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Reconstruir o Habitar: no projeto de intervenção na cidade de Viseu

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Academic year: 2021

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RECONSTRUIR O HABITAR

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RECONSTRUIR O HABITAR

n o p ro j e t o d e i n t e r ve n ç ã o n a c i d a d e d e Vi s e u

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ARQUITETURA APRESENTADA À FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE DO PORTO M a f a l d a A l e x a n d r a M o r a i s D i a s T o r r e s R e b e l o O r i e n t a d o r : P r o f . ª D r a . M a r i a J o s é L o p e s C a s a n o v a

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Nota prévia:

A presente dissertação obedece ao novo acordo ortográfico, por opção do autor.

As citações traduzidas para português, referentes a edições não portuguesas, foram livremente traduzidas pelo autor.

O significado das palavras que dão nome aos capítulos deste trabalho e se encontram no início do capítulo correspondente foram transcritas do dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora correspondente à edição de 2003.

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a

gradecimentos

À professora Maria José Casanova, pela partilha de conhecimentos e por me ensinar a aprender com as minhas incertezas.

Ao João, cliente e amigo, que proporcionou esta pesquisa.

A todos os professores que fizeram deste percurso na faculdade de arquitetura um constante querer saber e fazer mais. Ao professor António Neves, que se disponibilizou a ajudar.

Aos amigos, que acompanharam todas as inquietações durante a realização deste trabalho. Ao Nuno, ao António, à Beatriz e à Rita com quem partilhei residência, troquei conhecimentos e pelo modo como seguiram de forma as-sídua este processo. Ao Diogo, por toda a disponibilidade e pequenas ajudas. Aos amigos de biblioteca, pelos dias de trabalho.

Ao Arquivo Distrital de Viseu, à SRU e à Câmara Municipal de Viseu pela documentação disponibilizada.

Aos meus pais, que mesmo estando longe sempre se esforçaram por me acom-panhar durante todo o percurso académico e se empenharam em fazer parte dele. Ao meu irmão e à minha avó, pelo apoio incondicional.

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r

esumo

Este trabalho, parte de uma proposta concreta para a realização de um pro-jeto de reabilitação de um edifício antigo de habitação e comércio, no centro histórico de Viseu.

Analisa-se o lugar e o edifício, identificando-se as suas especificidades à luz da história do local em que se insere, enquanto núcleo fundamental de cresci-mento da urbe e seu inigualável repositório patrimonial. Aliás, é nesta relevân-cia histórica que o trabalho tenta procurar o ponto de partida para um apro-fundamento dos conceitos de património, identidade, memória e conservação. O tema da progressiva degradação do património urbano e do investimento imobiliário descaraterizador (irresponsável), é tocado de forma parcial, na def-esa dos valores inerentes ao edificado patrimonial.

O trabalho tenta, pois, abordar um conjunto de temáticas em torno da inter-venção, e em particular da reabilitação e restauro, partindo de um pequeno projeto localizado num centro patrimonial de referência para uma abordagem mais abrangente sobre o tema da intervenção em património.

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a

bstract

This work has started from a real proposal for the refurbishment of

an old residential and commercial building, located at Viseu’s historic

centre.

The building and its location are analysed, and its particularities

iden-tified in the light of the history of its location, and regarding its role as

a driver of city growing, and as an heritage repository. It is precisely

within this historic relevance that the study tries to find out the way for

a deeper approach of the concepts of heritage, identity, memory, and

conservation.

The subject of the gradual degradation of urban heritage, and

re-al-estate character-spoiling (irresponsible) investment is also partially

touched by standing for the values that are inherent to the built heritage.

Thus, the thesis aims to tackle a range of matters around intervention,

and in particular rehabilitation and restoration, starting from a small

architectural project located at a reference heritage city centre, to get a

more comprehensive analysis of the heritage intervention concept.

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nota introdutória ...15 1. do Lugar ...21 história ...27 experiência ...45 memória ...63 2. do Habitar ...79 a casa ...85 3. do Intervir ...105 restauro ...111 reabilitação ...127 projeto ...143 nota final ...173

referências e fontes bibliograficas ...175

lista de créditos das imagens ...181

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n

ota introdutória

A presente dissertação elaborou-se tendo por base o desenvolvimento de um projeto de intervenção surgido na sequência de uma oportunidade que se de-cidiu explorar. Após um período em programa de Erasmus na universidade Roma Tre, em Roma, onde se iniciou a aproximação à temática do restau-ro, esta proposta permitiu assim dar continuidade à reflexão sobre o tema da intervenção em património. Aliando-se a este interesse junta-se a intenção demonstrada por parte do cliente pela execução real do projeto, colocando-se, por isso, a hipótese da realização de uma primeira experiência aprofundada simultaneamente com as vontades de outrem. Trata-se aqui de uma proposta que visa a interpretação e reinterpretação de uma preexistência, um antigo edifício de habitação e comércio, um edifício real e construído num contexto também ele real.

O local onde se implanta o edifício em causa foi um fator decisivo também na escolha dos temas a explorar nesta dissertação. Apesar das reduzidas di-mensões que o objeto apresentava, a sua condição de localização - no cen-tro histórico da cidade de Viseu - levantava inquietações mais profundas que aquelas meramente espaciais e construtivas. A anteceder e a acompanhar o processo de reconhecimento do edifício, surgiram, pela condição da locali- zação, questões relacionadas com o caráter desta possível intervenção, que diretamente se relacionam com o lugar onde se insere o objeto. Paralelamente à condição do lugar, procuraram entender-se conceitos como o de património, identidade e memória. Procurou ainda perceber-se a questão identitária que atravessa a cidade tradicional e os seus centros históricos, a importância da sua conservação e o modo como hoje se encaram estes reservatórios da história que mantêm viva a memória de outros tempos.

OBJETO, OBJETIVOS

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16

Em sequência deste primeiro levantamento de questões partiu-se para o reco- nhecimento do lugar e do edifício, das suas caraterísticas, da sua história e do modo como objeto e cidade se relacionam. Realizou-se, portanto, um trabalho de campo que visou não só o levantamento arquitetónico do objeto de estudo como também a apreensão de imagens, experiências e conhecimento de toda a cidade, atentando particularmente ao seu núcleo histórico, local onde as permanências davam já notícia da história da sua formação. A localização do edifício onde se pretendia intervir fez com que a evolução e crescimento desta cidade fossem também motivo de uma reflexão, na tentativa de o situar no tempo, colmatando assim a falta de documentação existente. E, tratan-do-se aqui de um conjunto urbano classificado como património, procuraram reconhecer-se as caraterísticas que contribuem para uma ideia unitária e iden-titária e que, com essa classificação, se procuram preservar.

Partindo da procura de uma solução para o projeto de intervenção, o pre-sente trabalho foi sendo elaborado com base nas inquietações que se foram levantando desde a primeira proposta de solução. A partir daí procurou des- construir-se essa primeira abordagem e, com base na formação teórica e recor-rendo ao enquadramento disciplinar, teoria e prática colocaram-se lado a lado num aprofundamento de conhecimentos e soluções. Não só se questionou o significado do lugar como a pertinência do programa em função do mesmo. Questionaram-se as intenções do cliente e colocaram-se em relação com as vontades do contexto. Assim, perante o confronto entre programa e contexto, resultou uma ação de consciencialização que conduziu ao questionamento das decisões de projeto e, portanto, a um maior entendimento do seu processo. Neste sentido, o projeto que se apresenta não se encontra ainda concluído mas foi dado o passo fundamental para o seu arranque, apresentando-se como possibilidade em aberto.

Para o desenvolvimento deste trabalho de dissertação e organização da sua estrutura reconheceu-se, então, o objeto onde se pretendia intervir, refletiu-se sobre a importância do lugar, questionou-se o modo como se organizaria o programa e o tipo de intervenção que melhor se adequaria a este caso con-creto, optando-se por princípios que se enquadram no quadro da reabilitação. Aprofundaram-se as questões do habitar e abordou-se o tema da progressiva degradação dos centros históricos e do modo como hoje o grande investimen-to para a conservação destes núcleos resulta tantas vezes em intervenções

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sajustadas que ao invés de preservarem uma memória, e portanto um sentido de continuidade histórica, procuram apenas a manutenção de uma imagem. Assim, com a reflexão desenvolvida pretende-se também uma sensibilização para o reconhecimento dos valores inerentes a todo o património.

