• Nenhum resultado encontrado

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA MESTRADO EM DIREITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA MESTRADO EM DIREITO"

Copied!
141
0
0

Texto

(1)

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL

DA PROPRIEDADE PRIVADA

(2)

JIVAGO PETRUCCI

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL

DA PROPRIEDADE PRIVADA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito do Estado), sob a orientação da Professora Doutora Flávia Cristina Piovesan.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

(3)

2007

Banca Examinadora:

____________________________________

____________________________________

(4)

Resumo

O presente estudo tem por objetivo enfocar a função social da propriedade privada como princípio constitucional. Não trata, portanto, das regras que dão concreção à função social da propriedade nos diversos setores (função social da propriedade rural, da propriedade urbana etc.), senão no que é imprescindível para a definição do princípio em si.

A análise tem início com o estudo da interpretação constitucional, espécie de interpretação jurídica que apresenta peculiaridades que impõem preocupações específicas ao intérprete. Traça-se um panorama geral dos postulados de interpretação constitucional, da distinção entre princípios e regras e da função desempenhada por aqueles na tarefa interpretativa.

Examina-se, então, o desenvolvimento histórico do conceito de propriedade, desde os remotos tempos do exacerbado individualismo até o reconhecimento de objetivos coletivos ao instituto, o que permite conceituar a função social da propriedade, realçando sua relação com a idéia de justiça social e as modificações que ela produz no conceito tradicional de propriedade.

(5)

Abstract

The following study aims the social role of private property as a constitutional principle. It does not, therefore, deal with the rules that pertain the social role of property in the several fields (social role of rural or urban estates etc) unless if strongly relevant for the definition of the principle itself.

The analysis starts with the study of the constitutional interpretation, a legal type of interpretation which shows peculiarities that demand specific worries from the interpreter. A whole panorama is drawn of the principles of constitutional interpretation, of the distinction between principles and rules and the role of those who work with interpretation.

Following, the historical development of the definition of property is examined, since the early days of overwhelming individualism until the recognition of the common objectives of the institute, which allows to define the social role of property, highlighting its relationship with the principle of social justice and the changes that it brings to the traditional definition of property.

(6)

Sumário

1. Introdução ... 9

2. A interpretação constitucional ... 12

2.1 Interpretação jurídica: definição ... 12

2.2 Interpretação versus aplicação do Direito ... 14

2.3 Interpretação constitucional: importância e particularidades ... 19

2.4 Postulados de interpretação constitucional ... 23

2.4.1 Força normativa da Constituição ... 26

2.4.2 Supremacia da Constituição ... 31

2.4.3 Unidade da Constituição ... 27

2.4.4 Necessidade de harmonização entre as regras e os princípios ... 29

2.4.5 Maior eficácia possível ... 32

3. A moderna interpretação constitucional e os princípios ... 33

(7)

3.2 Conceito de princípios constitucionais ... 35

3.3 Princípios e regras como espécies normativas ... 38

3.4 Princípios, valores e interpretação constitucional ... 43

4. Direito de propriedade e função social ... 47

4.1 A evolução do direito de propriedade ... 47

4.2 A função social da propriedade em Textos Constitucionais da Europa e da América Latina ... 54

4.2.1 Portugal ... 54

4.2.2 Alemanha ... 56

4.2.3 Itália ... 57

4.2.4 México ... 58

4.2.5 Espanha ... 60

4.2.6 Argentina ... 61

4.2.7 Chile ... 61

4.2.8 Análise do Direito comparado ... 62

(8)

4.4 A função social da propriedade na Constituição de 1988 ... 72

5. Conteúdo do princípio constitucional da função social da propriedade na Constituição de 1988 ... 75

5.1 A função social da propriedade é verdadeiro princípio da Constituição de 1988? ... 78

5.2 Delimitação do conteúdo do princípio da função social da propriedade privada 80 5.2.1 Significado da expressão função social ... 81

5.2.2 Função social e justiça social ... 83

5.2.3 A propriedade em nosso ordenamento constitucional: direito subjetivo ou função? ... 88

5.2.4 Objeto da função social da propriedade ... 91

6. Eficácia do princípio constitucional da função social da propriedade ... 95

6.1 Funções dos princípios constitucionais ... 95

6.2 A interpretação conforme à Constituição ... 97

6.3 O princípio da função social da propriedade e a legislação infraconstitucional .. 99

6.3.1 Função social e limitações à propriedade ... 99

6.3.2 Função social e imposições à propriedade ... 101

(9)

7. Conclusões ... 114

(10)

1. Introdução

Passadas quase duas décadas do advento da Constituição Federal de 1998, pouco se avançou no que diz respeito à função social da propriedade e a seu objetivo final: a garantia de existência digna para todos os brasileiros. Ainda que tenhamos tido, durante esses anos, o advento do Estatuto da Cidade1 e de outros diplomas legislativos destinados à interferência estatal na propriedade privada, em todos os níveis de governo, não assistimos a nenhuma revolução na compreensão da propriedade privada, seja pelos órgãos jurídicos de aplicação das leis, seja pela sociedade civil em geral.

No que respeita, pois, à norma constitucional que instituiu a função social da propriedade, temos a repetição de um crônico problema: a falta de efetividade2 das regras e princípios estabelecidos na Lei Fundamental.

Mas não podemos negar que evolução houve. Instrumentos novéis de intervenção foram criados por leis infraconstitucionais, páginas e mais páginas foram escritas com análises sobre a função social da propriedade, em seu aspecto jurídico e extrajurídico.

O presente estudo pretende somar-se à literatura já existente, e enfocar a função social da propriedade com base no status que lhe foi conferido em nosso ordenamento

jurídico: o de princípio constitucional.

Não tenciona analisar as regras3 constitucionais atinentes à função social da propriedade. Só fará referência a elas no que for indispensável para a definição sistemática da função social. Não analisará, portanto, a função social da propriedade rural, ou da

1 Lei federal nº 10.257, de 10 de janeiro de 2001.

2 O termo aqui é utilizado no sentido especificado por Luís Roberto Barroso: “A efetividade significa,

portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 3. ed. Rio

de Janeiro: Renovar, 1996. p. 82).

3 Aqui a palavra é utilizada em seu sentido técnico atual: espécie de norma jurídica. Toda norma

(11)

propriedade urbana, ou qualquer outra manifestação setorial, mas sim a função social da propriedade, como princípio constitucional.

Para tanto, nossa abordagem iniciará pelo estudo da interpretação constitucional, analisando-a como uma espécie de interpretação jurídica, mas que apresenta traços distintivos, peculiaridades que justificam preocupações específicas com seu desenvolvimento. Traçar-se-á um panorama, tão geral quanto necessário, dos postulados de interpretação constitucional desenvolvidos pela hermenêutica, enfocando, a seguir, a distinção entre princípios e regras – edificada pela doutrina tradicional e desenvolvida pela nova hermenêutica, e que constitui uma das notas características do que se tem rotulado de

pós-positivismo –, concluindo com a análise do papel atribuído aos princípios no que

respeita à interpretação constitucional.

