consumo – portanto, no agregado, sobre a trajetória da acumulação – e, assim, sobre o crescimento econômico. Para isso, introduzem a financeirização por meio da consideração da lógica de maximização do valor acionário e da crescente dependência do consumo em relação ao acesso ao crédito e efeito-riqueza. De modo geral, entendem ter havido uma inflexão na estrutura de controle corporativo em nível internacional – com destaque para as economias mais avançadas – na década de 1980, cujos impactos seriam demonstrados por variáveis-chave, como acumulação, distribuição da renda e acordos políticos e comerciais. Tais mudanças, concomitantes à conformação de maiores e novas instituições financeiras – como a figura emergente dos investidores institucionais – teriam sido levadas a cabo pelo processo de liberalização dos mercados aliado ao desenvolvimento de tecnologias de informação (Hein & van Treeck, 2010). Skott (2008) ressalta, ainda, a mudança nos objetivos de política monetária dos bancos centrais – estabilidade de preços como meta única – e maior acesso das famílias ao sistema de crédito para consumo. Dentro de tais mudanças, a figura do acionista emerge.

De modo geral, os autores deste grupo identificam e conferem destaque ao fenômeno referente à mudança da relação entre investimento e lucros auferidos, sobretudo a partir da década de 1970. Segundo eles, esperar-se-ia que uma tendência de elevação dos lucros indicasse um movimento semelhante de crescimento do investimento das firmas. Isso, no entanto, não ocorre. Países como a Alemanha apresentam um investimento como proporção dos lucros em cerca de 80%, em 1970, passando para 60%, na década de 2000; o Reino Unido, no mesmo período, passa de 65% para 50% (Stockhammer, 2005, p. 197). Assim, haveria um “puzzle interessante” a ser explicado: a tendência declinante do investimento desde a década de 1980 ao mesmo tempo em que a rentabilidade das empresas se elevava. De uma perspectiva keynesiana, significa questionar as razões pelas quais uma menor parte dos lucros passou a ser investida, e como podem ser realizados lucros crescentes diante de baixos níveis de investimento (Stockhammer, 2005). Um ponto de crítica inicial comum a eles é a percepção da necessidade de reformular a teoria da firma na abordagem pós-keynesiana, de modo a tornar compreensíveis as mudanças estruturais recentes definidoras da financeirização. Stockhammer (2005) ressalta que

As an institution, the firm is subject to changes according to the social structures and institutional arrangements that it is based on. The social structures include the relative power positions of labor (and other stake-holders), management, and shareholders (Stockhammer, 2005, p. 202)

No mesmo sentido, Stockhammer (2012) argumenta

[...] that financialization has micro economic as well as macro aspects. In other words: financialization has transformed how economic actors (households, workers, firms and financial institutions) perceive of themselves, what goals they pursue and what constraints they face (Stockhammer, 2012, p. 40)

Por isso, não se poderia ignorar o papel assumido contemporaneamente por atores como acionistas, trabalhadores e gerentes numa estrutura de firmas cuja “função financeira” ganha espaço. Dallery (2009), então, ressalta tentativas anteriores, como em Lavoie (1992), de agregar esse fenômeno dentro da firma pós-keynesiana e procura caracterizar a nova dinâmica. Pretende com isso demonstrar a necessidade (e possibilidade) de incorporar a nova lógica financeira dentro da teoria pós-keynesiana/chandleriana da firma.

Partem do fato estilizado abordado pela literatura (van Treeck, 2009): a existência de um trade-off entre o crescimento da firma no longo prazo e a rentabilidade no curto prazo, mensurada pelo preço das suas ações nos mercados financeiros. Nesse trade-off estaria posto o conflito entre as prioridades de acionistas e de gerentes e os mecanismos de alinhamento do comportamento destes aos anseios daqueles. De maneira representativa, Hein (2012) afirma:

Management’s desire for growth is constrained through, in particular, higher dividend payouts demanded by shareholders, a weaker ability of firms to obtain new equity finance through stock issues (which tend to decrease share prices), a larger dependence on leverage, and an increased threat of hostile takeovers in a liberalized market for corporate control (Hein, 2012, p. 37)

Desse ponto de vista, portanto, essa nova lógica de gestão empresarial é impactada por dois canais principais: 1) diminuição da disponibilidade de recursos para autofinanciamento da firma; 2) pela nova “prática gerencial”, sobretudo das maiores corporações, cuja remuneração é crescentemente atrelada ao desempenho financeiro das ações. Em sentido semelhante, as famílias são negativamente afetadas, em termos de sua capacidade de consumo – pela diminuição do wage-share – e, ao mesmo tempo, positivamente pelo acesso facilitado e mais barato ao crédito e de seu envolvimento crescente em aplicações financeiras46.

