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A RESPONSABILIDADE DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE PELO FATO DO SERVIÇO PRESTADO PELOS HOSPITAIS CREDENCIADOS MESTRADO EM DIREITO

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

SP

JULIANA LABAKI PUPO

A RESPONSABILIDADE DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE

PELO FATO DO SERVIÇO PRESTADO PELOS HOSPITAIS

CREDENCIADOS

MESTRADO EM DIREITO

(2)

JULIANA LABAKI PUPO

A RESPONSABILIDADE DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE

PELO FATO DO SERVIÇO PRESTADO PELOS HOSPITAIS

CREDENCIADOS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, sob a orientação da Professora Doutora Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________ Orientadora:

_______________________________ Examinador(a):

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Aos meus pais, Laerte e Myriam, pelo amor incondicional e por terem me ensinado as maiores lições sobre valores;

Ao Guilherme, por estar ao meu lado durante todo o tempo em que escrevi este trabalho e pela felicidade que traz à minha vida;

Ao Vinicius e ao Roberto, pela lealdade de verdadeiros irmãos;

Às minhas cunhadas, Kátia e Ana Paula, por todo o carinho;

À minha sobrinha, Ana Júlia, pelo seu sorriso mais doce e por despertar em mim imenso amor;

(5)

AGRADECIMENTOS

Ao Davi Motta, grande colega de trabalho e amigo, com quem tive a oportunidade de aprender as primeiras lições do direito à saúde e, em especial, por sempre acreditar em mim.

Às queridas amigas Maria Isabel da Cunha Mathias, Cinthia Andrade e Regina Godoy, pela nossa amizade e pela efetiva ajuda que me deram na conclusão da dissertação.

Ao Francisco Pupo, tio Chico, pelo apoio incondicional de sempre, minha eterna gratidão.

Às minhas primas, Mariana Labaki, Carla Labaki e Daniela Pupo, e às minhas amigas, Juliana Motta, Aline Daher, Ana Elisa Kumagae, Lívia Daher, Mônica Pereira e Maria Paula Pelegrini, irmãs de afeto.

Ao João Martini, pela confiança que me transmitiu e que tornou meus dias de estudo mais tranquilos.

(6)

RESUMO

PUPO, Juliana Labaki. A responsabilidade das operadoras de planos de saúde pelo fato do serviço prestado pelos hospitais credenciados. 221 p. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

O presente estudo traça um panorama sobre a assistência privada à saúde no Brasil, tendo como tema central a responsabilidade das operadoras e dos hospitais credenciados. Será demonstrada a visão constitucional, com a abordagem do princípio da dignidade da pessoa humana, alicerce do direito à saúde. Serão mencionadas as formas de prestação de assistência à saúde pelo Estado, focando na atividade prestada pela iniciativa privada, por meio das operadoras. A análise do contexto da responsabilidade civil será aprofundada, traçando paralelo entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, assim como um breve estudo sobre a transformação do Direito na sociedade pós-moderna. Em seguida, serão detalhadas a natureza jurídica do contrato de planos de saúde e a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às suas relações, em que prevalece a responsabilidade objetiva pelo risco da atividade do fornecedor. Também serão abordadas as atividades hospitalares e a extensão da responsabilidade da operadora por tal serviço, considerando que o hospital foi por ela escolhido, formando a relação tripartite entre

“Operadora-Hospital-Beneficiário”. Observar-se-á a solidariedade entre os fornecedores, com a

demonstração de que o paciente está amparado pelas leis de proteção e defesa do consumidor, com objetivo de garantir atendimento pleno e eficaz à sua saúde.

Palavras-chave: Planos de Saúde – Responsabilidade Objetiva – Hospitais Credenciados –

(7)

ABSTRACT

PUPO, Juliana Labaki. Health Insurance Companies responsibility for services rendered by credentialed hospitals. 221 p. Dissertation (Mastership in Law) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

The present dissertation will present an overview about private health assistance in Brazil, having as its central theme the responsibility of Health Insurance Companies and credentialed Hospitals. It will be demonstrated the constitutional view, with the approach of the dignity principle of the human being, the main pillar of the right to health. The ways of health assistance provided by State will be discussed focusing on the activity rendered by private companies. The analysis of the context of Civil responsibility will be deepened, making a parallel between the subjective and objective responsibility, as well as a brief study on the transformation of the law in the post-modern society. Furthermore, it shall be detailed the legal nature of health insurance contracts and the applicability of the Consumer Defense Code , in which the objective responsibility by the risk of the supplier activity will prevail. The hospital activity and the extension of the health insurance companies responsibility for such services will also be discussed, considering that the hospital is chosen by the company, thus making a tripartite among ``Health Insurance Company-Hospital-Beneficiary´´. It shall be observed the sympathy among the suppliers, by demonstrating that the patient is supported by the laws of consumers protection and defense, aiming to guarantee full and effective assistance to their health.

Key Words: Health Insurance – Objective Responsibility – Credentialed Hospitals – Sympathy

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1. A SAÚDE E A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL ... 17

1.1. O princípio da dignidade da pessoa humana – característica e definição ... 17

1.2. A saúde como direito social e fundamental na CF de 1988 ... 26

1.3. As formas de prestação de assistência à saúde de acordo com a CF de 1988 ... 38

2. CONTEXTO HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE NO BRASIL ... 44

2.1. O seguro-saúde, as cooperativas médicas, as empresas de medicina de grupo (reguladas pelo Decreto-Lei nº 73, de 1966) e as entidades de autogestão... 44

2.2. Os passos para a criação da Lei nº 9.656/98 e a regulamentação dos planos de saúde .... 47

2.3. A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o seu papel na atividade privada de assistência à saúde ... 51

2.3.1. A transformação do Estado e a regulação no Brasil ... 51

2.3.2.A criação da ANS e o seu papel na atividade privada de assistência à saúde ... 56

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO ... 63

3.1. Breves considerações históricas sobre o conceito de responsabilidade civil ... 63

3.2. A responsabilidade civil no Código Civil Brasileiro ... 67

3.2.1. Responsabilidade contratual e extracontratual ... 69

3.2.2. A responsabilidade civil subjetiva e seus pressupostos ... 71

3.2.3. A responsabilidade civil objetiva e seus pressupostos ... 76

3.3. A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor ... 80

3.3.1. Alguns aspectos sobre a transformação do Direito na sociedade pós-moderna e a relação de consumo ... 81

(9)