De posse dos conceitos básicos de interpretação constitucional, passar-se-á, então, a investigar o significado dos preceitos constitucionais que veiculam o princípio da função social da propriedade.

Começar-se-á pela análise da evolução histórica do conceito de propriedade, desde remotos tempos do exacerbado individualismo até sua acelerada mitigação, contemporânea do Estado de Bem-Estar Social e do intervencionismo. Encontrará abordagem específica a disciplina jurídica de propriedade e da função social tanto no Brasil – em nível constitucional e infraconstitucional, desde o Império – como em alguns dos principais Textos Constitucionais estrangeiros, até se chegar especificamente à função social da propriedade na Constituição Federal de 1988.

A seguir, buscar-se-á conceituar a função social da propriedade, caracterizando-a como princípio jurídico constitucional e analisando, especificamente, o significado da expressão; sua relação com a idéia de justiça social; as implicações de sua adoção para o conceito de direito de propriedade; e o objeto de sua incidência.

(12)

condicionando o significado de todas as demais normas jurídicas integrantes do sistema jurídico nacional.

Pretende-se, assim, contribuir para que se dê precisão conceitual à função social da propriedade, em sua condição de verdadeira norma jurídica, o que se reputa imprescindível para que o mandamento constitucional ganhe efetividade.

A continuar a análise jurídica do tema restrita a um conflito ideológico, sem preocupação efetiva de análise do direito positivo, não se vislumbra possibilidade de êxito no comando constitucional, pois, como frisa Fábio Konder Comparato,

[...] no contexto do amplo debate político e ideológico da atualidade, defender a função social da propriedade, sem especificações maiores, pode ser e tem sido um argumento valioso para a sustentação do status quo social em matéria de

regime agrário e de exploração empresarial capitalista4.

4 COMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção.

(13)

2. A interpretação constitucional

2.1 Interpretação jurídica: definição

De início, é necessário sublinhar que, quando se fala em interpretação jurídica, duas realidades distintas podem estar sendo referidas: o processo intelectual pelo qual o significado de um texto legal é afirmado, ou o resultado final desse mesmo processo: “O vocábulo ‘interpretação’, como em geral os vocábulos da língua italiana com o mesmo sufixo, pode denotar seja uma atividade – a atividade interpretativa – seja o resultado ou produto desta atividade”5.

Interessa-nos, aqui, a primeira significação: a interpretação como processo intelectual, como atividade.

Interpretar, segundo a concepção tradicional, é a atividade por meio da qual, no campo jurídico, extrai-se do texto legal o correto significado de uma norma. Como mostra a frase de Ferrara, “a missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica”6.

Essa concepção, tributária da existência de uma “verdade única” presente na própria lei e dali “extraída” pelo intérprete, povoou as mentes dos juristas durante longo período. Entretanto, com os aportes da semiótica e da filosofia da linguagem surgidos a partir da metade do século XX, tal conceito sofreu fundamental modificação: o intérprete, antes relegado a plano inferior, passou a ser peça fundamental no processo interpretativo, alçado à condição de mediador entre o texto e os destinatários da mensagem ali

consignada.

5 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2005.

p. 129.

6 FERRARA, Francesco.

Interpretação e aplicação das leis. 3. ed. Trad. Manuel A. Domingues de Andrade.

(14)

A função de interpretar passou, pois, de uma objetividade quase mecânica a uma atividade inegavelmente influenciada pela subjetividade7, na qual o sentido do texto normativo não mais se “extrai” de seus signos lingüísticos, mas é “atribuído” a tais signos pelo intérprete 8.

Como anota Celso Ribeiro Bastos, “interpretar é atribuir um sentido ou um significado a signos ou a símbolos, dentro de determinados parâmetros. É que a linguagem normativa não tem significações unívocas”9. Esclarece o autor, em nota de rodapé:

O emprego do vocábulo atribuir é significativo neste contexto. Por meio dele se

denota a característica integrativa da atividade interpretativa. Comumente se conceitua a interpretação como um processo por meio do qual se extrai um

significado da norma, o que desde logo está a identificar uma ideologia subjacente aos que assim se pronunciam, pois o extrair algo pressupõe que esse algo (que seria a solução de um caso concreto) já exista na própria norma. Nesse sentido, poder-se-iam empregar igualmente verbos como imprimir, fornecer, imputar ou conferir, todos capazes de fornecer a exata noção do que será

desenvolvido ao longo da obra, no sentido de que a atividade interpretativa é, sem sombra de dúvida, uma atividade volitiva, vale dizer, que envolve a vontade do agente interpretativo. Não se trata, pois, de operação objetivamente determinada, mas, antes, subjetivamente desenvolvida10.

Destarte, interpretar uma norma, ainda que de nível constitucional, “consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos na constituição com o

7 “Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a serem

enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada um. A identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que se denomina pré-compreensão” (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: CUNHA, Sérgio Sérvulo da;

GRAU, Eros Roberto (coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva.

São Paulo: Malheiros, 2003. p. 24). No mesmo sentido escrevia, em época bem anterior, Konrad Hesse: “El intérprete no puede captar el contenido de la norma desde un punto cuasi arquimédico situado fuera de la existencia histórica en la que se encuentra, cuya plasmación há conformado sus hábitos mentales, condicionando sus conocimientos y sus pré-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a partir de una pré-comprensión que es la que va a permitirle contemplar la norma desde ciertas expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto necesitado aún de comprobación, corrección y revisión a través de un análisis más produndo, hasta que, como resultado de la progresiva aproximación a la ‘cosa’ por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidade de sentido queda claramente fijada” (HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 44).

8 Como define Riccardo Guastini, a interpretação jurídica é “a atribuição de sentido (ou significado) a um

texto normativo” (GUASTINI, Riccardo. Op. cit., p. 23). Mais à frente, o autor explicita a assertiva: “A interpretação não tem como objeto normas, mas textos. Interpretar é decidir o significado de um texto legislativo. Portanto, interpretar é produzir uma norma. Por definição, as normas são produtos dos intérpretes” (GUASTINI, Riccardo. Op. cit., p. 136).

9 BASTOS, Celso Ribeiro.

Hermenêutica e interpretação constitucional. 3. ed. São Paulo: Celso Bastos

Editor, 2002. p. 28.

(15)

fim de se obter uma decisão de problemas práticos normativo-constitucionalmente fundada”11. A atribuição de significado se faz “mediante a utilização de determinados critérios (ou medidas) que se pretendem objectivos, transparentes e científicos”12e13.

O intérprete não descreve o conteúdo prévio de um texto, mas o constrói (reconstrói), operando com significados já consolidados pelo uso da comunidade, que funcionam como verdadeiras condições dadas da comunicação. Os textos são, portanto, limites à construção de sentido levada a efeito pelo intérprete14 e, ao mesmo tempo, o ponto de partida dessa construção.