Para responder às interrogações levantadas durante o processo de projeto or-ganizaram-se três capítulos, o primeiro dedicado ao ‘Lugar’, o segundo ao ‘Habitar’ e o terceiro ao ‘Intervir’. Para cada capítulo optou-se ainda pela sua subpartição, nomeando os temas específicos que aqui se exploraram.

Este trabalho resulta assim não só da formação e experiência de projeto ad-quirida ao longo do percurso académico na Universidade do Porto como da realização recente de um projeto de restauro na Universidade Roma Tre. Deste modo o trabalho culmina numa exposição das temáticas relacionados com o projeto específico do edifício de Viseu mas também na perceção das diferenças e semelhanças na abordagem destas duas escolas, organizando-se, para este trabalho, uma linha de pensamento que vai de encontro àquela já utilizada na realização do projeto de restauro em Roma.

Considerando os vários conceitos relacionados com o tema da intervenção (relativos à história, à experiência e à memória) e ainda aqueles da habitação, reflete-se sobre essas diferentes aprendizagens. Em Roma a intervenção con-templou um restauro e, portanto, uma abordagem que defende a reposição de um tempo ‘ideal’, caraterístico, e que tem por objetivo devolver ao objeto esse tempo. Por outro lado, neste trabalho, a intervenção prevê uma reabilitação e, por isso, uma aceitação do existente como parte da evolução e da vida do edifício, entendendo-se a intervenção atual como mais uma etapa dessa vida, que tenha em consideração aquilo que se recebe e o modo como se conforma o edifício num tempo que é o presente.

A escolha do título ‘Reconstruir o Habitar: no projeto de intervenção na ci-dade de Viseu’ procura, assim, dar a entender os temas que aqui se explor-aram. “Reconstruir o Habitar”, por se propor uma reinterpretação de uma antiga habitação e a sua adaptação à vida contemporânea. “No projeto de intervenção na cidade de Viseu”, por se partir de uma proposta de intervenção para um edifício localizado em Viseu como base para se refletir sobre esse re-construir e sobre esse habitar, como temas da disciplina da arquitetura.

ESTRUTURA

ESCOLHA DO TÍTULO

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Cada casa é um caso. E é um caso anterior à sua específica construção. Inicia-se na vontade expressa de alguém que diz: “Faça-se!” e prossegue na particular sedimentação que confere espessura à narra-tiva da história - da sua própria, e da outra, mais geral, a que inexoravelmente pertence.1

1. SALGADO, José in Associação Casa da Arquitetura - A CASA em Roberto Ivens. Matosinhos: Associação

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L

“s.m. 1 espaço ocupado por um

corpo; sítio; local; 2 posição;

ordem; 3 localidade; pequena

povoação; região; 4 categoria

social; [...] 10

MATEMÁTI-CA ~ geométrico, conjunto

de pontos que possuem uma propriedade comum e exclu-siva;”

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23

1. do

L

ugar

Foi na tentativa de nomear este primeiro capítulo, ‘do Lugar’, que se dedica a uma reflexão sobre Viseu, cidade onde se insere o objeto de estudo, que surgiu a necessidade de perceber: o que é o lugar1 e o que o

distingue do espaço2? porque é que falar de Viseu é diferente de falar do

Porto ou Lisboa que são também lugares? de que modo este lugar, que é o centro histórico de Viseu, influência as decisões de projeto?

Pensar um lugar não se dissocia de pensar um espaço, pois cada objeto ou acontecimento encontra no espaço o seu lugar.3 Mas, o lugar

pres-supõe em si um acontecimento, uma ação, uma ocupação, um existir, ao contrário do espaço que pode ser entendido como o espaço vazio, e que tantas vezes, numa vertente cientifica, se remete a todo o universo tridimensional. Ignasi de Solà-Morales (1942-2001) diz, no seu livro

Diferencias, e a propósito da noção de espaço em arquitetura, que esta

é uma conceção moderna, e por isso recente, estando inevitavelmente associada às infinitas possibilidades formais que surgiram nessa época. Ele salienta que esta noção de espaço não deve ser confundida com a de lugar. Se pensar o lugar se apresenta como ponto de partida às re-alizações arquitetónicas, pelo contrário, o espaço apresenta-se como o resultado dessas realizações.4

Um lugar é, portanto, um fenómeno qualitativo e ‘total’ que não podemos reduzir a nenhuma das suas propriedades, como as relações espaciais, sem perder de vista a sua natureza concreta.5

Esta visão de Norberg-Schulz (1926-2000), arquiteto norueguês, propõe o entendimento do lugar como um fenómeno qualitativo, como a de-terminação precisa da relação geral espaço-tempo, quer pelas suas ca-raterísticas próprias, quer pelo ambiente que o envolve, já que para diferentes ações se destinam diferentes lugares em meios ambientes também eles diferentes. O lugar é para o arquiteto mais do que a sua localização, é o resultado da soma de todos os seus componentes, sejam eles naturais ou construídos. Ou, de encontro ao pensamento do filó-sofo Heidegger (1889-1976), o resultado de circunstâncias locais que, quando contínuas, criam identidade e caráter e, assim, definem um lu-gar.6 Poderá, portanto, concluir-se que o espaço tem um caráter

quan-titativo e o lugar, pelo contrário, um caráter qualitativo.

1. COSTA, J. Almeida; Melo, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 6.ª edição.

lugar, s. m. espaço ocupado por um corpo; sítio; localidade; pequena povoação; região [...]”

2. ibid. “espaço, s. m. extensão indefinida; área; duração; intervalo; lugar; capacidade de um lugar [...]” 3. BOLLNOW, Otto Friendrich - Hombre y espacio. Barcelona: Labor, 1969. “ (...) tudo tem no espaço o seu

lugar natural.” p.35

4. MORALES, Ignasi de Solà - Diferencias: Topografía de la arquitectura contemporánea. Barcelona:

Gus-tavo Gil, 1995. p.112

5. SCHULZ, Christian Norberg - Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. New York:

Riz-zoli, 1980. p.7

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01,02,03 - Fotografias das cidades de Viseu, Porto e Lisboa, correspondentemente,

através das quais facilmente se identificam os traços gerais de cada uma. Assim, pre-tende-se com estas imagens demonstrar as caraterísticas de cada lugar que permitem torná-lo único e dotá-lo de identidade, dando a entender o ‘genius loci’ de cada uma e demostrando as diferenças notáveis entre as três.

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25 Se o homem é o guardião das palavras e só delas emerge o sentido das coisas, a

arquitetura tem uma tarefa precisa: fazer das condições já dadas de cada lugar pa-lavras que signifiquem as qualidades da sua existência, e que revelem a riqueza e conteúdos que elas potencialmente contêm.7

Pensar um projeto arquitetónico para Viseu é, por isso, diferente de pensar um projeto para outra cidade como o Porto ou Lisboa, por e- xemplo. É pensar todas as caraterísticas que dão ao lugar uma identi-dade única, geográficas, históricas, arquitetónicas e culturais, e fazer delas o material de trabalho de uma obra para um tempo que é o pre-sente, potenciando-as, como refere na citação acima transcrita Ignasi Solà-Morales.

