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Limitações ao ativismo judicial nas políticas públicas de saúde

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

FELIPE SOARES BULCÃO TIMBÓ

LIMITAÇÕES AO ATIVISMO JUDICIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

(2)

FELIPE SOARES BULCÃO TIMBÓ

LIMITAÇÕES AO ATIVISMO JUDICIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior.

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

T583l Timbó, Felipe Soares Bulcão.

Limitações ao ativismo judicial nas políticas públicas de saúde / Felipe Soares Bulcão Timbó.

– 2014.

75 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Constitucional. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Direito à saúde - Brasil. 2. Políticas públicas de saúde - Brasil. 3. Poder judiciário e questões políticas - Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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FELIPE SOARES BULCÃO TIMBÓ

LIMITAÇÕES AO ATIVISMO JUDICIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Professor Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Professora Msc. Janaína Soares Noleto Castelo Branco

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Professor Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana

(5)

A minha mãe, meu pai e minha tia, Meu amor,

Minha força, E minha sabedoria.

A quem devo tudo o que fui Tudo o que sou

(6)

AGRADECIMENTOS

Dentre as inúmeras viagens em que embarcamos ao longo da vida, os sonhos são

as mais belas. E nenhum sonho é tão bom quando sonhado sozinho.

A todos os que sonharam comigo ao longo de toda minha vida e, principalmente nos últimos cinco anos de faculdade, devo um imenso e eterno agradecimento, especialmente: À minha mãe Lina. Nada disso teria sido possível se ela não tivesse sonhado comigo primeiro.

À Duda, minha tia, madrinha e, mais do que qualquer coisa, mãe do coração. Por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher. Posso não ser grande, mas tenho duas mulheres que me fizeram crescer com carinho, dedicação e força. Só nós três sabemos o que passamos ao longo de nossas vidas. Se dividimos tristezas, estas foram apagadas pelas nossas vitórias e alegrias.

Ao meu pai, que sempre me impulsionou e me permite seguir adiante.

Não há língua no mundo, nem palavras o suficiente que consigam expressar meu amor por essas três pessoas.

À Silvinha. Nos meus sonhos, as madrastas são pessoas boas.

À minha avó Celina, que tenho certeza de está sempre do meu lado, e ao meu avó José Sá Rocha, que viu o início desse sonho e, embora já não esteja mais aqui, foi no final de sua vida meu maior admirador e a quem eu sempre quis dar orgulho.

À minha família por me amar do jeito que sou e por estarmos juntos nos bons e

maus momentos. Nós, sim, somos uma família de verdade.

Um obrigado especial ao meu padrinho,tio Júnior, que me mostrou o que é ser homem de verdade. E à minha tia Edvânia, sua esposa. Se existe alguém que merece um lugar no céu, com certeza é ela.

A todos os meus amados e respeitados tios e tias: ao tio Caetano e a sua esposa Cris, com quem compartilho sonhos jurídicos; ao tio Sérgio e a Tia Sandra, dois batalhadores que sempre me acolheram com muito amor e me acordavam quando eu estava dormindo sobre os livros, e ao tio Cleto, que faz de um simples estudante de Direito, como eu, ministro do STF.

(7)

Obrigado ao inacreditável William Marques. Meu professor, orientador e verdadeiro exemplo do que é ser um grande profissional do Direito, um extraordinário servidor público e, principalmente, um ser humano amável.

À querida professora Janaína. Poucas pessoas são tão admiráveis nesse mundo do Direito, quanto a senhora. Obrigado por me fazer acreditar que é possível vencer. Obrigado por ter aceitado o convite para ser parte da minha monografia.

Ao Professor Juvêncio, que desvendou os mistérios das cautelares, aceitou tão solicitamente compor minha banca de monografia e me deu a oportunidade de compartilhar de seus conhecimentos.

Aos meus primeiros amigos: Yasmim Rodrigues, que é insubstituível; Vítor Adler, que, contra todas as expectativas, me deu a felicidade tê-lo ao meu lado; Maria Helena, que me entende como ninguém; e Tamara Marques, que pode contar incessantemente com minha confiança, carinho e torcida. Se estamos juntos até hoje, estaremos juntos para sempre. Aos maravilhosos chefes que tive a sorte de ter em todos os meus estágios: a

Doutora Mayara Travassos, primeira pessoa que acreditou em mim e me mostrou o quão difícil pode ser a prática forense; ao Doutor Rommel, cuja sabedoria é tão grande quanto sua

simplicidade; e ao Doutor Paulo de Tarso, que me ensinou que defender o Estado não lhe faz melhor ou pior do que ninguém, que ser Procurador não é motivo de soberba e que, sobretudo, é preciso humildade e paciência para sempre seguir em frente.

Ao pessoal da 14ª Vara do TRT, onde voltei a acreditar no Direito, especialmente à Suelen, Lupercinio, Tércio, Jorge e Cris.

Aos meus fantásticos amigos de estágio, que transformaram pesadelos em sonhos, horas em minutos e fizeram valer a pena sair de casa para trabalhar (e jogar conversa fora). Espero que possamos continuar trilhando nossa trajetória profissional juntos. Na Consultoria da PGE: Ana Laura, Andrei, Daniel Sampaio, Fernanda, Iasmin, João Henrique, Juliana Félix, Lara, Leon Melo, Maria Cláudia, Quézia, Renan, Thiago, Tiago Marinho e Vanessa Cavalcante. Na Judicial da PGE: Ana Amorim, Ana Paula, Carla Gondim, Fernanda Paula e Gleice Queiroz.

Por fim, meu agradecimento àqueles que tiverem o mesmo sonho que eu. Aos que fizeram valer a pena anos de estudo, um vestibular agressivo, aulas maçantes, professores ausentes, reprovações e humilhações. Aos maiores presentes que recebi nessa faculdade: meus amigos.

(8)

À Anna Rayssa, de quem, mais do que amigo, sou fã.

À Claryssa Ribeiro, por todo seu carinho, compreensão e positividade.

À Isabelle Vasconcelos, que me faz crescer como pessoa, com seus conhecimentos, reflexões, suas perguntas desconcertantes e pela maravilhosa família que me acolheu nos momentos mais difíceis.

À Isabella Collmann, por me fazer rir, por ser lutadora, mesmo quando tudo parece que não vai dar certo, e por sua mãe maravilhosa, a quem eu admiro igualmente.

À Maria Claudiane; foi Deus quem nos permitiu ser madrinha de crisma e afilhado; nada disso teria acontecido se não tivéssemos nos conhecido na fila da matrícula.

À Monique Maria, por fazer meus sonhos mais doces, ouvir minhas lamentações e rir das mesmas piadas.

À Priscila Almeida, por ser meu porto seguro na faculdade, me fazendo lembrar dos nossos tempos áureos no colégio.

À Taís Araújo, por seu amor, bondade, integridade e belíssimos espetáculos de

dança e nado sincronizado.

À Valquíria; ninguém torce mais por sua vitória do que eu.