2.2 Interpretação

versus

aplicação do Direito

Como visto, por meio do processo interpretativo e com base no ferramental desenvolvido pela hermenêutica jurídica15, o jurista atribui ao texto legal a significação que lhe pareça mais apropriada.

Essa operação, entretanto, tem função eminentemente prática: regular o comportamento dos indivíduos.

As normas jurídicas têm um caráter geral, que permite sua aplicação a uma infinidade de casos reais que se amoldem a sua hipótese de incidência. Quando uma norma incide sobre determinado acontecimento naturalístico, suas características fáticas singulares, recebendo o influxo da norma legal, num fenômeno que se designa

11 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2002. p. 1200. 12 Id., p. 1206.

13 Luís Roberto Barroso chega a afirmar que: “A objetividade possível do Direito reside no conjunto de

possibilidades interpretativas que o relato da norma oferece” (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva, cit., p. 29).

14 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São

Paulo: Malheiros, 2006. p. 31-5.

15 “Hermenêutica” e “interpretação”, por vezes, são utilizados como termos sinônimos. Aqui, são

(16)

“subsunção”, permitem a construção de uma norma jurídica específica, que regulará aquele – e especificamente aquele – caso concreto.

Essa segunda operação, que leva em consideração não apenas a norma jurídica geral e abstrata, mas também as características do fato concreto a regular, e culmina com a definição de uma “nova” norma, que regerá o caso concreto, costuma ser identificada como aplicação da lei.

A respeito da distinção entre interpretação e aplicação, temos o clássico ensinamento do Professor J. H. Meirelles Teixeira:

[...] enquanto a interpretação busca apenas o sentido duvidoso, o alcance exato da norma jurídica – embora tendo em vista hipóteses concretas, situações reais da vida – pela aplicação, o jurista indaga e procura descobrir qual a norma adequada, isto é, aplicável a essa situação, realizando um trabalho de enquadramento da situação real em uma norma, ou num conjunto de normas jurídicas16.

Modernamente, entretanto, a diferenciação entre interpretação e aplicação da lei tem sido contestada com veemência. Os métodos de interpretação desenvolvidos nos últimos anos, sob forte influência da Tópica de Theodor Viehweg, afirmam

peremptoriamente a necessidade de que a interpretação leve em consideração as peculiaridades do caso concreto a resolver.

Konrad Hesse é enfático ao ligar umbilicalmente interpretação e aplicação. Afirma ele:

Comprender y, con ello, concretizar solo es posible con respecto a un problema concreto. El intérprete tiene que poner en relación con dicho problema la norma

que pretende entender, si quiere determinar su contenido correcto aqui y ahora. Esta determinación, así como la aplicación de la norma al caso concreto, constituyen un proceso único y no la aplicación sucesiva a un determinado supuesto de algo preexistente, general, en si mismo comprensible. No existe interpretación constitucional desvinculada de los problemas concretos17.

16 MEIRELLES TEIXEIRA, José Horácio.

Curso de Direito Constitucional. Revisto e atualizado por Maria

Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 283 (grifos no original).

(17)

Na mesma linha de argumentação está Eros Roberto Grau, para quem “existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só operação [Marí]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo unitário [Gadamer], superpondo-se”18. O “processo unitário” referido por Eros Grau é definido pelo próprio Gadamer, quando afirma que “a aplicação não é uma etapa derradeira e eventual do fenômeno da compreensão, mas um elemento que a determina desde o princípio e no seu conjunto”19.

Entendemos, no entanto, que a interpretação difere da aplicação da norma constitucional, ainda que entre ambos os procedimentos possa haver uma estreita conexão.

A busca da definição do sentido de um preceito constitucional pode – e deve – ser feita independentemente de um caso concreto a reger, exatamente para que, chegado o momento da aplicação concreta da norma, esta já se apresente com contornos bem delineados, ainda que apenas em seus aspectos básicos. O trabalho da doutrina, nesse ponto, revela-se como contribuição inestimável para a contenção do decisionismo dos pronunciamentos judiciais,

problema relevantíssimo do Direito Constitucional pós-moderno. A função da dogmática é corretamente apreendida por Oscar Vilhena Vieira:

A dogmática estabelece, num campo de batalha ideologicamente impregnado, distintas conseqüências do direito posto, que limitam ainda mais a possibilidade de escolha do magistrado. Finalmente, ao magistrado cabe decidir, numa situação concreta, a aplicação desses princípios, positivados pelo legislador e racionalizados pela doutrina20.

A importância do controle da racionalidade do ato de aplicação do direito não escapou à genialidade do próprio Gadamer, que, a par de reconhecer a legitimidade do intérprete-aplicador para criar modelos e dotá-los de eficácia, não deixa de observar que a

18 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 31.

19 GADAMER. Verdad y método. Salamanca: Sígueme, 1993. v. 1. p. 380, 396-401. Apud COELHO,

Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. p. 44.

20 VIEIRA, Oscar Vilhena. A moralidade da Constituição e os limites da empreitada interpretativa – entre

Beethoven e Bernstein. In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo:

(18)

hermenêutica só é possível com a vinculação, pela lei, de todos os membros da comunidade jurídica, pois um déspota sempre saberá explicar o conteúdo de suas interpretações mediante as regras por ele próprio criadas, e que podem não coincidir com as regras usuais de interpretação da comunidade por ele dominada21.

Ademais, é certo que a fundamentação, na atividade interpretativa levada a cabo pela doutrina, transforma-se em seu verdadeiro coração, já que a aceitabilidade das

soluções traçadas pelo intérprete não oficial é diretamente proporcional à qualidade dos argumentos por ele utilizados. Já na interpretação-aplicação judicial, em que se cria a

norma concreta que regulará o caso levado a julgamento, o componente de “poder” muitas vezes obscurece a fundamentação – esta fica relegada a segundo plano, pois a sentença

ingressará no universo jurídico como comando obrigatório, ainda que sua fundamentação seja deficiente, inaceitável ou mesmo delirante.

Disso se pode extrair que a atividade interpretativa da doutrina, pela ênfase natural na fundamentação, contribui decisivamente para o aumento do grau de racionalidade das decisões judiciais. Afinal, conforme ensina Aulis Aarnio, “la base para el uso del poder por parte del juez reside en la aceptabilidad de sus decisiones y no en la posición formal de poder que pueda tener”22e23.

Por outro lado, a tentação de utilizar as regras de interpretação como forma de legitimar como justo um resultado pré-concebido é lugar-comum na atividade jurisdicional. Como observa Inocêncio Mártires Coelho, “a inversão do itinerário desqualifica por completo a avaliação do resultado como instrumento de controle da interpretação”24. Nesse ponto, a atividade do doutrinador também está em patamar livre de amarras: não pretendendo aplicar a lei a um caso concreto, mas apenas construir as possibilidades exegéticas do texto sobre o qual se debruça, encontra-se menos sujeito às

21 GADAMER.

Verdad y método. Salamanca: Sígueme, 1993. v. 1. p. 380, 396-401. Apud COELHO,

Inocêncio Mártires. Op. cit., p. 47-8.