A noção de genius loci8, introduzida por Norberg-Schulz, e que significa

o espírito do lugar é então, determinada pelo conjunto de caraterísticas que dão a cada cidade a sua identidade e caráter próprios e que, por isso, devem servir de premissa às decisões projetuais. Não se pretende uma imitação ou repetição dessas caraterísticas próprias de cada lugar, mas pretende-se sim uma continuidade e uma consciência histórica que conectem o novo com o preexistente, respeitando-o.9

A acrescer ás caraterísticas físicas, próprias da cidade, também as con-ceções mentais criadas pelo Homem conferem identidade ao lugar. É através da experiência e da memória que o ser humano produz a sua própria perceção do lugar, colocando o seu corpo no espaço e relem-brando tempos passados. A propósito da experiência Maurice Ponty (1908-1961) defende, no seu livro ‘Fenomenologia da perceção’, que “a consciência do lugar é sempre uma consciência posicional”.10 No que

diz respeito à memória, Aldo Rossi (1931-1997), na sua obra ‘A arquite-tura da cidade’ afirma que “tal como a memória está ligada a factos e lugares, a cidade é o locus da memória coletiva.”11

Assim, neste primeiro capítulo propõe-se uma reflexão crítica sobre os elementos determinantes à identidade da cidade de Viseu, contemplan-do sempre o projeto de reabilitação ao qual se procura dar resposta. A história, a experiência e a memória, dão assim, nome a estas reflexões que se tornaram questões essenciais durante o processo de projeto.

7. MORALES, Ignasi de Solà - Diferencias: Topografía de la arquitectura contemporánea. Barcelona:

Gus-tavo Gil, 1995. p.115

8. SCHULZ, Christian Norberg - Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. New York:

Riz-zoli, 1980.

9. MORALES, Ignasi de Solà - op. cit. p.120

10. PONTY, Maurice Merleau in MONTANER, Josep Maria - A modernidade superada: arquitetura, arte e

pensamento do século XX. Barcelona: Gustavo Gil, 2001. p.37

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h

istória

“s.f. 1 evolução da

humani-dade; 2 narração crítica e

por-menorizada de factos sociais, políticos, económicos, mili-tares, culturais ou religiosos, que fazem parte do passado de um ou mais países ou povos; 3

sucessão natural des- ses mes-mos acontecimentos; 4 ramo

do conhecimento que se ocu-pa do estudo do ocu-passado, da sua análise e interpretação;

5 estudo da origem e do

pro-gresso de uma ciência, arte, ou área de conhecimento; 6

narrativa; conto; 7 biografia; 8

LINGUÍSTICA conjunto das acções e das situações repre-sentadas num texto narrativo;”

A palavra história, como se pode constatar através da sua definição (transcrita em nota lateral), é refente não só a factos e acontecimentos referentes a um tempo passado, mas também à sua evolução e inter-pretação crítica num tempo que é o presente. Não sendo uma ciência exata, a tentativa de apreensão de um conhecimento da história resulta sempre da observação da realidade juntamente com a interpretação do trabalho dos historiadores. Muitas vezes, esses estudos, são já interpre-tações de testemunhos deixados pelo tempo estabelecendo a verdade dos factos no seguimento da verdade de quem os descreve. Assim, o trabalho dos arqueólogos e historiadores, apesar de não ser alheio à vertente humana subjetiva de quem os realiza, apresenta-se como o facto mais verdadeiro de que se pode ter notícia e do qual o homem se deve servir para completar e fundamentar uma memória coletiva, que tantas vezes fantasia a verdadeira história das coisas.12

É claro que apenas conhecer a história não é suficiente. É necessário meditar sobre ela já com um objetivo bem definido em mente, para contemplá-la a fim de ser capaz de criar obras novas, obras autenticas.13

É de encontro a este discurso do arquiteto italiano Ernesto Rogers (1909-1969), que terá sido proferido a propósito da abertura do curso de História da Arquitetura Moderna no Politécnico de Milão, em 1964-1965, que se realiza, no presente trabalho, a reflexão histórica sobre a cidade de Viseu, através da referida análise documental e experiêncial. Tratando-se de uma procura de conhecimentos que surge do reconhe-cimento de uma certa historicidade14 envolvendo o objeto de estudo,

este saber da história tornou-se o ponto de partida para a perceção dos factos que constituem o objeto e aquilo que o envolve. Procura-se portanto, perceber o genius loci da cidade e, em particular, do seu centro histórico, lugar onde se implanta a casa cor-de-rosa que se pretende reabilitar. E, através do entendimento do espírito do lugar, aumentar a capacidade de responder às necessidades do presente em continuidade com os traços do passado, já que, para as preexistências, se poderá con-siderar que “o passado não deixa de viver e de se tornar presente”15.

Como premissa a esta análise o conceito de património é basilar, uma vez que, esta mesma área da cidade é, como conjunto, classificada pat-rimónio cultural.

12. ROMANO, Ruggiero, dir. - Enciclopédia Einaudi: volume 1, Memória-História. Porto: Imprensa

Nacio-nal-Casa da Moeda, 2004. p.160, 161

13. ROGERS, Ernesto Nathan - The sense of history: Continuity and discontinuity. Milão: Edizioni Unicopli,

1999. p.66

14. COSTA, J. Almeida; Melo, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 6.ª edição.

historicidade, s. f. carácter do que é histórico, isto é, que se reconhece como tendo-se realmente passado;

autenticidade; carácter do que existe, não no instante ou na eternidade, mas no tempo histórico [...]”

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100m 50

0

PORTA DA SENHORA DO POSTIGO

PORTA DOS CAVALEIROS

PORTA DE S. SEBASTIÃO

PORTA DA REGUEIRA

PORTA DE SANTA CRISTINA PORTA DE S. JOSÉ

PORTA DO SOAR

OBJETO DE ESTUDO

04 - Planta da cidade de Viseu, com a delimitação do centro histórico da cidade bem

como a identificação da muralha afonsina e as correspondentes portas e ainda com a localização do objeto de estudo, de forma a entender-se a sua localização, bem no centro deste núcleo antigo e com uma relação nítida com a Sé Episcopal e a Praça de D.Duarte.

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A definição da área de ocupação do chamado centro histórico da cidade de Viseu, de origem romana, é tida pelos limites da antiga, e última, muralha de proteção deste núcleo que data do século XV e seria com-posta por sete portas de entrada à cidade.16 Esta construção centenária,

que hoje se encontra em ruína e da qual existem apenas alguns vestígios da sua existência, delimitava a cidade naquela época e, embora não da mesma forma, também o faz na atualidade.

Apesar de não servir mais a sua função original o desenho que a mura- lha produzia na cidade ainda hoje se faz sentir conformando já não os limites da cidade mas a área histórica de proteção de Viseu. Área esta, que pelo seu valor histórico e cultural deu origem à criação do ‘Pla-no estratégico para a Revitalização do Centro Histórico de Viseu’ que vigorou até 2015. Neste ano é aumentada a área critica de reabilitação passando a denominar-se Área de Reabilitação Urbana (ARU). Assim, poderá dizer-se que é através da delimitação desta muralha que se de-fine aquilo que hoje é considerado património cultural17 e que, por isso,

se procura salvaguardar através da criação de legislação própria tendo por objetivo regrar qualquer intervenção. O objetivo é o de não perder as caraterísticas identitárias deste núcleo.18

É neste centro histórico, implantado numa colina, onde no ponto mais alto se localiza a Sé Episcopal, que se encontra o objeto que gerou a realização deste trabalho. Trata-se de um edifício misto, de habitação e comércio, cuja relevância arquitetónica se manifesta, fundamental-mente, por uma visão global do conjunto edificado classificado como património cultural, e não tanto pela análise do elemento isolado. A valorização e reconhecimento deste e outros conjuntos, e a sua adje-tivação como património é uma conceção relativamente recente que se acentua no pós-guerra quando, como consequência do processo de recons- trução das cidades, se revaloriza “a cidade que irá desaparecer, a cidade antiga”.19 Os novos planos de urbanização das cidades, que tinham já

sido iniciados no modernismo como necessidade de resposta à evolução tecnológica, vêm nessa mesma evolução a oportunidade de planear quase de raiz grandes áreas urbanas, e realizam-se planos de urbanização, como o de Haussman para Paris20, que acabavam por anular parte dos

16. CABRITA, António [et al.] - Breve história urbana de Viseu. Apresentação do Guia para a Reabilitação do Centro Histórico de Viseu [em linha]. [Consult. set. 2018]. Disponível na Internet: <

http://cm-viseu.pt/gui-areabcentrohistorico/apresentacao/index.php >. p.6

17. MENDES, José M. Amado - Património e museologia no ensino da História. Beira Alta: revista

trimes-tral para a publicação de documentos e estudos relativos às terras da Beira Alta. Volume 53, fascículo 1 e 2. Viseu: Junta Distrital de Viseu, 1994. p.122