46 Embora, conforme mostram alguns estudos (van Treeck, 2008; Skott & Ryoo, 2008), essa parcela seja dominada por um grupo bastante pequeno de famílias.

Com isso, os autores procuram definir as condições segundo as quais o efeito dessas mudanças, compreendidas no contexto da financeirização, deverão impactar o regime de acumulação, isto é, “[...] the macroeconomic pattern of phases of capitalism, based on specific

institutions settings or trajectories” (Stockhammer, 2012, p. 48)47. Por um lado, o investimento em capital fixo é restringido pelas demandas financeiras junto às firmas, que encontram dificuldades crescentes em utilizar recursos próprios para a expansão de suas atividades, com o agravante de que a capacidade de consumo (a partir da renda do trabalho) é declinante. Por outro lado, o que se identifica, ao mesmo tempo, é a construção de um aparato institucional- financeiro que facilita, barateia e incentiva o acesso das firmas e das famílias ao mercado financeiro, ampliando sua alavancagem. Por isso, um elemento que atravessa a construção teórica e investigação empírica de diversos autores (como em Stockhammer, 2005) é a ideia de haver um “efeito-riqueza financeira”. A questão que se coloca, então, é a seguinte: será esse efeito capaz, e sob quais condições, de induzir um novo tipo sustentado de crescimento? Em outras palavras, qual o efeito líquido da financeirização assim concebida sobre a trajetória da economia?

Dallery (2009) sugere haver um efeito necessariamente negativo sobre a dinâmica de acumulação pelo “sacrifício excessivo” – como salários deprimidos, endividamento crescente e fragilidade financeira elevada – para garantir as altas taxas de retorno demandada pelos mercados financeiros. Stockhammer (2005), conclui que o efeito da riqueza financeira é pequeno sobre o consumo, de modo que o maior poder do acionista deve ser negativo sobre o produto e crescimento – além de afetar também negativamente a relação investimento/lucros. Hein & van Treeck (2010), por sua vez, analisam as configurações – “constelações de parâmetros” – capazes de gerar diferentes regimes, tais como o 1) finance-led, 2) “profits-

without-investment”, e 3) “contractive”. Apenas no primeiro cenário haveria um efeito líquido

positivo sobre as “variáveis reais” da transferência de rendimentos para as aplicações financeiras48.

Já Orhangazi (2008)49, após elencar uma série de abordagens para financeirização, sugere duas faces do fenômeno. Em primeiro lugar, a financeirização, de modo geral,

47 Nesse ponto, vale ressaltar que esses autores aceitam a análise da Escola da Regulação (Boyer, Aglietta, Rebérioux, Plihon) acerca da possibilidade de um regime finance-led. Para o grupo aqui analisado, este é um regime determinado por uma conjuntura específica de parâmetros de seus modelos.

48

No entanto, o próprio Hein já se posiciona: “We doubt that in an era of financialization an increase in Tobin’s

q triggered by increasing shareholder power, share buybacks, increasing dividend payments and enforced changes in management’s preferences should be considered to cause rising real investment” (Hein, 2012, p.43).