22 AAULIO, Arnis. Lo racional como razonable. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 29.

Apud COELHO, Inocêncio Mártires. Op. cit., p. 50.

23 Inocêncio Mártires Coelho, com apoio nos ensinamentos de Rodolfo Luis Vigo, coloca em destaque o

dever de fundamentação das decisões judiciais, afirmando que “a exigência de motivação, que se impõe ao intérprete-aplicador do Direito, é condição de legitimidade e de eficácia do seu labor hermenêutico, cujo resultado só se tornará coletivamente vinculante se obtiver o consenso social que, no caso, funcionará, senão como prova, pelo menos como ‘sintoma de racionalidade’” (COELHO, Inocêncio Mártires. Op. cit., p. 49-50).

(19)

(pseudo-) exigências de justiça do caso concreto, a ameaçar a racionalidade de seu trabalho de interpretação.

A interpretação da lei – e, portanto, da Constituição –, livre dos entraves apresentados pelo caso concreto, contribui para sua melhor aplicação. O cientista constrói as conexões sintáticas e semânticas; o aplicador soma a estas as circunstâncias do caso concreto25.

Trata-se, ademais, de mecanismo de aprimoramento e valorização da separação de Poderes, já que, mesmo na pós-modernidade, “continua a ser vedado ao juiz, em um Estado democrático de direito, inovar na ordem jurídica sem fundamento majoritário, sob pena de usurpar a competência própria dos demais poderes estatais”26.

O próprio Eros Roberto Grau, acima citado, acaba por diferenciar a atividade do intérprete “autêntico” (que tem poder para ditar a norma de decisão do caso concreto) daquela praticada pelos demais operadores do direito27, o que parece resgatar a utilidade da doutrina na racionalização do processo de decisão judicial. Na mesma obra, o festejado autor expõe interessante trecho da lavra de Riccardo Guastini no qual se tomam interpretação e aplicação como atividades exercidas sobre objetos diferentes: a interpretação se faz sobre textos normativos; a aplicação se refere a normas jurídicas28. Grau termina por afirmar que tal constatação demonstra serem aplicação e interpretação um processo unitário, “quando praticadas pelo intérprete autêntico”29. A referência final ao ato interpretativo praticado pelo “intérprete autêntico” (= juiz) parece autorizar nosso entendimento de que aplicação e interpretação são, sim, processos diversos, sobretudo quando a primeira não é realizada pelo chamado “intérprete autêntico”.

25 ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 34.

26 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro-São

Paulo: Renovar, 2005. p. 44. A autora, analisando especificamente o mecanismo da ponderação de princípios, traça linhas que revelam a importância do trabalho desenvolvido na interpretação doutrinária: “[...] quanto mais a doutrina precisar os contornos de cada direito, isoladamente considerado e na convivência com outros, menor será a necessidade da chamada ponderação ‘ad hoc’ (aquela levada a cabo pelo juiz no caso concreto, sem vinculação a qualquer parâmetro). Quanto maior a quantidade de parâmetros delimitando o sentido e o alcance de cada enunciado normativo, menor será a discricionariedade e subjetividade envolvidas na ponderação” (Id., ibid.).

27 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 62-3. 28 GUASTINI, Riccardo.

Estudios sobre la interpretación jurídica. Trad. Miguel Carbonell. México: Porrúa,

2000. p. 10. Apud GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 63.

(20)

Portanto, como resume Willis Santiago Guerra Filho, a doutrina é uma “unidade cognitiva” que “não apenas é responsável pela sofisticação da hermenêutica jurídica, como fornece interpretações passíveis de serem adotadas pelo Judiciário, e, assim, introduzidas no sistema jurídico normativo”30. A interpretação e a aplicação não se apresentam invariavelmente como processo unitário. Podem estar assim ligadas, mas apenas eventualmente.

2.3 Interpretação constitucional: importância e particularidades

Tudo o que foi dito a respeito da interpretação jurídica em geral é aplicável à interpretação da Constituição31. Não poderia ser diferente: a Constituição é uma lei, parte integrante do direito positivo.

Entretanto, por se tratar de um texto-base, que serve de fundamento aos demais diplomas legislativos do sistema e, ao mesmo tempo, não conhece nenhum outro que lhe seja superior, sua interpretação revela extrema importância e apresenta peculiaridades essenciais.

Em primeiro lugar, desnecessário salientar que o status da Constituição no interior

do sistema social revela a enorme importância da atividade que busca definir-lhe o conteúdo: na condição de “estatuto jurídico do político”, regulando todas as principais relações políticas do Estado, seja entre os poderes constituídos, seja entre estes e os cidadãos, a Constituição configura verdadeiro manual para a vida na sociedade moderna, cuja intelecção é ponto primordial para que se desenvolva qualquer atividade.

30 GUERRA FILHO, Willis Santiago.

Teoria processual da Constituição. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos

Editor, 2002. p. 92.

31 Cabe anotar, entretanto, que para Konrad Hesse a interpretação constitucional possui uma nota específica:

(21)

Ademais, a rigidez32 que caracteriza a imensa maioria dos Textos Constitucionais modernos faz da interpretação constitucional o veículo hábil à atualização silenciosa da

Lei Maior33.

Quanto mais rígida a Constituição, quanto mais dificultosos os obstáculos erguidos a sua reforma, mais avulta a importância da interpretação, mais flexíveis e maleáveis devem ser os seus métodos interpretativos, em ordem a fazer possível uma perfeita acomodação do estatuto básico às exigências do meio político e social34.

Como se verá adiante35, o reconhecimento da existência dos princípios como espécies de normas jurídicas, por meio das quais se positivam os valores presentes em

dada sociedade, e a identificação do Texto Constitucional como o berço próprio desses

valores positivados, agregaram à interpretação constitucional importância ímpar no que se

refere às mutações constitucionais36. Francesco Ferrara, ao analisar a Escola do Direito Livre e os novos métodos de interpretação que então se descortinavam, aponta, apesar das críticas que faz ao novo entendimento, “uma renovação benéfica à doutrina da interpretação, um novo sopro vital”: a interpretação evolutiva. Segundo suas palavras:

A chamada interpretação evolutiva é sempre mera aplicação do direito, e repousa em dois cânones: a “ratio legis” é “objectiva” (não a “ratio” subjectiva do criador

32 “[...] diz-se rígida a Constituição somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais

especiais, diferentes e mais difíceis que os processos ordinários de elaboração das leis” (MEIRELLES TEIXEIRA, José Horácio. Op. cit., p. 108).