18. MUNICÍPIO DE VISEU - Área de reabilitação urbana de Viseu [em linha]. 2015 [Consult. set. 2018].

Dis-ponível na Internet < https://www.cm-viseu.pt/doc/ARU/MD_ARU_24_08_2015_2.pdf >

19. AGUIAR, José - Reabilitação ou Fraude?. Revista Património, Nº2. Lisboa: Direção do Patri-monio Cultural, Nov. 2014. p.56

20. ROSSI, Aldo - A Arquitetura da Cidade. Lisboa: Edições 70, 2018. p. 194

VISEU

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núcleos antigos que na sua maioria, e contrariamente às novas idea- lizações, resultavam não de um ordenamento prévio do volume edifi-cado mas antes de gestos isolados no espaço e mesmo no tempo dando lugar às complexidades e diversidades que tornam estes lugares únicos e irrepetíveis. Como afirma François Choay “a noção de património urbano histórico constitui-se na contracorrente do processo de urba- nização dominante”21. É, por isso, nesta altura que se começa a atender

à questão identitária e histórica e se volta a valorizar o ‘coração das cidades’22, devido à consciência desenvolvida durante o movimento

moderno por alguns arquitetos que se começaram a questionar acerca desta rotura com o passado.

Gustavo Giovannoni (1873-1947) e Ernesto Rogers (1909-1969) são dois dos arquitetos que se destacaram em relação a esta temática e se dedicaram à reflexão crítica sobre os conjuntos urbanos antigos e a importância da sua conservação. Giovannoni dá origem ao conceito de património urbano23 defendendo que “uma cidade histórica constitui

em si um monumento”24, Rogers, por sua sua vez, coloca em discussão

a importância do ‘coração das cidades’, no oitavo congresso dos CIAM (1951, Hoddesdon), chamando à atenção dos modernistas para esta matéria e afirmando, a propósito dos novos planos urbanos, que “mui-tas vezes cometemos o erro de arruinar centros antigos, ricos em tensão espiritual, para resolver problemas triviais”.25

Assim, é na continuidade e como contradição dessas novas ideologias que começa a surgir uma maior preocupação pela salvaguarda dos cen-tros históricos e, consequentemente, da sua memória, introduzindo-se o valor do conjunto urbano que é agora património cultural, como é o caso do centro histórico da cidade de Viseu.

Este conceito, que abrangia apenas o monumento singular passa, assim, a considerar também a sua envolvente conferindo-lhe uma série de va-lores, históricos e artísticos, que vão para além da sua conceção física.26

E começam a surgir, no século XX, os primeiros princípios reguladores para a intervenção nestes núcleos de forma a balizar métodos e obje-tivos que zelassem pela salvaguarda de uma memória cognitiva. Surge a Carta de Veneza de 196427, por exemplo, que tinha por base os

con-21. CHOAY, Françoise - Alegoria do Património. Lisboa: Edições 70, 2013. p.193

22. ROGERS, Ernesto Nathan; SERT, Josep Lluís; TYRWHITT, Jaqueline - Il cuore della città: per una vita

più umana delle comunità. Milão: Hoepli, 1954. p.69-73

23. GIOVANNONI, Gustavo - Vecchie città ed edilizia nuova. Milão: CittàStudiEdizione, 2ª edição, 1995.

[Giovannoni refere-se no capítulo “La città come organismo estetico” ao “patrimonio meraviglioso di bellezza” atribuíndo à cidade antiga essa classificação.] p.113

24. GIOVANNONI, Gustavo in CHOAY, Françoise - op. cit. p.210

25. ROGERS, Ernesto Nathan; SERT, Josep Lluís; TYRWHITT, Jaqueline - op. cit. p.73

26. ICOMOS - Carta de Veneza: Sobre a conservação e restauro dos monumentos e dos sítios. 1964.

[Con-sult. jan. 2019]. Disponível na Internet < http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/cc/Car-tadeVeneza.pdf >

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ceitos já explorados na Carta de Atenas de 193128, em particular no

que dizia respeito aos monumentos. Neste documento estabelecem-se os primeiros princípios de salvaguarda e preservação destes conjuntos urbanos. É portanto, na segunda metade do século que esta temática ganha maior dimensão e passa a abranger várias áreas de estudo. Um outro exemplo é a Carta de Amesterdão (Carta Europeia do Património Arquitectónico), de 1975, que introduz novos conceitos e considerações contemplando a conservação integrada, e enaltecendo os valores sociais e urbanos que levam, também, à consagração do termo reabilitação.29

A historicidade e o reconhecimento do local como albergador de histórias e memórias são, por isso, as caraterísticas que conferem ao núcleo antigo de Viseu, situado no centro do território português, a sua classificação como bem de interesse público e cultural. Por consequên-cia, a casa de que trata este trabalho “adquire o seu sentido e o seu valor não tanto enquanto objeto autónomo de uma disciplina própria, mas como elemento e parte integrante de uma doutrina original de urbanização”30. Nesse sentido, o processo para a sua sua revitalização

visa não só a conservação da imagem do conjunto, mas dos valores que consigo transporta na procura pela definição de uma linha temporal e espacial contínua que deverá ter em conta os princípios de que agora se dispõe, cartas e convenções.

Cabe ao arquitecto ter a sensibilidade para, através do conhecimento da preexistên-cia, fazer uma síntese entre o passado e o presente, acrescentando novos significados e utilidades ao existente, sem o destruir ou anular.31

O conhecimento da história e formação da cidade torna-se, por tudo isto, fundamental como base de qualquer intervenção, nomeadamente para a intervenção em património cultural, permitindo uma análise conhecedora da mesma e conduzindo à tomada de decisões conscientes acerca do que é ou não pertinente. Tal como o arquiteto João Mendes Ribeiro (1960) sugere na citação acima transcrita, e no decorrer de toda a entrevista que lhe é feita acerca das intervenções em património cul-tural, o arquiteto tem o dever de “reorganizar criticamente a matéria preexistente, através de uma arquitetura que se deixa contaminar pelo existente e que, ao introduzir o novo, afirma a sua consolidação”.32

28. ICOMOS - Carta de Atenas: Conclusões da Conferência Internacional de Atenas sobre o Restauro dos

Monumentos. 1931. [Consult. jan. 2019]. Disponível na Internet < http://www.patrimoniocultural.gov.pt/ media/uploads/cc/CartadeAtenas.pdf >

29. AGUIAR, José - Cor e cidade histórica: Estudos cromáticos e conservação do património. Porto: FAUP publicações, 2002. O autor sintetiza: Carta Europeia do Património Arquitetónico. p.93

30. CHOAY, Françoise - Alegoria do Património. Lisboa: Edições 70, 2013. p.207

31. RIBEIRO, João Mendes - Acções Patrimoniais: Perspectivas Críticas. arqa:Arquitectura e Arte. Amadora: Futur magazine Sociedade Editora, Jul. Ago. 2010. p.28

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32 RUA DIREIT A RUA DO GONÇALINHO RUA A UGUST O HILÁRIO CARDO DECUMANOS FÓR UM 100m 50 0

05 - Planta da cidade de Viseu, com as correspondentes curvas de nível e a

identifi-cação da localização do antigo Fórum, do Cardo e do Decumanos. Identifica-se tam-bém nesta imagem o eixo secundário, paralelo ao decumanos, que passaria pela Rua Augusto Hilário, onde se localiza o objeto de estudo. O seguinte esquema apresenta-se como interpretação daquele elaborado por José Girão presente no Guia para Reabili-tação do CentroHistórico de Viseu.

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33 Depois da crise do princípio do movimento moderno, configurou-se uma nova meto-

dologia arquitetónica que se baseava na reinterpretação da história da arquitetura e na defesa da estrutura da cidade tradicional com o objetivo de recuperar a dimensão cultural e coletiva da arquitetura.33

É no seguimento desta metodologia, a que Montaner (1954) faz referência, como corolário de tudo que foi dito acerca da importância da história, que se inicia de seguida uma reflexão sobre a formação e desenvolvimento de Viseu, cidade de origem romana. Procura enten- der-se a importância deste lugar, o centro histórico, e em particular da Rua Augusto Hilário onde se localiza o edificado em estudo, entender o que lhe confere identidade, qual o seu ‘genius loci’ e de que forma se apresenta como resultado de uma continuidade espacio-temporal.