Aos meus amigos Edson Cutrim, Paulo Augusto, Luís Carlos e Leandro Targino. Mesmo tão diferentes, tivemos a felicidade de nos conhecermos e nos tornarmos amigos. Nossos pontos em comum superam nossas divergências. Obrigado por me aceitarem. Tudo ficou mais fácil desde então.

À Juliana Lemos, por ter compartilhado os momentos de angústia e alegria finais. Aos meus amigos de tinta e papel, em especial ao André, o melhor escritor do mundo.

Mas do que conhecimentos acadêmicos e profissionais, a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará foi uma experiência de vida muito diferente do que algum dia eu sonhei.

Mas os sonhos de verdade nunca são como a gente quer. Eles são melhores.

(9)

“A lucidez torna o sucesso amargo, ao passo que a mediocridade espera sempre alguma

(10)

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade demonstrar, propor e analisar algumas limitações ao ativismo judicial nas políticas públicas de saúde. Inicialmente, apresenta-se uma definição do termo ativismo judicial, diferenciado-o do conceito ou ideia. Para isso, passa-se pela análise das origens históricas de ambos. Em seguida, faz-se uma incursão sobre a temática das políticas públicas de saúde, abordando seu fundamento legal e constitucional bem como seu conceito sob a perspectiva jurídica, conforme esclarece a melhor doutrina. Traça-se ainda um panorama do direito à saúde no Brasil, como direito fundamental social e prestacional que é, através da análise das normas legais que buscam efetivá-lo e dos mais recentes posicionamentos das principais cortes nacionais. Por fim, apontam-se um conjunto de razões que demonstram a necessidade de limitação do ativismo judicial nas políticas públicas, para que só então se possa examinar algumas dessas limitações necessárias à atuação dos juízes de modo a se evitar os efeitos nefastos que esse fenômeno eventualmente possa gerar.

(11)

ABSTRACT

This study aims to demonstrate, analyze and propose some limitations on judicial activism in public health policies. Initially, it examines a definition of judicial activism and after that the differences between the concept and the idea. To do so, it is discussed the historical origins of both. Then it is examined the subject of public health policies, addressing their legal and constitutional basis as well as its concept in the legal perspective, as clarifies the best doctrine. It is also showed a panorama of the right to health in Brazil, as a prestacional social fundamental right, and the legal rules that looks for its actualization and the latest positions of the main national courts. Finally, it is pointed out a number of reasons which show the necessity of limiting judicial activism in public policies to make possible to examine some of these limitations in the performance of judges in order to avoid the negative effects that this phenomenon may can generate.

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL ... 16

2.1 As bases históricas do ativismo judicial: o termo e o conceito ou ideia ... 16

2.2 Em busca de uma definição ... 18

3 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE ... 22

3.1 Política como fundamento legal e constitucional para a efetividade de programas estatais ... 22

3.2 Em busca de um conceito jurídico de políticas públicas ... 23

3.3 As políticas públicas de saúde ... 26

3.4 O Direito fundamental à saúde em sua dimensão prestacional ... 27

3.5 O Direito à saúde na Constituição e nas normas Infraconstitucionais ... 28

3.6 Panorama contemporâneo do acesso à saúde no Brasil ... 30

3.7 A judicialização das políticas públicas de saúde ... 32

3.8 Causas da Judicialização e do Ativismo Judicial ... 33

3.9 Os dois lados da mesma moeda: aspectos positivos e negativos da judicialização e do ativismo judicial ... 35

3.10 O tratamento dispensado pela jurisprudência pátria ao ativismo e a judicialização ... 38

3.11 A necessidade de imposição de limites ao ativismo judicial... 43

4 LIMITAÇÕES AO ATIVISMO JUDICIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE ... 47

4.1 Os fundamentos teóricos que justificam uma teoria do controle das políticas públicas . 47 4.2 Críticas ao controle jurídico e jurisdicional ... 48

4.2.1 Crítica da teoria da Constituição ... 48

4.2.2 Crítica filosófica ... 49

4.2.3 Crítica operacional ... 51

4.3 Objeto de controle ... 51

4.3.1 O controle de fixação de metas e prioridades e do resultado idealizado pelas políticas públicas ... 51

4.3.2 O controle da quantidade de recursos a ser investida ... 52

4.3.3 O controle do atingimento ou não das metas fixadas pelo Poder Público ... 52

4.3.4 O controle da eficiência mínima na aplicação dos recursos públicos ... 53

(13)

4.4.1 O próprio direito ... 54

4.4.2 Violação ao princípio democrático ... 55

4.4.3 A reserva do possível ... 56

4.4.4 Mínimo existencial ... 60

4.4.5 A fundamentação das decisões ... 62

4.4.6 Autocontenção judicial ... 64

4.4.7 Pressão política de atores sociais ... 65

4.4.8 Preservação da livre iniciativa nos desacordos morais razoáveis ... 66

4.4.9 Realização do mais amplo debate social ... 67

4.4.10 Efetiva da sabatina dos magistrados no Senado F ederal ... 68

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 69

(14)

1 INTRODUÇÃO

Dentre os inúmeros problemas que enfrenta o Brasil atualmente, não há dúvidas de que um dos principais é a precariedade dos serviços públicos de saúde. As reclamações são recorrentes e geralmente relacionadas a: insuficiência de leitos; superlotação de emergências hospitalares; carência de profissionais de saúde; desigualdade na distribuição de médicos no País; falta de medicamentos e insumos hospitalares; ausência de equipamentos ou equipamentos obsoletos, não instalados ou sem manutenção; inadequada estrutura física; e insuficiência de recursos de tecnologia da informação. Falta quase tudo na rede pública e sobra desorganização. E a questão parece se tornar cada dia mais grave. Não é por outra razão que tem sido tema de grandes debates políticos, especialmente durante as campanhas eleitorais, quando muito se promete e pouco se cumpre.

O que se percebe é uma enorme disparidade entre o que está positivado na legislação e o que está posto no mundo dos fatos.

Isto porque, embora a incorporação dos direitos sociais na constituição tenha ocorrido de maneira lenta, hoje, o direito à saúde, cuja base axiológica repousa na dignidade

da pessoa humana e no mínimo existencial, é tratado pela Carta Magna como direito social e fundamental (art. 6º) de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196) de modo que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle.

A partir da análise da legislação em vigor, é possível inferir que o Legislativo vem cumprindo com relativa e até surpreendente eficiência seu papel de positivador de direitos e garantidor de mecanismos para sua efetivação.

O Executivo, por outro lado, vem se mostrado absolutamente incapaz de atender às demandas sociais, o que deveria fazer através das políticas públicas, as quais tem se mostrado bastante deficientes.

(15)

Nessas hipóteses, os magistrados, a quem cabe precipuamente a função de julgar, diante da ameaça ou lesão a direitos, são chamados a atuar, não podendo se furtar de exercer sua função em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV).

Quando questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, ou seja, Congresso Nacional e Poder Executivo, ocorrendo assim a transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade, tem-se a chamada judicialização da política.