33 São as chamadas mutações ou transições constitucionais (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e

aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 137),

que podem ser definidas como modificações do significado do Texto Constitucional, operadas sem modificação formal desse mesmo Texto. Como explica Lourival Vilanova, “a mutação da circunstância histórica determina mutação de sentidos objetivos nas normas de ordenamento. Quer o queira ou não o legislador, fará, inevitavelmente, o poder judicial. A estática dos textos não condiciona a estática dos conceitos normativos” (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São

Paulo: Max Limonad, 1997. p. 322). Como afirma J. J. Gomes Canotilho, “o reconhecimento destas mutações constitucionais silenciosas (‘stille Verfassungswandlungen’) é ainda um acto legítimo de interpretação constitucional” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 1229). Também Celso Ribeiro Bastos realça a relação entre interpretação e mutação constitucional (BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 111).

34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 458. 35V. Capítulo 3, infra.

36 Jorge Miranda faz referência a uma função prospectiva dos princípios, que balizam a interpretação

evolutiva de modo que as novas formulações lhes sejam conformes (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. t. 2. p. 230). No mesmo sentido, Cármen Lúcia

(22)

da lei) e é “actual” (não a “ratio” histórica do tempo em que a lei foi feita). Assim pode acontecer que uma norma ditada para certa ordem de relações adquira mais tarde um destino e função diversa.

E arremata:

A interpretação evoluciona e satisfaz novas necessidades, sem todavia mudar a lei. A lei lá está; mas porque a sua “ratio”, como força vivente móvel, adquire com o tempo coloração diversa, o intérprete sagaz colhe daí novas aplicações 37e38.

Em compensação, os mesmos fatores que revelam a importância da interpretação da Constituição (posição hierárquica superior; inicialidade fundante; disciplina do jogo político da sociedade; necessidade permanente de atualização) acabam por impingir-lhe algumas peculiaridades.

Destarte, ainda que não haja plena concordância da doutrina a respeito do tema39, parece inegável a necessidade de armas específicas do campo constitucional para que sejam superados, com sucesso, os obstáculos específicos criados pelas características particulares apresentadas pelas normas da Constituição.

Jorge Miranda fala em “fatores de perturbação” do intérprete, arrolando a variedade das normas constitucionais quanto ao objeto e à eficácia; sua indeterminação; a proximidade dos fatores políticos; a influência da ideologia (e da pré-compreensão do intérprete); os diferentes critérios que balizam a atividade dos órgãos políticos; a origem compromissória dos Textos, que trazem em si princípios diferentes e muitas vezes discrepantes40.

37 FERRARA, Francesco. Op. cit., p. 173.

38 Vale ressaltar, todavia, a existência de limites à mutação constitucional: “O primeiro deles é representado

pelo próprio texto, pois a abertura da linguagem constitucional e a polissemia de seus termos não são absolutas, devendo estancar diante de significados mínimos. Além disso, também os princípios fundamentais do sistema são intangíveis, assim como as alterações informais introduzidas pela interpretação não poderão contravir os programas constitucionais” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 139).

39 Sobre as controvérsias a respeito de ser ou não a interpretação constitucional modalidade específica de

interpretação, ver BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

p. 393-4.

(23)

Também Meirelles Teixeira ensina que o conhecimento dos “íntimos significados da Constituição” esbarra em “dificuldades óbvias”. De início, o fato de serem os preceitos constitucionais mais sintéticos do que aqueles constantes da legislação infraconstitucional já se revela como primeiro obstáculo. Além disso, a maior estabilidade da norma constitucional, advinda da sua rigidez, torna mister que ela continue a ser aplicada em condições históricas muito diversas daquelas sob as quais foi criada, o que demanda esforço interpretativo bem mais intenso41. De fato, não há em relação ao Texto Constitucional norma hierarquicamente superior que lhe dê fundamento de validade. É a chamada “inicialidade fundante” das normas constitucionais, que ressalta a importância da existência de um órgão incumbido de estabelecer com caráter vinculante qual interpretação deve prevalecer (corte constitucional), impondo suas decisões aos demais órgãos superiores de governo. Além disso, por ser a Constituição o fundamento de validade das demais normas, o estabelecimento do conteúdo de seus mandamentos pode acarretar a invalidação das normas inferiores que a contrariem, conseqüência que não está presente na interpretação das normas jurídicas infraconstitucionais.

Como resume Willis Santiago Guerra Filho, as normas constitucionais não podem ser aplicadas por meio dos cânones tradicionais de interpretação, “isso pelo simples motivo de que a elas próprias faltam normas superiores, como elas são para as demais normas, para ajudar na determinação de seu alcance e significado”42.

De outra parte, a linguagem utilizada pelo legislador constituinte é mais sintética que a do legislador comum, e se apóia, por isso, em disposições mais genéricas (princípios) que fazem referência, muitas vezes, a definições extrajurídicas. Observa Paulo Bonavides:

A interpretação das normas constitucionais, pelo caráter político de que se revestem em razão de seu conteúdo, se aparta, em importantíssimo ponto, da metodologia empregada para a fixação do sentido e alcance das outras normas jurídicas, cuja interpretação se move num círculo menos sujeito a incertezas e dificuldades como aquelas que aparecem tocante à norma constitucional43.

(24)

Esse caráter político, para o mesmo autor, também é determinante para revelar a substância dos princípios constitucionais, que nada mais são do que “princípios políticos introduzidos no texto constitucional”. Alerta, contudo, para o risco de conceder importância extrema ao elemento político, de forma a sacrificar a normatividade do Texto Maior e a instaurar o arbítrio44.

A mesma advertência é feita por Inocêncio Mártires Coelho. Ressalta ele que, ainda que se tenha por cabível uma interpretação especificamente constitucional, as peculiaridades que a sustentam não devem chegar ao ponto de excluir a norma suprema do ordenamento jurídico: “as normas constitucionais são, portanto, normas ‘jurídicas’, com todas as conseqüências teóricas e práticas que resultam dessa qualificação”45.

O mesmo autor reconhece, entretanto, que a Constituição possui uma estrutura normativo-material que a distingue da lei ordinária, já que os Textos Constitucionais apresentam um caráter aberto, polissêmico e indeterminado, só aplicável mediante os atos legislativos e judiciais. Conclui, assim, que as especificidades geralmente atribuídas à interpretação da Constituição estão ligadas umbilicalmente à natureza aberta dos princípios

constitucionais, não se logrando localizar nenhum autor que sustente que também as regras

demandem uma forma específica de interpretação.

Com apoio em Larenz, leciona que:

[...] as normas constitucionais não contêm uma previsão por “elementos”, limitando-se a enunciar “princípios” ou critérios gerais de valoração, que não podem exercer a função de premissa maior de um silogismo subsuntivo e, por isso, só se tornam operantes depois de densificados e concretizados pelo intérprete-aplicador46.