(...)se é certo que as cidades romanas tendiam a responder a um modelo ideal, ex-presso através da existência de elementos comuns, não podemos, todavia ignorar as variantes locais e as diferenças inerentes aos vários tipos de cidade, (...)34

A fixação dos romanos nesta área da Beira Alta é, como referido, o primeiro acontecimento marcante para a urbe local uma vez que as-sinala o início da formação da cidade. Esta, embora passando por um processo expansivo e evolutivo até à morfologia dos dias de hoje, fê- -lo por meio de uma lógica contínua de transformações e adições que permitem, por isso, aos vários estratos temporais uma participação na estrutura deste núcleo até à atualidade.35

Apesar de grande parte da documentação existente assumir que esta colina, onde se implanta a cidade de Viseu, seria uma zona já habitada numa época pré-romana, dá-se por certo, ainda assim, que é a roma- nização da cidade, com início no século I a.c., que dá lugar à primeira estrutura urbana nesta área. Assim, adaptando o ‘modelo ideal’ roma-no às ‘variantes locais’, terão sido definidos os seus eixos principais, o cardo e o decumanus e, onde estes se cruzavam, teria sido implantado o Fórum romano, conforme se mostra na figura 5.36

Hoje, o cardo é materializado pela Rua Direita, que recupera o seu traçado e o decumanus pela Rua do Gonçalinho, prolongando-se pelas

33. MONTANER, Josep Maria - A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento so século XX.

Barcelona: Gustavo Gil, 2001. p.119

34. MANTAS, Vasco Gil in SERRA, Sara Marques - A cidade romana de Viseu: A memória do passado como

suporte da cidade do presente. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura da Uni-versidade do Porto. Porto, 2018

35. CORREIA, Alberto - Cidades e vilas de Portugal: Viseu. Barcarena: Editorial Presença, 1989. O autor

diz, a propósito das alterações que sofre a cidade de Viseu: “Todavia como bosque sagrado que permanece vivo e igual, no tempo, assim a cidade mantém vivo o corpo e, porventura, o mantém fortalecido e mais belo” p.26

36. ALARCÃO, Jorge de - A cidade romana de Viseu. Viseu: Câmara Municipal de Viseu, 1989.

FORMAÇÃO DA CIDADE

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06,07,08 - Fotografia panorâmica do Adro da Sé de Viseu, onde se podem identificar

os três principais edifícios que o conformam, a Igreja da Mesericórdia, o Museu Grão Vasco e a Sé Episcopal. Fotografia da Igreja da Misericórdia tirada a partir do segundo piso do claustro pertencente à Sé Episcopal. Fotografia da Sé Episcopal tirada a partir da entrada da Igreja da Mesericórdia. Correspondentemente.

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35 SÉ CATEDRAL E DESENVOLVIMENTO URBANO

restantes ruas que lhe são contíguas. O antigo Fórum dá lugar ao mon-umento marcante da paisagem deste lugar, a Sé de Viseu. Pressupõe-se ainda, pela descoberta de vestígios que assim o indicam, a existência de eixos secundários, paralelos aos correspondentes cardo e decuma-nus, que dão hoje lugar a outras ruas37, entre as quais a Rua

Augus-to Hilário, onde se localiza o edifício a estudar, um edifício misAugus-to de habitação e comércio que, com duas frentes, conforma o gaveto que uniformiza a transição entre esta rua e a Rua Senhora da Boa Morte.38

Estas ruas, incluídas no contexto urbano onde se insere a Sé Catedral, terão então como base da sua conformação os antigos eixos da cidade romana. Embora o seu desenho não seja provavelmente o mesmo. Estas ruas que são, na atualidade, zonas destinadas a habitação e comércio, podem ainda ver associado este tipo de atividades à sua localização no cruzamento dos antigos eixos romanos, evocando a possível existência das ‘tabernae’, lojas romanas.

No que diz respeito à catedral da cidade, o grande monumento históri-co desta área que estabelece uma relação direta históri-com o edifício em es-tudo e com as habitações que o enquadram, sabe-se que se implanta onde antes existia a acrópole romana, como referido, e que, portanto, se localiza na cota mais alta da cidade. A Sé poderá, por isso, conside- rar-se o elemento referencial desta urbe, localizada no interior do país, devido à sua posição privilegiada face à paisagem o que lhe permite ser visível a uma distância considerável, ainda antes de se chegar à zona histórica de Viseu.

Esta alteração e adaptação da área da cidade dedicada ao culto, local de grande importância na definição de Viseu e da sua centralidade desde a sua formação, terá tido início no século IV, durante o império de Constantino, quando este se converte ao cristianismo e o legaliza, dando lugar à construção de um local de índole cristã. Essa catedral precedente à Sé que hoje se conhece implantava-se exatamente no mes-mo lugar.39 Só mais tarde, no final do século XIII, começa a ganhar

forma a catedral que ainda hoje se pode testemunhar dando-se início à sua construção, de base românico-gótica, e, numa fase posterior, já no século XVI, com a construção do claustro renascentista da autoria do arquiteto Francesco de Cremona. Também no mesmo século começa a

37. CABRITA, António [et al.] - Breve história urbana de Viseu. Apresentação do Guia para a Reabilitação do Centro Histórico de Viseu [em linha]. [Consult. set. 2018]. Disponível na Internet: <

http://cm-viseu.pt/gui-areabcentrohistorico/apresentacao/index.php >. p.2,3

38. GIRÃO, Aristides de Amorim - Viseu: Estudo de uma aglomeração urbana. Dissertação de concurso

para Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra editora, 1925. “O cruzamento das vias romanas, que aqui foi, segundo cremos, uma causa e não um efeito do povoamen-to, marca o centro de gravidade da remota povoação, que nem mesmo nome especial teria ainda talvez[...]” p.34

39. ibid. “[...] devia a Sé Catedral, agora profanada, encontrar-se já situada na parte mais alta da cidade,

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36

100m 50

0

09 - Planta da cidade de Viseu, com a identificação das ruas que davam lugar à antiga

judiaria, dentro e fora de muralhas. Este esquema foi realizado com base na descrição realizada na Revista Monumentos nº13 por Isabel Monteiro a propósito da ‘Judiaria de Viseu’. RUA DIREIT A RUA A UGUST O HILÁRIO RUA D AS AMEIAS RU A D A ÁR VORE PRAÇA DE D . DU ARTE RUA D A SR.ª D A BO A MOR TE RUA JOÃO MENDES

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delimitar-se o espaço público que lhe é adjacente, o Adro da Sé. Este é delimitado também pelas novas construções dessa época, a igreja da Misericórdia e o Seminário de Nossa Senhora da Esperança, atual Mu-seu Grão Vasco, ambas construídas na segunda metade deste século.40

Mas, anterior a estas novas construções, de caráter religioso, importa ainda salientar a construção da muralha afonsina que, como já referido a propósito da definição do património urbano de Viseu, terá sido a última muralha desta cidade e que, apesar de iniciada no reinado de D. João I (1357-1433), apenas se vê concluída em 1472, já no reinado de D. Afonso V (1432-1481).41

Construídas estas muralhas, que foram as últimas de Viseu, a cidade entra num fecundo período de prosperidade, bem revelado na construção de novos edifícios, e nas transformações operadas em edifícios antigos e seus respetivos bairros.42