4.1. Natureza jurídica dos contratos de planos de saúde ... 91

4.2. Os sujeitos da relação de consumo ... 95

4.2.1. A definição de consumidor no CDC ... 95

4.2.2. A definição de fornecedor no CDC ... 100

4.3. O CDC aplicado aos contratos de planos de saúde ... 102

4.3.1. Súmula do STJ ... 102

4.3.2. Os beneficiários dos planos de saúde como consumidores ... 105

4.3.3. As operadoras e hospitais como fornecedores de serviços ... 106

4.3.4. A prestação de assistência médico-hospitalar como serviço ... 107

4.4. Os princípios do CDC aplicáveis aos contratos de planos de saúde ... 108

5. A ABRANGÊNCIA DA LEI DE PLANOS DE SAÚDE (LEI 9.656/98) ... 115

5.1. Classificação das operadoras ... 115

5.1.1. Operadoras de planos de saúde ... 115

5.1.2. Seguradoras especializadas em saúde... 117

5.2. As formas de contratação e os tipos de planos de assistência à saúde ... 120

5.2.1. As formas de contratação: planos individuais e coletivos ... 120

5.2.2. Os tipos de planos e as coberturas básicas (regras para os contratos firmados após a Lei nº 9.656/98) ... 121

5.3. Das exclusões de cobertura previstas na Lei nº 9.656/98 ... 126

5.4. Outras coberturas importantes previstas na Lei nº 9.656/98 ... 129

5.4.1. Carência, urgência, emergência e inscrição dos filhos ... 129

5.4.2. Cirurgia plástica reconstrutiva de mama ... 131

5.4.3. Cobertura de doenças e lesões preexistentes ... 132

5.4.4. Impossibilidade de denúncia unilateral pelo fornecedor ... 134

5.4.5. Reajuste do valor dos planos de saúde: financeiro, técnico e por faixa etária ... 135

5.5. Das garantias previstas nos artigos 30 e 31 (ex-empregados e aposentados) ... 141

5.6. Os contratos firmados antes da vigência da Lei nº 9.656, de 1998 ... 143

5.6.1. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) – ADIN nº 1931-8 ... 143

(10)

AGENTES RESPONSÁVEIS PELA REPARAÇÃO ... 153

6.1. Conceito e pressupostos para a reparação dos danos pelo fato do serviço ... 153

6.2. Os agentes responsáveis pela reparação no CDC ... 157

6.2.1. Os fornecedores e a solidariedade ... 157

6.2.2. O direito de regresso ... 159

6.3. As causas excludentes de responsabilidade ... 160

7. RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS CREDENCIADOS E DAS OPERADORAS ... 164

7.1. Planos com rede credenciada e planos com livre escolha de hospitais ... 164

7.1.1. A forma de contratação dos hospitais credenciados pelas operadoras de planos de saúde ... 168

7.1.2. Das obrigações decorrentes expressamente da Lei e sua regulamentação acerca da contratação e substituição de hospitais credenciados ... 169

7.2. Da responsabilidade civil dos hospitais pelo fato do serviço sob a ótica do CDC ... 175

7.2.1. Dos serviços médicos e da sua natureza: obrigação de meio ou de resultado ... 175

7.2.2. Dos serviços prestados pelos hospitais, da natureza da relação contratual com o paciente e da responsabilidade em face do CDC ... 177

7.3. Da responsabilidade das operadoras pelo fato do serviço prestado pelo hospital credenciado ... 184

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 192

(11)

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar CC – Código Civil

CDC – Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal

CONSU – Conselho Nacional de Saúde

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social OMS – Organização Mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas RDC – Resolução da Diretoria Colegiada RN – Resolução Normativa

SUS – Sistema Único de Saúde

SUSEP – Superintendência de Seguros Privados STJ – Superior Tribunal de Justiça

(12)

INTRODUÇÃO

A saúde é bem jurídico essencial do ser humano. Vivemos numa sociedade com maior expectativa de vida, que, por um lado, está envelhecendo, mas de outro, está cada vez mais esclarecida e procura na medicina o seu bem-estar físico e mental para uma vida longa, segura e com menos sofrimento. A medicina é campo da ciência relativo à saúde e à vida e, cada vez mais avançada, procura dar respostas para a cura das enfermidades. Assim, a saúde, como valor essencial para que o cidadão possa viver com dignidade, é bem jurídico tutelado, devendo ser explorado pelos estudiosos do Direito.

A ciência médica e o direito à saúde, portanto, tratam de valores vitais, socialmente relevantes e associados entre si, que merecem debates intensos por ambas as áreas, médica e jurídica.

O acesso da população à medicina se dá por meio dos serviços médicos oferecidos pelo Poder Público (SUS) ou pelo serviço de assistência privada, baseado na forma de mutualismo criada pelos planos de saúde.1 Diante dos vastos e conhecidos problemas enfrentados pela sociedade brasileira no que se refere à assistência à saúde no país, inúmeras são as discussões sobre o tema, pois os avanços tecnológicos, embora tornem mais custosos os serviços médicos e hospitalares, se tornaram necessários, importantes e se traduzem em cura para muitas doenças. A longevidade da população também clama pelo atendimento médico constante.

1 Conforme será demonstrado neste trabalho, o legislador passou a tratar planos e seguro-saúde da

(13)

Assim, buscando explorar essa matéria, o presente estudo tem como objetivo traçar um panorama sobre a assistência privada à saúde no Brasil, bem como sobre a delegação, pelo Poder Público, de parte dessa atividade para o particular e a responsabilidade dos entes particulares, especificamente dos hospitais e das operadoras de planos de saúde, em face do paciente-beneficiário do plano. Esse beneficiário, como se verá, recebe o serviço particular de assistência à saúde como destinatário final e deve ter assegurada a proteção de atendimento de sua saúde de forma a atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, protegido constitucionalmente.

No primeiro capítulo será demonstrada a visão constitucional acerca do tema, iniciando por análise do princípio da dignidade da pessoa humana, base para o estudo sobre o direito à saúde, o qual foi elevado pelo constituinte a direito social fundamental do cidadão. Em seguida, ainda na esfera constitucional, verificar-se-ão as formas de prestação de assistência à saúde pelo Estado, incluindo o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – cuja abordagem será apenas contextualizada, não sendo objeto desse trabalho – e a delegação da prestação para a iniciativa privada, por meio das operadoras de planos de saúde.

(14)

(ANS), com o papel de solucionar os conflitos até então existentes no mercado como um todo.

A responsabilidade civil no direito privado brasileiro será analisada no terceiro capítulo, trazendo à discussão os modelos de responsabilidade civil no Código Civil (CC) e no Código de Defesa do Consumidor (CDC); será traçado paralelo entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, assim como examinado brevemente o contexto da transformação do direito na pós-modernidade e a modificação da teoria clássica do contrato.

Em seguida, no quarto capítulo, serão detalhadas a natureza jurídica do contrato de planos de saúde e a aplicabilidade do CDC às suas relações, inserindo o CDC no contexto específico do presente trabalho.