Nessas situações, em que o Judiciário é instado a se manifestar, muitas vezes os juízes atuam para além dos limites legais, geralmente levados por concepções pessoas e proferindo decisões emocionais, demonstrando uma postura notadamente ativista. E, embora na maioria dos casos as partes não sintam qualquer prejuízo, sendo em geral beneficiadas por tal postura, a coletividade indiretamente poderá pagar um preço caro.

O fenômeno vem tomando proporções maiores nos últimos anos diante da piora nos serviços públicos, notadamente nos de saúde, o que tem trazido preocupação aos gestores da saúde, nas três esferas administrativas, pois, muitas vezes, essa interferência despreza fluxos e protocolos existentes, impõe a realização de tratamentos extremamente onerosos, e resultam em inversão de prioridades nos gastos com medicamentos, com grave impacto na programação anual de saúde.

Mesmo admitindo-se que em determinadas hipóteses os juízes possam atuar no exercício de funções políticas, porque permitidos pela própria norma constitucional, situações existem em que ele nem deve nem podem fazê-lo.

Em razão disso, é que o presente estudo se propõe a apontar um conjunto de limitações a atuação dos magistrados diante de seu um ativismo desmedido, o que se faz através de uma pesquisa descritiva, em que se procura explicar, classificar, esclarecer e interpretar o problema apresentado, sob uma perspectiva doutrinária e jurisprudencial, de modo a fomentar o debate e tentar se acrescentar algo à temática.

Assim é que no primeiro capítulo, examina-se as bases históricas do ativismo judicial, cujo termo encontra suas origens em estudos de Schelesinger nos Estados Unidos da

América em artigo de 1947, mas cuja noção remota a períodos muito mais antigos. Traça-se dessa forma um perfil do fenômeno através da busca de uma definição válida para o termo.

(16)

direito á saúde no Brasil hoje, estudando seus fundamentos legais e constitucionais, e especialmente sua dimensão como direito fundamental, social e prestacional. Diante do quadro de omissão do legislativo através de dados fornecidos pelo Tribunal de Contas da União, constata-se a ocorrência do fenômeno da judicialização das políticas públicas no país, com o aumento dos gastos governamentais com o custeio, por exemplo, de medicamentos através de ações judiciais. Analisa-se em seguida o tratamento que é dado pela jurisprudência à matéria para só então se demonstrar a necessidade de imposição de limites à atuação dos juízes.

No terceiro capítulo, estudam-se as críticas impostas ao controle judicial das políticas públicas, e inobstante isso, passa-se a estudar os objetos de controle. Por fim, traça-se um conjunto de limitações que traça-se afiguram como importantes parâmetros para guiar a atuação do juiz e evitar os efeitos nefastos que esse fenômeno possa causar.

(17)

2 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL

Na contemporaneidade, a questão do ativismo judicial envolve muitas controvérsias, a começar pela discussão em torno do real significado do termo.

Com efeito, o ativismo judicial se inclui naquela categoria de expressões que, embora amplamente conhecidas, são usadas na maioria das vezes sem qualquer tipo de critério, chegando mesmo a definir situações absolutamente contraditórias, a exemplo do que ocorre com a “dignidade da pessoa humana”1.

Apesar disso, a maioria das discussões raramente giram em torno do real significado da expressão, concentrando-se geralmente em temas como a nulidade da legislação liberal por juízes conservadores, na mudança brusca dos princípios do common law, no caso dos países que adotam referido sistema, bem como na modificação de políticas públicas, entre outros, presentes em debates acadêmicos, nos meios midiáticos ou em campanhas eleitorais2.

Antes de se apresentar qualquer tipo de significado válido para fins deste trabalho, é imprescindível fazer uma distinção entre o termo “ativismo judicial”, criado por Arthur Schelesinger em 1947, e o conceito ou a ideia de ativismo judicial, que tem origens ainda mais antigas.

2.1 As bases históricas do ativismo judicial: o termo e o conceito ou ideia

O termo ativismo judicial apareceu pela primeira vez num artigo de quatorze páginas de Arthur Schelesinger Jr. intitulado “The Supreme Court:1947” publicado pela revista Fortune, entre propagandas de whisky e Aqua Velva.3 No ensaio, apesar do objetivo do autor de desmistificar a Suprema Corte Americana para o público leigo, foram ventiladas questões mais profundas ao se dividirem os Ministros da Suprema Corte em duas categorias: “Ativistas” (Black, Douglas, Murphy e Rutledge) e “Campeões da Auto-contenção” (Frankfurter, Jackson e Burton). Embora ambos os grupos “pudessem ser descritos de

1

BICCA, Carolina Scherer. O ativismo judicial no controle das políticas públicas. O caso da assistência

social no Brasil. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) - Instituto Brasilense de Direito

Público, Brasília – DF, 2011. p. 83 2

BICCA, op. cit., p. 85.

(18)

diferentes maneiras”, o autor não ofereceu nenhuma definição compreensiva de ativismo ou autocontenção.

Não obstante toda a cizânia em torno do seu significado, foram eventos posteriores à sua criação os responsáveis por torná-lo popular.

Não há dúvidas de que o uso do termo foi impulsionado em razão de Schelesinger ter vencido um Prêmio Pulitzer4, bem como pelo caso Brown v. Board Education5, no qual se derrubou a segregação racial. A partir de então, o ativismo das cortes federais nas questões sociais passou a ser um tema relevante, o que era terreno propício para a

disseminação do termo.

Apesar de ter sido somente após 1947 que a preocupação com o ativismo judicial adquiriu novos contornos, notadamente em razão dos eventos ocorridos após essa data, suas bases históricas remontam a problemas jurídicos bem mais antigos do que o ensaio de Schlesinger6.

Assim, no que concerne à ideia que se tem do ativismo, Green demonstra através de quatro casos controversos (a Era Lochner7, Dred Scott8, a Corte de Marshall9 e a

4

GREEN, op. cit. p., 1207.

