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Os fundamentos teóricos que justificam uma teoria do controle das políticas públicas

4 LIMITAÇÕES AO ATIVISMO JUDICIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE

4.1 Os fundamentos teóricos que justificam uma teoria do controle das políticas públicas

O primeiro deles consiste na noção de que, uma vez que as disposições constitucionais são normas jurídicas e, como tais, possuem normatividade (produzem efeitos no mundo dos fatos) elas também detem imperatividade (é uma ordem, uma imposição para se fazer ou deixar de fazer), que é característica própria do Direito. Além disso, elas tem superioridade hierárquica com relação a todas as outras normas do ordenamento jurídico73.

O segundo fator reside na condição diferenciada de superioridade que tem os direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico. O Estado, assim, existe para promovê- los, de modo que toda e qualquer diretriz ou norma deve ser interpretada com essa finalidade. Isso se dá por sua centralidade, que decorre da própria centralidade do homem e sua dignidade74.

Por fim, o último fator se encontra na compreensão de que os poderes públicos estão submetidos à Constituição (Estado Democrático de Direito), devendo-lhe obediência e por ela sendo limitados através de normas jurídicas. “Uma das funções de um texto constitucional, porém, é justamente estabelecer as vinculações mínimas aos agentes políticos, sobretudo no que diz respeito à promoção dos direitos fundamentais”75

.

A promoção dos direitos fundamentais se dá através de ações e omissões, conforme já se demonstrou. Nesse sentido, aduz Ana Paula Barcelos:

Compete à Administração Pública efetivar os comandos gerais contidos na ordem jurídica e, em particular, garantir e promover os direitos fundamentais em caráter geral. Para isso será necessário implementar ações e programas dos mais variados tipos e garantir a prestação de determinados serviços. Em suma: será preciso implementar o que se descreveu acima como políticas públicas. É fácil perceber que apenas por meio das políticas públicas o Estado poderá, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes detalhados pelo legilador) sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais cuja fruição direta dependa de ações76.

72

BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado. n. 3., 2006. p. 7.

73 BARCELLOS, op. cit., p. 6 74

BARCELLOS, op. cit., p. 6 75 BARCELLOS, op. cit., p. 6 76 BARCELLOS, op. cit., p. 8.

Ocorre que, as políticas públicas, como toda ação estatal, demandam gastos. Os recursos, no entanto, são limitados. Em razão disso é preciso se estabelecer em que, como, com que, quanto e com que finalidade será gasto o dinheiro público. A resposta para tais questionamentos depende dos fins constitucionais que devem ser perseguidos em caráter prioritário, o que não é resultado somente de deliberação política, mas também passa pela análise de questões envolvendo a incidência de normas jurídicas constitucionais.

A importância do controle judicial e mesmo político se faz necessário tendo em vista que certos comandos constitucionais e legais podem não ser efetivados.

Apesar dessa constatação, algumas críticas são tecidas ao controle jurídico e jurisdicional.

4.2 Críticas ao controle jurídico e jurisdicional

Ana Paula Barcellos resume as críticas ao controle jurídico e jurisdicional em três categorias: a crítica que se baseia na teoria da Constituição, a crítica filosófica e a crítica operacional.

4.2.1 Crítica da teoria da Constituição

Aqui questiona-se a motivação do Judiciário e do Direito de tratarem de uma questão reservada à deliberação política majoritária, própria do pluralismo político, o que supostamente geraria um grave desequilíbrio em prejuízo da democracia77.

Embora seja questão inerente ao âmbito da deliberação política e não dos magistrados, há outras três assertivas que também são corretas.

O diálogo democrático só pode funcionar quando os seres humanos têm uma vida digna. O que é evidente, tendo em vista que, para o exercício da democracia e do controle social, é preciso antes que os cidadãos usufruam de saúde, alimentação, educação, pré- requisitos para uma correta avaliação do processo democrático. Não sendo assim, inexiste viabilidade para qualquer tipo de controle social.

Barcellos coloca a questão nos seguintes termos:

Na ausência de controle social, a gestão das políticas públicas no ambiente das deliberações majoritárias tende a ser marcada pela corrupção, pela ineficiência e pelo clientelismo, este último em suas variadas manifestações: seja nas relações entre Executivo e parlamentares – frequentemente norteada pela troca de favores-, seja nas relações entre os agentes públicos e a população. Nesse contexto, manipulado em suas necessidades básicas, o povo acaba por perder a autonomia crítica em face de seus representantes É fácil perceber que corrupção, ineficiência e

clientelismo minam a capacidade das políticas públicas de atingirem sua finalidade: garantir e promover os direitos fundamentais. Os recursos públicos são gastos, mas o status geral dos direitos fundamentais na sociedade sofre pouca melhora – ou apenas melhoras transitórias – e, a fortiori, as condições da população de participar adequadamente do processo democrático permanecem inalteradas. O ciclo então se renova: sem controle social, persistem a corrupção, a ineficiência e o clientelismo. Mais recursos públicos são desperdiçados e muito pouco se produz em favor da promoção dos direitos fundamentais78.