No capítulo quinto uma abordagem sobre a abrangência dos planos de saúde será apresentada, demonstrando que um setor absolutamente desregrado até então passa a ter o mínimo de garantias conferidas pelo legislador. Nessa linha, serão descritos os aspectos relevantes dos planos de assistência médica, o desenho de modelo contratual determinado pela regulamentação, as modalidades de operadoras e as principais características de coberturas. Também serão explorados os problemas relativos aos contratos anteriores à Lei nº 9.656/98 e, ainda, alguns aspectos polêmicos destes contratos sob a ótica do direito do consumidor, incluindo o posicionamento do Judiciário a respeito de questões relevantes sobre este tema.

(15)

regresso será estudado nesse capítulo, com a demonstração de que o consumidor-paciente está amparado pela solidariedade verificada na “cadeia” de fornecedores.

O sétimo e último capítulo insere a forma de prestação do atendimento pelos hospitais e, mais detalhadamente, o atendimento dos hospitais credenciados das operadoras de planos de saúde e a relação com os usuários dos planos. Será descrita a forma de oferta de planos de assistência à saúde, com redes credenciadas ou com livre escolha de hospitais, assim como a distinção entre tais modalidades e sua relevância para o estudo. Também será abarcada a forma de prestação de assistência médico-hospitalar do hospital e sua obrigação perante o paciente, sob a ótica do direito do consumidor. Será demonstrado como se dá essa relação e quais são os pressupostos para a reparação civil dos erros cometidos pelos hospitais aos seus pacientes na prestação do atendimento médico-hospitalar. Esclareça-se, de antemão, que a responsabilidade médica do profissional liberal – médico credenciado ou não da operadora de planos de saúde – não será objeto deste trabalho, mas apenas aquela atividade médica inserida no contexto da responsabilidade hospitalar.

Ao final, diante das premissas anteriores, será avaliada de que forma a operadora de planos de saúde responde perante seu beneficiário pela falha na prestação do serviço realizado pelo hospital credenciado.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a necessidade de proteção do consumidor, mediante – ainda que minimamente – prestação de assistência à saúde que garanta o respeito ao seu direito fundamental constitucional de dignidade.

(16)
(17)

1. A SAÚDE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL

1.1. O princípio da dignidade da pessoa humana – característica e definição

A importância de trazer à baila a definição do princípio da dignidade da pessoa humana no contexto do presente trabalho se traduz pela estreita e inerente ligação que a proteção do direito social à saúde tem com o princípio maior da dignidade da pessoa humana, diante da complementaridade existente entre eles para a busca da proteção constitucional dos direitos sociais do indivíduo.

Sem pretensão de esgotar o tema, serão abordadas a origem e a importância de tal princípio. Em algumas palavras, é possível afirmar que dignidade da pessoa humana é a própria essência do ser humano, seu respeito, seu valor intrínseco, moral e social, a sua qualidade interna e a correspondente proteção que deve merecer e ser tutelada pelos seres racionais, pela sociedade e pelo Estado; daí a sua relevância e sua posição no topo de todo e qualquer Direito.

Seu conceito advém da antiguidade clássica, em seu pensamento filosófico e político. A dignidade da pessoa humana estava ligada à posição social do cidadão, ao seu reconhecimento pela sociedade, admitindo-se a segregação da comunidade em pessoas dignas ou não dignas.2 No pensamento estoico, a dignidade se materializava pela qualidade inerente ao ser humano, ligada à sua característica de liberdade pessoal e à ideia de que todos os homens são iguais em dignidade.3 Na concepção cristã, tinha-se a referência de que o homem foi criado à imagem e

2 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 9ª edição. Porto

Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 34-35.

(18)

semelhança de Deus e, portanto, era dotado de valor intrínseco, não podendo ser equiparado a qualquer objeto.4

Foi no âmbito do pensamento jusnaturalista (séculos XVII e XVIII) que surgiu efetivamente a ideia do direito natural – comum a todos os povos –, em que se manteve a “noção fundamental de igualdade de todos os homens em

dignidade e liberdade”.5 Para tal concepção, no ensinamento de Ingo Wolfgang

Sarlet6, houve contribuição antecedente na colonização espanhola, no século XVI, em que se observou que o direito de liberdade dos índios era a eles inerente, independentemente de serem ou não cristãos.

Outra contribuição efetiva para consolidar o princípio da dignidade foi o pensamento de Emmanuel Kant, para quem a pessoa humana, como ser racional, não pode ser tratada como objeto e vista como meio, mas suas ações devem ser consideradas como um fim em si.7 Kant conciliou o valor intrínseco da dignidade com a autonomia ética da vontade do ser humano. Assim, vale acrescentar seu ensinamento:

“(...) o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe com um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade (...) no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade”.8

4 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., passim. 5 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., passim. 6 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 38.

7 Apud SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

39.

8 KANT, Emmanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes, in: Os Pensadores, p. 134 e 141, apud

(19)

Após a Segunda Guerra Mundial, com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), documento importante e que, segundo Norberto Bobbio, manifesta a “única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido”9, consagrou-se o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme mencionado no artigo 1º da Declaração:

“Art. 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

Estampado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, sendo esta, por sua vez, considerada como princípio jurídico geral de direito, o princípio da dignidade da pessoa humana passou a nortear o direito internacional geral.10 Segundo Fábio Konder Comparato, a Declaração Universal dos Direitos do Homem retomou os valores da igualdade, fraternidade e liberdade da Revolução Francesa, trazendo os princípios contidos nesses ideais como direitos efetivos reconhecidos nacional e internacionalmente.11

9 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, apresentação de Celso

Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 26.

10 A Declaração Universal dos Direitos do Homem é tida como recomendação da Organização das

Nações Unidas (ONU) aos seus membros. Em tese, sustenta-se que não tem força vinculante. No entanto, segundo Fábio Konder Comparato, esse entendimento é excessivamente rigoroso, pois hoje a vigência dos direitos humanos é reconhecida em toda parte, mesmo que não declarada nas constituições, leis ou tratados internacionais. Ademais, no seu entender, os direitos constantes da Declaração de 1948 são considerados como normas imperativas de direito internacional geral (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 239).

(20)

Para Norberto Bobbio a Declaração dos Direitos do Homem foi acolhida como inspiração e mostrou um processo de crescimento da comunidade internacional.12 Bobbio pontua a relevância da Declaração, acrescentando que a considera “um fato novo na História, na medida em que, pela primeira vez, um

sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra”.13

Na linha da orientação internacional, adotando-se o conceito trazido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e com o objetivo de positivar a promoção do bem de todos, o constituinte brasileiro consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna, in verbis:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III –a dignidade da pessoa humana”.