5 Em dezembro de 1952, a chegaram à Suprema Corte dos Estados Unidos casos do Kansas, Delaware, Distrito de Columbia, Carolina do Sul e Virgínia, os quais questionavam a constitucionalidade da segregação racial nas escolas públicas. A Suprema Corte dos Estados Unidos consolidou estes cinco casos sob um único nome, Oliver Brown et al. v. Conselho de Educação of Topeka. Um dos juízes mais tarde explicou que a Suprema Corte dos Estados Unidos sentiu que era melhor ter casos representativos de diferentes partes do país. Eles decidiram colocar Brown em primeiro lugar ", para que toda a questão não fosse acusada de ser puramente sulista. Disponível em: <http://www.nps.gov/brvb/historyculture/index.htm>. Acesso em: 27 de setembro de 2014. 6 LINQUIST, Stefanie A.; CROSS, Frank B. Measuring Judicial Activism. New York: Oxford University Press, 2009 apud BICCA, Carolina Scherer. O ativismo judicial no controle das políticas públicas. O caso da

assistência social no Brasil. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) - Instituto Brasilense de

Direito Público, Brasília – DF, 2011. p. 87. 7

Meio século antes de 1937, o suposto ativismo da Suprema Corte assumiu variadas formas. A Corte inventou um direito constitucional de contratar e conceder uma ampla proteção de crédito às empresas interestaduais que permitissem negócios em larga escala operarem com poucas restrições regulamentares. No campo do direito legal, em questões como antitruste e jurisdição federal, a Corte restringiu os direitos dos trabalhadores e promoveu o desenvolvimento industrial. A Corte também expandiu um Commom-law federal geral que regesse disputas interestaduais de direito comercial para atos ilícitos. O Caso Lochner estabeleceu o palco para as invalidações da legislação do New Deal pela Corte, sendo, frequentemente, apresentado com um exemplo de

“ativismo judicial”, no sentido de recusa da Corte em permitir a legislação sobre assuntos de regulação

comercial. 8

Para Green, Dred Scott representa hoje o pior caso imaginável de ativismo judicial e talvez o único em torno do qual todos concordem Formalmente Dred Scott v. John Sandford, este foi um caso em que a Suprema Corte dos Estados Unidos em 6 de março de 1857 decidiu (7-2) que um escravo (Dred Scott) que tenha residido num Estado livre e território livres (onde a escravidão era proibida) não teria direito à sua liberdade, pois os afro-americanos nunca poderiam ser considerados cidadãos dos Estados Unidos; e que o compromisso do Missouri (1820), que havia declarado livre todos os territórios a oeste de Missouri e norte de latitude 36 ° 30 ', era inconstitucional. A decisão trouxe mais polêmica à questão da escravidão e empurrou o país para mais perto da guerra civil.

(19)

Reconstrução10) que a ideia que se tem de ativismo possui toda uma tradição jurídica envolvida e que, embora as críticas ao comportamento das cortes federais tenham ocorrido frequentemente, os fundamentos para elas variavam bastante. Para referido autor, na medida em que estes acontecimentos históricos dão suporte a prescrições vagas ou divergentes, eles apenas confirmam os desafios profundos que enfrentam qualquer teoria unificada do ativismo judicial11.

2.2 Em busca de uma definição

Após esse panorama histórico, em que se demonstrou a existência de diferença

entre o termo e o conceito/ideia de ativismo judicial, passa-se a buscar um significado apto a explicar de maneira satisfatória esse fenômeno, para que só assim seja possível apreendê-lo

em sua totalidade e avançar na discussão proposta.

Realmente não são poucos os autores que buscam uma definição para a expressão ativismo judicial.

Ainda na esteira dos ensinamentos de Green, este aponta quatro noções modernas de que pode se revestir o termo, refutando-as logo em seguida: assim, o ativismo poderia ser a) um erro que envolve uma questão legal séria (nem todo ativismo judicial pode ser considerado um erro, bem como nem todo erro deve ser considerado ativismo; se qualquer erro judicial fosse considerado ativismo, não haveria necessidade de formulação de um rótulo dessa natureza)12; b) a decisão com resultado controverso ou indesejado (ideia é ainda menos plausível que a anterior, já que, por esse sentido, o termo não acrescentaria nada a respeito das políticas em jogo; se os juízes fossem julgados apenas pela conveniência de suas decisões políticas, então o conceito seria irrelevante; mais do que isso, é preciso se esclarecer que qualquer que seja o significado de ativismo judicial, ele está ligado à prática de julgar, aos resultados e também a métodos jurídicos apropriados)13; c) decisão que declara a nulidade de

admirados atualmente, à época suas decisões eram intensamente debatidas. Seus julgamentos eram ridicularizados por suas consequências, por se valerem de métodos jurídicos impróprios, incluindo análise textual e por uma abordagem partidária da Constituição. Além disso, eram rejeitados por motivos institucionais, por desrespeitar a vontade popular e minar a democracia. Os anos Marshall, no entanto, confirmam que (a) a crítica judicial pode ser traçada do começo da tradição judicial americana e (b) a Corte tem recebido pesadas críticas tanto pelas decisões que diminuem o poder governamental, quanto por decisões que expandem tal poder. 10 Em uma série de decisões proferidas após a Guerra Civil Americana, a Corte submeteu os direitos individuais ao poder militar federal extirpando a liberdade e igualdade constitucional, e, como membros de uma comissão eleitoral, ajudaram a decidir a eleição presidencial. Algumas das decisões da corte de 1865 a 1885 foram bastante criticadas em seus dias, enquanto outras nem tanto. Os especialistas modernos veem esse período como um capítulo sombrio na história jurídica.

11

(20)

um estatuto (da mesma forma que no primeiro exemplo, nem toda decisão que declara a nulidade de um estatuto legal pode ser considerada ativista; além disso, declarar a nulidade de determinados diplomas legais é função de algumas cortes, não podendo tal postura ser considerada como ativista, uma vez que a mesma estará nada mais, nada menos do que cumprindo com seu munus)14 ; d) uma mistura desses e outros fatores (tal noção só reforçaria a ideia de que o ativismo seria um Frankstein incoerente, o que terminaria por eliminar qualquer noção de que o termo seria útil)15. Assim é que o autor assevera que todas essas definições acabam por se tornar instáveis e inúteis, de modo que para ele mais correto seria

definir o ativismo judicial como “o abuso do poder não-supervisionado exercido fora dos limites do papel judicial16”.

Lindquist e Cross agruparam as definições de vários estudos em outras quatro diferentes categorias: a) majoritarismo e deferência a outros atores governamentais; b) estabilidade e fidelidade interpretativa; c) engrandecimento institucional (do Poder Judiciário); d) julgamento com resultado orientado. Neste jaez, Bicca dispõe:

De acordo com os autores, a primeira dimensão apontada corresponde à situação na qual a Corte opta por não acatar decisões adotadas por outros atores governamentais. Já a segunda dimensão está relacionada com a desestabilização de um precedente judicial. A terceira, por sua vez, significa simples expansão da autoridade institucional judicial através de suas decisões sobre certos casos e controvérsias. Por fim, a quarta e última decisão apontada é aquela em que o Judiciário declara uma lei inconstitucional segundo as preferências políticas pessoais do julgador.17

No mesmo sentido, Bradley C. Canon entende não ser possível a elaboração de uma definição de “ativismo judicial”, especialmente em razão das dificuldades decorrentes das inúmeras visões que recaem sobre a questão. Referido autor passa então a elaborar uma estrutura geral do conceito, que inclui:

(1) Majoritarismo – o grau pelo qual políticas adotadas através de processos democrátivos são judicialmente negadas;

(2) Estabilidade interpretativa – o grau pelo qual recentes decisões de Cortes, doutrinas ou interpretações são alteradas;

(3) Fidelidade interpretativa – o grau pelo qual provisões constitucionais são interpretadas contrariamente à clara intenção dos seus elaboradores ou à clara implicação da linguagem usada;

(4) Distinção do Processo Substantivo/Democrático – o grau pelo qual decisões judiciais fazem políticas substantivas mais do que afetam a preservação do processo político democrático;

14 GREEN, op. cit. p., 1218 - 1219 15

(21)

(5) Especificidade da Política – o grau pelo qual uma decisão judicial estabelece a política ela mesma em oposição à discrição permitida de outras agências ou indivíduos;

(6) Avaliação de um Produtor de Política Alternativo – o grau pelo qual uma decisão judicial ultrapassa sérias considerações do mesmo problema por outras agências governamentais18.