49 Este autor, embora pertencente ao cluster verde, mostra-se bastante próximo do grupo de autores que utilizam os modelos pós-keynesianos/kaleckianos (cluster azul, Figura 2.1).

corresponderia a: “[...] an increase in the size and significance of financial markets,

transactions, and institutions in the modern macroeconomy” (Orhangazi, 2008, p.81). Esse

processo, segundo o autor, teria se iniciado com as novas estruturas de governança corporativa, da década de 1980, e com a “revolução do shareholder value”, na seguinte. O autor passa, no plano histórico, do novo funcionamento dos fluxos de capitais entre os mercados financeiros e as non-financial corporations (NFCs), para então analisar teoricamente as relações entre esses setores da economia. De maneira semelhante a Lapavitsas (2011), busca explicar a dinâmica pela qual diminui a importância dos mercados financeiros como financiadores tradicionais (principalmente bancos), ao mesmo tempo em que esses mercados crescem significativamente em tamanho. Em segundo lugar, Orhangazi (2008, p. 6) sugere uma utilização específica (firm-

level), segundo a qual a financeirização “[...] designate[s] changes in the relationship between the nonfinancial corporate sector and financial markets”. Neste segundo caso, dois aspectos

teóricos são ressaltados e empiricamente confirmados, segundo o autor, para a economia dos EUA: 1) as corporações não-financeiras passariam a aplicar porções crescentes de seu capital nos mercados financeiros (portanto, menos em investimentos), elevando seus ganhos não- operacionais; 2) as corporações não-financeiras, ainda, estariam sujeitas a pressões de suas fontes financeiras de capital no sentido de elevar suas compensações já no curto prazo, reduzindo a disponibilidade de fundos para autofinanciamento. Em ambos os planos de análise, o objetivo do autor é a avaliação teórica e empírica sobre os impactos da financeirização (assim definida) sobre o nível de investimento, já que “the growth of an economy ultimately depends

on the accumulation of physical capital and the technology it embodies” (Orhangazi, 2008,

p.93).

Em suma, a financeirização, nesse grupo, é analisada basicamente pela via do crescente

poder dos acionistas, e seu reflexo no desempenho fraco do investimento, e pela crescente

dependência do consumo ao acesso aos mercados financeiros. Nesse quesito, a financeirização tenderia a afetar a capacidade de consumo das famílias – por conta do efeito-riqueza e do acesso ao endividamento, este como resposta necessária ao salário declinante. Sobre a distribuição, entende-se que o fenômeno tem efeitos negativos sobre o wage-share (além de elevar a desigualdade dentro do próprio grupo dos trabalhadores, particularmente no que se refere aos

white collars e os blue collars).

Um segundo subconjunto (menos coeso do que o anterior) reflete, por sua vez, a discussão da financeirização como um fenômeno associado ao endividamento das famílias e

firmas não-financeiras50 de um ponto de vista agregado. Em outras palavras, a figura e o papel do acionista aparecem, neste grupo, sob uma abordagem institucional: o que ela significa em termos da riqueza dos principais agentes (ou classes) e dos arranjos formais-institucionais. Nesse sentido, autores como Krippner (2005), Lapavitsas (2011, 2013) e Lapavitsas & Powell (2013) representam importantes referências para este grupo. Krippner (2005, p. 176), seguindo a leitura de Arrighi (1994), vê o fenômeno da financeirização como referente a um padrão cíclico de acumulação “[...] in which profits accrue primarily through financial channels rather

than through trade and commodity production”. Argumenta, nesse sentido, que análises

centradas ao nível da firma são severamente limitadas. A temática do poder do acionista, portanto, apresentaria alguns problemas, tais como a questão do sentido de determinação: ela teria vindo de ‘dentro’ das corporações não-financeiras, pelos gerentes, ou imposta pelo setor financeiro, os ‘outsiders’? Afirma:

Yet neither an examination of the growing orientation of managers to financial variables nor of the changing nature of transacting in financial markets informs us as to the overall shape assumed by an economy dominated by such activities (Krippner, 2005, p.175)

Para ela, assim, é necessária uma abordagem que dê conta de mudanças profundas da economia do ponto de vista sistêmico: a questão central está onde são gerados os lucros na

economia e não mudanças no emprego ou mix de bens e serviços. A financeirização, assim,

refletir-se-ia, por exemplo, na expansão dos bancos, casas de corretagem, empresas do ramo financeiro e também no comportamento financeiro das empresas não-financeiras. Um dos principais “índices” da financeirização é, em seu artigo, a proporção de ganhos financeiros das empresas não-financeiras (FIRE51), que apresentam tendência de crescimento de longo prazo nos Estados Unidos a partir de 195052.