E arremata: a polissemia dos Textos Constitucionais advém de serem eles repositórios de princípios, “preceitos cuja estrutura normativo-material é aberta e

44 Id., p. 462.

(25)

indeterminada”. Isso justifica a existência de uma hermenêutica especial, uma

“hermenêutica de princípios”47.

Por fim, as normas constitucionais, apesar de seu inegável caráter vinculante (jurídico), regulam questões políticas. Estão sujeitas, pois, a um influxo político, que deve ser levado em consideração pelo intérprete. Portanto, “a interpretação das normas constitucionais deve ter em conta a especificidade resultante do facto de a constituição ser um estatuto jurídico do político”48. Nesse sentido, legítimo o recurso a valores políticos na

tarefa interpretativa, desde que efetivamente positivados na Constituição.

Conclui-se, pois, que a interpretação da Constituição, apesar do inegável caráter normativo de suas disposições, apresenta peculiaridades que, se não a apartam, pelo menos a singularizam em relação à interpretação das demais normas jurídicas.

2.4 Postulados de interpretação constitucional

As características particulares das normas constitucionais, vistas anteriormente, conduzem a uma conclusão inafastável: a interpretação dessas normas deve ser norteada por premissas básicas igualmente peculiares, ausentes quando a tarefa interpretativa tem por objeto normas jurídicas de nível ordinário. Tais postulados49, estabelecidos pela hermenêutica constitucional, possuem natureza de condicionamento, verdadeiros axiomas que devem ser observados para levar a cabo a tarefa interpretativa com bons resultados:

47 Id., p. 85-6.

48 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 1207.

49 Também chamados de “princípios da interpretação constitucional”, “regras básicas de concretização”,

“pontos de apoio”, “diretrizes” etc. Não há uniformidade na nomenclatura utilizada pela doutrina para designá-los. Sánchez de La Torre os denomina “postulados doutrinários” (Los principios clásicos del derecho, p. 166-167. Apud FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. Los principios generales del derecho y su formulación constitucional. Madrid: Civitas, 1990. p. 100), expressão que reputamos assaz adequada, mas

(26)

“não poderás interpretar a Constituição devidamente sem antes atentares para estes elementos”50e51.

As normas constitucionais são normas jurídicas e, como conseqüência, sua interpretação serve-se dos conceitos e elementos clássicos da interpretação em geral. Todavia, as normas constitucionais apresentam determinadas especificidades que as singularizam, dentre as quais é possível destacar: a) a superioridade jurídica; b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter político. Em razão disso, desenvolveram-se ou sistematizaram-se categorias doutrinárias próprias, identificadas como princípios específicos ou princípios instrumentais de interpretação constitucional. [...]

Os princípios instrumentais de interpretação constitucional constituem premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas, que devem anteceder, no processo intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta52.

A introdução do catálogo de tais princípios entre nós costuma ser imputada à obra de Konrad Hesse53. Entretanto, o desenvolvimento posterior experimentado em diversas obras nacionais permite afirmar que não há, hoje, nenhuma uniformidade na enumeração desses postulados.

Optamos, aqui, por apresentar os que reputamos primordiais. São eles:

50 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 165.

51 Convém frisar, neste ponto, que esses postulados hermenêuticos não podem ser considerados normas

jurídicas, já que não estão estabelecidos no sistema jurídico por uma decisão, ou seja, não estão positivados. São, portanto, verdadeiros postulados construídos pela ciência, “situados num plano distinto daquele das normas cuja aplicação estruturam” (ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 122). As normas valem ou não; os postulados, por serem científicos, são verdadeiros ou falsos.

52 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.).

Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 298-9.

53 Conforme anota Virgílio Afonso da Silva, “esses princípios de interpretação constitucional, que no Brasil

(27)

2.4.1 Força normativa da Constituição

A Constituição é uma lei, e não um conjunto de recomendações políticas ou

morais. O ponto inicial de qualquer tentativa de interpretação jurídica da Constituição é a afirmação de que se trata de uma lei, ou seja, de um conjunto de disposições prescritivas, de preceitos de dever-ser:

Embora resultante de um impulso político, que deflagra o poder constituinte originário, a Constituição, uma vez posta em vigência, é um documento jurídico. E as normas jurídicas, tenham caráter imediato ou prospectivo, não são opiniões, meras aspirações ou plataforma política. As regras de direito, consigna Recaséns Siches, “son instrumentos prácticos, elaborados y construidos por los hombres,

para que, mediante su manejo, produzcan en la realidad social unos ciertos efectos, precisamente el cumplimiento de los propósitos concebidos”54.

A premissa básica da interpretação constitucional é: a Constituição é uma norma

jurídica, que pretende vincular o comportamento das forças sociais. Não é apenas o reflexo

do jogo real de poder que se manifesta em determinada sociedade, nem um compromisso

político futuro, despido de positividade55.

Como relata Luís Roberto Barroso, a teoria constitucional tradicional foi subvertida por três grandes mudanças de entendimento: o reconhecimento da força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o surgimento de uma nova dogmática da interpretação da Lei Maior. Até meados do século XIX a teoria que

54 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 58 (grifos do

original).

55 Como se pode perceber, atribuímos ao conceito de força normativa da Constituição significado diverso

(28)

prevalecia na Europa entendia a Constituição como documento de cunho político, cujas disposições não tinham força vinculante. Modernamente,

[...] passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições. Vale dizer: as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado56.

2.4.2 Supremacia da Constituição

Além de ser uma lei, a Constituição é a Lei Suprema de um Estado. Assim,

“procede-se à interpretação do ordenamento jurídico a partir da Constituição”57, e não ao contrário.

O princípio da supremacia da Constituição nasceu atrelado a duas distinções próprias do constitucionalismo liberal: a diferenciação entre poder constituinte e poder constituído (Sieyès), e entre Constituições rígidas e flexíveis58.

A rigidez constitucional se traduz no fato de que o processo de modificação das normas do Texto é mais dificultoso. Da rigidez decorre o princípio da supremacia da Constituição: esta, sob o ângulo normativo, está colocada no vértice do sistema jurídico do

que queremos ressaltar com a inclusão da “força normativa da Constituição” no catálogo dos postulados interpretativos, e sim o apresentado no texto.

56 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do

Direito Constitucional no Brasil. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, nº

63/64, jan./dez. 2006, p. 6-7.

57 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 172.

(29)

País, e “todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos”59.

A norma jurídica fundamental está acima das leis produzidas pelo Estado. Para garantir sua incolumidade, ela mesma estabelece mecanismos para extirpar do sistema jurídico as leis que lhe são contrárias. “É o chamado controle da constitucionalidade das leis, realizado no Brasil pelo Poder Judiciário, através de ações adequadas”60.