Em face do exposto, é possível se concluir o quão amplas são as definições dadas para o ativismo nos Estados Unidos, todas geralmente associadas a uma crítica de discordância a determinado posicionamento judicial. Isso ocorre em razão da própria estruturação do Common Law por eles adotados, em que as decisões judicias têm muito mais força do que nos países de vertente romano-germânica, já que neles a jurisprudência ocupa posição de principal fonte do direito. Daí porque é muito mais complicado para os americanos caracterizarem uma decisão como ativista quando comparado ao sentido empregado no Brasil19.

Já para Elival da Silva Ramos, ferrenho crítico brasileiro do ativismo judicial, este seria definido nos seguintes termos:

O exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesses) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos)20.

Clássicos também são os ensinamentos de Luís Roberto Barroso para quem o ativismo judicial seria uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, de modo a se expandir o seu sentido e alcance, que ocorre geralmente em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. E assim o referido autor arremata:

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a

18

CANON, Bradley C. Defining the Dimensions of Judicial Activism. Judicature., s. I, Volume 66, n.6, 1993 apud BICCA, Carolina Scherer. O ativismo judicial no controle das políticas públicas. O caso da assistência

social no Brasil. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) - Instituto Brasilense de Direito

Público, Brasília – DF, 2011. p. 97. 19 BICCA, op. cit., p. 104.

(22)

imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas21.

O ativismo judicial assim se contrapõe à chamada autocontenção judicial, postura que se caracterizaria pela diminuição das intervenções do Poder Judiciário nos demais poderes. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo de potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A autocontenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas22.

Lenio Luiz Streck, por outro lado, o ativismo judicial é entendido como o “deslocamento do centro de decisões do Legislativo e do Executivo para o plano da jurisdição constitucional, no Estado Social e Democrático de Direito, permitindo por mecanismos jurídicos a forte atuação do Poder Judiciário, pela Carta Política que o legitima e fortalece23”.

Já para Bicca, fenômeno se “configura quando há o desrespeito à discrição do legislador na conformação da política pública, invalidando-se a respectiva legislação regulamentadora, cuja elaboração pautou-se em critérios razoáveis e permitidos pela Constituição, alterando-se, ainda, substancialmente a política través da utilização de critérios que o juiz entende mais adequados e eficazes”.

Trata-se de conceito que se baseia na teoria de Robert Alexy24, em que este formula um modelo material-procedimental da relação entre Constituição e Legislativo, baseado na ideia de uma moldura normativa, a qual representaria o âmbito de incidência da

norma e a limitação à liberdade de atuação do juiz. A partir do momento em que este não respeitasse tais limites normativos, estar-se-ia diante da ocorrência do ativismo judicial.

Aplicando referida delimitação ao campo das políticas públicas, passa-se a considerar que o “ativismo judicial” ocorre quando há o desrespeito à discrição do legislador na conformação da política pública, invalidando-se a legislação regulamentadora cuja elaboração pautou-se em critérios razoáveis e permitidos pela Constituição, alterando-se substancialmente a política através da utilização de critérios que o juiz entende mais adequado e eficazes.

21

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do

Estado, Rio de Janeiro, n. 18. Jan/mar 2009. p. 6

22 BARROSO, op. cit., p. 7 23

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermêutica: Uma nova Crítica do Direito, 2º ed. R.J: Forense, 2004, p.19-20.

(23)

3 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

As políticas públicas inicialmente foram objeto de estudo somente da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública, mas nos últimos tempos tornaram-se interesse também da Ciência do Direito, notadamente nas áreas da Teoria do Estado, do Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Financeiro25.

Isto demonstra a busca de aperfeiçoamento por que vem passando a Ciência Jurídica, como forma de superação desse paradigma exegético-dogmático que implica no reconhecimento de uma ciência viva e mutante, essencialmente dinâmica ao servir ao papel de objeto conformado pelos fatos sociais e transformador das relações sócio-institucionais26.

A partir disso, a questão que se coloca em primeiro lugar é: o que seriam políticas públicas?

A resposta para a indagação não é simples, e passa primeiro pelas diversas conotações que o termo política adquire em nosso ordenamento jurídico.

3.1 Política como fundamento legal e constitucional para a efetividade de programas estatais

A partir da análise das leis infraconstitucionais do ordenamento jurídico pátrio, percebe-se, notadamente a partir da década de 1990, a edição de um conjunto de leis que tem

por objeto a instituição de políticas setoriais.

São exemplos a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938 de 31 de Agosto de 1991), a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433 de 8 de Janeiro de 1997), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei. Nº 12.305 de 02 de Agosto de 2010), a Política Nacional de Participação Social (Decreto nº 8.243 de 23 de Maio de 2014), a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei nº 12.608 de 10 de Abril de 2012), o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei nº 11.343 de 23 de Agosto de 2006), dentre outras, as quais trazem em seu conteúdo objetivos, princípios e diretrizes que denotam a

25 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.).

Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p.1

26

(24)

existência de uma um programa de ação governamental que busca realizar certos fins públicos utilizando-se da máquina estatal.

Já no que diz respeito às políticas no texto constitucional, faz-se referência à política urbana (art. 182), à política agrícola (art. 187), à política tarifária (art. 175, parágrafo único, inciso II), às políticas sociais e econômicas (art. 196), às políticas de cultura (art. 216-A).

É importante acrescentar que há diferentes espécies de políticas em outros instrumentos jurídicos, como na referência constitucional ao Plano Diretor (ar.t 182), nas

Normas Operacionais Básicas de Saúde (NOB 1/93, NOB 2/96, NOAS 2000), o Planasa – Plano Nacional de Saneamento (Decreto n. 82.597/78).

A partir da análise das disposições legais e constitucionais supramencionadas é possível se fazer algumas conclusões.

Primeiro que, tanto o legislador quanto o constituinte não pareceram se preocupar em sistematizar, padronizar, seguir uma lógica formal para o uso do termo política. Não houve preocupação em se valer de uma linguagem técnico-jurídica.

A segunda conclusão, talvez mais relevante, é a de que nem sempre que se falar em política estar-se-á referindo-se a uma política pública.

A exteriorização da política pública, portanto, está muito distante de um padrão jurídico uniforme e claramente apreensível pelo sistema jurídico, o que dificulta muito o trabalho sistemático do cientista do direito nesse campo, uma vez que o seu objeto é multiforme e com grandes áreas de intersecção com outros domínios científicos27.