A dignidade da pessoa humana também é trazida na CF de 88, art. 170, caput14, como o fim que deve ser observado pela ordem econômica fundada na

12 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 28. 13 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 27.

14“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa,

tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania popular; II – propriedade privada;

III – função social da propriedade; IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego;

(21)

livre-iniciativa. Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana é assegurada como valor social e também como valor a ser respeitado nas relações econômicas. Eros Roberto Grau15 enfatiza que a dignidade da pessoa humana comparece na CF de forma dupla: (i) no artigo 1º como princípio político constitucionalmente conformador; e (ii) no art. 170, caput, como princípio constitucional impositivo. Com relação à segunda forma de consagração (art. 170, caput, CF) vale compartilhar os ensinamentos do autor:

“Nesta sua segunda consagração constitucional, a dignidade da

pessoa humana assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito com o programa de promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. (...) Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente

contemplado na Constituição”.16

Dignidade da pessoa humana comporta dois valores jurídicos relevantes: a pessoa humana e a dignidade. As pessoas humanas têm consciência, vivência e valores, devendo ser objeto de respeito.17 Esse respeito que merece a pessoa humana pode ser considerado como dignidade. Para José Afonso Silva a dignidade é a essência da pessoa humana, confundida com a sua própria natureza, pois o ser humano é aquele que entende o seu valor intrínseco.18

15 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 14ª

edição revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 198-199.

(22)

A CF de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana a valor essencial, ratificando tal princípio como um de seus fundamentos, colocando-o no mundo jurídico como valor supremo e alicerçado no Estado Democrático de Direito. Na lição de Flávia Piovesan19, o Estado Democrático de Direito brasileiro é calcado pelos fundamentos da cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, da CF), e que são, na verdade, a base para a concretização do princípio democrático, pois se amoldam aos valores éticos e de justiça, dando suporte axiológico ao sistema jurídico.

No entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet20 a dignidade é irrenunciável e inalienável e, portanto, em sua visão, deve ser reconhecida e protegida, sem que se possa retirá-la do ser humano. Trata-se de condição inerente a todos, sem distinção: ainda que as pessoas não se portem de forma igualmente digna, todas são iguais em dignidade.21 Acrescenta o autor, ao citar ensinamentos de Jorge Reis Novais, que é o Estado Democrático de Direito que passa a servir como instrumento para garantia da dignidade da pessoa individual e coletiva, e não o contrário:

“Consagrando expressamente, no título dos princípios

fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha –, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser

19 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Apresentação de

Antônio Augusto Cançado Trindade. 2ª edição. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 59-60.

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humano constitui a finalidade precípua e não meio da atividade estatal”.22

A CF elevou a dignidade da pessoa humana à condição de princípio (e valor) fundamental. Na visão de Sarlet não importa se a discussão trata de princípio ou direito fundamental, pois não são conceitos reciprocamente excludentes, já que as normas de direitos fundamentais também têm cunho principiológico.23

Alexandre David Malfatti ensina que a CF de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana como verdadeiro princípio superior e, como tal, prevalece sobre os demais.24 Nessa linha, acrescenta que a Carta Magna é “centrada na pessoa humana, na missão de ordenar e transformar a sociedade brasileira como forma de garantir a dignidade da pessoa humana (individual e coletivamente considerada)”.25

Na visão de Rosa Maria de Andrade Nery26 a dignidade humana é o fundamento axiológico do Direito, e a sua razão de ser é a proteção do valor da pessoa e da humanidade. Acrescenta a autora que o princípio da dignidade humana é:

“(...) a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico. Uma ciência que não se presta para prover a sociedade de tudo quanto é necessário para permitir o desenvolvimento integral do homem, que não se presta para colocar o sistema a favor da dignidade humana, que não se presta para servir ao homem, permitindo-lhe atingir seus anseios mais

secretos, não se pode dizer Ciência do Direito”.

22 Apud SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 80. 23 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 83.

24MALFATTI, Alexandre David. “9.1. Plano de Saúde. Prática abusiva. Exclusão de cobertura e

diária durante internação necessária de paciente sem seu prévio conhecimento. Cláusula contratual que deverá ser interpretada em favor do consumidor. Inteligência do art. 47 do CDC”. Sentença publicada na Revista de Direito do Consumidor vol. 43, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, julho-setembro de 2002, p. 359-379.

25 MALFATTI, Alexandre David, op. cit., p. 368.

26 NERY, Rosa Maria de Andrade. Noções preliminares de Direito Civil. São Paulo: Editora Revista

(24)

Mariana Filchtiner Figueiredo enfatiza que a dignidade da pessoa humana comporta reconhecimento do direito do ser humano, e, por conseguinte, importa em deveres do Estado de protegê-lo. Nessa linha, o Estado e a sociedade devem proteger a dignidade da pessoa humana da seguinte forma: (a) por cunho defensivo, ou seja, por meio de atos contra a violação, e (b) por meio de ações positivas, que programem medidas de proteção, visando sempre o desenvolvimento do indivíduo.27

Vale observar o ensinamento de Ingo Wolfgang Sarlet para quem o princípio da dignidade da pessoa humana não só impõe dever de abstenção, ou seja, de respeito ao indivíduo, mas também de condutas que efetivem a proteção da dignidade do ser humano, como medidas reparadoras.28

Importante atentar, ainda, para a colocação de Sarlet no sentido de que o princípio da dignidade da pessoa humana vincula também a relação entre os particulares. Sarlet enfatiza que as entidades privadas estão ligadas ao princípio da dignidade e, portanto, há deveres que também devem ser respeitados por elas para garantir a proteção desse princípio maior.29

Dalmo de Abreu Dallari30 acrescenta que a proteção aos indivíduos é fundamental para que não haja dominação entre eles e, consequentemente, seja evitada a desigualdade social. Assim, acrescenta Dallari que a dignidade, como valor supremo, não pode ser desconsiderada para dar lugar à estabilidade ou à riqueza social. Antes de tudo, os indivíduos devem ter assegurada a proteção à sua

27 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde. Parâmetros para sua eficácia e

efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 56.

28 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 132-133.

29 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 133. Este ponto será melhor detalhado no item seguinte. 30 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1984, p.

(25)

dignidade.31

Para o estudo que ora se apresenta, é importante considerar o princípio da dignidade da pessoa humana, pois tal princípio deve nortear o direito do beneficiário de plano de saúde32 a ter seu atendimento médico-hospitalar prestado de forma que não afronte a sua dignidade. A saúde é bem jurídico precioso e vital do ser humano e afrontá-la pode atingir a sua dignidade.