Como explica J. H. Meirelles Teixeira:

No sistema das Constituições rígidas, portanto, à legalidade comum, isto é, à

concordância dos atos jurídicos com as normas legais, sobrepõe-se uma

superlegalidade constitucional, que consiste na existência de certas normas

jurídicas fundamentais, superiores às leis ordinárias, normas às quais se confere uma eficácia jurídica superior, uma eficácia vinculante da própria atividade do legislador ordinário, e também da atividade de qualquer outro órgão ou agente do Poder Público61.

Disso decorre que incide em grave erronia o intérprete que se debruça sobre a Constituição com os olhos voltados às significações atribuídas à legislação ordinária: “a interpretação da Constituição pode ser conciliada com a lei ordinária, mas não pode ser restringida ou alterada por ela”62.

Além disso, toda a teleologia do ordenamento jurídico é pautada pela Constituição:

É da natureza de toda constituição estabelecer objetivos a serem realizados por meio de sua aplicação. Logo, cabe ao intérprete, seja ele qual for, interpretar todas as normas jurídicas do aludido ordenamento, em consonância com as finalidades previstas constitucionalmente, porquanto a constituição ocupa,

59 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 45. 60 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 40-1. 61 MEIRELLES TEIXEIRA, José Horácio. Op. cit., p. 373.

62 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de.

Hermenêutica constitucional: métodos e princípios específicos de

(30)

hierarquicamente, o ápice da ordem jurídica positivada: princípio da supremacia da constituição63.

2.4.3 Unidade da Constituição

Em cada ordenamento jurídico só pode haver uma Lei Fundamental, que deve ser interpretada evitando as contradições entre suas normas. Como ensina Konrad Hesse:

La relación e interdependencia existentes entre los distintos elementos de la Constitución obligan a no contemplar en ningún caso sólo la norma aislada sino siempre además en el conjunto en el que debe ser situada; todas las normas constitucionales han de ser interpretadas de tal manera que se eviten contradicciones con otras normas constitucionales64.

Trata-se do mais importante postulado de hermenêutica constitucional, sobretudo porque por seu intermédio se preserva a legitimidade das decisões tomadas pelo poder

constituinte. Destarte, caso fosse dada ao intérprete a possibilidade de prestigiar determinadas disposições constitucionais em detrimento de outras, poderiam ser cuidadosamente selecionadas aquelas que refletissem sua (dele, intérprete) ideologia, o que lhe converteria no verdadeiro legislador constitucional.

A visão da totalidade de uma Constituição faz ressaltar a importância do método lógico-sistemático na interpretação. Encarada a Lei Maior como um sistema de normas, associadas umas às outras, ter-se-ão meios mais eficazes de captação da idéia de unidade da Carta Magna, fundamental em qualquer trabalho interpretativo. Na precisa lição de Ferrara:

63 GOMES, Sergio Alves.

Hermenêutica jurídica e Constituição no Estado de Direito Democrático. Rio de

Janeiro: Forense, 2001. p. 43.

(31)

O preceito singular não só adquire individualidade mais nítida, como pode assumir um valor e uma importância inesperada caso fosse considerado separadamente, ao passo que em correlação e em função de outras normas pode encontrar-se restringido, ampliado e desenvolvido65.

A constatação não escapa a Jorge Miranda: o “apelo ao elemento sistemático consiste aqui em procurar as recíprocas implicações de preceitos e princípios em que aqueles fins se traduzem, em situá-los e defini-los na sua inter-relacionação e em tentar, assim, chegar a uma idônea síntese globalizante”66.

Por fim, cabe ressaltar que, num sentido menos difundido, a unidade da Constituição significaria a inexistência de hierarquia entre as normas constitucionais67. Com relação a essa segunda significação, como bem observa Virgílio Afonso da Silva, a existência de clausulas pétreas produz um considerável abalo no fundamento da teoria68.

2.4.4 Necessidade de harmonização entre as regras e princípios

O intérprete deverá encontrar o espaço adequado a cada uma das normas em atrito, de maneira que nenhuma delas reste completamente aniquilada. Diante das tensões entre regras e princípios constitucionais, o princípio da harmonização (também chamado

65 FERRARA, Francesco. Op. cit., p. 143. 66 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 261.

67 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 187; CARVALHO, Márcia

(32)

de concordância prática) “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros”69.

A harmonização acima citada é alcançada mediante a aplicação do chamado

princípio daproporcionalidade70. Assinala Canotilho:

Subjacente a este princípio está a idéia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens71.

Como muito bem frisa Juarez de Freitas,

[...] o princípio da proporcionalidade quer dizer, finalística e essencialmente, isto: temos de fazer concordar os valores jurídicos e, quando um tiver que preponderar sobre o outro, mister salvaguardar, ao máximo, aquele que restou relativizado72e73.

68 SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 122-3. O

autor também sustenta a existência de graus diferentes de importância para as normas constitucionais, mesmo que sob a ótica material (Id., p. 123-5).

69 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 1225.

70 Convém deixar claro, neste ponto, que, quando se rotula a proporcionalidade de princípio, não se está

utilizando a expressão como espécie de norma, mas sim como postulado interpretativo. Isso deve ficar claro

porque há, na doutrina, grande discussão a respeito da natureza jurídica da proporcionalidade: se regra ou princípio. Diante de nossa posição, essa querela perde a razão de ser, pois, como anota Rodney Cláide B. E.

da Silva, “a proporcionalidade consiste em um método empregado para operacionalizar uma colisão de direitos. É tida apenas como forma de concatenar o raciocínio, do que propriamente um princípio indicativo de um valor intrínseco” (SILVA, Rodney Cláide Bolsoni Elias da. O princípio como norma jurídica. Estudo sobre o princípio, a regra e os valores dentro do sistema normativo constitucional. São Paulo: Esfera, 2006.

p. 83), E, após citar o ensinamento de Robert Alexy, que o enquadra na categoria de regras, afirma: “Discorda-se do citado posicionamento, porque a proporcionalidade não é uma regra, na medida em que não prescreve condutas e tampouco impõe conseqüências. A proporcionalidade não prevê os modais deônticos ‘permitido, obrigado ou proibido’ e também não impõe sanções. É uma forma de resolver conflito entre direitos expressos em normas-princípios” (SILVA, Rodney Cláide B. E. da. Op. cit., p. 84). Com a mesma opinião temos Eros Roberto Grau (GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 181). Em sentido contrário está Paulo Bonavides, que afirma tratar-se de princípio positivado em nosso ordenamento constitucional, tendo origem em diversos dispositivos de nossa Lei Maior (BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 434-6). Também o Tribunal Constitucional alemão o considera verdadeiro preceito constitucional, que deita raízes, juntamente com o preceito da proibição do excesso, no princípio do Estado de Direito, conforme anota Luís Afonso Heck (O tribunal constitucional federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais: contributo para uma

compreensão da jurisdição constitucional federal alemã. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. p. 176).

71 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 1225.