3.2 Em busca de um conceito jurídico de políticas públicas

Dentre os inúmeros conceitos possíveis para políticas públicas, há que se preferir para os fins desse trabalho um conceito jurídico.

Isto porque é por meio de um arcabouço normativo erigido pelo direito que as políticas públicas se realizam. É a comunicação entre o Poder Legislativo, o governo (direção política) e a Administração Pública (estrutura burocrática), delimitada pelo regramento pertinente28.

Bucci define os papéis que a política e o direito desempenham nesse contexto:

(25)

À política compete vislumbrar o modelo, contemplar os interesses em questão, arbitrando conflitos, de acordo com a distribuição do poder, além de equacionar a questão do tempo, distribuindo as expectativas de resultados entre curto, médio e longos prazos.

Ao direito cabe conferir expressão formal e vinculativa a esse propósito, transformando-o em leis, normas de execução, dispositivos fiscais, enfim, conformando o conjunto institucional por meio do qual opera a política e se realiza seu plano de ação. Até porque, nos termos do clássico princípio da legalidade, ao Estado só é facultado agir com base em habilitação legal. A realização das políticas deve dar-se dentro dos parâmetros da legalidade e da constitucionalidade pelo direito

– e gerar efeitos jurídicos – os atos e também as omissões que constituem cada política pública. O problema passa a ser, então, o de desenvolver a análise jurídica, de modo a tornar operacional o conceito de política, na tarefa de interpretação do direito vigente e de construção do direito futuro29.

Já no campo conceitual, Fernando Aith aduz que políticas públicas representam a atividade de elaboração, planejamento, execução e financiamento de ações voltadas à consolidação do Estado Democrático e à promoção e proteção dos direitos humanos30

Para José dos Santos Carvalho Filho, políticas públicas são as diretrizes (pontos básicos dos quais se originara a atuação dos órgãos), estratégias (os meios mais convenientes e adequados para a consecução das metas), prioridades (metas obtidas mediante processo de opção ou escolha) e ações (efetiva atuação dos órgãos para alcançar seus fins) que constituem as metas (objetivos a serem alcançados, que decorrem das propostas que nortearam a fixação das diretrizes) perseguidas pelos órgãos públicos, em resposta às demandas políticas, sociais e econômicas para atender os anseios oriundos da coletividade31.

Alcindo Gonçalves faz um verdadeiro apanhado de definições de vários autores:

É o caso de Eros Grau, que nomeia políticas públicas o conjunto de “todas as

atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do Poder Público na

vida social”. (...) Ao sintetizar as várias definições, Patrícia Arzabe escreve que

“políticas públicas podem ser colocadas, sempre sob o ângulo da atividade, como

conjuntos de programas de ação governamental estáveis no tempo, racionalmente moldadas, implantadas e avaliadas, dirigidas à realização de direitos e redistribuição de bens e posições que concretizem oportunidade para cada pessoa viver com dignidade e exercer seus direitos, assegurando-lhes recursos e condições para a ação,

assim como a liberdade de escolha para fazerem uso desses recursos”.

(...)

Para Fábio Konder Comparato, política pública “aparece, antes de tudo, como atividade, isto é, um conjunto de normas e atos tendentes à realização de um

objetivo determinado”. Duran escreve que “uma política pública é a busca explícita

29

BUCCI, op. cit., p. 37. 30

AITH, Fernando. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de consolidação do Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari Bucci (org.) Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo: Saraiva, 2006. p.232.

31

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Políticas públicas e pretensões judiciais determinantes. In: FORTINI, Cristiana; ESTEVES, Júlio César dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca (org.) Políticas públicas:

(26)

e razoável de um objetivo graças à alocação adequada de meios onde a utilização

razoável deve produzir consequências positivas”32 .

Todas as definições, no entanto, pecam pela sua simplicidade ou generalismo, de modo que muitas vezes chegam a abarcar fenômenos que nem mesmo podem ser considerados como uma política pública

O conceito de Bucci, por ser jurídico, no entanto, parece o mais acertado. Para a autora, as políticas públicas podem ser definidas nos seguintes termos:

Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.

Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados33. Algumas considerações a respeito da definição merecem ser feitas de modo a

tornarem-na clara.

No que diz respeito ao termo programa, há que se admitir tratar-se de conceito equívoco e controvertido, já que nem todas as políticas públicas se caracterizam como programas em sentido estrito. No entanto, o conceito é útil porque individualiza unidades de ação administrativa, relacionadas aos resultados que se pretende alcançar. Nesse programa está o conteúdo material da política, uma vez que nelas estarão contidos os objetivos a atingir e os meios correspondentes, além de resultado, o que será útil na avaliação dos resultados da política pública. “O programa contém, portanto, os dados extrajurídicos da política pública”34

. Em segundo lugar, ao se considerar a política pública como ação, ressalta-se seu aspecto da efetividade. O ideal de uma política pública não se esgota no seu elemento de validade, na sua conformidade com a ordem jurídica, ou no seu campo de eficácia, que tem a ver com o cumprimento das normas do programa, mas com o atingimento de seus fins, qual seja obter resultados em certo espaço de tempo35.

32 GONÇALVES, Alcindo. Políticas Públicas e a ciência política. In: BUCCI, Maria Paula Dallari Bucci (org.).

Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, São Paulo: Saraiva, 2006. p.75-76.

33

(27)

Por fim, sob o aspecto de processo, quer-se dizer que o fenômeno das políticas públicas representam uma sequência de atos coordenados para atingir um fim, ao qual se acrescenta o elemento contraditório, donde se possibilita a participação popular36

Através dessa breve exposição, logo se verifica a dificuldade do jurista em elaborar um conceito de políticas públicas, uma vez que que o termo carrega elementos estranhos à atividade jurídica, como questões econômicas, sociais e históricas.

Apesar de todo o exposto, Bucci conclui que não existe o que se chama de um conceito jurídico propriamente dito. Em verdade, há apenas um conceito de que se servem os

juristas para a compreensão das políticas públicas, já que as categorias por trás do conceito envolvem questões próprias da política ou da administração pública37.

3.3 As políticas públicas de saúde

Aplicando-se o conceito no que diz respeito ao direito à saúde, as políticas públicas de saúde seriam um programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização, efetivação e garantia do direito à saúde (objetivo socialmente relevante e politicamente determinado).

Nesse sentido, são exemplos de ações governamentais que se enquadram na categoria de políticas públicas de saúde: o Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab, que visa estimular a formação do médico para a real necessidade da população brasileira e levar esse profissional para localidades com maior carência para este serviço), Academia da Saúde (estimula a criação de espaços públicos adequados para a prática de atividade física e de lazer), Saúde da Família (atua na manutenção da saúde e na prevenção de doenças, alterando o modelo centrado em hospitais), Farmácia Popular (amplia o acesso da população a medicamentos essenciais, vendidos a preços mais baixos que os praticados no mercado), Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU, presta serviço de atendimento à população em caráter de urgência) dentre outros38.