Lapavitsas (2009, 2011, 2013), por sua vez, situa o conceito da financeirização no âmbito da tradição da economia política marxista, colocando-o como uma “epochal change” do capitalismo recente – comparável à revolução industrial de fins do século XIX. Tal transformação, iniciada com o fim de Bretton-Woods e a inauguração de novos acordos monetário-financeiros, teria sinalizado o fim de uma longa e próspera era e dado início a um

50

Essa questão é explicitamente presente no grupo anteriormente tratado, mas não constitui nele o objeto de análise.

51 FIRE é a sigla para o setor composto por Finance, Insurance e Real Estate.

52 Com destaque para uma dinâmica qualitativamente nova, que se apresenta com maior clareza a partir da década de 1980.

período de repetidas crises – como o recente estouro da bolha subprime (Lapavitsas, 2009). Argumenta que:

The theoretical and empirical point of departure is the notion that financialization represents a structural transformation of advanced capitalist economies, and its roots must therefore be sought within the fundamental relations of non-financial enterprises, financial enterprises and workers (Lapavitsas, 2013, p. 798)

Seria necessário, portanto, uma explicação para as práticas de tais agentes53. Em linhas gerais, a abordagem do autor, nesse sentido, requer a análise da nova configuração do setor não-financeiro, mas não apenas: é necessário explicitar a dinâmica financeirizada que envolve também as famílias e os bancos (incluindo os bancos centrais). Segundo Lapavitsas (2009), as grandes corporações internacionais não-financeiras tornaram-se cada vez menos dependentes dos empréstimos bancários tradicionais. Isso significou, historicamente, o seu menor comprometimento com os bancos e maior relacionamento direto com os mercados financeiros tanto pelo lado dos ativos – aplicações proporcionalmente maiores – como pelos passivos, uma vez que o seu principal financiamento teria sido pela emissão de bonds (Lapavitsas, 2011).

Ao mesmo tempo, os bancos – desde o fim de Bretton-Woods Agreements e com o desenvolvimento de instrumentos financeiros complexos – passaram a reestruturar sua atuação

em nível sistêmico. A atuação dos bancos como emprestadores tradicionais não tinha mais

lugar. Esse movimento, assim, significou a conversão dos bancos em verdadeiras praças

financeiras, nas quais passaram eles próprios a negociar (e especular) nos mercados financeiros

diversos. Não apenas: a farta liquidez dos bancos – advinda dos novos instrumentos e da desregulamentação dos mercados de capitais – passou a ter as famílias como principal mercado. Esse processo passou a constituir um mercado de atacado de crédito (insuflado pelo advento da securitização), cuja justificativa principal foi a da diluição ampla do risco e a inevitabilidade da alocação mais eficiente das massas de riqueza.

As famílias, por sua vez, teriam passado pelo processo de financeirização de suas

rendas, em grande medida relacionado à precarização de suas condições de trabalho e perda de

direitos sociais. O objetivo dos trabalhadores “[...] generally speaking, is to acquire use values,

while financial institutions and industrial capitalists share a similar aim, i.e. profit extraction”

(Lapavitsas, 2011, p. 620). Nesse sentido, dado um objetivo – em grande medida social – de (padrão de) consumo, a queda geral da renda do trabalho induz os trabalhadores, como classe,

a recorrer ao endividamento como forma de suprir suas necessidades de bens e serviços. Esse processo, para o autor, constitui uma “expropriação financeira”.

Assim, a financeirização representa uma transformação estrutural do capitalismo maduro apoiada em todos os agentes relevantes (Lapavitsas, 2013, p. 802). Embora ela possa ser historicamente definida, não é, o resultado de políticas econômicas (Lapavitsas, 2013, p. 802). Não é, ademais, um movimento de perversão do sistema: “[...] confronting

financialisation does not mean supporting hard-working industry against idle finance”

(Lapavitsas, 2009, p. 143), uma vez que a financeirização “[...] does not represent the escape

of capital to the realm of finance in search of higher (and possibly speculative) profits”

(Lapavitsas, 2013, p. 798). Trata-se, dessa perspectiva, de um fenômeno tendencial complexo do próprio capital – incontornável por políticas conjunturais. Para confrontá-lo seria necessária uma reforma estrutural que permitisse a emergência de bancos e infraestrutura públicos.