Os ensinamentos aqui trazidos demonstram que tanto o Poder Público como as entidades privadas – nesse contexto, incluem-se as operadoras de planos de saúde – devem agir de forma a evitar que a dignidade da pessoa humana seja atingida e desrespeitada. Portanto, as atitudes de tais entes (por atos defensivos ou por ações positivas) devem ter como guia o princípio supremo da dignidade da pessoa humana previsto na CF de 1988 e reconhecido internacionalmente.

Maria Stella Gregori33 acrescenta que a dignidade da pessoa humana, tanto coletiva como individual, é o norte do sistema constitucional, e para garantir seu respeito é preciso assegurar os direitos sociais. Portanto, para garantia do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, o constituinte tratou dos direitos que integram tal princípio, como o direito à saúde e o direito à vida, detalhados a seguir.

31 DALLARI, Dalmo de Abreu, op. cit., p. 25.

32 Não será objeto deste estudo o plano odontológico, também previsto na Lei nº 9.656/98. A referência a “plano de saúde” deve ser entendida apenas como plano médico-hospitalar, excluídos os planos de assistência odontológica.

33 GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde. A ótica da proteção do consumidor. 3ª edição. São

(26)

1.2. A saúde como direito social e fundamental na CF de 1988

Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho34, os conceitos de direitos fundamentais e direitos do homem, embora utilizados muitas vezes como sinônimos, têm distinção. Os direitos do homem têm validade para “todos os povos e em todos

os tempos”; os direitos fundamentais são direitos do homem, jurídico e positivado

numa ordem constitucional, delimitada no espaço e no tempo. Assim, sobre os direitos fundamentais complementa:

“(...) não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta

positivação jurídica, os „direitos do homem são esperanças,

aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica

política‟, mas não direitos protegidos sob a forma de norma (regras

e princípios) de direito constitucional (Grundrechts-normen)”.35 Pois bem. A proteção da saúde do consumidor foi elevada à condição de direito fundamental do homem pela Constituição Federal brasileira de 1988 (CF). Assim, como direitos fundamentais que integram a dignidade da pessoa humana na CF, tem-se o direito à saúde (art. 6, da CF)36 e o direito à vida (art. 5, caput, da CF)37 e, na lição de Geraldo de Farias Martins da Costa, são “bens jurídicos mais essenciais da existência humana” e o “direito à integridade física e o direito à integridade

34 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ª edição. Coimbra:

Almedina, 2002, p. 393.

35 CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit., p. 377.

36 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

37 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

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psíquica são prolongamentos naturais e indissociáveis da pessoa”.38

O legislador brasileiro pretendeu garantir a proteção máxima aos direitos fundamentais, tanto que elegeu as garantias individuais previstas na CF de 1988 como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inciso IV, da CF39), inviabilizando qualquer proposta tendente a aboli-las mediante emenda constitucional.

A esse respeito, por meio de interpretação restritiva da norma constitucional, poder-se-ia argumentar que os direitos sociais (art. 6º da CF), incluindo o direito à saúde, não estão abrangidos sob a proteção de cláusula pétrea, pois a norma supracitada (art. 60, § 4º) refere-se ao termo “direitos individuais”.40

Vale observar, no entanto, entendimento diverso manifestado pela doutrina no sentido de que a proibição contida no art. 60, § 4º, da CF, abrange todos os direitos fundamentais, não estando dele afastados os direitos sociais. Nesse sentido, Flávia Piovesan41 ressalta que “(...) o texto de 1988, em seus primeiros capítulos, apresenta avançada Carta de direitos e garantias, elevando-os, inclusive, à

38 COSTA, Geraldo de Farias Martins da. A proteção da saúde do consumidor na ordem econômica:

direito subjetivo público. Revista de Direito do Consumidor vol. 21, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, janeiro-março de 1997, p. 132-141.

39“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º Não será objeto de deliberação da proposta de emenda tendente a abolir: (...)

IV –os direitos e garantias individuais”.

40 Nesse sentido manifestam-se Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins: (...) Por mais lamentável que isso possa parecer, a referência a „direitos individuais‟ exclui necessariamente os direitos sociais, os direitos políticos e os direitos difusos da proteção do art. 60 da CF, podendo todas essas espécies de direitos sofrer restrições ou mesmo serem „abolidas‟ mediante o procedimento constitucionalmente previsto de reforma. A Constituição Federal atribui ao termo „direitos fundamentais‟, que se encontra no Título II, um sentido abrangente, sendo suas espécies os direitos individuais, os direitos coletivos, os direitos sociais, os direitos da nacionalidade e os direitos políticos e os relacionados aos partidos políticos, conforme indicam os vários capítulos do Título II. Chega-se, assim, à conclusão de que é protegida pela cláusula do art. 60, § 4º, IV, da CF tão-somente uma parcela dos direitos fundamentais que, grosso modo, corresponde aos direitos de resistência que podem ser exercidos individualmente (Capítulo 4.1)”. Não obstante tal posicionamento, entendem tais autores que mesmo os direitos fundamentais não resguardados pela reforma (não protegidos pela cláusula pétrea) também têm o mesmo valor jurídico de direito fundamental (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 55-56).

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cláusula pétrea, o que, mais uma vez, revela a vontade constitucional de priorizar os direitos e as garantias fundamentais”. Em seguida, deixa claro que o legislador

constitucional alargou os direitos e garantias, incluindo nos direitos fundamentais os direitos sociais.42

Além disso, com o objetivo de demonstrar a relevância dos direitos e garantias fundamentais, a CF atribuiu a essas garantias o princípio constitucional da aplicabilidade imediata das normas, conforme art. 5º, § 1º, da CF (“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”). Significa que os direitos fundamentais têm efeito imediato e vinculante, devendo o Poder Público atribuir eficácia plena, máxima e imediata para tais garantias. Na lição de Flávia Piovesan43 compete ao Poder Público (Legislativo, Executivo e Judiciário), diante do conteúdo da respectiva norma constitucional, observar o princípio de força vinculante dos direitos e garantias fundamentais.