36 BUCCI, op. cit., p. 44-46. 37 BUCCI, op. cit., p. 46-47.

(28)

3.4 O Direito fundamental à saúde em sua dimensão prestacional

O direito à saúde, como direito social que é, deve também ser entendido como fundamental na medida em que é reconhecido e assegurado pela Constituição de 1988. Nesse sentido, ele se diferencia dos chamados direitos humanos, uma vez que nessa categoria se enquadram aqueles reconhecidos pelo direito internacional positivo39. Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, portanto, representam categorias distintas e não necessariamente coincidentes.

Na concepção de Krell, os direitos fundamentais sociais “não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais.”40

Em razão de sua dimensão prestacional, o direito à saúde determina uma atuação positiva do Estado no sentido de lhe dar efetividade. Desta forma, o Estado deve se valer de todos os mecanismos possíveis para efetivá-lo.

Assim, em razão de sua fundamentalidade, ao direito à saúde deve ser dada máxima efetividade e reconhecida sua aplicabilidade imediata.

No entanto, é preciso ressaltar que os direitos prestacionais, embora positivos em sua essência, possuem também uma dimensão negativa (determinam um não-fazer), contraponde-se aos direitos negativos (de primeira dimensão). Neste sentido Ingo Sarlet:

Seguindo com o detalhamento de alguns dos aspectos centrais da dogmática constitucional também aplicável ao direito à saúde, importa retomar aqui a classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa (negativos) e direitos a prestações (positivos), visto que o direito à saúde, dependendo da função que assuma no caso concreto, pode ser reconduzido – assim como os direitos fundamentais de um modo geral e tal como já anunciado – a ambas as categorias, com reflexos relevantes em termos de eficácia e efetividade. Com efeito, na condição de direito de defesa, o direito à saúde assume a condição de um direito à proteção da saúde e, em primeira linha, resguarda o titular contra ingerências ou agressões que constituam interferências na e ameaças à saúde, sejam oriundas do Estado, sejam provindas de atores privados. Já como direito a prestações, o direito à saúde pressupõe a realização de atividades por parte do destinatário (o Estado ou mesmo particulares) que asseguram a fruição do direito. Em sentido amplo, abrange a consecução de medidas para salvaguarda do direito e da própria saúde dos indivíduos (deveres de proteção), bem como a organização de instituições, serviços, ações, procedimentos, enfim, sem os quais não seria possível o exercício desse direito fundamental (deveres de organização e procedimento). Em sentido estrito (acompanhando aqui a terminologia proposta por Robert Alexy) a dimensão prestacional traduz-se no fornecimento de serviços e bens materiais ao titular desse direito fundamental (atendimento médico e hospitalar, entrega de medicamentos,

39

SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (org.). Direitos

fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2008. p. 16. 40

KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os descaminhos

(29)

realização de exames das mais variadas naturezas, prestação de tratamentos, ou seja, toda uma gama de prestações que tenham por objeto assegurar a saúde de alguém)41 Como direito prestacional, o direito à saúde depende para sua efetivação de uma atuação do Estado. E a principal forma que isso se dá é através das chamadas políticas públicas. É através de leis, normas, atos administrativos, programas governamentais, prestação de serviço público, enfim, através de políticas públicas que, primariamente esse direito se realiza.

3.5 O Direito à saúde na Constituição e nas normas Infraconstitucionais

Segundo a Organização Mundial da Saúde, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade42.

Já o direito fundamental social à saúde é entendido como um direito às prestações estatais positivas tendentes à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos em seus aspectos físicos, mentais e sociais. A base axiológica do direito à saúde repousa na dignidade da pessoa humana e no mínimo existencial43.

A história demonstra que a incorporação dos direitos sociais nas constituições brasileiras ocorreu de maneira lenta, em especial o direito à saúde, o qual apareceu pela primeira vez na Constituição do 1824, como mera justificativa do Estado. A Constituição de 1891 ignorou qualquer direito social. Já a de 1934 trata da saúde e dos direitos dos trabalhadores, de maneira apenas pontual, referindo-se à competência legislativa para diminuir mortalidade infantil, higiene social, por exemplo. Os demais textos constitucionais limitaram-se a atribuir competência à União para planejar sistemas nacionais de saúde, conferindo-lhe a exclusividade da legislação sobre normas gerais de proteção e defesa da saúde e mantiveram a necessidade de obediência ao princípio que garantia aos trabalhadores assistência médica e sanitária44

O tema, no entanto, só alcançou maior relevância do ponto de vista constitucional com a Carta Magna de 1988, a qual elevou a saúde à condição de direito social de todos os

41 SARLET; FIGUEIREDO, op. cit. p. 40-41. 42

Disponível em: <http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd47/EN/constitution-en.pdf?ua=1>. Acesso em: 18 de setembro de 2014.

43 MARQUES JÚNIOR, William Paiva. Análise da experiência brasileira na primazia do poder judiciário

na execução de políticas públicas de acesso ao direito social à saúde. p. 2. Obra mimeografada.

44

(30)

brasileiros e estrangeiros residentes no país, incluído no rol de direitos e garantias fundamentais (art. 6º), disciplinado nos seguintes termos: trata-se de competência administrativa comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, inciso II); é competência legislativa concorrente estabelecer as normas gerais sobre a proteção e defesa da saúde, competindo à União o estabelecimento das normas gerais e aos Estados, Distrito Federal e Municípios, suplementá-las (art. 24, §§ 1º e 2º c/c art. 30, II); em caso de não aplicação do mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde, será motivo suficiente a ensejar a intervenção

dos Estados nos Municípios, (art. 35, inciso III); é parte da seguridade social (art. 194); representa direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196) de modo que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197).

A Constituição Federal criou também o Sistema Único de Saúde, o qual se constitui em um conjunto de ações e serviços de saúde que integram uma rede regionalizada e hierarquizada, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera do governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade (art. 198). A iniciativa privada também poderá prestar serviço de saúde (art. 199), através de contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§1º), sendo vedada a destinação de recursos público para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos (§2º), bem como a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, exceto nos casos previstos em lei (§3º). Deverá ainda ser facilitada a remoção de órgãos,

tecidos e substâncias para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de

comercialização (§ 4º).

(31)

que devem ser respeitados pela União, pelos Estados e pelos Municípios ao elaborarem suas próprias normas para garantir – em seus respectivos territórios – o direito à saúde para seus povos.

Sueli Gandolfi Dallari arremata:

De modo especial, a LOS colabora na definição do direito à saúde; estrutura o SUS

– tornando claros seus objetivos e suas atribuições, as diretrizes que devem orientar sua organização, direção e gestão, a forma como estão distribuídas as tarefas entre as três esferas de poder e a forma de participação da comunidade na gestão do sistema em cada uma dessas esferas; disciplina a participação dos serviços privados na prestação de assistência à saúde; organiza o financiamento do SUS – tratando expressamento dos recursos, da gestão financeira, do processo de planejamento e do orçamento, inclusive das transferências intergovernamentais de recursos financeiros. A LOS é, portanto, uma lei-quadro destinada a esclarecer o papel das esferas de governo na proteção e defesa da saúde, orientado suas respectivas atuações para garantir o cuidado da saúde45.