Através do estudo do geógrafo português Aristides Girão (1895-1960), acerca da cidade de Viseu, de onde se retira a citação acima transcrita, sabe-se ainda que também no século XV, e talvez como consequência deste novo limite imposto à cidade, se dá um grande desenvolvimento na construção e melhoramento dos edifícios urbanos, maioritariamente destinados a habitação e comércio. Estas construções vêm alterar a fi-sionomia da cidade, e promover uma nova fase de desenvolvimento que se prolonga impulsionando também as novas construções de caráter re-ligioso do século XVI a que já se fez referência, a igreja e o seminário. Determinante para as construções nesta área e para a definição do seu caráter cultural e social foi também a existência de uma judiaria que se fixa a sudoeste da Sé Episcopal, também no século XV, e que ali se man-tém durante um longo período de tempo. Os judeus, que inicialmente se teriam instalado em Espanha, vêm refugiar-se em Portugal na sequência de uma dispersão árabe e consequente perseguição religiosa a que são sujeitos. Em Viseu, começam por fixar-se nas imediações da cidade, fora da muralha afonsina. Mais tarde, passam a viver entre os cristãos e encontram asilo intramuros, quando lhes é dada proteção e lhes é permitida uma integração na comunidade cristã, vendo os seus direitos e a sua entidade religiosa reconhecidos em troca da sua contribuição

40. CABRITA, António [et al.] - Breve história urbana de Viseu. Apresentação do Guia para a Reabilitação do Centro Histórico de Viseu [em linha]. [Consult. set. 2018]. Disponível na Internet: <

http://cm-viseu.pt/gui-areabcentrohistorico/apresentacao/index.php >. p.6

41. GIRÃO, Aristides de Amorim - Viseu: Estudo de uma aglomeração urbana. Dissertação de concurso

para Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra editora, 1925. “E, por uma inscrição em caráteres góticos minúsculos existente numa das portas da muralha, vê-se que esta, embora feita à ligeira e sem ameias, se concluira no reinado de D.Afonso V, em 1472.” p.63

42. ibid. p.66

A JUDIARIA DE VISEU

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38

“com os seus saberes e poderes para o desenvolvimento económico e cultural do reino”43.

Esta área da cidade passa, por isso, um grande período de tempo no domínio dos judeus que vêm habitar as casas na vizinhança da Sé Epis-copal fazendo dessas ruas o seu bairro e adaptando-o às suas novas ati- vidades. Estas ruas que compunham então o bairro judeu, rua das Am-eias (antiga rua da Triparia), rua da Srª. da Boa Morte (antiga travessa da Rua Nova), rua Augusto Hilário (antiga rua Nova)44, rua Direita e

rua da Árvore, que se supõe, até ao século XV, terem servido apenas à habitação, passam nesta altura a ter um maior dinamismo como conse-quência dos espaços comerciais que os judeus teriam aí instalado. Esta-belecendo uma relação direta com a praça de D. Duarte (antiga praça de Camões), onde se realizava nesta época a feira semanal de Viseu, o bairro judeu vem reforçar o caráter comercial desta área que se passa a apresentar como o núcleo das atividades económicas de Viseu.45

A judiaria da cidade encontrava-se então consolidada e sabe-se que existia mesmo uma sinagoga, decorrente da apropriação de um edifício já existente, que seria o local onde se realizariam todas as atividades da comunidade judaica, religiosas e administrativas. Mas, na transição para o século XVI quando devido ao decreto de conversão ordenado por D. Manuel estes se vêm obrigados a deixar as suas casas ou con-verterem-se ao cristianismo, passando a denominar-se cristãos novos, dá-se início a uma uniformização da cultura religiosa por toda a cidade marcando o término da, agora, antiga judiaria e alterando, por conse-quência, o caráter do bairro onde estes se haviam instalado.46

A Sinagoga e a Judiaria constituem um património valioso da presença dos judeus na cidade, que as reescritas da história apagaram ou racionalizaram a memória. ‘O judeu, o homem real, possui a violência de um facto’ que aqui se apresentou.47

O período histórico deste bairro, local onde se implanta a casa cor-de-rosa, compreendido entre a segunda metade do século XV e o início do século XVI, no qual este alberga uma micro-comunidade judaica, torna-se, por tudo isto, determinante para a depreensão daquilo que foram, em tempos, as dinâmicas deste lugar. Talvez tenha mesmo sido

43. MONTEIRO, Isabel - A Judiaria de Viseu. Revista Monumentos, Nº13. Lisboa: Direcção Geral dos

Ed-ifícios e Monumentos Nacionais, Abr. 2000. p.57

44. CRUZ, Júlio - Hilário: um século de saudade. Beira Alta, revista trimestral para a publicação de documentos e estudos relativos às terras da beira alta. Volume LV, Fascículos 1 e 2. Viseu: Assembleia Distrital de Viseu, 1996.

A alteração do nome desta rua surge como homenagem ao fadista viseense Augusto Hilário: “Em 1979, por proposta do presidente da Câmara Municipal de Viseu, Dr. Leal Loureiro, a Autarquia deliberou atribuir o nome de Augusto Hilário à então Rua Nova, onde se situa a casa em que nasceu e morreu o fadista.” p.158

45. MONTEIRO, Isabel - op. cit. p.57, 58 46. ibid. p.60,61

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39 NOVA

CENTRALIDADE

este o período de maior vivacidade destas ruas nas imediações da Sé, já que era aí que se concentravam, nesta época, os edifícios que davam lugar às atividades administrativas da cidade, na atual Praça de D. Du-arte. Aí localizava-se o único lugar dedicado à prática do culto cristão, a Sé, e terá sido ainda um local fortemente marcado pelo comércio local, devido às atividades desenvolvidas pelo povo judaico.48

A ideia de centro engloba duas noções, uma geométrica (respeitante a um desenho urbano específico) e outra mais propriamente funcional (respeitante à sua destinação e uso). Muitas vezes os dois termos coincidem: isto é, geralmente o centro de gra- vidade é, ao mesmo tempo, o coração da cidade; mas esta não é uma regra absoluta de modo que, ás vezes, fora do centro geométrico, desenvolvem-se (um ou vários) bairros ou áreas, ou lugares arquitetónicos, onde a vida em comunidade assume uma intensidade particular: dependendo seja de condições objetivas de caráter geográfico, seja de razões particulares de ordem histórica e sociológica.49

Se em Viseu estas noções relacionadas com a ideia de centro, geométri-ca e funcional, a que Ernesto Rogers faz referência, coincidiam no mes-mo lugar, no núcleo antigo da cidade comes-mo já foi referido a propósito das várias atividades que aí se concentravam, este cenário vem alte- rar-se mais tarde, já no século XIX, após um longo período de estabi- lidade da cidade. Apesar de as grandes alterações se iniciarem ainda no século XVIII, com a reforma de alguns edifícios habitacionais do centro histórico e mesmo da Sé Catedral e com a construção de novas igrejas, Igreja dos Terceiros, Igreja do Carmo e Igreja da Nossa Se- nhora da Conceição, por exemplo, e ainda com a edificação de edifícios nobres no núcleo antigo, que se distinguem pela sua dimensão e riqueza material, marcando a imagem da cidade, é no século XIX que a cidade se restabelece e vem colmatar estas alterações.50

À beira do século XIX, Heinrich F. Link, um alemão em viagem de estudo por Por-tugal durante o ano de 1798, descreveu Viseu como uma ‘cidade considerável com 900 fogos, três paróquias e três conventos’, mas ‘formada por ruas estreitas e sujas e na maior parte dos casos por casas miseráveis’.51

Esta descrição de Heinrich Friedrich Link, médico botânico e naturalis-ta alemão, dá a entender que, apesar de a cidade ter um número de

48. CABRITA, António [et al.] - Breve história urbana de Viseu. Apresentação do Guia para a Reabilitação do Centro Histórico de Viseu [em linha]. [Consult. set. 2018]. Disponível na Internet: <

http://cm-viseu.pt/gui-areabcentrohistorico/apresentacao/index.php >. p.8

49. ROGERS, Ernesto Nathan; SERT, Josep Lluís; TYRWHITT, Jaqueline - Il cuore della città: per una vita

più umana delle comunità. Milão: Hoepli, 1954. p.69

50. FERNANDEZ, Sérgio - A acrópole e a cidade. Revista Monumentos, Nº13. Lisboa: Direcção Geral dos

Edifícios e Monumentos Nacionais, Abr. 2000. p.54

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40

10,11,12 - Vista aérea da cidade de Viseu com identificação das duas centralidades da

mesma, centro administrativo e centro histórico, e imagem da atual Câmara Munici-pal, na Praça da Républica, e da Praça de D. Duarte onde esta se localizava antes das grandes mudanças do século XIX.