Urge destacar o entendimento manifestado por José Afonso Silva44 acerca da eficácia imediata de tal dispositivo constitucional aos direitos sociais; de um lado, reconhece como regra geral a aplicabilidade imediata das normas que definem os direitos e garantias individuais e, de outro lado, porém, aponta para a necessidade de norma definidora a complementar a eficácia plena dos direitos sociais, culturais e econômicos. Isto porque, acrescenta o autor, “a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais e coletivos”.45

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Na mesma linha, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins46 acenam que a eficácia imediata poderá não se estabelecer no caso dos direitos sociais, inclusive na hipótese de direitos difusos, por não haver sempre a concretização plena das normas definidoras de tais direitos na CF. Acrescentam que a aplicabilidade imediata da norma atinge diretamente o destinatário passivo do direito e garantia fundamental. O titular do direito, por sua vez, pode não obter êxito na efetivação de tal direito, por falta de norma que complemente os requisitos e critérios para que possa exercê-lo plenamente.47

De qualquer forma, o dispositivo constitucional não pode deixar de ser observado, pois a norma é clara no sentido de atribuir eficácia imediata aos direitos fundamentais. Assim, a eficácia imediata, nesse caso, significa que os dispositivos constitucionais garantidores dos direitos fundamentais (dentre eles, o direito social à saúde) serão: (a) aplicados até “onde possam”48; (b) cumpridos pelo legislador, que deve regulamentar sempre que necessário for; (c) reconhecidos pelo Poder Judiciário, o qual (i) não poderá deixar de observá-los quando invocado para tanto; (ii) deverá obrigar o legislador a cumprir a regulamentação respectiva, mediante controle de constitucionalidade (inconstitucionalidade por omissão legislativa), e (iii) deverá imputar responsabilidades (inclusive criminais) a quem descumprir deveres de regulamentação.49

46 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo, op. cit., 105. 47 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo, op. cit., p. 105-106. 48 SILVA, José Afonso, op. cit., p. 181.

49 Nesse sentido: Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (op. cit., p. 106); e José Afonso Silva (op. cit.,

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A respeito do destinatário das normas de direito fundamental, distinguem Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins quanto ao efeito vertical e horizontal da aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais e seus destinatários. Nessa linha, entendem que o efeito vertical está relacionado com a obrigação de qualquer autoridade estatal de respeitar os direitos dos indivíduos. De outro lado, denominam de efeito horizontal a percepção de conflito entre particulares relativamente aos direitos fundamentais. Dividem o efeito horizontal em efeito de caráter mediato/indireto (regra geral que adotam) e, em regime de exceção, efeito de caráter imediato/direto. Tratam do efeito horizontal mediato/indireto quando há necessidade de intervenção do Judiciário na proteção do direito fundamental; e do efeito horizontal de caráter imediato/direto na hipótese de aplicação dos direitos fundamentais nas soluções de conflitos entre particulares, sob o argumento de que, além do Estado, outras forças sociais podem lesar o indivíduo.50

Ao relacionar os direitos fundamentais com a atividade privada de assistência à saúde, oportuno que a observância a tais direitos tenha efeito imediato também aos particulares, seja em razão da autorização constitucional que possuem para atuar de forma suplementar ao Estado (conforme melhor será explanado adiante) ou, ainda, pela desigualdade entre o particular (operadora de planos de saúde) e o indivíduo (paciente/usuário de plano de saúde) que, em geral, se estabelece nessas relações privadas. Nessa linha é o posicionamento de Sarlet, que assim ensina sobre a eficácia dos direitos fundamentais também para as relações entre os particulares:

(31)

“Para além desta vinculação (na dimensão positiva e negativa) do Estado, também a ordem comunitária e, portanto, todas as entidades privadas e os particulares encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, o que implica a existência de deveres de proteção e respeito também na esfera das relações entre particulares. (...) Que tal dimensão assume particular relevância em tempos de globalização econômica, privatizações, incremento assustador dos níveis de exclusão e, para além disso, aumento do poder exercido pelas grandes corporações, internas e transnacionais (por vezes, com faturamento e patrimônio

– e, portanto, poder econômico maior que o de muitos Estados)”.51

Acertado, portanto, o posicionamento de Sarlet, pois os particulares atuam no campo da saúde com base em permissivo constitucional e a CF, por sua vez, consagra os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana como orientadores da proteção do cidadão; assim, é consenso na doutrina que tais entes privados não podem se eximir da observância de tais princípios no exercício de suas atividades.

É evidente que as normas sobre os direitos fundamentais devem ter como norte a Constituição Federal e, na lição de Jorge Miranda52, “diversamente de todas as anteriores Constituições, a de 1988 ocupa-se dos direitos fundamentais com prioridade em relação às demais matérias”.

O direito à saúde, portanto, foi consagrado pelo constituinte como direito social fundamental. Sua origem remete à Revolução Industrial e ao pleito dos proletários por uma vida mais saudável e em melhores condições. Nessa linha, ensina

51 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 133-134.

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Daniela Batalha Trettel53 que o direito à saúde teve origem em processo de reconhecimento histórico, originado pela Revolução Industrial e urbanização.54 O proletariado pressionou o Estado para a promoção de melhora na vida dos trabalhadores, luta essa que garantia interesse dos trabalhadores e dos empresários. Nesse contexto, Daniela Trettel manifesta que “o direito à saúde dos trabalhadores passa a fazer parte das exigências para uma vida mais digna”.55

Daniela Trettel acrescenta que, com a Segunda Guerra Mundial, as controvérsias sobre o conceito do direito básico à saúde deixaram de existir; já não mais se discutia se o direito à saúde estava ou não ligado às condições de moradia, jornada de trabalho, ambiente nas indústrias, etc. Isto porque, com as dificuldades da Segunda Guerra, em 1948, foram criados a Organização das Nações Unidas (ONU) e os órgãos a ela vinculados, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que ratificou o conceito interligado entre saúde e dignidade.

Sueli Gandolfi Dallari56 enfatiza que a Revolução Industrial deu margem ao debate sobre duas possíveis correntes conceituadoras de saúde: uma corrente buscava o conceito a partir das condições precárias de produção do trabalhador, relacionando a saúde com as condições de trabalho, moradia e alimentação dos trabalhadores; outra corrente se apoiava nas descobertas de moléstias e no desenvolvimento de medicamentos, definindo saúde apenas como a

53 TRETTEL, Daniela Batalha. Planos de saúde na visão do STJ e STF. São Paulo: Verbatim, 2009, p.

55.

54 Segundo ensina Sueli Gandolfi Dallari, o Estado já participava da prestação de saúde anteriormente

à Revolução Industrial, pois o empresário se recusava a melhorar as condições sanitárias de seus empregados, pelo fato de impactar no preço de seu produto e reduzir sua margem de lucro. A saída para solucionar o problema de saúde foi exigir do Estado sua participação efetiva. Com o aumento do proletariado, passou-se a exigir cada vez mais a intervenção do Estado na garantia do “direito à saúde” dos trabalhadores (DALLARI, Sueli Gandolfi. Municipalização dos serviços de saúde. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 20-21).

55 TRETTEL, Daniela Batalha, op. cit., p. 54.

56 DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995, p.

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“ausência de doenças”.