Esse é o tratamento legislativo que tem o direito à saúde no ordenamento jurídico pátrio.

No entanto, a realidade prática mostra-se bastante diferente, uma vez as políticas de saúde apresentam-se como notoriamente deficientes.

3.6 Panorama contemporâneo do acesso à saúde no Brasil

A realidade fática demonstra que o direito à saúde não vem sendo garantido conforme é previsto nas normas legais.

Realmente, frequentes são as notícias na imprensa denunciando a precariedade do serviço de saúde no país e o tratamento aviltante dispensado aos cidadãos.

Os programas de políticas públicas de saúde do governo, em todas as suas esferas, tem se mostrado insuficientes e até mesmo inócuos. O direito à saúde no Brasil se encontra num estágio bastante distante de sua efetivação.

Estudo divulgado pelo Conselho Federal de Medicina demonstra a insatisfação de 93% dos eleitores do Brasil com os serviços de saúde no país, tanto o público quanto privado. Especificamente no que concerne aos usurários do SUS, a insatisfação é de 87%. As principais queixas são as longas filas de espera e e a sobrecarga nos atendimentos de urgência

(32)

e emergência. Ainda de acordo com o levantamento, mais da metade dos brasileiros (57%) considera que a saúde deveria ser tema prioritário nas ações do governo federal46.

Relatório recente do Tribunal de Contas da União expõe o retrato da saúde no país hoje e aponta que a situação é alarmante. Foram identificados problemas graves, complexos e recorrentes, relacionados a: insuficiência de leitos; superlotação de emergências hospitalares; carência de profissionais de saúde; desigualdade na distribuição de médicos no País; falta de medicamentos e insumos hospitalares; ausência de equipamentos ou equipamentos obsoletos, não instalados ou sem manutenção; inadequada estrutura física; e insuficiência de recursos de

tecnologia da informação. Falta quase tudo na rede pública e sobra desorganização47

O dado que chama mais atenção, no entanto, é o aumento nas demandas judiciais com o objetivo de garantir a realização de cirurgias e procedimentos e o fornecimento de medicamentos, o que tem trazido preocupação aos gestores da saúde, nas três esferas administrativas, pois, muitas vezes, essa interferência despreza fluxos e protocolos existentes, impõe a realização de tratamentos extremamente onerosos, e resultam em inversão de prioridades nos gastos com medicamentos, com grave impacto na programação anual de saúde. Salta aos olhos os gastos com medicamentos e insumos para cumprimento de decisões judiciais, que passaram de R$ 2,5 milhões em 2005 para R$ 266 milhões no ano de 201148.

Com base nesses relevantes números, não há como negar que a judicialização das políticas públicas de saúde e o ativismo judicial passaram a ser um tema preocupante e merecem ser levados em consideração, especialmente, porque podem estar extrapolando os limites legais, o que pode estar afetando silenciosamente diversos setores da sociedade.

Com efeito, a omissão na prestação do serviço público de saúde se mostra como terreno fértil para a ocorrência desses fenômenos.

46 Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/saude/93-dos-brasileiros-estao-insatisfeitos-com-sistema-de-saude>. Acesso em: 19 de setembro de 2014.

47 Disponível em:

<http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/032.624-2013-1%20Fisc%20Saude.pdf> Acesso em: 19 de setembro de 2014.

48

Disponível em:

(33)

3.7 A judicialização das políticas públicas de saúde

A teoria da Tripartição de Poderes foi idealizada por Aristóteles, mas aperfeiçoada por Montesquieu em sua obra clássica, o Espírito das Leis.

Em sua concepção original, a separação dos poderes determinava a existência de três funções típicas (legislativa, executiva e jurisdicional), as quais, por sua vez, correspondem a três órgãos distintos (Legislativo, Executivo e Judiciário), responsáveis pelo cumprimento de cada uma delas de maneira autônoma e independente. É o que se denominou

Teoria dos Freios e Contrapesos.

Diante da realidade fática dos mais variados países, referida teoria foi adotada

com temperamentos. Assim, cada um dos poderes exerceria sua função típica e, em hipóteses excepcionais, poderia atuar também no exercício das funções inerentes aos demais poderes (funções atípicas).

Não haveria, nesse sentido, ofensa à separação dos poderes, uma vez que cada órgão exerceria uma função sua, já tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário.

Um Poder, portanto, não deve, como regra, interferir na atuação de outro, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes e, por consequência, da própria Constituição, o que se poderia configurar como usurpação de poder, conduzindo ao arbítrio e até à tirania.

Em verdade, referidas “intervenções” são possíveis, mas desde que constitucionalmente previstas. Um campo em que essa linha é mais tênue, sem dúvida, que é o das políticas públicas.

O direito à saúde não vem sendo concretizado como deveria pelo Executivo. Diante desse quadro de omissão, só resta à população recorrer ao Judiciário para evitar lesão ou ameaça a direito. Nessa hipótese, não é dado ao Judiciário se furtar de decidir (art.5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1998).

A esse fenômeno dá-se o nome de “Judicialização da política”. É a situação em

(34)

de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade49.

A Judicialização em muito se assemelha ao ativismo, havendo, inclusive, quem os trate como sinônimos. Ambos os fenômenos, no entanto, tem causas distintas.

3.8 Causas da Judicialização e do Ativismo Judicial

Luís Roberto Barroso atribui o nascimento da judicialização basicamente a três fatores: a) a redemocratização do país, que fortaleceu o Poder Judiciário e aumentou a

demanda por justiça na sociedade brasileira; b) a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político

majoritário e para a legislação ordinária; c) o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, o qual permitiu ao STF a tomada de importantes decisões, notadamente nos últimos anos50.

Já o ativismo judicial, fenômeno constante na sociedade contemporânea, nasce de uma crise de representatividade democrática que demanda a intervenção do Judiciário a fim de conter os abusos e principalmente as omissões dos outros poderes num contexto histórico de transição do Estado de Direito para o Estado Democrático de Direito, de complexidade das relações jurídico-sociais, de ruptura de paradigmas constitucionais clássicos a partir da filosofia pós-positivista e da força normativa da Constituição e da implementação progressiva dos direitos fundamentais.

Atualmente o que se vê é uma mudança no papel que o Poder Judiciário vem desempenhado no país.

Com efeito, o que se verifica notadamente no pós-88 é a superlativização das funções do judiciário em razão da própria modificação do direito decorrente da nova fase constitucional vivida desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então percebe-se uma clara publicização de funções e interesses, de modo que muitos das questões privadas passaram se tornar questão pública notadamente em face de seu caráter programático. O Estado assumiu a partir de então a função de agente transformador da

realidade.

Esse rearranjo na teoria da separação dos poderes aliado à mudança na postura de neutralização do Poder Judiciário se deveram ao advento da sociedade tecnológica,

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