72 FREITAS, Juarez de. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese

constitucional. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional:

(33)

A importância do princípio da proporcionalidade para a resolução de antinomias de princípios é ainda maior, como ressalta Willis Santiago Guerra Filho:

Para resolver o grande dilema da interpretação constitucional, representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, preconiza-se o recurso a um princípio dos princípios, o princípio da proporcionalidade, que

determina a busca de uma solução de compromisso, na qual se respeita mais, em

determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo o(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando totalmente com o respeito, isto é, ferindo-lhe(s) seu núcleo essencial onde se acha insculpida a dignidade

humana74.

Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos reputam a proporcionalidade sinônimo de razoabilidade75. Já para Virgílio Afonso da Silva, a identificação não é correta, pois, apesar de terem objetivos semelhantes, a regra da proporcionalidade

[...] tem uma “estrutura” racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da “adequação”, da “necessidade” e da “proporcionalidade em sentido estrito” –, que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, “claramente”, da mera exigência de razoabilidade76.

Importante frisar, a par das raízes históricas e do desenvolvimento que a proporcionalidade experimentou, é que ela “ordena que a relação entre o fim que se

73 A utilização do verbo “concordar” revela a intensa relação entre a proporcionalidade e a “concordância

prática”, postulado constante originalmente do catálogo de Konrad Hesse. Para Paulo Bonavides, o princípio da concordância prática foi idealizado por Hesse como uma projeção do princípio da proporcionalidade, e está fundamentado no princípio da unidade da Constituição, “mediante o qual se estabelece que nenhuma norma constitucional seja interpretada em contradição com outra norma da Constituição” (BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 425).

74GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e Teoria do Direito. In: GRAU, Eros

Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a

Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 269.

75 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 302. 76 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.

(34)

pretende alcançar e o meio utilizado deve ser adequada, necessária e proporcional”77, o que nos impõe uma análise, ainda que superficial, de seus subelementos.

Para reputar-se conforme ao postulado da proporcionalidade, a interpretação deve desembocar em um ato sucessivamente adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. Há, pois, três subelementos no postulado da proporcionalidade.

Pelo requisito da adequação, procura-se analisar se a interpretação gerará um ato capaz de atingir a finalidade desejada pela norma.

Pelo requisito da necessidade, verifica-se se não existem outras soluções interpretativas, menos gravosas, para serem adotadas.

O requisito da necessidade parte de três premissas básicas, as quais devem ser percorridas pelo julgador: a) a intervenção no direito fundamental deve ser mínima; b) deve haver meios alternativos para chegar à mesma finalidade; c) ele deve realizar um juízo empírico de comparação entre o meio escolhido e o(s) outro(s) meio(s) existente(s) no que tange ao resultado final a ser alcançado78.

Superadas as duas fases anteriores, passa-se ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, devendo “levar em consideração as vantagens e desvantagens que o ato normativo poderá provocar quanto aos valores tutelados pelo ordenamento jurídico. Aqui deverá o julgador escolher o valor que irá prevalecer no caso concreto”79.

Vê-se, portanto, como muito bem frisado por Virgílio Afonso da Silva, que “a análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito”80, havendo verdadeira subsidiariedade entre as sub-regras: se o “teste” de constitucionalidade não resistir ao exame da adequação, a solução que se pretende dar ao caso concreto é inconstitucional; se resistir a esse primeiro exame,

77 STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada restritivos de direitos

fundamentais. In: SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros,

2005. p. 39.

78 SILVA, Rodney Cláide B. E. da. Op. cit., p. 95. 79 Id., p. 96.

(35)

passa-se ao segundo (necessidade), e somente se a solução interpretativa resistir também a ele é que se analisará a proporcionalidade em sentido estrito. Superada esta última etapa, a constitucionalidade poderá ser afirmada. Ou seja: uma solução somente poderá ser

reputada proporcional, em sentido estrito, se também for considerada adequada e necessária81.

2.4.5 Maior eficácia possível

82

A Constituição, como detentora de força normativa, é uma típica norma jurídica. Quando começa a vigorar, deve ter força suficiente para alcançar as situações do mundo fático nela previstas e regulá-las conforme seus dispositivos. A interpretação constitucional, nesse cenário, deve ser encarada como maneira de pôr em funcionamento o motor do Texto, e não relegá-lo a um eterno stand by.

Como afirma Jorge Miranda, “a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação. ‘Interpretar’ a Constituição é ainda ‘realizar’ a Constituição”83.

Virgílio Afonso da Silva sustenta que a idéia está contida no postulado da força normativa da Constituição84. Além disso, circunscreve a utilidade do citado princípio a uma idéia regulativa “que aponta para uma determinada direção a ser seguida, mesmo que esse máximo nem sempre possa ser alcançado”, pelo que propugna a nomenclatura de

81 Do que se pode extrair da estrutura da proporcionalidade e de seus subelementos, verifica-se que não se

trata, propriamente, de um postulado de interpretação constitucional, mas sim de um postulado de aplicação da norma constitucional, já que é impossível a realização do procedimento sem um caso concreto a ser resolvido. A ponderação in abstracto, entretanto, é tida como possível por Ana Paula de Barcellos (Op. cit.,

p. 146-55). Sobre a diferenciação entre interpretação e aplicação, adotada no presente trabalho, v. Capítulo 2, supra.

82 Este postulado pode ser denominado “máxima efetividade”. É também rotulado de “princípio da

eficiência” ou da “interpretação efetiva” (GUERRA FILHO, Willis S. Teoria processual da Constituição,

cit., p. 80).

(36)

“efetividade ótima”85. A máxima efetividade seria, assim, uma bússola a guiar o intérprete constitucional em seu trabalho, e não uma exigência que condicione, a priori, o resultado

da interpretação.

84

V., todavia, a definição que adotamos de “força normativa da Constituição” no item 2.4.1, supra.

Referências

Documentos relacionados

But the significant difference in the mean salivary albumin levels of the control group and group 3 and 4 as well as a significant difference in mean salivary albumin in

Tanto as 15 cepas resistentes à eritromicina de origem humana (I. OLIVEIRA et al., dados não publicados) como também as 9 de origem bovina encontradas neste estudo foram isoladas

Historicamente, a Psicologia esteve fundamentada em uma concepção de Clínica tradicional, restringindo seu escopo de intervenções ao consultório e ao trabalho no um a um,

Para atender esses objetivos, esses municípios avançaram na definição de áreas urbanas onde o instrumento será aplicado, definem os parâmetros para identificar os lotes, glebas

[r]

O objetivo maior da roda é, segundo o Gabriel da Muda, “despertar o interesse que existe nas pessoas pela música que não é tocada em lugar nenhum, visto o crescimento do

Com a distribuição de investimentos conforme o gráfico ao lado, mesmo com as incertezas nos campos político e econômico o Plano Multifuturo II alcançou uma rentabilidade de 8,59%

acessível por teclado Modelo de confronto de comportamentos Verificar se o resultado é diferente via ação por mouse ou teclado é mais eficiente.