Reforça Sueli Dallari que a Segunda Guerra Mundial pôs fim a essas discussões, pois “carente de recursos econômicos, destruída sua crença na forma de organização social, alijada de seus líderes, a sociedade que sobreviveu a 1944 sentiu a necessidade iniludível de promover um novo pacto”.57 A partir daí a definição do

direito à saúde que prevaleceu aliava o equilíbrio interno do homem ao seu ambiente e qualquer tentativa de diminuir a amplitude desse conceito corria o risco de deformá-lo.58

Assim, a OMS (1946) ratificou esse conceito e definiu a saúde como o “completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.

Mais tarde, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (aprovada pela ONU) considerou expressamente a saúde como uma das condições necessárias para a vida digna e, consequentemente, como direito essencial do ser humano, conforme artigo 25 da referida Declaração Universal, in verbis:

“Art. 25. 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de

perda dos meios de subsistência fora de seu controle”.

Portanto, para que o cidadão faça jus ao direito à saúde, não é suficiente a ausência de alguma doença, mas, conforme a OMS, é necessário que goze de bem-estar físico, mental e social59. Seguindo esse conceito mundial, a CF brasileira de 1988 consagrou a saúde como direito social do cidadão, e conferiu o

57 DALLARI, Sueli Gandolfi, op. cit., p. 19. 58 DALLARI, Sueli Gandolfi, op. cit., p. 19.

(34)

acesso igualitário e universal às ações e serviços à saúde. O constituinte brasileiro adotou o conceito que alia ausência de doença e bem-estar do cidadão.60

Ao lado da previdência e assistência social, a saúde é direito social básico e integrante da seguridade social. Seguridade social está definida na CF como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194, CF). Maria Stella Gregori ensina que tais ações são individuais, mas

orientadas de forma interligada, e acrescenta que a saúde e a assistência social devem ter a garantia e proteção do Estado, independentemente da contrapartida pecuniária do cidadão.61

A saúde passou a ser considerada direito de todos e dever do Estado, ou seja, ao lado do direito de todo o cidadão à saúde há o dever do Estado de prestar tais serviços, conforme previsto no art. 196 da CF, in verbis:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação”.

A parte final do dispositivo acima traz dois princípios constitucionais relevantes62: (i) princípio do acesso universal à saúde, o qual considera que os recursos da saúde devem ser destinados de forma geral a todos os cidadãos, independente de um grupo determinado ou uma categoria ou classe de pessoas; e (ii) o princípio do acesso igualitário, em que todos devem ter tratamento sem distinção

60 DALLARI, Sueli Gandolfi, op. cit., p. 30. 61 GREGORI, Maria Stella, op. cit., p. 29.

62 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.

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ou favorecimento.

Celso Ribeiro Bastos enfatiza que “a atividade de saúde é aberta a toda a coletividade. Esse é, sem dúvida, o propósito da Constituição, ao deixar certo que, se por um lado a saúde é direito de todos, para o Estado ela é um dever, sem, contudo, transformá-la em monopólio estatal”.63

Podemos afirmar, portanto, dada a relevância das ações da saúde para os cidadãos, que terá ele o direito de exigir do Estado a prestação de assistência à saúde pública digna e a fiscalização e normatização da saúde privada, com o intuito de assegurar-lhe os direitos plenos à vida e à saúde, e, consequentemente, à sua dignidade.64 Em complemento a este entendimento, Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer65 ressalta que o titular do direito universal à saúde deve ser protegido de práticas que afrontem a CF, devendo ter assegurado o equilíbrio na sua relação com o fornecedor, sob pena de ofensa à sua dignidade.

José Afonso Silva66, ao expor sobre o significado do direito à saúde definido na CF, observa que há quem critique o texto com o argumento de que não se pode garantir saúde, pois se trata de questão fisiológica e, portanto, fora do alcance do Estado. Evidente que tal colocação foi merecedora de crítica pelo autor, que defende a definição posta pelo legislador constituinte e para quem o art. 196 da CF

63 BASTOS, Celso Ribeiro. Plano de atendimento à saúde PAS Aspectos administrativos e

constitucionais. Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas ano 4, vol. 15, São Paulo, abril-junho de 1996, p. 232-249.

64 OLIVEIRA, Amanda Flávio. Regulamentação dos planos de saúde e proteção da pessoa humana.

Revista de Direito do Consumidor vol. 51, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, s/d, p. 101-111.

65 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Cláusulas relativas à cobertura de doenças, tratamentos

de urgência e emergência e carência. In: MARQUES, Cláudia Lima; LOPES, José Reinaldo Lima; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos (coordenadores). Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 74-99.

(36)

não seria merecedor de reparo.67 Veja-se sua observação a respeito:

“A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente

uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula „a saúde é direito de todos‟, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo „todos‟, que é signo de universalização, mas como destinação precisa aos brasileiros e estrangeiros residentes aliás, a norma reforça esse sentido ao prever o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde – e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula a saúde é dever do Estado, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da

Administração indireta”.68

Há, porém, outras reflexões sobre o mencionado dispositivo constitucional. Na lição de José Luiz Toro da Silva é preciso verificar as limitações orçamentárias e conjunturais.69 Para o autor, a demanda na área da saúde tem aumentado em razão da alta expectativa de vida do cidadão moderno, o que alerta para a questão sobre a fonte de recursos necessária para a prestação de assistência à saúde. Em seguida, acrescenta o autor que “resta saber, portanto, se existe um direito

efetivo à saúde ou se este está sujeito à existência de recursos financeiros para a sua implementação, custeados por toda a sociedade, a qual o Congresso Nacional ou outro órgão de representação popular fará a escolha das alocações de recursos”.70

67 SILVA, José Afonso, op. cit., p. 782. 68 SILVA, José Afonso, op. cit., p. 782.

69 SILVA, José Luiz Toro da. Manual de Direito da Saúde Suplementar. A iniciativa privada e os

planos de saúde. 1ª edição. São Paulo: Mapontes, 2005, p. 21-23.

(37)

A manifestação de José Luiz Toro da Silva nos leva a analisar, ainda, o argumento de que os direitos sociais ficam restritos à “reserva do possível”; ou seja, a concretização dos direitos sociais dependeria da situação econômica do Estado. Esse entendimento, no entanto, merece críticas, pois a problemática orçamentária do Estado não pode servir para limitar o direito pleno à saúde do cidadão.71 Coadunam-se com tal posição os ensinamentos de Mônica de Almeida Magalhães Serrano:

“O fato da limitação orçamentária do Estado não pode servir à limitação de um direito pleno, configurado constitucionalmente, cuja aplicabilidade deve ser imediata, conforme prescreve clara e expressamente o artigo 5º, § 1º da Constituição Federal. Ademais, não se pode limitar um direito encampado pela ordem constitucional como essencial ao exercício da cidadania e dignidade da pessoa humana, com a aplicação simplista da

denominada „reserva do possível‟ e restrita aos direitos sociais”.72

É nítida a relevância das ações e políticas de saúde conferida pelo constituinte aos cidadãos brasileiros. Isto demonstra que a prestação de assistência à saúde no Brasil deve respeitar os ditames constitucionais, independentemente da forma como esta assistência será prestada: seja pelo Poder Público ou pelo setor privado.