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41

edifícios ‘consideráveis’ se encontrava, naquele tempo, desorganizada e degradada. Mas, esta visão da cidade vem alterar-se com todas as mo- dificações que o século XIX e início do século XX comportam, para as quais em muito contribuiu a promoção da cidade a capital de distrito, em Dezembro de 1835.52 Nesta fase a cidade sofre uma total renovação

redefinindo centralidades, definindo novos arruamentos, construindo novos edifícios e expandindo-se com maior densidade para área extra-muros, sabendo-se que a muralha estaria já em decadência e se fundia com as novas construções deixando para trás apenas vestígios do que teria sido.53

A nova centralidade da cidade é então definida, nesta fase, com a criação de uma nova praça, atual Praça da República e anterior Ros-sio, onde passa a ter lugar a Câmara Municipal que antes se localizava junto da Sé, na Praça de D. Duarte, e que, por consequência, dá lugar à criação de um novo núcleo de atividades que já não convergia com o centro histórico da cidade.54 Viseu passa assim a organizar-se em

dois centros, um definido pelas questões funcionais, a zona da Praça da República, onde passam a concentrar-se grande parte das atividades administrativas, económicas e mesmo comerciais, e outro resultante da história e geometria da cidade, a zona alta de Viseu onde se localiza a Sé Episcopal.

No século XX a cidade continua a crescer de forma radiocêntrica mantendo o casco antigo parte da sua centralidade. Não sendo já centro político ou judicial continua a ser centro religioso, cultural e em parte comercial.55

Viseu continua cresce ‘de forma radiocêntrica’, e estabelece uma maior racionalização e rigidez nos novos traçados dos arruamentos que vêm conectar os diversos pontos da cidade e as diversas centralidades. Por-tanto, no final do século XX a cidade estará já definida de encontro àquilo que é hoje e os edifícios antigos pertencentes à zona antiga da cidade caem, nesta fase, numa espécie de esquecimento em benefício das novas edificações que surgem neste século e que assumem o ‘centro das atenções’. Assim, a preocupação com degradação e desuso que se faz sentir no ‘casco antigo’ e que já vinha a ser considerada ganha uma maior dimensão no século atual, século XXI.

52. CABRITA, António [et al.] - Breve história urbana de Viseu. Apresentação do Guia para a Reabilitação do Centro Histórico de Viseu [em linha]. [Consult. set. 2018]. Disponível na Internet: <

http://cm-viseu.pt/gui-areabcentrohistorico/apresentacao/index.php >. p.11

53. CASTILHO, Liliana Andrade - Centro Histórico de Viseu. Beira Alta, revista trimestral para a publicação de documentos e estudos relativos às terras da beira alta. Volume LXIII, Fascículos 3 e 4. Viseu: Assembleia Distrital de

Viseu, 2004. “Estavam definidas as linhas de crescimento de uma cidade que só no século XIX ultrapassa verdadeiramente as linhas das muralhas abrindo a Rua do Comércio ligando a parte alta da cidade aos baixos de Cimo de Vila e a Rua Formosa ligando o Rossio de Massorim ao Terreiro de Santa Cristina.” p.321

54. FERNANDEZ, Sérgio - A acrópole e a cidade. Revista Monumentos, Nº13. Lisboa: Direcção Geral dos

Edifícios e Monumentos Nacionais, Abr. 2000. p.54

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Figura 13 - Fotografia do objeto de estudo e dos edifícios que lhe são adjacentes na

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Este breve enquadramento procurou esclarecer a relação da localização do objeto de estudo com as várias etapas da cidade tendo em vista o en-tendimento do seu caráter. Objeto este que se encontra, como já referi-do, nas imediações da Sé Episcopal e, portanto, no Centro Histórico de Viseu classificado património cultural.

O esboço do que é hoje o Centro Histórico de Viseu é assim fruto principalmente de um traçado orgânico medieval nobilitado por edifícios do século XVI.56

Ao encontro do que escreve Liliana Castilho, professora doutorada em História de Arte, na citação acima, e apesar das várias transformações a que a zona antiga de Viseu é sujeita, ela é na atualidade, e ainda assim, essencialmente representativa do século XVI. Os edifícios desta área, que seriam na sua origem de dois ou três pisos57, maioritariamente,

ainda hoje mantém as suas proporções, apesar dos acrescentos já pre-sentes em alguns deles, e mesmo as ruas mantém as suas dimensões e o seu traçado irregular apesar de terem sido pavimentadas e providas de equipamento elétrico e saneamento.58

Através desta abordagem poderá, ainda, referir-se que a cidade de Viseu, que se apresenta como uma cidade histórica, vem preservan-do o seu património e que a área onde se implanta o edifício enfoque desta dissertação esteve, desde a idade média, no centro de todas as ações, comerciais, económicas, administrativas, culturais e religiosas estabelecendo uma relação de proximidade com aqueles que seriam os grandes edifícios da cidade. Proximidade esta que acaba por desapa-recer quando é criada uma nova centralidade na cidade, que se define numa vertente funcional, e que resulta num maior dinamismo nessa nova zona da cidade deixando à parte antiga de Viseu apenas o seu próprio valor cultural e religioso. Assim, a rua Augusto Hilário, onde se encontra a casa cor-de-rosa, bem como as que com ela compõe o núcleo antigo da cidade, encontram-se hoje despidas de movimento e urge, na atualidade, a necessidade de uma readaptação deste centro an-tigo às atividades da contemporaneidade, desde a necessidade de inter-venção nos edifícios, de forma a poderem oferecer melhores condições de uso, como de uma reorganização dos espaços e ainda uma revisão das atividades e da vida neste centro.

56. CASTILHO, Liliana Andrade - Centro Histórico de Viseu. Beira Alta, revista trimestral para a publicação de documentos e estudos relativos às terras da beira alta. Volume LXIII, Fascículos 3 e 4. Viseu: Assembleia Distrital

de Viseu, 2004. p.321

57. Como acontece com o objeto de estudo, que atualmente é composto por três pisos.

58. CABRITA, António [et al.] - Breve história urbana de Viseu. Apresentação do Guia para a Reabilitação do Centro Histórico de Viseu [em linha]. [Consult. set. 2018]. Disponível na Internet: < http://cm-viseu.pt/

guiareabcentrohistorico/apresentacao/index.php >Em 1919 a Câmara Munipal desenvolve um plano de melhoramentos que contemplava “a abertura de diversas ruas e avenidas; a pavimentação de ruas; a mel-horia do abastecimento de água; o saneamento básico, inexistente à época; a instalação da rede telefónica; a construção de equipamentos como escolas primárias, teatro municipal, balneário com piscina, balneário com piscina, bem como um campo de jogos no Fontelo; a ‘regularização e nivelamento’ do Campo da Feira, ‘erigindo-se ao centro um monumento a Viriato’”. p.13

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e

xperiência

s.f. 1 acto ou efeito de

ex-perimentar; 2

conhecimen-to por meio dos sentidos de uma determinada real-idade; 3 conhecimento de

uma realidade provocada, no propósito de saber algo, particularmente o valor de uma hipótese científica; experimentação; 4

conhec-imento obtido pela prática de uma actividade ou pela vivência; 5 prova; ensaio;

tentativa;”

Mas a cidade não conta o seu passado, ela contém-no como as linhas da mão, es-crito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos postes das bandeiras, cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes.59

O escritor italiano Italo Calvino (1923-1985), autor da citação acima transcrita, diz a propósito da cidade, e da história da cidade, que esta não conta o seu passado, antes representa-o. E, é em continuidade com o capítulo anterior dedicado à história do lugar, que é a cidade de Viseu, que surge o tema experiência. A experiência que é, como se entende pela sua definição no dicionário de Língua Portuguesa, o ato de experimentar, o conhecer por meio dos sentidos, o praticar, o viver. É através da experimentação que se tocam ‘os corrimões das escadas’, que se ouve o vento e a flutuação que este provoca nas ‘bandeiras’, que se vêm as ‘grades das janelas’, que se sente o percurso que os ‘ângulos das ruas’ nos levam a fazer.