Inspirados pelos temas levantados pelos autores acima elencados, uma série de artigos mais recentes têm se debruçado sobre a relação entre a financeirização e outros fenômenos, como a globalização. Dentre eles, podem-se citar Baud & Durand (2012), que propõem olhar para a financeirização como composta pelos processos de internacionalização das operações de venda e pelo desenvolvimento de operações financeiras por firmas varejistas não-financeiras em escala internacional, iniciando-se em meados de 1990 e com ápice em 2004. De maneira semelhante, Milberg (2008) procura analisar a financeirização das NFCs norte-americanas como um fenômeno apoiado no offshoring de sua produção, mas que, ao mesmo tempo, impede a assimilação de “ganhos dinâmicos” com a economia de custos, uma vez que necessitariam crescentemente fazer frente aos seus compromissos financeiros.

Como terceiro agrupamento, é necessário enfatizar a diversidade de abordagens pouco interligadas entre si contempladas no panorama acima sugerido. Tal como já comentado, determinados autores – Krippner (2005) e Orhangazi (2008) – e ideias – como o princípio do

shareholder value e o conceito finance-led – são referenciados de distintas maneiras e com

diferentes propósitos, o que eleva sua importância no conjunto, mas, ao mesmo tempo, não permite configurar um subgrupo claramente coeso. Dentre essas abordagens menos volumosas e que, convém observar, nem sempre possuem foco na dimensão macroeconômica, mas que tangenciam questões dessa natureza – motivo pelo qual se apresentaram nos clusters verde e, em menor grau, azul da Figura 1.6 (Capítulo 1), sobressaem-se: a abordagem das “Variedades de Capitalismo” e a abordagem que dá mais destaque à dinâmica do mercado de trabalho. A primeira busca, em linhas gerais, a construção de um aparato teórico para a compreensão de similaridades e diferenças entre economias nacionais. O caráter comparativo de suas análises

– de teor fortemente institucional – pretende compreendê-las como trajetórias/manifestações específicas resultantes de transformações estruturais profundas do sistema (Engelen, 2003; Engelen & Konings, 2010; Deeg, 2012; Nölke & Perry, 2008;). Não se trata, para eles, de analisar parâmetros, mas sim dinâmicas locais qualitativamente diferentes – entre nações, setores ou mesmo entre firmas de tamanhos diferentes. Outra abordagem que se constitui de modo relevante é referente aos trabalhos que tratam dos efeitos e da dinâmica da financeirização sobre o mercado de trabalho e a crescente desigualdade (Arestis et al., 2013; Strauss, 2009, Tomaskovic-Devey & Lin, 2011). Aceitam, em geral, a conclusão no sentido do efeito assimétrico desse fenômeno sobre trabalhadores de diferentes economias, sobre diferentes profissões e mesmo entre raças e gêneros. Por último, é possível notar um conjunto de publicações que buscam associar a financeirização a temas de indústrias e cadeias globais de valor (Kalinowski, 2013; Soener, 2015; Labban, 2014).

Em suma, a análise bibliométrica aplicada ao grupo que mais diretamente condensa abordagens macroeconômicas à financeirização permite a identificação de três sub-clusters (embora relacionados entre si de forma próxima). Um primeiro é composto por publicações inspiradas pela literatura pós-keynesiana, que inclui a tradição kaleckiana, que examinam a financeirização pela via de modelos macroeconômicos formais. Autores como Hein, Stockhammer, van Treeck, Orhangazi, Skott e Ryoo podem ser considerados representantes desse grupo, que, vale notar, apresenta forte coesão interna. Um segundo grupo, por sua vez, tem como foco as relações econômicas entre os principais agentes, dando especial ênfase à questão do endividamento. Comparado ao primeiro, este segundo sub-cluster apresenta coesão interna significativamente menor e o uso de modelos formais é menos frequente. Dentre seus representantes estão Krippner e Lapavitsas. Por fim, o terceiro subgrupo é caracterizado pela maior heterogeneidade e menor articulação interna, além de menor expressão no plano da literatura macroeconômica de financeirização. Componentes relevantes dentro dele são a abordagem da Variedades de Capitalismo, discussões acerca do impacto da financeirização sobre o mercado de trabalho e desigualdade e questões associadas à indústria.