71 Nesse sentido, posicionou-se o STF (na ADFP nº 45): “A cláusula da reserva do possível –

ressalvada a ocorrência de justo motivo aferível – não pode ser invocada pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando dessa conduta governamental negativa puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”.

72 SERRANO, Mônica de Almeida Magalhães. O Sistema Único de Saúde e suas diretrizes

(38)

1.3. As formas de prestação de assistência à saúde de acordo com a CF de 1988

A prestação de serviços de saúde no Brasil dá-se, basicamente, nas seguintes formas:

a) pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como serviço público; e b) pela iniciativa privada, de forma suplementar.

Como ensina Maria Stella Gregori73, não há “monopólio estatal sobre a prestação dos serviços de assistência à saúde, na medida em que o setor privado a eles também pode ter acesso”. Esse acesso, porém, em razão da relevância pública, é

fiscalizado e controlado pelo Poder Público, conforme previsto no art. 197 da CF, in verbis:

“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,

cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa

física ou jurídica de direito privado”.

A CF de 1988, portanto, combinou dois sistemas para atender à assistência à saúde: de um lado há a prestação derivada de serviço público, que pode incluir rede própria, conveniada e contratada ao SUS e, de outro, o atendimento decorrente de um sistema privado autônomo, sem vínculo com o SUS, de caráter supletivo, fiscalizado pelo Poder Público, e objeto do presente estudo.74

(39)

A assistência médica prestada pelo serviço público, como observado, é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, conforme previsão do art. 198 da CF75, suas ações e serviços são desenvolvidos em rede regionalizada e hierarquizada, constituindo sistema único e organizado, conforme as seguintes diretrizes (incisos I a III do referido dispositivo constitucional): (a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e (c) participação da comunidade na gestão do SUS.

De acordo com Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior76, a descentralização do SUS significa que o atendimento à saúde deve ser feito pelos Municípios, pelos Estados (questões complexas) e pela União (gestão do sistema). Acrescentam que o atendimento integral à saúde pressupõe a prevenção, a assistência médica e hospitalar e o acesso aos medicamentos. Por fim, enfatizam que a participação da comunidade foi consagrada pela criação dos Conselhos de Saúde (entes federativos).

O SUS se baseia no princípio da universalidade, pois deve atender a toda a população. Suas diretrizes são a descentralização, com comando único em cada esfera do governo e a integralidade, com atendimento e participação da comunidade. Na lição de Mônica de Almeida Magalhães Serrano, essas diretrizes denotam que o modelo foi criado democraticamente, com o objetivo de a

75“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e

constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

Parágrafo 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (...)”.

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universalização do SUS beneficiar a população de forma geral e igualitária.77

Ao regulamentar os respectivos dispositivos da CF, o legislador infraconstitucional o fez de forma a desenvolver ações por meio de órgãos e entidades públicas, instituições públicas, privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme previsto expressamente na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos seus serviços correspondentes, e na Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS.78 As atribuições do sistema único de saúde estão claramente previstas no art. 200 da CF.79

Oportuno esclarecer que os prestadores de serviços privados também integram o SUS e essa prestação se dá em regime público, com regras e características de serviço público e complementam a atividade estatal, diante de sua ineficiência. Como ensina Maria Stella Gregori, “esse braço do subsistema público passou a ser conhecido como setor privado complementar”.80 Não se confunde,

porém, com o sistema privado suplementar de saúde, cujos prestadores não têm vínculo algum com o SUS, e prestam serviços mediante a contrapartida da

77 SERRANO, Mônica de Almeida Magalhães, op. cit., p. 72.

78 CUNHA, Paulo César Melo da. As Agências Reguladoras como instrumento do aparelhamento

estatal – A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Revista de Direito Empresarial Público (coordenadores: Marcos Juruema Vilela Souto e Carla C. Marshall). Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2002, p. 365-389.

79“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;

VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII –colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

(41)

remuneração dos cidadãos, ou seja, trata-se dos planos de assistência à saúde tratados especificamente nesse estudo.81

Assim, com relação à exploração da prestação de assistência médica pela iniciativa privada, consagrou a CF de 1988, em seu art. 199, caput, que a “assistência à saúdeé livre à iniciativa privada”, permitindo-se, assim, seu exercício

como atividade econômica. Referida atividade é exercida, por conseguinte, pelas pessoas jurídicas de direito privado como prestadores de assistência à saúde, em conformidade com o permissivo constitucional.

Assim, atendidos os princípios constitucionais da livre-iniciativa, da defesa do consumidor e da livre concorrência (art. 170, caput, incisos IV e V, da CF), as operadoras de planos de saúde privados, como pessoas jurídicas de direito privado que são, atuam de forma suplementar ao Estado como prestadores de serviços na área médico-hospitalar.

Neste contexto, na lição de Paulo César Melo da Cunha, “daí porque a Constituição cuidou de caracterizar distintamente as figuras do usuário e do consumidor, estando o primeiro vinculado à execução pública da saúde, sujeito, pois, ao art. 196, da Constituição, ao passo que o consumidor relaciona-se à execução privada, porém adstrito a uma regulação pública, conformando-se ao art. 199”.82

81 GREGORI, Maria Stella, op. cit., p. 40. Maria Stella Gregori destaca que não há consenso sobre a denominação, mas há distinção entre a saúde “complementar” e “suplementar”. Entende que a primeira reflete o “braço” do sistema público, ou seja, são os prestadores de serviços que atuam de forma contratada ou conveniada com o SUS, observando as regras do setor público e submetendo-se ao seu regime. Enquanto a segunda denominação (“suplementar”) refere-se aos serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde, de forma suplementar ao serviço prestado pelo SUS. Ao citar entendimento manifestado por Célia Almeida, que adota o conceito de assistência suplementar, acrescenta que tal serviço privado seria suplementar, pois integra a classificação utilizada pelas seguradoras e significa a opção de pagar um plano para ter assistência médica. Adotou-se nesse trabalho a denominação mencionada pela autora, ou seja, suplementar (ALMEIDA, Célia. O mercado privado de serviços de saúde no Brasil: panorama atual e tendências da assistência médica suplementar. Brasília: IPEA, 1998, apud GREGORI, Maria Stella, op. cit., p. 40).

Referências

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