A segunda assertiva concatena-se com a discussão sobre onde estabelecer a fronteira entre o direito constitucional e a política, o que depende de uma opção constitucional concreta que cada país haja formulado79.

Por fim, é preciso esclarecer a desnecessidade de fazer deste um debate polarizado, com a existência de dois únicos campos: um só reservado para o controle da política e outro só para o controle do direito. Existe inegavelmente entre eles uma zona intermediária80.

Esta primeira crítica, conclui a autora, faz pouco sentido no Brasil porque “a discussão brasileira se desenvolve, no mais das vezes, em um momento prévio, de construção das condições indispensáveis para a existência afinal de um debate público e democrático81” e, além disso, a própria Constituição decidiu juridicizar alguns temas dessa matéria em suas normas, o que não altera, por si só, sua existência.

Há que se ressaltar, no entanto, um importante papel dessa primeira crítica, qual seja o de barrar o avanço do messianismo jurídico (ou ativismo judicial), pois países em desenvolvimento (a exemplo do Brasil), onde, por força do ambiente político e social, a frustração e a impaciência com o ritmo e os frutos do processo democrático ordinário podem conduzir ao desprezo, ainda que velado, por esse processo, corre-se o risco de se incentivar a tentação de se malversar o direito para transformá-lo em instrumento de afirmação da concepcção política do intérprete82.

4.2.2 Crítica filosófica

Essa crítica aponta que seria paternalista e presunçoso imaginar que os juristas e os juízes tomariam melhores decisões em matéria de políticas públicas que os agentes públicos encarregados dessa função. Exceto em três situações.

78 BARCELLOS, op. cit., p. 14. 79 BARCELLOS, op. cit., p. 14. 80

BARCELLOS, op. cit., p. 15. 81 BARCELLOS, op. cit., p. 15 82 BARCELLOS, op. cit., p. 15-16.

Partindo-se do pressuposto de que o relativismo moral não é consistente (pois, do contrário, a opinião de todas as pessoas teriam o mesmo valor e, consequentemente, não haveria nunca uma mais correta ou melhor do que outra) é possível concluir que, em determinadas situações, existem padrões ou consensos morais. Nessas hipóteses, necessariamente, diante da confrontação com esses padrões, uma opinião não será somente uma opinião, mas poderá ser mais correta e, logo, ter mais valor que outra. Assim é que:

Não se trata, portanto, de conferir maior valor à opinião do juiz ou do jurista por razões subjetivas, isto é: porque se cuida de um juiz ou de algum jurista. Trata-se de conferir maior valor a uma opinião porque, em determinado contexto, e independentemente de seu emissor, nem todas as opiniões são equivalentes, indiferentes ou igualmente relativas; existem parâmetros morais aplicáveis que permitem afirmar que determinadas posições são certas e outras erradas e, como parece natural, as posições certas têm valor superior às erradas83.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos conhecimentos técnicos e científicos. E essas considerações são importantes nesse contexto, porque o debate sobre políticas públicas envolve tanto questões técnico-científicas, quanto morais (a uma: em razão da centralidade do homem e de seus direitos no contexto do Estado de Direito, as opções em matéria de política pública que violem essa diretriz, tratando o homem como meio e não fim, serão moralmente erradas; a duas: essa diz respeito à correção do processo de efetivação da política pública)84.

Assim é possível inferir que, diante da inexistência de quaisquer desses três fundamentos (jurídico, moral ou técnico-científico) – incide perfeitamente a crítica examinada neste ponto. Isto porque inexistirá fundamento algum, legítimo, com base no qual o juiz possa fazer a sua opinião prevalecer sobre a dos agentes públicos democraticamente eleitos. Uma vez que o juiz não pode recorrer a um fundamento normativo claro (que traz em si a legitimidade democrática própria associada a sua elaboração) e se sua decisão não se reconduz a um imperativo moral ou técnico, sua opinião, na realidade, é uma opinião, sem qualquer valor intrínseco especial. E em meio a opiniões equivalentes, valerá mais aquela que tiver o apoio da maioria, ainda que indiretamente85.

83

BARCELLOS, op. cit., p. 18. 84 BARCELLOS, op. cit., p. 19-20. 85 BARCELLOS, op. cit., p. 22.

4.2.3 Crítica operacional

A última crítica apontada por Ana Paula de Barcellos afirma que tanto o juiz quanto o jurista não tem condições de avaliar as ações estatais como um todo, tendo em vista que geralmente em demandas individuais eles realizam o que se denomina micro-justiça, ignorando aspectos maiores pertencentes à denominada macro-justiça. E isso tem a ver com a própria realidade do juiz, o qual não costuma dispor do instrumental técnico ou de informação para tanto sem desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas em sua totalidade86.