Precisamente, a ideia de lugar diferencia-se da de espaço pela presença da ex-periência. Lugar está relacionado com o processo fenomenológico da perceção e da experiência do mundo por parte do corpo humano.60

Este capítulo surge, assim, não para contradizer a importância da análise histórica já efetuada mas antes para completá-la. Como já se fez referência a propósito da definição de lugar, este define-se não quanti-tativamente, como o espaço, mas qualitativamente “pelos valores sim-bólicos e históricos” estando “relacionado fenomenologicamente com o corpo humano”.61 Assim o que aqui se pretende é colocar o corpo

no espaço, é viver a cidade que é Viseu. Como Ignasi de Solà Morales também refere no seu livro ‘Diferencias’, a propósito do pensamento do arquiteto alemão Gottfried Semper (1803-1879), são o movimento a visão e o tacto que, através de uma atuação conjunta, permitem ao homem uma experiência global e sentimental face a um lugar.62

Abordar-se-à assim a cidade, em grande escala, procurando entender o seu ‘genius loci’63, através de uma interpretação das preexistências

e dos objetos do lugar bem como das suas articulações e, em pequena escala, o objeto de estudo e as qualidades do seu espaço interior.64

59. CALVINO, Italo - As cidades Invisíveis. Alfragide, Teorema, 2011. p.19

60. MONTANER, Josep Maria - A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento so século XX.

Barcelona: Gustavo Gil, 2001. p.37

61. ibid. p.32

62. MORALES, Ignasi de Solà - Diferencias: Topografía de la arquitectura contemporánea. Barcelona:

Gustavo Gil, 1995. p.37

63. SCHULZ, Christian Norberg - Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. New York:

Riz-zoli, 1980.

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46

14,15,16 - Fotografias da cidade de Viseu, do seu enquadramento com a paisagem, da

imagem aérea que se tem da cidade com a presença da telha bastante marcada, e do enquadramento que se cria devido à diferença altimétrica derivada da sua implantação numa colina.

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47 Enquanto as paisagens se distinguem por uma variada, mas basicamente continua

extensão, os assentamentos são entidades fechadas. O assentamento e a paisagem têm, portanto, uma relação figura-fundo. Em geral, qualquer enclausuramento se torna manifesto como uma figura em relação à base terrestre estendida da pai- sagem.65

A primeira visita a Viseu tendo em vista o entendimento do seu caráter, do espírito desta cidade que se localiza no centro do território portu-guês, foi realizada no dia 17 de Abril de 2018. A viagem teve início em Lamego, também cidade da Beira Alta levando à chegada à cidade de Viseu na sua cota baixa e permitindo, por isso, uma visão geral da paisagem desta colina onde se implanta a zona antiga da cidade. Assim, e de encontro à teoria de Norberg Schulz, a cidade pôde ser observada como elemento único inserido numa paisagem natural que se torna, por isso, o ‘fundo’ desta ‘figura’ irregularmente limitada que é a cidade.66

A cidade, que vem sendo construída ao longo de vários anos, dá desde logo notícia de duas realidades que se diferenciam mesmo através de um olhar leigo e desatento, a zona intra muros e a zona extra muros que, como já referido, se desenvolve com maior intensidade a partir do século XIX. Estas duas realidades diferenciam-se não só pelo tipo de construções, que são evidentemente diversas devido à utilização de materiais e técnicas distintas, caraterísticos de cada época, como pelo modo como se implantam nesta colina, com a zona histórica a localizar-se na cota mais elevada, o que permitia, na época medieval, uma maior capacidade de defesa.67

Por um lado a presença, a marca, a força, de uma malha densíssima, apertada, orgânica, onde o granito se manifesta como atributo de perenidade e, por outro, o desenvolvimento aberto, mais racional, amóvel até, patente nas zonas de criação mais recente.68

Assim, e de encontro a esta descrição do arquiteto Sérgio Fernandez (1937), na área delimitada pela antiga muralha medieval encontram-se construções tradicionais, claramente mais antigas e de construção mui-tas vezes tosca e faseada. Já na zona fora de muralhas as construções, de maior proximidade temporal, apresentam um planejamento prévio e

65. SCHULZ, Christian Norberg - Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. New York:

Riz-zoli, 1980. p.12

66. ibid.

67. ibid. “O caráter do lugar é em grande parte determinado pelo modo como a sua implantação e

cresci-mento se concretisam.” p.63

68. FERNANDEZ, Sérgio - A acrópole e a cidade. Revista Monumentos, Nº13. Lisboa: Direcção Geral dos

Edifícios e Monumentos Nacionais, Abr. 2000. p.55

OBSERVAR A CIDADE

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17 - Fotografia da chegada a Viseu, vinda de Lamego, à cota baixa da cidade que

permite entender o enquadramento que se cria devido à forma como os edifícios se implantam. Ao longe avista-se a Sé Episcopal e a Igreja da Mesericórdia, que se podem considerar, assim, o cartão de visita a esta urbe.

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atento também à vida social, e são realizadas através de novas técnicas construtivas e diferentes noções espaciais existindo também um maior número de espaços públicos, como praças, largos e mesmo ruas de maior dimensão, que juntos acabam por conformar uma melhor adequação à vida contemporânea. Mas, esta distinção é também percetível através de uma visão geral e afastada uma vez que também as altimetrias das construções são um fator diferenciador, sendo que os edifícios antigos apresentam um menor número de pisos e as construções mais recentes crescem em altura dando origem a um grande número de prédios em torno do núcleo antigo da cidade.69

Estas duas realidades, distintas, que compõem esta cidade dão, por isso, origem a distintas caraterísticas e diferentes modos de vida, quer pela diferença compositiva de cheios e vazios, como pelos materiais utiliza-dos, a relação entre público e privado, as questões funcionais, a oferta de serviços, etc.70 E, sendo esta visão global de Viseu importante para

perceber que o mesmo lugar consegue transmitir diferentes sentimentos e suscitar diferentes sentidos, determinados por ambientes diferentes, importará focar esta experiência do lugar na zona histórica da cidade e na forma como esta se relaciona com as construções mais recentes que que lhe são adjacentes, já que é nesta área que se localiza o edifício em estudo.

Posto isto, e tidas estas considerações gerais, acerca da forma como é composta a cidade de Viseu, partir-se-à agora para um momento des- critivo da experiência pessoal que se focou então na zona histórica da cidade e sempre considerando a localização do objeto de estudo, a Rua Augusto Hilário, que protagonizou tanto o papel de ponto de partida como de ponto de chegada nas diversas caminhadas feitas de visita para visita.71

Como foi referido, a chegada à cidade foi feita pela sua cota baixa resultan-do numa ascendência altimétrica no percurso até à Rua Augusto Hilário, onde se encontra a casa cor-de-rosa que também foi palco da experiência do lugar, mas esta a uma escala mais reduzida. Assim, a subida da colina até à cota alta, onde se encontra então o objeto onde se pretende inter-vir, fez-se sentir durante todo o percurso, tanto pelo evidente declive das

69. LYNCH, Kevin - A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70, 1996. “A cidade não é apenas um objeto

per-ceptível (e talvez apreciado) por milhões de pessoas das mais variadas classes sociais e pelos mais variados tipos de personalidades, mas é o produto de muitos construtores que constantemente modificam a estrutura por razões particulares.” p.12

70. SCHULZ, Christian Norberg - Genius Loci: towards a phenomenology of architecture. New York:

Riz-zoli, 1980. “O espírito dos lugares criados pelo homem depende de como estes são no que diz respeito ao espaço e caráter, em termos de organização e articulação.” p.12

71. ROSSI, Aldo - A arquitetura da cidade. Lisboa: Edições 70, 2018. “(...)a área-estudo pode ser uma área

definida por caraterísticas históricas; que coincide com um facto urbano preciso. O facto de a considerar-mos em si mesma significa reconhecer a esta parte de um conjunto urbano mais vasto caraterísticas espe-cíficas, uma qualidade diferente.” p.78

CARATERIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO

Referências

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